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Breve estudo sobre a responsabilidade civil do Estado pelo ilícito legislativo no direito português

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19/04/2007 às 00:00
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Sumário:Introdução. 1) A Problemática da Responsabilidade Civil do Estado Legislador. 1.1) Evolução Histórica do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado. 1.2) Do Problema. 2) A Responsabilidade Civil do Estado pelo Ilícito Legislativo. 2.1) Inconstitucionalidade, Ilícito Legislativo e Obrigação de indenizar. 2.2) O Fundamento Constitucional. 2.2.1) A Responsabilidade. 2.2.2) A Solidariedade. 2.2.3) Os Pressupostos. 2.2.3.1) O Ilícito Legislativo. 2.2.3.2) A Culpa. 2.2.3.3) O Dano. 2.2.4) Aplicabilidade do Artigo 22.º da CRP. 3) A Reforma. Conclusão. Bibliografia.


Introdução

É recente o pensamento de que o dever público de indenizar não se destina apenas a danos ocasionados pela Administração, mas também a danos causados por leis. A primeira vista é difícil compreender como a lei, há muito considerada como o maior escudo da liberdade, ou mesmo como a expressão máxima da vontade do soberano e a própria voz de Deus, pode violar o direito de outrem e imputar responsabilidade ao Estado pelos prejuízos causados.

O desenvolvimento do Estado social, bem como a sua intervenção nos mais diversos domínios, conduziu a lei a um processo de ramificação para atender às inúmeras situações que emergiam, passando a mesma, também, a atender gradativamente os anseios políticos da força governamental dominante, que acabou abandonando, cada vez mais, a vontade do povo.

Gradativamente, com o passar do tempo, a lei acabou perdendo em generalidade e ganhando em quantidade, tornando-se uma verdadeira ferramenta do poder administrativo. Perante este quadro, originou-se uma nova realidade, a de que a lei também pode causar danos e, em contrapartida, gerar o dever de indenizar.

Apoiados nestes motivos e no anseio de semear esta nova matéria da responsabilidade civil, será objeto do presente estudo a responsabilidade civil do Estado pelo ilícito legislativo em Portugal.

O direito à indenização por danos advindos de atos ilícitos da função legislativa surge, no atual direito Português, como um direito fundamental garantido constitucionalmente. Todavia, como veremos, a sua fundamentação é problemática.

Por ser este um assunto pouco difundido, optamos por apresentar uma análise geral da matéria, nos atendo, primeiramente, à abordagem da problemática que envolve a questão e, adentrando, a posteriori, no estudo do fundamento Constitucional e dos respectivos pressupostos que imputarão ao Estado Legislador a responsabilização civil pela prática de eventuais atos ilícitos.

A intensa complexidade deste tema nos levou a delimitar nossa abordagem, restringindo a seguinte explanação ao não aprofundamento da matéria constitucional e à não abordagem dos problemas da responsabilidade resultantes de omissões legislativas, da responsabilidade por atos lícitos legislativos e da responsabilidade pelo risco.

Por fim, a abordagem limitada ao Direito Português se justifica em razão da sua atual realidade jurídica, voltada, nessa matéria, para uma pretensa concretização do princípio geral da responsabilidade civil extracontratual do Estado, cujo acolhimento constitucional expresso da responsabilidade civil do Estado Legislador constitui uma originalidade do Direito Português em matéria de direito comparado.


1.A PROBLEMÁTICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO LEGISLADOR

1.1.Evolução Histórica do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado

A evolução histórica [01] da responsabilidade civil extracontratual do Estado no ordenamento Português permite, claramente, a visualização do crescimento e do enriquecimento da responsabilidade do Estado por danos causados no exercício das suas funções, e a conseqüente queda da regra da irresponsabilidade pela função legislativa.

De fato, as primeiras Constituições Portuguesas, mais precisamente as de 1822, 1826 e 1838, não previam a responsabilidade do Estado por atos praticados no exercício das suas funções, mas previam, por outro lado, os princípios da responsabilidade pessoal dos empregados públicos por erros de ofício e abuso do poder, e da responsabilidade pessoal por infrações à Constituição, coexistindo, outrossim, o direito de todo cidadão requerer perante a competente autoridade a efetiva responsabilidade do infrator.

No Código Civil de 1867 vigorava, por um lado, o princípio da irresponsabilidade do Estado e da Administração por atos da gestão pública (artigos 2399.º e 2400.º), com a exceção da responsabilidade pela condenação injusta (artigo 2403.º); e, por outro, o princípio da responsabilidade pessoal dos empregados públicos por perdas e danos causados a outrem, no excesso de suas atribuições legais.

O Decreto n.º 19 126, de 16 de dezembro de 1930, ao alterar o Código Civil, consignou, pela primeira vez, a figura da responsabilidade civil do Estado de forma solidária com os seus funcionários ou agentes por atos contrários à lei praticados no exercício das suas funções.

