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O princípio da razoável duração do processo e seus reflexos no inquérito policial

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13/12/2006 às 00:00
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            "Há homens que lutam um dia e são bons.

            Há outros que lutam um ano e são melhores.

            Há os que lutam muitos anos e são muito bons.

            Porém, há os que lutam toda a vida. Estes são os imprescindíveis".

Bertold Brecht (1898-1956)


SUMÁRIO: RESUMO; INTRODUÇÃO; 1 O Processo Penal e o inquérito policial, 1.1. Da concepção histórica do direito penal, 1.2. O processo penal inquisitivo e o inquérito policial, 1.3. O inquérito policial como instrumento do processo penal, 1.4. Peculiaridades do inquérito policial, 1.5. Prazos para conclusão do inquérito policial, 2 O inquérito policial e o princípio da razoável duração do processo, 2.1. A celeridade processual elevada a direito humano fundamental, 2.2. A morosidade processual – uma preocupação mundial, 2.3. As conseqüências do excesso de prazo no processo penal, 2.4.A prescrição punitiva estatal durante o inquérito policial, 2.5. Os tribunais brasileiros ante o excesso de prazo no inquérito policial, 2.6. As reformas no Código de Processo Penal e a racionalização do inquérito policial; CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


RESUMO

            A partir da socialização humana, o Estado chamou para si o poder de ditar as regras necessárias ao convívio social harmônico, descrevendo comportamentos e sanções aos infratores deste conjunto de normas, denominado Direito Penal. A forma como se exterioriza o jus puniendi do Estado é o Processo penal, que historicamente apresentou-se sob diversas formas, tendo se consolidado no Brasil o modelo inquisitivo durante a fase preliminar, e o acusatório na fase processual judicial. O inquérito policial é o instrumento de que dispõe o Estado para coletar os indícios de autoria e materialidade do ilícito, a fim de que sirvam de sustentáculo para a propositura da ação penal, tendo sido fixados prazos legais para a conclusão do procedimento investigativo. Tanto o inquérito como o processo penal, ao longo do tempo, tornaram-se excessivamente demorados, o que acabou por elevar esta problemática ao âmbito internacional de direito humano fundamental, consolidando-se o princípio da celeridade processual como direito e garantia fundamental, inserido no texto constitucional brasileiro. O principal foco da presente monografia prende-se à necessidade de estender a aplicação e os efeitos do princípio da celeridade processual ao inquérito policial, como instrumento essencial da persecução penal. O estudo deu-se através do método dedutivo, por meio de pesquisas bibliográficas junto a obras doutrinárias e decisões jurisprudenciais pátrias, tendo como objetivos analisar o inquérito policial dentro do âmbito processual penal brasileiro, bem como as implicações da morosidade na sua conclusão, constatar a banalização das concessões de dilação de prazo para conclusão do procedimento investigatório, e demonstrar a necessidade de racionalização do inquérito policial como reflexo da elevação do direito à celeridade processual ao status de direito humano fundamental.

            Palavras-chave: Processo Penal. Inquérito Policial. Celeridade Processual. Racionalização. Direitos Humanos.


INTRODUÇÃO

            Muitas são as causas apontadas para explicar os alarmantes índices de criminalidade que assolam a sociedade contemporânea. O gigantesco abismo social na distribuição da renda, acesso deficitário à educação de base, e, sem sombra de dúvida, a sensação de impunidade transmitida com a morosidade na administração da Justiça.

            Os processualistas penais, não sem razão, afirmam que a lentidão estatal na prestação da tutela penal atinge não apenas as partes envolvidas, mas a sociedade como um todo, na medida em que, não sendo punidos e ressocializados os infratores, também a criminalidade tende a não ser reduzida.

            No contexto de um Estado democrático de Direito, os direitos e garantias fundamentais, alçados com a Constituição Federal de 1988 ao status de cláusulas pétreas, constituem-se em verdadeiros instrumentos dos indivíduos contra o arbítrio do Estado.

            Dentre os princípios fundamentais garantidores, foi inserido no rol do art. 5º da Carta Magna, através da Emenda Constitucional n. 45, o inciso LXXVIII, que garante a razoável duração dos processos judiciais e administrativos, também chamado de princípio da celeridade processual. O objetivo de tal dispositivo é assegurar a todos os litigantes, no âmbito administrativo ou judicial, uma solução concreta em prazo não excessivamente longo, buscando imprimir maior qualidade, celeridade e, conseqüentemente, eficácia na atividade jurisdicional do Estado.

            Ser submetido ao julgamento em um prazo não excessivamente longo é direito de todo acusado. Ninguém pode ficar indefinidamente à mercê do arbítrio da máquina estatal. As angústias e aflições oriundas de um processo penal devem ser compensadas pela celeridade na prestação jurisdicional do Estado, mesmo porque, ao final do processo, o acusado poderá ser absolvido, restando-lhe as agruras impostas pelos longos anos de espera.

            Não basta, entretanto, o legislador criar normas meramente programáticas. É necessário, para que se efetivem tais direitos, a implementação de reformas processuais que agilizem o atravancado sistema judicial e administrativo brasileiro, e que passem a privilegiar a célere solução dos conflitos postos à apreciação do Estado.

