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Reformas legislativas necessárias nos direitos de família e das sucessões estão por vir

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"A novidade veio dar a praia
Na qualidade rara de sereia
Metade o busto de uma deusa maia
Metade um grande rabo de baleia
A novidade era o máximo
Do paradoxo escondido na areia
Alguns a desejar seus beijos de deusa
Outros a desejar seu rabo pra ceia"
.

(Gilberto Gil)


SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. O PROJETO DE LEI Nº 504/07. 2. O PROJETO DE LEI Nº 505/07. 3. O PROJETO DE LEI Nº 506/07. 4. O PROJETO DE LEI Nº 507/07. 5. O PROJETO DE LEI Nº 508/07. 6. A PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº 33/07. 7. O ESTATUTO DA FAMÍLIA E DAS SUCESSÕES. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


INTRODUÇÃO

Com o advento da Carta Magna Federal de 1988, sobretudo com fulcro no princípio fundamental da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), desencadeador do processo de despatrimonialização ou repersonalização do Direito Civil, e na consagração da pluralidade de formas de família, verificável a partir do reconhecimento da união estável (art. 226, § 3º) e da família monoparental (art. 226, § 4º), a entidade familiar passa a ser entendida como um meio de promoção da felicidade de cada um dos seus membros, centro irradiador do afeto (affectio familiae) - enfim, nas palavras dos insignes Rodrigo da Cunha Pereira e Maria Berenice Dias (2001, p. xi), um verdadeiro LAR, Lugar de Afeto e Respeito. Foi sepultado, por consequência, o modelo fechado, limitado e taxativo de família que permeava a legislação então vigente, alicerçado na força do vínculo jurídico, já que apenas através do casamento seria possível constituir tal ente.

Não obstante o assentamento deste conceito eudemonista de família, o Código Civil de 2002, em diversos dispositivos, na contramão da história, insistiu em disciplinar alguns institutos jurídicos de Direito de Família (e, por extensão, de Direito das Sucessões) com regras que mais se coadunam com o modelo de família anterior, o que provocou sérias críticas da doutrina, criando-se um clima de pressão para que o legislador nacional procedesse à alteração de tais regras.

Nesse contexto, utilizamos-nos do presente trabalho para, de forma bastante sucinta, noticiar que, recentemente, foram lançadas as primeiras sementes com o escopo de que brotem as tão esperadas alterações legislativas.

Assim é que, em 20 de março de 2007, o Deputado baiano Sérgio Barradas Carneiro (PT/BA), acatando as sugestões do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), órgão do qual ele é sócio, aprovadas em assembléia em 2003, no IV Congresso Brasileiro de Direito de Família, apresentou ao Congresso Nacional 5 (cinco) relevantes Projetos de Lei, de números 504/07, 505/07, 506/07, 507/07 e 508/07, que modificam diversos dispositivos do Código Civil referentes a institutos do Direito de Família e também, por extensão, do Direito das Sucessões, colocando fim à situação de beligerância existente entre o conteúdo retrógrado da lei e o posicionamento de vanguarda da doutrina e da jurisprudência.

Em complemento a este pacote de Projetos de Lei, o próprio Deputado Sérgio Carneiro, igualmente por sugestão do IBDFAM, em 10 de abril de 2007, apresentou ao Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de nº 33/07, que visa alterar o art. 226, parágrafo 6º, do Texto Maior, para eliminar do ordenamento jurídico pátrio o instituto da separação judicial.

A título de curiosidade, deve-se ressaltar que todas essas propostas são reprises de antigos Projetos de Lei e de Proposta de Emenda à Constituição de autoria do Deputado carioca Antônio Carlos Biscaia, que foram arquivados em 31 de janeiro de 2007, nos termos do art. 105 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, tendo em vista que houve o fim da legislatura para a qual ele foi eleito sem que tais propostas fossem aprovadas e considerando-se ainda que o mesmo não foi reeleito para a legislatura iniciada em 2007.

Por fim, noticie-se que o Deputado Sérgio Carneiro vem atualmente discutindo com membros do IBDFAM a elaboração de Projeto de Lei cujo objetivo é a criação de um Estatuto da Família e Sucessões.

Em face da incomensurável importância de todas essas propostas de reforma dos Direitos de Família e das Sucessões, passamos a analisar, de modo muito breve, cada uma delas em tópicos separados.


1.O PROJETO DE LEI Nº 504/07

O Projeto de Lei nº 504/07 tem como maior mérito o fato de encerrar a discussão de duas questões extremamente polêmicas.

