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O imposto sobre bens e serviços e o documento inidôneo

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09/07/2023 às 09:00
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Com a validação, pela Agência Tributária Nacional, de cada crédito do IBS destacado em nota fiscal eletrônica, o ônus de suportar crédito ilegítimo do imposto será transferido da Fazenda Pública para o adquirente de mercadorias ou tomador de serviços.

1. Porque escrevemos este artigo

Na parte final do artigo “ICMS: Documentos inidôneos e nota fiscal eletrônica – uma análise à luz da legislação do Estado de São Paulo”, escrito por nós em julho de 2020 e publicado em novembro de 2020 pela Revista Jus Navigandi,1 no item 13 do artigo (NOVO IMPOSTO, VELHO PROBLEMA ...) indagamos se o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), imposto sobre o valor agregado (IVA) – não cumulativo, portanto –, proposto na PEC 45/2019, por também ter seu valor apurado pela soma algébrica de débitos e créditos, não teria o mesmo grave e principal problema do ICMS: o crédito espúrio do imposto.

Até aquele momento, havíamos lido apenas o Inteiro teor da PEC 45/2019, que está no sítio da Câmara dos Deputados, na Internet,2 e alguns artigos que comentavam o novo imposto. No entanto, após assistirmos a vídeo da ABIMAQ (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos), de título “Webinar: ABIMAQ e Reforma Tributária”,3 com entrevista não presencial do economista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), soubemos de regras previstas para o IBS – provavelmente elas constarão da lei complementar que regulamentará o imposto – que fizeram nos sentir no dever de reparar o que escrevemos sobre o IBS naquele artigo. Essas regras nos deixaram otimistas quanto à impossibilidade (ou à maior dificuldade) de haver créditos ilegítimos do IBS. Isso certamente reduzirá a sonegação e o “custo Brasil”, e por consequência, conduzirá o país a uma maior taxa de crescimento da economia e a uma maior competitividade no mercado internacional.

Na “Nota Técnica: IBS não cumulativo e a garantia de devolução dos saldos credores”,4 emitida pelo CCiF, que me foi gentilmente enviada pelo amigo Eurico Marcos Diniz de Santi, notável jurista, Coordenador do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV DIREITO SP, fundador e membro do CCiF, estão descritos os procedimentos que a Agência Tributária Nacional (ATN) irá adotar para monitorar as operações.


2. O que é e como funcionará a Agência Tributária Nacional

A Agência Tributária Nacional terá “sua direção constituída por Assembleia Geral, Conselho de Administração e Diretoria”. Na Assembleia Geral estarão “representados os entes federativos (União, Estados e Municípios) nas proporções definidas pelo Congresso Nacional” (Nota Técnica CCiF, 1).

A ATN não será um “tesouro”, mas sim um administrador de recursos de terceiros (União, Estados, Distrito Federal, Municípios e contribuintes com acúmulo de créditos do imposto – exportadores, os que investiram em bens de capital, os que aumentaram consideravelmente seus estoques de mercadorias – e que, por essa razão, pleitearão devolução de saldo credor).

Por essa razão, valor recebido pela ATN:

a) em operação intermediária, em que o adquirente terá direito a crédito, será registrado como passivo, na contabilidade da Agência;

b) em operação de consumo final ou em venda para empresa do Simples Nacional, que não dará direito a crédito ao adquirente, a soma dos valores de imposto até então recolhidos para aquela operação será repartida entre União, Estado de destino e Município de destino, proporcionalmente às respectivas alíquotas, devendo a ATN transferir essas parcelas de imposto àqueles entes federativos (Nota Técnica CCiF, 3).

Na Nota de Rodapé 1 da Nota Técnica CCiF (fl. 3) é apresentado exemplo do funcionamento do sistema contábil da ATN em operação em que a empresa A vende para a empresa B, exportadora, que solicita a devolução do crédito acumulado do imposto. Inspirados nesse exemplo, ilustraremos o funcionamento do sistema contábil da ATN no recebimento de valores do imposto recolhidos pelos contribuintes, no pagamento de receitas tributárias aos entes federativos e na restituição de créditos acumulados do imposto, nos seguintes casos:

a) indústria A vende para atacadista B, que vende para varejista C, que, por estabelecimento seu localizado no Estado X, no Município Y, vende para consumidor final ou para empresa do Simples Nacional:

  • Emissão de Documento Fiscal por A:

Débito na Conta Impostos a Receber de A (do Ativo);