            Dentre os institutos do Processo Penal, o inquérito policial ocupa lugar de destaque. Ainda que considerado por muitos como mero procedimento investigatório preliminar, ele é, na verdade, imprescindível na atual conjuntura processualista brasileira. Pode-se fazer tal afirmação levando em conta, por exemplo, a importância das provas periciais colhidas durante o inquérito, inviáveis de reprodução na instrução processual, devido ao decurso do tempo. Assim, se ao Estado se permite incidir sobre os cidadãos a carga de "suspeitos", também a estes se deve garantir que não permaneçam nesta condição indefinidamente.

            A Constituição Federal afirma a presunção de inocência antes da condenação transitada em julgado. Entretanto, é inegável que já desde o indiciamento em inquérito policial passam a incidir inúmeros reflexos negativos na vida do cidadão, por exemplo, não sendo possível a este a obtenção de certidões de antecedentes criminais negativas.

            O princípio da razoável duração do processo, ou da celeridade processual, desta forma, deve estender seus reflexos também sobre o inquérito policial, a fim de evitar que as investigações promovidas pela Polícia Judiciária se prolonguem indefinidamente no tempo, levando, por inúmeras vezes, à prescrição da pretensão punitiva do Estado.

            Ainda que elogiável a iniciativa do constituinte reformador, ao inserir no texto da constituição federal a celeridade processual como garantia fundamental, não ficou claro qual seria o prazo considerado razoável para conclusão do processo, tampouco quais os instrumentos utilizáveis para a aplicação do princípio.

            Dentro da necessidade de se agilizar a prestação da tutela jurisdicional, o inquérito policial, como peça da persecução extrajudicial, tem tido, via de regra, sua importância negligenciada. Se no processo penal, o recebimento da denúncia pelo juiz interrompe a prescrição da pretensão punitiva do Estado, o mesmo não se pode dizer do indiciamento do suspeito em inquérito policial. Daí a necessidade de se agilizar esse procedimento, que, mesmo em alguns casos é dispensável Ministério Público, no momento da propositura da ação penal, continua a ser a maneira mais usual de coleta de indícios de autoria e materialidade acerca dos delitos penais.

            O Código de Processo Penal prevê prazos preclusivos para a conclusão do inquérito, estando o indiciado preso ou solto, respectivamente. Também outras leis penais extravagantes, fixam prazos diferentes para finalização do inquérito, quando do cometimento dos crimes regulados por elas, por exemplo, delitos contra a economia popular e nos crimes relacionados ao tráfico de substancias entorpecentes.

            Permite ainda a legislação que, em casos excepcionais, o juiz prorrogue o prazo, para conclusão do inquérito, fixando novo prazo, dentro do qual deveriam ser concluídas as diligências necessárias. Cumpre ainda ressaltar que, ainda que não explicitado no Código de Processo Penal, tal dilação somente se permite uma única vez, e não da forma como são concedidos novos prazos por dezenas de vezes, que se vê nos inquéritos policiais brasileiros.

            Assim, o princípio da celeridade processual aplicado ao inquérito policial trará conseqüências positivas a todos os envolvidos. Para o indiciado, torna-se injusto um inquérito demorado, pois sobre ele incide o ônus de "suspeito", e quanto mais rápido findarem as investigações, também antes poderá ficar comprovada sua inocência; Para o Estado, um inquérito célere proporcionará a instauração do processo penal e o julgamento do infrator em menor tempo. Para a vítima, não ficará a sensação de impotência e abandono estatal, pois aquele que tenha lhe causado o dano efetivamente terá sido foi punido, e, finalmente, perante a sociedade, não restará a sensação de impunidade como incentivadora da prática de novos delitos.

            O objetivo do presente estudo é sintetizar, através da utilização do método dedutivo, por meio de pesquisas bibliográficas junto a obras doutrinárias e jurisprudências dos Tribunais pátrios, a aplicabilidade do princípio da razoável duração do processo ao inquérito policial, como instrumento da função jurisdicional do Estado, bem como a necessidade urgente de se imprimir uma maior celeridade ao procedimento investigatório promovido pela Polícia Judiciária.

            Assim também, demonstrar a necessidade de uma utilização mais racional do Inquérito Policial como instrumento de persecução criminal, a fim de fornecer subsídios relativos à autoria e materialidade da infração penal ao titular da ação.

            Finalmente, demonstrar a incidência do princípio da razoável duração do processo ao inquérito policial, ainda não sendo ele um processo em sentido strico sensu, mas procedimento administrativo pré-processual, a fim de evitar que investigações policiais de prolonguem durante anos, sem que obtenham os subsídios necessários à propositura da ação penal.

            Para tanto, no primeiro capítulo será detalhada a fase administrativa da persecutio criminis, com breve abordagem histórico-evolutiva do processo penal, dentro do qual está inserido o inquérito policial, com ênfase à importância deste procedimento dentro de persecução penal estatal, assim como a problemática do não cumprimento dos prazos legais de encerramento do inquérito.