Seguindo essa linha cronológica, a Constituição de 1933, em seu artigo 8.º n.º 17.º, consagrou, como um dos direitos e garantias individuais dos cidadãos, «o direito de reparação de toda a lesão efetiva conforme dispuser a lei...». Todavia, este direito foi «sempre ou quase sempre, entendido como dirigindo-se contra os particulares e não contra o estado» [02].

Com relação à responsabilidade administrativa, o Código Administrativo de 1936-40 estabeleceu, por um lado, o princípio de responsabilidade civil das autarquias locais por atos praticados ilicitamente no desenvolver de suas atribuições e competências e, por outro, o princípio de responsabilidade pessoal dos titulares dos órgãos, agentes ou funcionários das autarquias locais, pela atividade praticada fora das suas atribuições e competências, não havendo qualquer menção à responsabilidade solidária.

Enfim, veio o Código Civil de 1966 a consagrar o regime da responsabilidade civil que se estende até os dias de hoje. Os artigos 500.º e 501.º estabelecem o regime da responsabilidade civil do Estado por danos causados a terceiros no exercício de atividades de gestão privada. Trata-se de uma responsabilidade objetiva indireta (sendo pressuposta a responsabilidade subjetiva do órgão, agente ou representante) e solidária, não havendo qualquer menção, por parte do legislador, à responsabilidade por atos de gestão pública.

Por sua vez, a responsabilidade por atos da gestão pública só veio a ser concretizada pelo Decreto-lei 48 051, de 21 de novembro de 1967, que alterou as disposições sobre esta matéria constantes no Código Administrativo de 1936-40 (posteriormente revogadas pelo Decreto-lei n.º 100/84, artigos 90.º e 91.º).

No mencionado Decreto-Lei de 1967, consta a responsabilidade civil extracontratual do Estado e dos demais entes coletivos públicos no domínio dos atos de gestão pública, abrangendo a responsabilidade administrativa por atos ilícitos culposos (artigos 2.º a 7.º), casuais (artigo 8.º), e lícitos (artigo 9.º). Atualmente, esse Decreto-Lei permanece em vigor somente na parte que não contraria a Constituição de 1976.

Com o advento da Carta Magna de 1976, o princípio fundamental de responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais pessoas coletivas públicas foi erigido à nível constitucional através do artigo 22.º (inicial artigo 21.º), permanecendo inalterado até os dias atuais.

Este artigo 22.º, como vimos, se refere ao preceito geral da responsabilidade civil solidária do Estado e das demais entidades públicas com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes «por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem». Considera a maior parte da doutrina que este dispositivo abrange a responsabilidade das funções legislativa, política, judiciária e administrativa, estando apenas esta última concretizada pelo Decreto-lei 48 051/67.

Com relação à responsabilidade pessoal dos funcionários e agentes do Estado, refere o artigo 271.º, da CRP, na parte dedicada à Administração Pública, que «Os funcionários e agentes do Estado e das demais entidades públicas são responsáveis civil, criminal e disciplinarmente pelas acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício de que resulte violação dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos, não dependendo a ação ou procedimento, em qualquer fase, de autorização hierárquica».

1.2 Do Problema

Já se encontra assente na doutrina o entendimento de que o Estado pode e deve ser responsabilizado por lesões que eventualmente cause aos particulares através da lei. Como pontifica Maria Lúcia Pinto Correia [03], o estado pode ser responsabilizado porque não existem obstáculos dogmáticos ao conceito de uma responsabilidade do Estado-legislador, e deve indenizar porque considera-se que a inexistência desta responsabilização incidiria numa «insuficiente realização do princípio do Estado de Direito». Considerada esta uma assertiva indubitável, remanesce como problemática a sua fundamentação.

O artigo 22.º da CRP consagra que «O Estado e demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem».

Este dispositivo – tratando da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado de forma extremamente abrangente – sugere inúmeras interpretações, causando um verdadeiro reboliço nas mentes interpretativas [04].

Nestes termos, surge a primeira dúvida quanto ao real propósito do Legislador Constitucional: pretendeu ele apenas tratar da responsabilidade administrativa, devido a mesma já se encontrar concretizada pelo Decreto-lei 48051/67, ou almejou também abranger a responsabilidade da função legislativa, política e jurisdicional, como, aliás, afirma a maior parte da doutrina.

Verificamos que o Legislador Constitucional, neste preceito, não especificou o ente destinatário da responsabilidade pretendida, utilizando-se do termo funções (no plural) propositadamente para abarcar tanto a responsabilidade pela função legislativa, como pela função política, jurisdicional e administrativa. A somar, não foi restringida a responsabilidade dos funcionários e agentes da administração, uma vez que a expressão «titulares dos seus órgãos» permite a abrangência também dos titulares do poder legislativo, político e judiciário.