Crédito na Conta Transitória5 Impostos a Restituir para B (do Passivo);

  • Recolhimento do Imposto por A:

Débito na Conta Caixa (do Ativo);

Crédito na Conta Impostos a Receber de A;

Débito na Conta Transitória Impostos a Restituir para B;

Crédito na Conta Impostos a Restituir para B (do Passivo);

  • Emissão de Documento Fiscal por B:

Débito na Conta Impostos a Receber de B (do Ativo);

Crédito na Conta Transitória Impostos a Restituir para C (do Passivo);

  • Recolhimento do Imposto por B:

Débito na Conta Caixa;

Crédito na Conta Impostos a Receber de B;

Débito na Conta Transitória Impostos a Restituir para C;

Crédito na Conta Impostos a Restituir para C (do Passivo);

Débito na Conta Impostos a Restituir para B;

Crédito na Conta Impostos a Restituir para C;

  • Emissão de Documento Fiscal por C:

Débito na Conta Impostos a Receber de C (do Ativo);

Crédito na Conta Transitória Impostos a Repartir entre os Entes Federativos (do Passivo);

  • Recolhimento do Imposto por C:

Débito na Conta Caixa;

Crédito na Conta Impostos a Receber de C;

Débito na Conta Transitória Impostos a Restituir para C;

Crédito na Conta Impostos a Repartir entre os Entes Federativos (do Passivo);

Débito na Conta Transitória Impostos a Repartir entre os Entes Federativos;

Crédito na Conta Impostos a Repartir entre os Entes Federativos;

· Repartição dos Valores Arrecadados entre os Entes Federativos:

Débitos na Conta Impostos a Repartir entre os Entes Federativos Correspondentes ao:

Crédito na Conta Impostos a Repassar à União (do Passivo);

Crédito na Conta Impostos a Repassar ao Estado X (do Passivo);

Crédito na Conta Impostos a Repassar ao Município Y (do Passivo);

  • Repasse de Valores Arrecadados aos Entes Federativos:

Débito na Conta Impostos a Repassar à União;

Crédito de igual valor na Conta Caixa;

Débito na Conta Impostos a Repassar ao Estado X;

Crédito de igual valor na Conta Caixa;

Débito na Conta Impostos a Repassar ao Município Y;

Crédito de igual valor na Conta Caixa.

b) indústria A vende para atacadista B, que vende para empresa exportadora C, que solicita à ATN o crédito do imposto por ela acumulado:

  • Emissão de Documento Fiscal por A:

Débito na Conta Impostos a Receber de A (do Ativo);

Crédito na Conta Transitória Impostos a Restituir para B (do Passivo);

  • Recolhimento do Imposto por A:

Débito na Conta Caixa (do Ativo);

Crédito na Conta Impostos a Receber de A;

Débito na Conta Transitória Impostos a Restituir para B;

Crédito na Conta Impostos a Restituir para B (do Passivo);

  • Emissão de Documento Fiscal por B:

Débito na Conta Impostos a Receber de B (do Ativo);

Crédito na Conta Transitória Impostos a Restituir para C (do Passivo);

  • Recolhimento do Imposto por B:

Débito na Conta Caixa;

Crédito na Conta Impostos a Receber de B;

Débito na Conta Transitória Impostos a Restituir para C;

Crédito na Conta Impostos a Restituir para C (do Passivo);

Débito na Conta Impostos a Restituir para B;

Crédito na Conta Impostos a Restituir para C;

  • Devolução do Crédito de Imposto Solicitado por C:

Débito na Conta Impostos a Restituir para C;

Crédito na Conta Caixa.


3. CONDIÇÕES PARA A IMPLANTAÇÃO DO IBS

A instituição do IBS nos moldes propostos pelo CCiF será viável em razão:

a) do uso de documentos fiscais eletrônicos, implantados no Brasil há mais de 10 anos (Nota Técnica CCiF, 1), de modo que a ATN terá os dados necessários para efetuar a apuração (paralela ou concomitante) do imposto devido por qualquer empresa, em qualquer período;6

b) de o contribuinte adquirente só ter direito ao crédito do IBS após o efetivo recolhimento do imposto devido pela empresa que lhe transferiu o crédito, no período em que o débito correspondente àquele crédito foi levado à apuração (Nota Técnica CCiF, 4).