            No segundo capítulo, será abordada a preocupação mundial com o problema da morosidade judicial, que ocasionou a elevação do direito de ser julgado em um prazo não excessivamente longo à condição de direito humano fundamental, positivado em diversos tratados internacionais, todos ratificados pelo Brasil.

            Será também acoimada a inércia legislativa e judicial brasileira, ao não efetivar a celeridade processual, mediante as reformas legislativas necessárias, assim como a mudança de posicionamento dos tribunais, que ainda resistem em reconhecer o excesso de prazo na finalização do processo penal e, mais ainda, no inquérito policial.

            Por fim, serão evidenciadas as conseqüências negativas do não cumprimento do prazo de encerramento do inquérito policial para o indiciado, que arca com o ônus pessoais e sociais de "suspeito", para a sociedade, na medida em que a punição que demora a ser imposta, acaba por estimular a prática de atos ilícitos, e para o próprio Estado, pela perda da pretensão punitiva, ocasionada pela prescrição ainda durante a fase inquisitorial.


1 O Processo Penal e o inquérito policial

            1.1 Da concepção histórica do Direito Penal

            Quando o homem abandonou a vida nômade e se estabeleceu em comunidades, passou também a se inter-relacionar mais intensamente com seus pares. Em razão dessa convivência, inevitavelmente surgiram conflitos, com o interesse de um indivíduo se contrapondo ao de outro.

            O surgimento das primeiras sociedades é assim descrito por Cesare Beccaria:

            Sendo o crescimento do gênero humano, apesar de lento e pouco considerável, muito superior aos meios de que dispunha a natureza estéril e abandonada, para satisfazer necessidades que se tornavam cada dia mais numerosas e entrecruzando-se de mil modos, os primeiros homens, até então em estado selvagem, foram forçados a agrupar-se.[...] Fatigados de só viver em meio a temores e de encontrar inimigos em toda parte, cansados de uma liberdade cuja incerteza de conservá-la tornava inútil, sacrificaram uma parte dela para usufruir do (sic) restante com mais segurança. [01]

            Sem o estabelecimento de regras que regulamentassem as condutas humanas, o convívio em sociedade seria impossível, razão pela qual o Estado, na pessoa dos governantes, passou a prescrever direitos e impor deveres, descrevendo também quais condutas seriam puníveis, em favor de uma paz jurídica e social.

            Neste sentido é a doutrina de Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco:

            Mais tarde, à medida que o Estado foi-se afirmando e conseguiu impor-se aos particulares mediante a invasão de sua antes indiscriminada esfera de liberdade, nasceu, também gradativamente, a sua tendência a absorver o poder de ditar as soluções para os conflitos.[...] Além disso, para facilitar a sujeição das partes às decisões, a autoridade pública começa a preestabelecer, em forma abstrata, regras destinadas a servir de critério objetivo e vinculativo para tais decisões, afastando assim os temores de julgamentos arbitrários e subjetivos. Surge, então, o legislador (A Lei das XII Tábuas, do ano de 4501 a.C., é um marco histórico fundamental dessa época) (grifo do autor). [02]

            O conjunto de normas, pelas quais o Estado exterioriza seu direito subjetivo de punir os atos considerados ilícitos, denomina-se Direito Penal, segundo a lição de Fernando Capez:

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            O Direito Penal é o segmento do ordenamento jurídico que detém a função de selecionar os comportamentos humanos mais graves e perniciosos à coletividade, capazes de colocar em risco valores fundamentais para a convivência social, e descrevê-los como infrações penais, cominando-lhes, em conseqüência, as respectivas sanções, além de estabelecer todas as regras complementares e gerais necessárias à sua correta e justa aplicação. [03]

            A punição do autor de qualquer ato ilícito representa, assim, uma reação da comunidade da qual ele faz parte, pois o jus puniendi estatal nada mais é que uma delegação de poderes da própria sociedade, que transfere ao Estado a função de reprimir as condutas tidas como indesejáveis ao meio social.

            E continua Fernando Capez a delimitar os objetivos do direito Penal:

            A missão do Direito Penal é proteger os valores fundamentais para a subsistência do corpo social, tais como a vida, a saúde, a liberdade, a propriedade etc., denominados bens jurídicos. Essa proteção é exercida não apenas pela intimidação coletiva, mais conhecida como prevenção geral e exercida mediante a difusão do temor aos possíveis infratores do risco da sanção penal, mas, sobretudo pela celebração de compromissos éticos entre o estado e o indivíduo, pelos quais se consigna o respeito às normas, menos por receio de punição e mais pela convicção de sua necessidade e justiça. [04]

            Praticado o ato definido como ilícito, o Estado passa a exteriorizar seu direito subjetivo de punir, através do processo penal, que se desenvolve por meio de órgãos próprios e específicos para esse fim, encarregados da persecução penal e da administração da justiça.

            O Processo Penal é definido por Julio Fabbrini Mirabete como: "O conjunto de atos cronologicamente concatenados (procedimentos), submetido a princípios e regras jurídicas destinadas a compor lides de caráter penal" (grifo do autor). [05]

            Desta forma, levando em conta os princípios que o norteiam e a maneira como se desenvolve, o processo penal pode ser definido como acusatório, inquisitivo e misto.