Outras incertezas que surgem sobre esta matéria se referem aos reais fundamentos e pressupostos desta responsabilidade, a sua aplicabilidade – se é direta ou se depende de lei ordinária –, assim como a questão de saber se o artigo 22.º alude aos danos causados por atos lícitos e/ou ilícitos e culposos, entre outras.

Ao lado dessa problemática interpretativa, surge ainda o problema específico da adequação do instituto da responsabilidade civil à conduta legislativa. De fato, a imputação dessa responsabilidade não pode privar o Legislador de sua liberdade de conformação e, por outro lado, a aceitação dessa responsabilidade pode trazer uma sobrecarga às finanças do governo, dada a quantidade de pessoas que podem ser atingidas, sobretudo, por uma norma geral.

Estas são algumas das indagações que circundam o tema, já possuindo, algumas, respostas doutrinárias de considerado peso, como aliás veremos no desenvolver deste estudo.


2. A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELO ILÍCITO LEGISLATIVO

2.1 Inconstitucionalidade, Ilícito legislativo e Obrigação de indenizar

Para uma melhor compreensão da matéria, analisaremos, neste momento, o ilícito legislativo e a sua correlação com a inconstitucionalidade, no sentido de compreender se a mera declaração da inconstitucionalidade da lei, com a respectiva eliminação de seus efeitos, é suficiente para eliminar eventuais danos causados ilicitamente pela mesma.

Consideram alguns autores [05], contrários à tese da responsabilidade civil do Estado legislador, que nos países em que existe uma fiscalização jurisdicional da Constituição, a Lei Fundamental estabelece um juízo de inconstitucionalidade para efeitos de invalidação da lei e que, por isso, a declaração de inconstitucionalidade não acarretará a responsabilidade civil do Estado por atos legislativos, mesmo porque essa declaração, com força obrigatória geral, não advém de uma lide entre o cidadão e o legislador.

Quanto a essa afirmação, ponderamos que a desvalorização da conduta inconstitucional, que decorre por força do artigo 282 da CRP, é insuficiente para eliminar possíveis danos ocorridos na vigência da norma contrária ao Texto Máximo.

À título ilustrativo, se uma lei inconstitucional restringir o horário de atendimento ao público de determinado tipo de lojas, a mera declaração de sua inconstitucionalidade, cessando retroativamente a referida limitação legal, não será suficiente para suprir os danos causados pela diminuição da atividade, o que será possível somente mediante indenização [06].

Assim, surge como um outro efeito da inconstitucionalidade da norma, a obrigação de indenizar por eventuais danos causados pela lei inconstitucional, isto é, pelo ilícito legislativo, pois «não se trata já de impedir que a norma inconstitucional produza os efeitos jurídicos que lhe corresponderiam, mas de eliminar todos os danos que resultaram da vigência da lei na ordem jurídica» [07].

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Antunes Varela [08], refletindo sobre a obrigação de indenizar, ensina que a entrega ao credor da coisa que lhe é devida ou a restituição coercitiva da coisa ao dono, que dela foi desapossado, não constitui, rigorosamente, uma indenização, pois que esta, no seu sentido rigoroso, compreende as medidas ou as providências destinadas a reparar o dano sofrido por outrem, com exclusão do que seja a mera realização específica do direito.

Assim, compreende-se que o direito a uma indenização não se confunde com a realização específica do direito ou interesse violado, pressupõe culpa nos termos do n.º 1 do artigo 483.º do CC e a sua extensão depende dos danos sofridos pelo lesado, pois, de fato, a reconstituição da coisa não basta normalmente para sanar todos os danos causados pelo ato ilícito.

Então podemos concluir que a declaração de inconstitucionalidade não elimina o problema da responsabilidade civil do Estado por atos legislativos e, indo mais longe, nos referindo às situações consolidadas, que a princípio não são atingidas pelo efeito retroativo da lei declarada inconstitucional, podemos afirmar, com plena convicção, que, nessas situações, remanescerá o direito a indenização pelos danos causados pelo ilícito legislativo.

2.2.O Fundamento Constitucional

Cumpre ressaltar, conforme já salientado, o entendimento que já se encontra pacífico na doutrina [09], segundo o qual o artigo 22.º da CRP contempla o princípio da responsabilidade pelo exercício da função legislativa em seus termos, conduzindo este entendimento à assertiva de ser o ordenamento português, o primeiro, sem paralelo em direito comparado, a reconhecer constitucionalmente a responsabilidade civil do Estado por atos legislativos.