A primeira dessas questões diz respeito aos alimentos atribuídos ao cônjuge tido como culpado na separação judicial litigiosa. Pelo sistema atual estabelecido pelos artigos 1.694, §2º, 1.702 e 1.704 do Código Civil, o cônjuge culpado somente faz jus aos alimentos necessários (aqueles indispensáveis à subsistência), ficando afastada a possibilidade de obter os chamados alimentos civis, os quais garantem a manutenção do padrão de vida a que o separando/alimentando está habituado. É bem verdade que este sistema é menos severo do que aquele previsto no art. 320 do Código Civil de 1916 e, posteriormente, no art. 19 da Lei do Divórcio, onde o culpado pela separação perdia integralmente o direito aos alimentos (em qualquer modalidade). Não obstante, certo é que, embora mitigada, a sanção de perda do direito aos alimentos persiste no ordenamento jurídico brasileiro, sendo, por isso, alvo de fortes críticas da doutrina civilista.

Em um perspectiva histórico-jurídica, verifica-se que todas as sanções decorrentes da culpa na separação judicial (perda do direito a alimentos, ao lado da perda do nome de casado e da guarda judicial dos filhos menores) foram criadas pelo Código Civil de 1916 como desestímulo à intenção dos cônjuges de extinguirem a única forma de constituição da família, o casamento (justas nupcias). Destarte, em face do moderno conceito de família, o qual engloba a pluralidade de formas de sua constituição, não há mais motivo para manutenção destas sanções.

Nesse contexto, em muito boa hora o Projeto de Lei em comento propõe o absoluto término da punição de perda dos alimentos civis, estabelecendo a regra geral de que o separando fará jus à integralidade dos alimentos, sem limitações, desde que demonstre o preenchimento do único e verdadeiro requisito próprio da obrigação alimentar, o famigerado binômio necessidade de quem pede – possibilidade de quem ganha.

A segunda questão polêmica encerrada pelo Projeto de Lei nº 504/07 relaciona-se à renúncia dos alimentos provenientes do casamento. O Código Civil de 2002, no seu artigo 1.707, estranhamente retomou o entendimento consagrado no Código Civil de 1916 (art. 404: "Pode-se deixar de exercer, mas não se pode renunciar o direito a alimentos) e confirmado pela Súmula nº 379 do STF ("No acordo de desquite não se admite renúncia aos alimentos, que poderão ser pleiteados ulteriormente, verificados os pressupostos legais"), já há muito tempo superado pela jurisprudência, de que não é possível a renúncia aos alimentos, independentemente da sua modalidade. Ora, segundo o correto posicionamento dos Tribunais pátrios, em especial do STJ, os alimentos apenas são irrenunciáveis quando decorrentes de relação de parentesco, visto que tal relação não pode ser desconstituída, mas, quando decorrentes do casamento ou da união estável, que não geram parentesco e, por isso mesmo, podem ser desconstituídos, permitem a renúncia. Por conta disso, sempre foi intenso o clamor da comunidade jurídica por uma alteração do aludido dispositivo legal.

De forma muito oportuna, o Projeto de Lei sugere a alteração do art. 1.707 para que nele conste a regra geral de que o credor pode renunciar ao direito a alimentos, salvo quando justamente "a obrigação decorrer de relação de parentesco".

Ainda a respeito deste Projeto, registre-se que ele é muito feliz ao sugerir o aprimoraramento técnico da redação de alguns dispositivos do Código Civil. Assim, reforçando o fim da dicotomia entre alimentos necessários (atribuídos ao cônjuge culpado pela separação judicial) e civis, em face da revogação da norma que trata dos alimentos necessários (§ 2º do art. 1.694), altera-se o caput do art. 1.694, substituindo a expressão "alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação", caracterizadora dos alimentos civis, pela expressão genérica e flexível "alimentos de que necessitem para viver com dignidade", a qual deixa ainda mais clara a idéia de que o instituto dos alimentos deve sempre ser meio de promoção da dignidade do seu titular (ou seja, sempre civis).

Além disso, revoga-se o desnecessário, discriminatório e descontextualizado art. 1.705, que trata do direito a alimentos do filho havido fora do casamento, por força da aplicação do princípio constitucional de tratamento igualitário de todas as formas de filiação previsto no art. 227, § 6º, do Texto Maior. Trata-se de norma proveniente da época do Código Civil de 1916, na qual apenas eram reconhecidos direitos aos filhos havidos (ou legitimados) no casamento (afinal de contas a única forma de constituição da família era através do matrimônio), norma esta que não faz mais qualquer sentido nos dias de hoje, devendo ser portanto extirpada do Código de 2002.