            No processo do tipo acusatório, que prosperou entre os romanos e atenienses, e que vigora atualmente no Brasil, devidamente alterado pela evolução histórico-legislativa, tem como principais características: o Estado é inerte, cabendo a iniciativa do processo sempre à parte acusadora; é garantido ao acusado o direito ao contraditório e ampla defesa e, principalmente, as funções de acusação, defesa e julgamento são atribuídas a pessoas distintas.

            Nesse sentido, ensina Eduardo Luiz Santos Cabette:

            No Brasil é adotado o sistema acusatório, com uma fase preliminar de investigação que constitui, em regra, o inquérito policial. Diz-se "em regra" porque por força legal o inquérito policial não é indispensável para a propositura da ação penal (art. 4º, par. ún., CPP), podendo ser substituído por outras peças informativas ou mesmo por procedimentos investigatórios atribuídos a outras autoridades administrativas que não as policiais. [06]

            No processo penal misto, as fases de investigação preliminar e de instrução preparatória eram secretas, ao passo que a fase de julgamento era pública, e nela era permitido o exercício do contraditório e da defesa pelo acusado.

            Esta forma de processo desenvolveu-se na França, posteriormente à Revolução Francesa, a partir da luta dos revolucionários que se insurgiram contra o processo penal acusatório, que será minudenciado dentro do presente trabalho.

            1.2 O processo penal inquisitivo e o inquérito policial

            O sistema processual inquisitorial, do qual deriva o nosso Inquérito Policial, surgiu embrionariamente na Roma Antiga. O magistrado não permanecia inerte, à espera da ação das partes litigantes, mas, praticado o ato delituoso, tomava a iniciativa de iniciar e conduzir a persecução penal, segundo a doutrina de Fernando da Costa Tourinho Filho:

            [...] Bastava a NOTITIA CRIMINIS (sic) para que o próprio magistrado se pusesse em campo, a fim de proceder às necessárias investigações. Essa fase preliminar chamava-se inquisitio (sic). Após as investigações, o magistrado impunha a pena. Prescindia-se da acusação. Nenhuma garantia era dada ao acusado. Não havia limites ao arbítrio dos juízes (grifo do autor). [07]

            Porém, foi na Europa, durante a Idade Média, que o sistema inquisitorial consagrou-se efetivamente, com o advento da "Santa Inquisição" promovida pela Igreja Católica. Esse movimento, iniciado no pontificado do Papa Inocêncio III, visava identificar e punir todos aqueles taxados pela Igreja como hereges ou infiéis à fé católica.

            É esse o ensinamento de Marcus Cláudio Acquaviva: "O processo inquisitório surgiu no Direito Canônico, por determinação do Papa Inocêncio III. Floresceu na França, Alemanha, Espanha e outros países cultos". [08]

            No mesmo sentido aponta José Geraldo da Silva:

            O sistema inquisitorial, surgido na Idade Média, em idos de 1200, valia-se da autoridade papal para proceder contra os blasfemadores, lançadores de sorte, necromantes, excomungados, apóstatas, cismáticos, neófitos que retornavam aos erros anteriores, judeus, infiéis que vivem no meio dos cristãos, invocadores do diabo. [09]

            A expressão "inquisição" é derivada da palavra latina inquirere, que por sua vez compôs-se da junção de outros dois termos latinos: in (em), e quaero (buscar). Assim, trata-se a inquisição de uma verificação, uma investigação, uma busca.

            No processo canônico, a suprema autoridade religiosa, o Papa, nomeava um inquisidor que, investido do poder da Igreja, conduzia as inquisições de modo absolutamente arbitrário, não sendo permitida defesa alguma porta parte do acusado.

            Não havia a instauração de um processo formal, o inquisidor podia agir livremente, de acordo com sua discricionariedade, colhendo depoimentos das testemunhas em segredo, as quais não eram sequer identificadas, e promovendo todo tipo interrogatório ou instrução que julgasse necessária.

            Quanto ao acusado, eram-lhe aplicadas torturas atrozes, a fim de conseguir sua confissão, que, mesmo quando proferida, não lhe trazia benefício algum, a não ser a absolvição dos supostos pecados, já que não evitava a aplicação da pena que, em regra, era a morte.

            A Inquisição, calcada no poder da Igreja, espalhou-se por toda a Europa, difundindo terror durante cerca de 400 anos. Pouco a pouco os monarcas, vendo no sistema inquisitório também uma arma para a manutenção do poder, passaram a adotá-lo em suas legislações, como ocorreu em Portugal, França, Alemanha, Espanha, e Itália.

            O sistema inquisitivo passou a servir, assim, além das perseguições religiosas, também como instrumento da persecução penal positivado nas legislações européias.