Em termos gerais, este dispositivo demonstra-se bem mais receptivo, especificante e aparentemente mais abrangente em relação as normas análogas da Constituição italiana e da alemã [10]. Afinal, não há uma remissão à concretização de seus ditames por lei, como acontece no artigo 28.º da Constituição Italiana, tampouco a responsabilidade recai somente, à princípio, sobre o Estado, como na Constituição alemã. O dispositivo especifica claramente a responsabilidade solidária do Estado com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, decorrente de ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções, de que resulte violação de direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem, ao passo que é mais abrangente por estender a responsabilidade aos seus «órgãos, funcionários e agentes», contrastando veementemente com as Constituições Italiana (que emprega «funcionários ou agentes»), e Alemã (que utiliza o termo funcionário) [11].

2.2.1.A Responsabilidade

No que tange à contenda interpretativa do artigo 22.º, diverge a doutrina se o mesmo comporta apenas a responsabilidade subjetiva decorrente de atos ilícitos e culposos, ou se o mesmo se refere a uma geral responsabilidade civil do Estado, a abranger tanto a responsabilidade por atos ilícitos e culposos, como a responsabilidade pelos atos lícitos e pelo risco (objetiva).

Rui Medeiros [12] defende a tese de que a responsabilidade do Estado constante neste artigo 22.º se refere, «unicamente», a fatos ilícitos e culposos. Nesse diapasão, também se pronunciam Rebelo de Souza e Alexandrino [13], considerando estar inserida no artigo 22.º apenas a responsabilidade subjetiva do Estado, devendo «a responsabilidade objetiva e a responsabilidade por ato lícito derivar de outras normas constitucionais ou legais».

Entretanto, Vital Moreira e Gomes Canotilho [14], pertencentes a corrente majoritária da doutrina, consideram que «o texto constitucional não faz depender a responsabilidade das entidades públicas do carácter ilícito dos fatos causadores dos danos», não podendo este âmbito normativo deixar de abranger a responsabilidade do Estado por atos lícitos e pelo risco, sendo possível a lei exigir certos requisitos quanto ao prejuízo ressarcível, como a existência de um dano especial e grave. De outra forma, consideram os autores, que o princípio geral da reparação dos danos causados a outrem ficaria lesado.

Nesta mesma postura, Jorge Miranda [15], invocando diretrizes basilares de defesa dos direitos dos cidadãos, assevera a existência da responsabilidade civil subjetiva e objetiva do Estado no rol deste artigo 22.º, afirmando que quando este dispositivo se refere expressamente à violação de direitos, liberdades e garantias, «está-se a prever responsabilidades por fatos ilícitos», quando faz referência ao prejuízo, está a prever «responsabilidade por fatos lícitos», responsabilidade esta, que se estende a ações, omissões, danos ou prejuízos patrimoniais e danos ou prejuízos morais [16].

Desta divergência, parece-nos de cristalina evidência a prevalência desta última corrente de pensamento, que, aliás, possui maior acolhimento jurisprudencial.

2.2.2.A solidariedade

Analisando a solidariedade pertinente à responsabilidade do Estado e demais entes públicos com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, estabelecida pelo artigo 22.º da CRP, salientamos, primeiramente, a sapiência do legislador ao optar por esta adequação de interdependência.

De fato, se considerarmos a hipótese de a mencionada responsabilidade ser estritamente pessoal do autor do ato lesivo, o consecutivo receio da obrigação de indenizar poderia, certamente, implicar na estagnação do serviço público.

Já, sendo exclusiva a responsabilidade do Estado e demais entes públicos, poderia a respectiva ausência de sanções para os autores vir a aguçar a ocorrência de negligências.

Diante destas suposições, aferimos que a regra de solidariedade estabelecida pelo artigo 22.º da CRP tratou de equilibrar a responsabilidade dos titulares dos órgãos, funcionários ou agentes do Estado, assegurando uma maior efetividade do direito ao ressarcimento dos danos e estimulando um maior zelo dos servidores do Estado.

Importa ainda referir que essa solidariedade não é absoluta. Excepcionalmente prevê a Constituição alguns casos de exclusão da responsabilidade civil dos titulares de determinados órgãos, como é o caso do n.º 2 do artigo 216.º, que exclui a responsabilidade do Juiz por suas decisões, salvo exceções expressas, e o caso do n.º 1 do artigo 157.º, in verbis: «os Deputados não respondem civil, criminal ou disciplinarmente pelos votos e opiniões que emitirem no exercício das suas funções».

Esta prerrogativa, estendendo-se também aos deputados das Assembléias Legislativas Regionais [17] e aos membros do governo (artigo 120, n.º 1 e 2 da CRP), não exclui, contudo, a responsabilidade de indenizar do Estado, pois o mero fato de ser considerado irresponsável o titular de um órgão, não confere impunidade aos atos por ele praticados. Ora, se visa a Constituição, com o artigo 22.º, prever uma garantia fundamental ao particular, não se poderá negar essa responsabilidade sob a alegação de irresponsabilidade de um dos responsáveis solidários.