Importante observar que:

a) “a apuração do saldo (devedor ou credor) será sempre feita por estabelecimento, mas o recolhimento, quando houver saldo devedor, ocorrerá de forma consolidada, pelo contribuinte. Isto é possível dado que o recolhimento será feito de forma centralizada na ATN” (Nota Técnica CCiF, 4-5);

b) se a empresa fornecedora ficar inadimplente ou recolher imposto de valor inferior ao apurado em seu saldo devedor consolidado, “o sistema informatizado imputará o crédito ao contribuinte adquirente da seguinte forma:

b.1) ordem crescente de data/hora de emissão dos documentos fiscais; e

b.2) ordem crescente de montante, caso haja dois documentos fiscais emitidos no mesmo momento” (Nota Técnica CCiF, 6);

c) para que créditos ilegítimos do IBS não sejam transferidos, a soma dos créditos de imposto imputados aos contribuintes adquirentes pelas regras dos subitens “b.1” e “b.2”, não poderá ser maior do que a soma dos créditos de imposto da empresa fornecedora já confirmados pela ATN e do valor do imposto efetivamente recolhido por essa empresa.

Conforme se vê, a validação, pela ATN, de crédito do imposto transferido a adquirente exigirá registro e rastreamento dos débitos do imposto da empresa fornecedora, e poderá depender do efetivo recolhimento do imposto devido por essa empresa, no período em que o débito correspondente àquele crédito do imposto foi levado à apuração (Nota Técnica CCiF, 3).

Para reduzir a inadimplência do recolhimento do saldo devedor pelo contribuinte, a ATN estabelecerá formas céleres de cobrança mediante avisos a empresa inadimplente (Nota Técnica CCiF, 5).

Além da cobrança efetuada pela ATN, a empresa fornecedora inadimplente será também pressionada pelos clientes que receberam avisos, da ATN, de que seus créditos não foram reconhecidos porque a empresa não efetuou o pagamento do imposto devido no período em que os documentos fiscais foram emitidos.


4. OPÇÃO DE O ADQUIRENTE QUITAR DÉBITO DE SEU FORNECEDOR

Alternativamente, poderá o próprio adquirente quitar débito de seu fornecedor e apropriar imediatamente esse crédito, desde que:

a) o sistema da ATN informe ao adquirente que seu fornecedor não recolheu ou recolheu parcialmente o imposto devido, não tendo sido gerado, portanto, o crédito de IBS correspondente;

b) o adquirente informe, pelo sistema da ATN, opção de liquidar débito do fornecedor, podendo escolher o débito que quer quitar e indicar o documento fiscal em que esse débito foi destacado (Nota Técnica CCiF, 5-6);

c) o adquirente efetue o recolhimento mediante guia fornecida pela ATN;

d) o adquirente credite-se imediatamente do valor de imposto recolhido, de maneira que não haja duplo pagamento do débito;

e) a ATN emita documento (título de crédito extrajudicial) que informe que o adquirente é credor do fornecedor em valor equivalente ao imposto recolhido por aquele em nome deste (Nota Técnica CCiF, 5).

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Evidentemente, o adquirente só optará por essa alternativa se ainda não pagou ao fornecedor e se certificar que este irá aceitar o valor do imposto por ele recolhido, como forma de pagamento de parte do valor que o adquirente deve ao fornecedor. Nessa opção, o adquirente quitará apenas o valor do imposto não recolhido pelo fornecedor, de modo que multa e juros continuarão sendo cobrados do fornecedor (Nota Técnica CCiF, 6).

Importante ressaltar que:

a) o monitoramento, pela ATN, do crédito de imposto transferido em cada operação ou prestação representada por documento fiscal eletrônico;

b) e a possível exigência do efetivo recolhimento, pelo fornecedor ou prestador, do imposto devido no período em que débito correspondente àquele crédito foi escriturado para que o adquirente ou tomador dos serviços faça jus ao crédito;

frustrarão qualquer tentativa de creditamento indevido do imposto mediante simulação relativa ou absoluta de operação ou prestação.


5. CONDIÇÕES PARA A DEVOLUÇÃO DE SALDOS CREDORES DO IBS

A devolução automática de créditos acumulados do imposto ao contribuinte adquirente, em até 60 (sessenta) dias, somente será realizada se verificadas as seguintes condições:

a) emissão de documento fiscal pelo fornecedor;7

b) confirmação da operação pelo adquirente;8

c) reconhecimento, pelo adquirente, de que se trata de operação geradora crédito;

d) efetivo recolhimento do IBS pelo fornecedor (Nota Técnica CCiF, 4).