            Traz-se à baila a lição de José Geraldo da Silva, ao dizer que: "O sistema inquisitivo, estabelecido pelos canonistas, pouco a pouco dominava as legislações da Europa Continental, convertendo-se em instrumento de dominação política". [10]

            Esse também é o ensinamento de Fernando da Costa Tourinho Filho:

            O processo inquisitivo despontou em Roma, quando já se permitia ao juiz iniciar o processo de ofício, e, ao atingir a Idade Média, por influência da Igreja, o processo per inquisitionem passou a dominar toda ou quase toda Europa Continental, a partir do Concílio de Latrão de 1215. Foi introduzido, na verdade, pelo Direito Canônico, mas, em seguida, viram os soberanos, naquele tipo de processo, uma arma poderosa e, por isso, espalhou-se entre os tribunais seculares (grifo do autor). [11]

            No século XVIII, começaram a surgir na Europa movimentos contra o sistema inquisitorial. Conforme o continente europeu se "civilizava", aos poucos desapareceram, pelo menos oficialmente, as torturas e denúncias secretas.

            No seio da Igreja Católica, entretanto, a Inquisição só foi abolida oficialmente no ano de 1965, dando lugar à Congregação da Doutrina da Fé, uma espécie de tribunal eclesiástico moderno, voltado basicamente contra religiosos dissidentes.

            No Brasil, a mais célebre intervenção desta instituição ocorreu no ano de 1984, tendo como alvo o então Frei Leonardo Boff, autor do livro "Igreja: Carisma e Poder", no qual o religioso expunha severas críticas aos dogmas católicos.

            Como penalidades, Boff foi deposto de suas funções no magistério religioso e proibido pelo então Cardeal e atual Papa da Igreja Católica, Joseph Ratzinger, líder da Congregação, de manifestar-se publicamente sobre suas opiniões pelo período de um ano. Alguns anos mais tarde, Leonardo Boff, desiludido, afastou-se da Igreja Católica.

            Após a Revolução Francesa de 1789, com a propagação dos ideais de igualdade, liberdade e fraternidade, grande parte da Europa passou a adotar um sistema misto de persecução penal.

            O modelo inquisitório foi mantido apenas na fase inicial das investigações, consagrando-se o processo penal como processo de natureza acusatória. Dividia-se a persecução penal em instrução inquisitiva e juízo contraditório, ambos conduzidos pelo magistrado, já se reconhecendo, entretanto, alguns direitos ao réu, como o da defesa e do contraditório.

            Em suma, o procedimento inquisitivo, que havia nascido no Direito Romano, robusteceu-se durante a Idade Média, através da força da Igreja Católica, que se valeu desta forma de procedimento para investir contra toda dissidência ou discórdia de seus dogmas. O inquisidor nomeado pelo Papa agia com total liberdade e autonomia, baseando suas investigações em denúncias secretas e aplicação generalizada de torturas aos acusados.

            A similaridade do atual inquérito policial com os procedimentos inquisitivos medievais prende-se, principalmente, à ausência de defesa pelo acusado, que é colocado na condição de objeto de investigação, portanto, desprovido do direito de se contrapor ao Estado, ao menos durante a fase inquisitorial da persecução penal.

            1.3 O inquérito policial como instrumento do Processo Penal

            No Brasil, a expressão "inquérito policial" foi positivada no ordenamento jurídico através da Lei nº 2.033, de 20 de agosto de 1871, que preconizava em seu art. 42: "O inquérito policial consiste em todas as diligências necessárias para o descobrimento dos fatos criminosos, de suas circunstâncias, e de seus autores e cúmplices, devendo ser reduzido a instrumento escrito". [12]

            O Estado desenvolve sua atividade persecutória penal de forma mista, dividindo-a em duas fases: uma extrajudicial, de caráter inquisitório, e outra judicial, acusatória. Na primeira, busca, através do inquérito policial, levado a cabo pela Polícia Judiciária, a coleta de elementos que possam indicar a autoria e materialidade do delito, a fim de lastrear a propositura ou não da ação penal.

            Este é o teor do art. 4º do Código de Processo Penal: "A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria". [13]

            Sobre o tema, se posiciona Fernando da costa Tourinho Filho:

            Para que o Ministério Público, como órgão do Estado, possa exercer o direito de ação penal, levando ao conhecimento do juiz a notícia sobre um fato que se reveste de aparência criminosa, apontando-lhe também o autor, é curial deve ter ele em mãos os dados indispensáveis. Tais informações preliminares são colhidas, no primeiro momento da persecução, pela polícia judiciária, ou Civil, como diz a Constituição, outro órgão do Estado incumbido de investigar o fato típico e sua respectiva autoria, a fim de possibilitar a propositura da ação penal. Assim, a persecutio criminis (sic) apresenta dois momentos distintos: o da investigação e o da ação penal (grifo do autor). [14]

            A ação penal, por sua vez, desenvolve-se somente em âmbito judicial, após o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público e o recebimento desta pelo juiz, através da qual o Estado imputa ao indivíduo a acusação e aplica-lhe a pena correspondente.

            É essa a lição de José Geraldo da Silva:

            [...] a apuração do fato e sua respectiva autoria desenvolve-se no inquérito policial, cujo caráter é, eminentemente, inquisitório. Já o processo judiciário, que compreende a instrução e o julgamento, é nitidamente acusatório. Inexiste o princípio do contraditório na fase de investigação preliminar, efetuada pela Polícia Judiciária, que é o inquérito policial, onde se apura a materialidade e autoria do delito. [15]

            Por fugir do âmbito do vertente trabalho monográfico, não se fará um enfrentamento do processo penal stricto sensu, pois o que se pretende não é esgotar o assunto, mas pincelar as particularidades do inquérito policial, como instrumento inicial da persecução penal.