Assim, nos casos em que não se puder responsabilizar o titular do órgão, como na responsabilidade por atos legislativos em tela, a responsabilidade será exclusiva do Estado, resguardada a necessária liberdade e independência dos Deputados, e os direitos dos cidadãos.

Como observam ainda Gomes Canotilho e Vital Moreira [18], a leitura deste dispositivo leva a considerar a responsabilidade por atos legislativos e jurisdicionais, visto que a Constituição se refere, sem quaisquer restrições, a «actos ou omissões praticadas no exercício das suas funções» pelos «titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes», mesmo que os titulares destes órgãos não possam ser civilmente responsáveis pelas exceções previstas constitucionalmente.

Outro caso em que a responsabilidade solidária será afastada, remanescendo a responsabilidade exclusiva do Estado, será nas situações em que não se puder identificar o autor da lesão, como ocorre na denominada culpa de serviço [19].

2.2.3 Os Pressupostos

Não obstante a responsabilidade pelo ato lícito e pelo risco, será o Estado legislador responsável civilmente pelo ato legislativo ilícito que violar o direito de outrem, causando danos. Com efeito, não trazendo o artigo 22.º da CRP, em seu bojo, os pressupostos desta responsabilidade, serão os mesmos remetidos para a apreciação do Código Civil.

Sendo assim, para que haja a imputação da obrigação de indenizar, nos moldes do artigo 483.º do CC, é necessário a decorrência de «um facto voluntário do agente», que se traduz numa ação ou omissão. Depois, que este fato seja ilícito, ou seja, contrário a lei ou violador do direito de outrem e, que haja um «nexo de imputação do facto ao lesante». A seguir, que esta violação ilícita cause um dano, e, por fim, que haja nexo de causalidade entre o ato ilícito praticado e o dano sofrido pela vítima, para que se prove que a lesão é decorrente da violação [20].

2.2.3.1 O Ilícito Legislativo

Conforme já acenamos, a lei inconstitucional, por si só, não é suficiente para caracterizar um ato ilícito legislativo, não violando qualquer dever jurídico o legislador ao aprovar uma lei.

De acordo com o artigo 483.º n.º 1 do CC, é essência da ilicitude tanto a violação da lei que protege direitos alheios, como a violação do direito de outrem. Ambas não constituem expressões sinônimas, sendo esta violação apenas uma das formas que a ilicitude pode revestir. Nos termos desse texto legal é igualmente fato ilícito aquele que consiste na violação, não justificada, de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, ou seja, aquele que resulta da violação de uma norma que inclua, entre os fins que visa tutelar, a proteção dos interesses privados [21].

Haverá uma conduta ilícita do legislador sempre que da inconstitucionalidade ou ilegalidade, mesmo que orgânica ou formal, resultar a violação de qualquer direito subjetivo ou interesse legalmente protegido. Melhor dizendo, a conduta ilícita do legislador é aquela que se traduz na violação de normas a que esteja sujeito, sejam elas constitucionais, infraconstitucionais, internacionais, de direito comunitário ou de valor reforçado, de que resulte ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos [22].

Assim, para que uma lei seja considerada ilícita ao ponto de justificar o ressarcimento de prejuízos pelo Estado, deve, além de ser desconforme com a norma jurídica que deveria prevalecer, violar um direito ou interesse legalmente protegido dos particulares, independente de sua natureza patrimonial ou não. Abrange este princípio, portanto, além das violações dos direitos, liberdades e garantias expressos por Constituição, a violação de outros direitos ou interesses contidos em leis ordinárias, na hipótese, por exemplo, de uma lei orgânica ou formalmente inconstitucional ofender um interesse legítimo protegido por outra lei [23].

Neste diapasão, aclara o Acórdão do STJ, de 23 Setembro de 1999 [24], que haverá o fato ilícito legislativo «sempre que a aprovação de um diploma inconstitucional (ou ilegal) viole direitos, liberdades e garantias, ou ofenda quaisquer outros direitos ou interesses dos particulares, legalmente protegidos».

2.2.3.2 A Culpa

No plexo da faculdade do Legislador, como será cabível a atribuição de um erro que, sobretudo, venha a revelar caráter ilícito? Como será a situação do Poder Judiciário a censurar a maioria parlamentar pela aprovação culposa de uma lei inconstitucional [25]? Passemos a análise dessa problemática.

Antunes Varela [26] afirma, apoiado em soluções estrangeiras, que não existe responsabilidade sem culpa, ensinando que esta «exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente: o lesante, em face das circunstâncias específicas do caso, devia e podia ter agido de outro modo» (grifo nosso).

Neste teor, entre o fato e a vontade do agente, podem envolver-se tanto o dolo, que se traduz na modalidade mais grave da culpa, como também a negligência ou mera culpa stricto sensu. Nesta última, a indenização poderá ser fixada, eqüitativamente, em montante inferior ao que corresponderia o dano (artigo 494.º do CC). Já na primeira (dolo), corresponderá ao valor integral do dano [27].