6. A APROPRIAÇÃO DO CRÉDITO ILEGíTIMO DO ICMS

Relembrando o leitor do que escrevemos em nosso artigo citado:

a) há “simulação relativa”, quando empresa que simula sua existência desde a sua inscrição ou após determinado período de atividade emite Nota Fiscal, mas outra empresa, que está oculta, fornece as mercadorias ou presta os serviços discriminados na Nota; a operação entre o verdadeiro fornecedor ou prestador e o adquirente ou tomador de serviços, que permanece oculta, é a “dissimulada”; a suposta operação ou prestação entre o emitente do documento e o adquirente ou tomador, destinada a transferir a este crédito ilegítimo do imposto, é a “simulada”;

b) há “simulação absoluta”, quando o documento representa negócio jurídico que nenhum dos contratantes nele indicados realizou; não ocorreu circulação de mercadorias nem prestação de serviços.

Em ambos os casos, o documento emitido pelo suposto vendedor ou prestador de serviços é inidôneo. Com efeito, para que o crédito de ICMS seja legítimo, é preciso de “documento fiscal hábil” e de o emitente estar em “situação regular perante o fisco”.

De acordo com o art. 36 da Lei 6.374/1989, do Estado de São Paulo9, considera-se:

a) “documento fiscal hábil”, o que atenda a todas as exigências da legislação pertinente, seja emitido por contribuinte em “situação regular perante o fisco” e esteja acompanhado, quando exigido, de comprovante do recolhimento do imposto (item 3 do § 1º do art. 36);

b) “situação regular perante o fisco”, a do contribuinte que, à data da operação ou prestação, esteja inscrito no cadastro de contribuintes, se encontre em atividade no local indicado, possibilite a comprovação da autenticidade dos demais dados cadastrais apontados ao fisco e não esteja enquadrado nas hipóteses previstas nos artigos 20 e 21 (item 4 do § 1º).

No entanto, de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), firmada no REsp 1148444/MG, de relatoria do Ministro Luiz Fux, julgado em 14/04/2010 em sede de recurso repetitivo (nos termos do art. 543-C do anterior Código de Processo Civil – CPC), foi reconhecida a legitimidade de crédito do ICMS correspondente a valor de imposto destacado em Nota Fiscal emitida antes de declarada a inidoneidade dos documentos, desde que demonstrada a veracidade da compra e venda efetuada, que ocorre quando o adquirente exige documentação que comprove a regularidade do alienante e apresenta ao fisco comprovante de pagamento, ao alienante, do valor total consignado na Nota Fiscal por este emitida.

Ante o exposto no parágrafo anterior, será inidôneo todo documento emitido após a data de declaração de inidoneidade dos documentos da empresa.

Em razão dos precedentes, dentre os quais se inclui o julgamento do indigitado Recurso Especial, em março de 2014 foi editada a Súmula 509 do STJ, a seguir enunciada:

“Súmula 509 – É lícito ao comerciante de boa-fé aproveitar os créditos de ICMS decorrentes de nota fiscal posteriormente declarada inidônea, quando demonstrada a veracidade da compra e venda”.

No caso do REsp 1148444/MG, a veracidade da compra e venda decorreu da regularidade da escrituração das notas fiscais no livro Registro de Entradas do adquirente e de provas de pagamento às empresas que emitiram as notas fiscais que foram consideradas inidôneas pelo fisco.

O grande problema desse entendimento jurisprudencial é que, até o fisco, que não é onipresente em seu mister, suspeitar e depois provar que o alienante ou prestador simulava sua existência, serão considerados hábeis – e, portanto, com direito a crédito do imposto – todos os documentos emitidos pelo (suposto) alienante ou prestador, desde que a data da operação ou prestação seja anterior à de declaração de inidoneidade dos documentos emitidos pelo fornecedor das mercadorias ou prestador dos serviços e haja comprovação de pagamento de cada operação ou prestação.

Ocorre, porém, que, comprovante de pagamento é mero indício da realização do negócio jurídico representado pelo documento. Com efeito, mesmo no caso de o suposto alienante ou prestador simular sua existência, pode ele forjar provas para que créditos de imposto por ele transferidos não sejam glosados pelo fisco ou, se isso ocorrer, não sejam julgados ilegítimos, tais como:

a) para cada operação (ou grupo de operações) ou prestação (ou grupo de prestações) emitir boleto de cobrança em nome do adquirente ou tomador de serviços, que, depois de pago por este, terá a maior parte do valor:

a.1) repassada ao verdadeiro alienante ou prestador, em caso de simulação relativa;

a.2) devolvida ao próprio adquirente ou tomador de serviços, em caso de simulação absoluta;

b) receber, em sua conta corrente, depósito em cheque ou TED (Transferência Eletrônica Disponível), emitido ou ordenada, respectivamente, pelo adquirente ou tomador de serviços, de valor relativo a operação (ou a grupo de operações) ou a prestação (ou a grupo de prestações), que, posteriormente, terá a maior parte do valor:

b.1) repassada ao verdadeiro alienante ou prestador de serviços, em caso de simulação relativa;

b.2) devolvida ao próprio adquirente ou tomador de serviços, em caso de simulação absoluta.