            Para Fernando Capez, inquérito policial é: "O conjunto de diligências realizadas pela Polícia Judiciária para a apuração de uma infração penal e de sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo". [16]

            Por sua vez, Romeu de Almeida Salles Junior define o inquérito Policial como: "[...] o procedimento destinado à reunião de elementos acerca de uma infração penal". [17]

            Assim, praticado o ilícito criminal, surge para o Estado o jus puniendi, o poder-dever de agir. A atividade persecutória inicial desenvolve-se através do inquérito policial, promovido pela Polícia Civil, em âmbito estadual, e pela Polícia Federal, no exercício das funções de Polícia Judiciária da União.

            Cumpre lembrar que, equivocadamente, a doutrina tem minimizado a importância do inquérito policial. Freqüentemente, é ele referido nos manuais de Processo Penal e nas decisões dos Tribunais como "mera peça informativa" ou "simples procedimento".

            Basta uma olhadela nos manuais processuais pátrios, para se perceber que o inquérito policial tem sido submetido ao abandono, quando não ao completo desprezo, ainda sendo ele o principal, quando não o único, instrumento de que dispõe o Estado para propulsar a persecutio criminis.

            A respeito, observa Marta Saad:

            Comumente se encontra na doutrina, e também nos tribunais, a afirmação de que o inquérito policial constitui "peça meramente informativa", porque limitar-se-ia a fornecer elementos para o oferecimento da acusação em juízo. Lê-se, com freqüência, que a investigação é atividade estatal da persecutio criminis destinada a preparar a ação penal. Daí apresentar caráter preparatório e informativo, visto que seu objetivo é o de levar aos órgãos da ação penal os elementos necessários para dedução da pretensão punitiva em juízo: inquisitio nihil est quam informatio delicti. (grifo do autor). [18]

            Ocorre que nem o inquérito policial é "mero", tampouco simples procedimento informativo. Ainda que possa ser dispensado, quando o titular da ação penal já possua subsídios suficientes para a propositura da ação, essa acaba sendo a exceção.

            O Ministério Público, carente de estrutura investigatória, aliás, privilégio não apenas daquele órgão, mas de toda a Administração Pública nacional, tem de se valer, em regra, das investigações policiais para a apuração dos indícios, que possam convencê-lo sobre a existência e autoria do delito, levando-o ao oferecimento da denúncia.

            Alinhada à corrente doutrinária que busca incutir ao inquérito policial a sua real importância, dentro da persecução penal, assim se manifesta Marta Saad:

            Ao cuidar do valor do inquérito policial, sintetizado por muitos com a consagrada expressão "mera peça informativa", trataremos de explicar que o inquérito, como instrumento de formação da culpa, não resume sua finalidade a apenas investigar, mas também serve à busca da verdade material. De igual modo, a função por ele desempenhada se consubstancia em ser não Sá base para a acusação, mas também para o arquivamento, bem como poder servir de subsídio para a decretação de diversas medidas e provimentos cautelares, todas eles (sic) restritivas de direitos fundamentais. [19]

            Quando dos estudos para a reformulação do Código de Processo Penal, na década de 40, cogitou-se a idéia de substituir o inquérito policial por um juizado de instrução, presidido por um magistrado. Restaria assim à Autoridade Policial, tão somente efetuar as prisões em flagrante e indicar os demais envolvidos em ilícitos, não lhe cabendo efetuar as diligências porventura necessárias à elucidação do fato.

            Tal concepção foi sabidamente descartada, na medida em que o Poder Judiciário não tem à sua disposição o aparato necessário à condução de instruções criminais, sendo mantido o inquérito policial aos cuidados da Polícia Judiciária.

            Quando da Exposição de Motivos da atual lei processual penal, o jurista e Ministro da Justiça à época, Francisco Campos, assim ressaltou a importância do inquérito policial:

            [...] há em favor do inquérito policial, como instrução provisória antecedendo à propositura da ação penal, um argumento dificilmente contestável: é ele uma garantia contra apressados e errôneos juízos, formados quando ainda persiste a trepidação moral causada pelo crime [...] [20]

            Analisando a legislação processual penal pátria se depreende que, no Brasil, foi atribuída à Polícia Judiciária, a importante tarefa de através do inquérito policial, levar ao conhecimento do Ministério Público e ao Poder Judiciário todos os elementos necessários à aplicação da lei penal.

            1.4 Peculiaridades do inquérito policial

            Por ser ainda procedimento de âmbito administrativo, de natureza instrutória e preparatória da ação penal, o inquérito policial traz em si algumas características que muito o diferenciam do processo penal stricto sensu.

            O inquérito policial se desenvolve de forma sigilosa. Nos termos do art. 20 do CPP, a autoridade policial deve assegurar no procedimento o sigilo necessário às investigações. Nem poderia ser de outra forma, tendo em conta o caráter investigativo da atividade policial. A publicidade dos atos policiais sem dúvida alguma comprometeria a investigação.