Assim, podemos de logo afirmar que a aprovação de uma lei inconstitucional pode revelar uma atuação negligente dos titulares do órgão legislativo, onde a culpa do legislador pode, sobretudo, advir de um erro sobre a ilicitude. Será culposa a conduta do legislador nos casos em que este podia e devia ter evitado a aprovação de uma lei inconstitucional, podendo o erro do legislador excluir a culpa quando esta for desculpável [28].

Entretanto, permanece como o principal problema da imputação da culpa ao legislador, saber quando, ou até quando, se deve exigir o conhecimento do mesmo acerca da constitucionalidade da lei.

Por isso afirmamos com Rui Medeiros [29] que «a culpa do legislador deve ser apreciada a partir do caso concreto, tendo em consideração as circunstâncias que rodearam a aprovação da lei e a gravidade da agressão legal».

Seguindo estas lições [30], consignamos que poderá ser desculpável o erro do legislador nas hipóteses em que o mesmo decidir (através de lei) uma questão controversa na jurisprudência que, posteriormente, seja declarada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional; e nos casos em que as leis, confeccionadas à luz da jurisprudência predominante, sejam posteriormente declaradas inconstitucionais em virtude de uma inflexão jurisprudencial.

Indesculpável, entre outros, será o erro do legislador que ratificar normas consideradas inconstitucionais em sede de apreciação preventiva (faculdade prevista no artigo 279.º, da CRP), pois, entrando esta lei em vigor, após obrigatoriamente promulgada ou assinada pelo Presidente ou Ministro da República, e reconhecida a sua inconstitucionalidade em ação de indenização por danos causados, não haverá como o Tribunal não reconhecer a culpa do legislador.

Seria, portanto, inconcebível admitir-se a impossibilidade de erro do legislador no exercício de sua atividade. Ao legislador impera a máxima capacidade possível de sua função, devendo ser reconhecida a sua desatenção quando chegue a lesionar o direito de outrem.

Neste passo, restará ao Poder Judiciário apreciar a culpa, o zelo exigível, o erro do legislador no caso concreto, que, entretanto, não prejudicará o relacionamento entre ambos os poderes, dado que já é conferido ao Judiciário recusar, no caso concreto, a aplicação de norma contrária à Constituição ou aos princípios por ela resguardados (artigo 204 da CRP).

Porém, assinalamos que o tratamento da implicação de culpa ao legislador ainda permanece obscuro. Vários são os óbices que se colocam frente a esta imputação.

Um deles seria que o conceito de culpa, estampado no Código Civil ou no Direito Administrativo, dificilmente se aplicaria em termos gerais à responsabilidade expressa no artigo 22.º da CRP, uma vez que não possui correlação «com a liberdade de conformação inerente à função política e com o contraditório inerente ao pluralismo parlamentar» [31].

De fato, não desconsiderando a devida imputação de culpa ao legislador, cumpre-nos ressaltar que as referidas objeções devem ser relevadas, pois a culpa do legislador não deve ser atribuída em termos gerais, levando a uma generalização da responsabilidade civil do Estado que, inclusive, poderia trazer sérios perigos às finanças públicas.

É imprescindível, portanto, que o dever de indenizar do legislador seja estabelecido em «função da possibilidade de agir do Estado, forjada no circunstancialismo concreto, segundo o princípio do que é razoável pedir-lhe que faça» [32].

Com isso em mente, emerge a necessidade da concretização do conceito de culpa, para que possíveis equívocos sejam evitados. É o que pretendeu o artigo 6.º, n.º 2, do texto definitivo do Anteprojeto da nova lei sobre o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado, confeccionado pela Ordem dos Advogados, in verbis: «a culpa não se presume, devendo ser apreciada em face das circunstâncias de cada caso, tendo em conta designadamente o grau de clareza e de precisão da norma violada e o carácter desculpável ou não do eventual erro de direito cometido pelo legislador». Este anteprojeto, apresentado ao Ministério da Justiça, foi considerado o mais relevante para conclusão da Proposta de Lei n.º 95/VIII, que visa aprovar o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e revogar o Decreto-lei n.º 48 051/67, conforme abordaremos mais adiante.

2.2.3.3 O Dano

O dano, como se sabe, é elemento fundamental da obrigação de indenizar. A responsabilidade incide somente a partir do ato ilícito que tenha lesionado o direito de alguém, cuja indenização visa suprir os danos reais: «perda in natura que o lesado sofreu»; os danos patrimoniais: «reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado»; e os danos morais: que afetam prejuízos não patrimoniais «saúde, bem estar, a liberdade, a beleza, a perfeição física, a honra, ou o bom nome» [33], etc.