Para elidir esse ludíbrio – que preferimos denominar de “kit sonegação” – pode o fisco ainda quebrar o sigilo bancário da empresa emitente sem ter de recorrer ao Poder Judiciário, o que hoje é possível pela Lei Complementar (LC) 105/2001 (declarada constitucional pelo STF)10 e pelo Decreto 54.240/2009, do Estado de São Paulo,11 que regulamenta a aplicação do art. 6° da LC 105/2001.

Conforme havíamos ressaltado em nosso artigo anterior, o crédito de ICMS de documento inidôneo é como um “cheque sem provisão de fundos” em favor do adquirente das mercadorias ou do tomador de serviços, sacado contra a Fazenda Pública do Estado.

Há, porém, uma diferença fundamental: quando cheque sem fundos é sacado contra banco, este não é lesado, visto que, ao verificar a falta ou insuficiência de fundos, o “caixa” recusa-se a pagar o dinheiro a quem foi retirá-lo ou o banco sacado devolve o cheque ao banco em que ele foi depositado para compensação; o conflito de interesses instaurado com o não-pagamento do cheque ou com a sua devolução deve ser resolvido entre o emitente do cheque e o beneficiário. Em contrapartida, quando valor de ICMS destacado em documento inidôneo é apropriado por adquirente de mercadorias ou tomador de serviços indicado no documento, o crédito espúrio é por este utilizado na compensação de débitos de ICMS do mês em que ocorreu a entrada das mercadorias ou o recebimento dos serviços, ou em que teria ocorrido a suposta entrada das mercadorias ou o suposto recebimento dos serviços (no caso de simulação absoluta). Não tem a Fazenda do Estado como saber da inidoneidade de documentos emitidos por suposto vendedor de mercadorias ou prestador de serviços antes de os primeiros valores de ICMS destacados nesses documentos serem apropriados. Eis o principal problema da não-cumulatividade no ICMS: o crédito espúrio do imposto e o tempo que a autoridade administrativa leva para detectá-lo. Quanto menor o tempo para detecção desses créditos, menor o prejuízo aos cofres públicos” (PECHI, 2020).

Conforme se vê, é a Fazenda Pública do Estado quem é colocada em situação mais frágil ou desvantajosa.

No caso do IBS, porém, a situação inverte-se: é o adquirente de mercadorias ou o tomador de serviços incauto quem arcará com o ônus de sua má escolha de fornecedor ou de prestador de serviços, respectivamente. Sobre esse assunto reiteramos o que havíamos escrito em nosso artigo citado no início deste:

“Entendemos despicienda a publicação de ato declaratório de inidoneidade de documentos emitidos por empresa que simulava sua existência, para que contribuinte não alegue ter sido “surpreendido” com a impugnação de créditos de ICMS destacados em documentos emitidos por aquela empresa. Com efeito, em vez de consultar (por nome ou por inscrição estadual) se a empresa com quem irá negociar consta de lista de emitentes de documentos inidôneos, melhor é o contribuinte, relativamente a cada novo fornecedor, informar-se sobre a reputação deste, principalmente no caso de ele ser de outra praça e de a venda de mercadorias ser intermediada por representante comercial ou corretor. Afinal, essa é a providência que o “bom comerciante” deve tomar para assegurar que as mercadorias que adquiriu sejam entregues no prazo estipulado e estejam de acordo com a quantidade e a qualidade especificadas no pedido” (PECHI, 2020).

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Sobre o autor
Wagner Pechi

Agente Fiscal de Rendas do Estado de São Paulo aposentado. Ex-Delegado Tributário de Julgamento de São Paulo. Ex-integrante do Tribunal de Impostos e Taxas. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PECHI, Wagner. O imposto sobre bens e serviços e o documento inidôneo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7312, 9 jul. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/93567. Acesso em: 30 abr. 2024.

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