            É o que ensina Julio Fabbrini Mirabete:

            O inquérito policial é ainda sigiloso, qualidade necessária a que possa a autoridade policial providenciar as diligências necessárias para a completa elucidação do fato sem que se lhe oponham, no caminho, empecilhos para impedir ou dificultar a colheita de informações com ocultação ou destruição de provas, influência sobre testemunhas etc. [21]

            Não se aplica ao inquérito policial o direito genérico previsto no art. 5º, XXXIII, da Constituição Federal, quanto à garantia de se obter informações de interesse pessoal junto aos órgãos públicos.

            Devido às suas características sigilosas, também não é aplicável ao inquérito policial o princípio da publicidade dos atos judiciais, pois, como já dito, no inquérito não se praticam, em regra, atos processuais.

            É também, o inquérito policial, um procedimento eminentemente inquisitivo, já que todas as atividades diretivas deste procedimento estão concentradas nas mãos de uma única pessoa, o Delegado de Polícia.

            Assim é a definição de Fernando Capez acerca da inquisitividade do inquérito policial:

            Caracteriza-se como inquisitivo o procedimento em que as atividades persecutórias concentram-se nas mãos de uma única autoridade, a qual, por isso, prescinde, para sua atuação, da provocação de quem quer que seja, podendo e devendo agir de ofício, empreendendo, com discricionariedade, as atividades necessárias ao esclarecimento do crime e da sua autoria. [22]

            Diferentemente da ação penal, quando pública, que é indispensável para a aplicação da sanção, o inquérito não é imprescindível como fase inicial da persecução, desde que já existam indícios suficientes de autoria e materialidade que possam levar o Promotor de Justiça a oferecer a denúncia.

            Novamente é trazida à baila a lição de Fernando Capez:

            O inquérito policial não é fase obrigatória da persecução penal, podendo ser dispensado caso o Ministério Público ou o ofendido já disponha de suficientes elementos para a propositura da ação penal. [23]

            Nos Tribunais pátrios, já se consolidou o entendimento de que o inquérito policial pode ser dispensado, sem que com isso se embarace a propositura da ação penal, conforme decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

            É imprópria a alegação de inépcia da exordial acusatória, sob o fundamento de que não estaria firmada em procedimento investigatório que indicasse a participação do paciente nos atos delituosos, se demonstrado o elo entre as condutas dos denunciados. O Órgão Ministerial não é vinculado à existência do procedimento investigatório policial – o qual pode ser eventualmente dispensado para a propositura da ação penal. [24]

            Não possuindo o Ministério Público estrutura investigativa, salvo as exceções das promotorias criminais especializadas instituídas em alguns Estados da Federação, a exemplo do que ocorre no Paraná, a dispensabilidade do inquérito acaba por ser exceção. O órgão acusatório, via de regra, tem de aguardar a conclusão das investigações levadas a cabo pela polícia, para que possa, finalmente, possivelmente muitos anos depois, iniciar a ação penal.

            Ressaltando a importância do inquérito policial, José Geraldo da Silva afirma:

            Não obstante seja o inquérito policial mera peça informativa, é o mesmo, hodiernamente, dado o acentuado aumento do índice de criminalidade e os poucos recursos do órgão de acusação (MP), o mais valioso instrumento de que se utiliza o Promotor de Justiça para o oferecimento da denúncia. [25]

            Cumpre ressaltar que a necessidade de um inquérito policial mais célere, prende-se também à ausência do contraditório e da ampla defesa durante o procedimento. Se a Constituição Federal possibilita ao réu, durante o processo, todas as formas de defesa que melhor lhe aprouver, quanto maior o lapso temporal que demandar o inquérito, mais será procrastinado ao acusado exercer seu direito de defesa. Sendo um procedimento de natureza inquisitiva, o inquérito não admite essa garantia, que é possibilitada somente durante a persecução penal em juízo.

            1.5 Prazos para conclusão do Inquérito policial

            A jurisdição penal possui caráter dúplice: por um lado, tem função preventiva, de pacificação social, delimitando os padrões comportamentais necessários para o convívio em sociedade. Por outro lado, quando praticado o ato ilícito, o Estado intervém, a fim de reprimir o comportamento anti-social através de uma sanção, e com ela possibilitar que o criminoso perceba sua falha e não volte a delinqüir, atuando assim, também de modo repressivo.

            A exteriorização do jus puniendi do Estado se dá através do Processo Penal, que é precedido, em regra, pelo inquérito policial.

            Quanto ao lapso temporal de que dispõe a Polícia Judiciária para a conclusão do inquérito policial, assim dispõe o art. 10 do Código de Processo Penal:

            O inquérito deverá terminar no prazo de 10 (dez) dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 (trinta) dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela. [26]

            Existem outros prazos para conclusão do Inquérito policial, fixados em leis especiais. A lei n. 1.521/51, que regula os crimes contra a economia popular, determina o prazo de dez dias para conclusão do procedimento, estando o acusado preso ou solto.

            No procedimento da lei n. 6.368/76, a chamada "Lei de Tóxicos", o prazo para conclusão do inquérito é de cinco dias com réu preso, e trinta dias estando solto. Entretanto, para fins meramente didáticos, serão focadas as atenções aos prazos referidos no Código de Processo Penal para os crimes comuns.