Compreende a responsabilidade do artigo 22.º da CRP a reparação de todos os prejuízos causados decorrentes da violação ilícita de qualquer direito ou interesse legalmente protegido, incluindo-se o dano moral quando se tratar de ofensa aos direitos, liberdades e garantias.

A responsabilidade do legislador abrangerá tanto os danos decorrentes diretamente da lei considerada ilícita, como aqueles danos advindos da concretização da norma inconstitucional pela Administração, devendo ser devidamente comprovada a existência do nexo de causalidade entre o ato ilícito e o dano.

Com relação aos danos advindos da concretização da norma inconstitucional, impõe-se, para verificar a responsabilidade do legislador, «saber se para o Direito, o acto da aplicação da lei é conseqüência da conduta do legislador e, nessa medida, se esta é causa dos danos suportados pelos particulares» [34].

É importante assinalar que quando a administração aplica uma lei inconstitucional, nada mais faz que cumprir a lei. Tampouco constitui, esse ato, ilicitude culposa, fazendo com que, neste caso, não subsista a solidariedade expressa pelo artigo 22.º da CRP, pois é certo que «quando os titulares dos órgãos e funcionários administrativos são obrigados a executar a norma contrária à Constituição, a obrigação de indenizar recai, unicamente, sobre o Estado Legislador» [35].

Entretanto, no caso da aplicação de uma lei flagrantemente contrária à Constituição, que não chegue nem a produzir efeitos, presume-se a culpa e ilicitude da Administração, que responderá solidariamente com o autor material do fato ilícito e com o Estado, cada qual com as suas respectivas culpas devidamente comprovadas (artigo 497.º do CC).

Outrossim, como principal problema que se coloca frente a imputação de danos causados pelo ilícito legislativo, surge a questão da numerosa quantidade de indivíduos que podem ser atingidos pelo mesmo, e o respectivo dispêndio com as indenizações que colocaria em risco o equilíbrio do erário público.

Com o propósito de evitar que tal questão se torne um empecilho à responsabilização do Estado pelo exercício da função Legislativa, deve o equilíbrio das finanças do Estado ser plenamente levado em consideração quando da reparação dos danos causados. Nestes casos, poderá ser invocado o artigo 282.º n.º 4 da CRP, in verbis: «quando a segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de excepcional relevo, que deverá ser fundamentado, o exigirem, poderá o Tribunal Constitucional fixar os efeitos da inconstitucionalidade ou da ilegalidade com alcance mais restrito do que o previsto nos n.ºs 1 e 2».

Esta solução, conforme defende Rui Medeiros [36], é perfeitamente compatível com a natureza do direito de indenização, que é um direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, pois anuncia apenas uma limitação e não uma restrição (possível somente mediante autorização Constitucional, artigo 18.º, n.º 2, CRP).

Por outra banda, se colocaria também como solução, à mesma problemática, uma exigência relativa à especialidade do dano, que, aliás, encontra-se manifesta no artigo 15.º da Proposta de Lei n.º 95/VIII da Responsabilidade Civil Extracontratual.

Entendemos, porém, que, no caso do ilícito legislativo, a especialidade do dano, que visa a restrição do dever de indenizar, não pode ser considerada como pressuposto desta obrigação, devendo prevalecer, para limitação desta, apenas o fator quantidade.

Trilhando este raciocínio, propõe o n.º 3 do artigo 6.º do Anteprojeto da Ordem dos Advogados, uma solução para este problema: «quando os lesados por uma acção ou omissão político-legislativa ilícita e culposa forem em tal número que se justifique, por razões de interesse público de excepcional relevo, a limitação do âmbito da obrigação de indemnizar, esta pode ser fixada eqüitativamente em montante inferior ao que corresponderia à reparação integral dos danos causados».

Salientamos, por fim, que na proposta de lei apresentada pelo governo, já citada neste estudo, integram-se na conformidade do artigo 15.º, n.ºs 1, 2 e 5, estas duas soluções que abordamos para o problema da restrição do dever de indenizar.

Ora, com isto pretende o governo impor mais limitações ao dever de indenizar pelo ilícito legislativo, do que ao dever de indenizar pelo sacrifício da propriedade privada dos particulares por razões de interesse público, de modo que, neste último, basta que o dano seja especial, enquanto no primeiro, a circunstância de o dano ser especial não impedirá que o tribunal limite o montante da indenização.

2.2.4 Aplicabilidade do Artigo 22.º da CRP

O legislador Constitucional, ao atribuir em seu artigo 22.º da CRP, um princípio geral da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado por danos causados pelo exercício da função política, legislativa, jurisdicional e administrativa, de forma generalíssima, calou-se quanto aos pressupostos de sua aplicabilidade, não mencionando, por exemplo, os pressupostos do dever de indenizar, já analisados neste estudo.