            O Código de processo penal também prevê a possibilidade de, em não sendo possível à Polícia Judiciária concluir as investigações necessárias no prazo legal, possa este ser prorrogado, por autorização judicial.

            Contudo, nos fatos de difícil esclarecimento e estando o indiciado solto, e somente nestes, é permitido ao juiz conceder à polícia novo prazo para conclusão do inquérito, nos termos do art. 10, §3º do Código de Processo Penal:

            "Quando o fato for de difícil elucidação, e o indiciado estiver solto, a autoridade poderá requerer ao juiz a devolução dos autos, para ulteriores diligências, que serão realizadas no prazo marcado pelo juiz (grifo nosso). [27]

            Da leitura do texto legal, deduz-se que o legislador previu apenas uma prorrogação do prazo para conclusão do inquérito. Se assim não fosse, não teria determinado que o término das novas diligências deva se dar no prazo fixado pelo juiz, não havendo previsão de nova dilação de prazo.

            Nessa mesma esteira de pensamento, é a afirmação de Eduardo Espínola Filho:

            Mas o juiz, a quem passa a caber a responsabilidade, poderá, a vista do número, relevância e complexidade das diligências que se levarão a efeito, para esclarecimento de um caso já reconhecido de difícil elucidação, achar trinta dias insuficientes, o que não lhe é permitido é deixar de fixar o prazo da prorrogação, não havendo também autorização para nova dilatação, se não concluídas as diligências na primeira (grifo nosso). [28]

            Nos casos de prisão em flagrante, em que o indiciado está preso, normalmente os inquéritos são concluídos no prazo legal. O problema maior ocorre quando o indiciado está solto.

            O que se vê, nos inquéritos que agonizam nas delegacias de polícia, são infindáveis certidões de dilação de prazo, renovadas dezenas de vezes. Esta anomalia legal pacificou-se de tal forma, no vai-e-vem entre delegacias e fóruns, que passou a ser aceita como natural na doutrina e jurisprudência tupiniquins.

            É Inegável que, não se admitindo um processo demasiado longo, também não se permita que um inquérito, o qual nem sequer o status de processo recebe, se prolongue por anos, quando não décadas.

            Corroborando esse pensamento, leciona Julio Fabbrini Mirabete:

            Não estando o indiciado preso, por não haver sido autuado em flagrante nem decretada sua prisão preventiva, ou por ter pago fiança, o prazo para o encerramento do inquérito é de 30 dias, contado da data do recebimento pela autoridade da requisição ou do requerimento ou, em geral, da portaria que deve ser expedida quando da notitia criminis.

            O prazo pode ser prorrogado quando, segundo a lei, for de "difícil elucidação". Entretanto, a prorrogação do prazo tem sido deferida ordinariamente, quando se trata de indiciado em liberdade, mesmo na hipótese de crime de fácil elucidação, quando não foi possível ultimar no prazo legal todas as diligências necessárias à conclusão do inquérito (grifo do autor). [29]

            A prorrogação dos prazos para conclusão dos inquéritos só deve ocorrer em casos excepcionais, onde se justifica a extrapolação dos prazos legais. Multiplicidade de acusados, concurso de crimes, expedição de cartas precatórias, estão entre as hipóteses que justificam o não cumprimento dos prazos iniciais.

            Analisando o problema sob a ótica da vítima, é nítido que toda pessoa que sofre um ilícito penal tem o direito de receber uma resposta eficiente por parte do Estado.

            Não é justificável que, em sendo delito de fácil elucidação, ou havendo apenas um indiciado, a Policia judiciária não cumpra o prazo legal para conclusão das investigações e, conseqüentemente, retarde a punição do infrator.

            De qualquer forma, enquanto permanecer nos moldes atuais o conformismo com esse processo de degeneração administrativa, que emperra o processo penal brasileiro, nada irá mudar.

            Se por um lado é cediço que a instrução criminal prescinde do tempo necessário, para que se produza toda a instrução e o acusado exerça de forma completa sua defesa, por outro a demora na aplicação da sanção penal acabará por não surtir efeito algum, quer ao infrator, quer à sociedade como um todo.

            É inegável que o distanciamento entre a prática do fato criminoso e a efetiva sanção penal acaba por aumentar a sensação de impunidade no delinqüente, levando-o a reincidir.

            Praticado o ato ilícito, toda uma cadeia de conseqüências se estabelece: ao infrator deverá ser imposta uma sanção, para que, através dela, seja punido pela própria sociedade que agrediu. Aos demais indivíduos, a pena aplicada servirá como desestímulo à prática de novas condutas proibidas e, ainda, há que ser proporcionada uma resposta à vítima do crime, para que não se perca a noção, trazida pelo Pacto Social, de que é o Estado que deve solucionar as controvérsias sociais.

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Sobre o autor
Claudinei Zdanski

investigador da Polícia Civil do Paraná, bacharelando em Direito pela União Dinâmica de Faculdades Cataratas (UDC) de Foz do Iguaçu (PR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZDANSKI, Claudinei. O princípio da razoável duração do processo e seus reflexos no inquérito policial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1260, 13 dez. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9271. Acesso em: 24 nov. 2024.

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