Assim, sendo impossível encontrar no artigo 22.º da CRP os requisitos da responsabilidade do Estado, se faria correta a asserção de que a Lei Fundamental confiou ao Legislador a concretização do direito constitucional à reparação dos danos [37], o que nos levaria a crer que este princípio Constitucional, atualmente, só seria aplicado para fundamentar os danos causados pelo exercício da função administrativa (regida pelo Decreto-lei n.º 48 051/67), face o silêncio do legislador Constitucional quanto às funções legislativa, política e judiciária.

Não é este, porém, o entendimento que prepondera na grande maioria da doutrina e que vem obtendo considerável acolhimento jurisprudencial [38][39].

Não pairam dúvidas de que este artigo Constitucional, mesmo na ausência de lei concretizadora, pode ser diretamente invocado pelos particulares. O direito à reparação dos danos exige respeito e proteção por parte do Estado. Afinal, trata-se de um direito fundamental, de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias constitucionais.

Destarte, esta disposição deve ser submetida ao preceituado no n.º 1 do artigo 18.º da CRP, donde se extrai que «os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas» (Grifo nosso).

O número dois deste artigo vem elucidar que possíveis restrições a este preceito só serão aceitas quando expressamente previstas pela própria Constituição. Assim, não hesitamos em afirmar que não existem quaisquer exceções previstas pela Constituição que venham a remeter, por exemplo, a concretização deste artigo 22.º para a lei ordinária.

Acrescentamos ainda, com Gomes Canotilho e Vital Moreira [40], que «na falta de lei concretizadora, o artigo 22.º é uma norma diretamente aplicável, cabendo aos juizes a aos tribunais criar uma "norma decisão" (aplicação dos princípios gerais da responsabilidade, da administração, observância dos critérios gerais da indenização e reparação de danos) tendente a assegurar a reparação de danos resultantes de actos lesivos de direitos, liberdades e garantias ou dos interesses juridicamente protegidos dos cidadãos».

Neste contexto, serão os tribunais judiciais, de acordo com o artigo 211.º da CRP, competentes para conhecer da ação de indenização contra o Estado por danos decorrentes de leis, cabendo, nos casos do artigo 280.º da CRP, recurso para o Tribunal Constitucional.

A corroborar o exposto neste trabalho, se destaca o Acórdão de 24 de fevereiro de 1994, Processo n.º 84 355, do Supremo Tribunal de Justiça, no qual se reconheceu o direito dos Oficiais do Exército à indenização por danos materiais e morais sofridos em decorrência da função legislativa, exercida pelo Estado, que os afastou ilicitamente de suas carreiras profissionais, sem qualquer fundamento sério e válido, através do Decreto-lei n.º 309/74, de 8 de Julho.

A somar, segue a transcrição do sumário referente ao Acórdão de 23 de setembro de 1999, do Supremo Tribunal de Justiça [41], que demonstra nitidamente, no caso concreto, os pontos delineados neste estudo:

«I- No art. 22.º da CRP consagra-se o tipo de responsabilidade subjectiva do Estado por actos legislativos ilícitos e culposos.

II- Normativo esse que é susceptível de poder consagrar também a responsabilidade do Estado por actos legislativos lícitos.

III- A lei constitucional remete a apreciação dos pressupostos desta responsabilidade para o art. 483.º do CC.

IV- Haverá um facto ilícito legislativo sempre que a aprovação de um diploma inconstitucional (ou ilegal) viole direitos, liberdades e garantias, ou ofenda quaisquer outros direitos ou interesses dos particulares, legalmente protegidos.

V- Haverá culpa do Estado na produção de actos legislativos ilícitos, quando o mesmo podia e deveria ter evitado a provação da lei ou diploma inconstitucional.

VI- Todavia, tal culpa terá que ser apreciada a partir do caso concreto, tendo em conta as circunstâncias que rodearam a aprovação do diploma e a gravidade da agressão legal.

(...)».

Desta forma, podemos concluir que a responsabilidade civil do Estado pelo ilícito legislativo, fundamentada pelo artigo 22.º da Constituição, é realidade indubitável no direito Português, e «a possível exigência de um regime legal da responsabilidade por fatos das leis», como veremos na almejada Reforma da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado no capítulo seguinte, «significa não que o legislador possa afastar os deveres de ressarcibilidade e indemnizabilidade que incubem ao Estado mas que deve concretizar/conformar esse regime através de lei» [42].

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Sobre a autora
Paula Rogéria Gama Santos

doutoranda em Direito Patrimonial pela Universidade de Salamanca (Espanha), mestre em Direito Processual Civil pela Universidade de Coimbra (Portugal)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Paula Rogéria Gama. Breve estudo sobre a responsabilidade civil do Estado pelo ilícito legislativo no direito português. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1387, 19 abr. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9771. Acesso em: 26 abr. 2024.

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