Por fim, há ainda de se mencionar a alteração sugerida no art. 1.709 do Código, segundo o qual "O novo casamento do cônjuge devedor não extingue a obrigação constante da sentença de divórcio", para que, ao invés do termo "novo casamento do cônjuge devedor", nele passe a constar a expressão "nova união do devedor", o que efetivará os princípios constitucionais do reconhecimento da união estável como entidade familiar e da igualdade de todas as formas de família.


2.O PROJETO DE LEI Nº 505/07

Na esteira da tendência mundial de pacificação de conflitos a partir de equivalentes jurisdicionais, o Projeto de Lei nº 505/07 visa implementar a mediação no âmbito do Direito de Família, acrescentando um parágrafo 3º ao art. 1.571 do Código Civil, o qual determinará que "na separação e no divórcio deverá o juiz incentivar a prática de mediação familiar".

O instituto da mediação funda-se em uma linguagem ternária, na qual prevalece a conjunção aditiva e ao revés da conjunção alternativa ou (linguagem binária). Em outras palavras, em contraposição ao clássico sistema de lide processual, entendido como uma relação triangular hierárquica onde cada uma das partes tem atuação estanque, reservando-se ao autor o papel de encaminhar ao Poder Juduciário a sua pretensão, ao réu a função de resistir a esta pretensão e ao magistrado a missão de apenas optar por uma dessas posições e impor a ambos uma resposta jurisdicional que muitas vezes é provisória e incompleta, pois, não sendo formulada a partir de um debate entre todos, pode até encerrar a lide processual, mas frequentemente não põe fim ao conflito material, a mediação implica na sugestão de uma pluralidade de soluções para resolução do caso concreto (todas variáveis de acordo com a condição financeira das partes e do mediador), haja vista a existência de um constante diálogo entre os envolvidos.

De fato, na mediação há a prevalência da participação das partes na discussão do caso prático, em uma clara aplicação da filosofia da discussão de Habermas, segundo a qual tudo se constrói pela ética da discussão, pelo diálogo, pela comunicação, pela humanidade, consagrando-se a dinâmica da intersubjetividade e ampliando-se a humanização do acesso à justiça.

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Em virtude deste método muito mais humanitário proposto pela mediação, alcança-se uma maior aceitação da solução da lide encontrada pelas partes, essencial para uma real pacificação do conflito, ainda mais em causas de família, onde a razão geralmente cede espaço à emoção, ao desejo (PEREIRA, 2006).

Ressalte-se, por fim, que a mediação não se confunde com outros equivalentes jurisdicionais correlatos, quais sejam, a conciliação e a arbitragem, já que naquela o acordo de resolução da lide é obtido exclusivamente pelas partes, sem a participação de terceiros, e nesta a solução do conflito é promovida por um terceiro eleito pelas partes, o árbitro, enquanto que na mediação tem-se a decisão da causa a partir de um ajuste engendrado pelas partes, mas sob o incentivo, auxílio e supervisão constantes de um terceiro, in casu o próprio magistrado, que deve, portanto, ultrapassar os limites da sua cômoda condição de inércia e cumprir com acurada sensibilidade um dever social da mais alta relevância.


3.O PROJETO DE LEI Nº 506/07

O Projeto de Lei nº 506/07 traz um aprimoramento técnico na redação de alguns artigos do Código Civil pertinentes à filiação, como adiante se demonstra.

Tratando da ação de impugnação à paternidade dos filhos nascidos da esposa, o Projeto consagra entendimento já assente na doutrina e na jurisprudência de que, em se tratando de ação personalíssima, a legitimidade para intentá-la é unicamente do marido. Além disso, substitui a expressão "contestação da paternidade", que é atécnica, pois a contestação diz respeito à peça de defesa apresentada pelo réu no processo civil, e adota o termo "impugnação da paternidade", mais preciso para designar o direito de ação do marido referente ao questionamento da paternidade dos filhos nascidos de sua esposa. Feitas essas alterações, o caput do art. 1.601, que hoje assevera que "cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível" (grifo nosso), passará a ter a seguinte redação: "Cabe exclusivamente ao marido o direito de impugnar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher" (grifo nosso).

Ainda com relação ao art. 1.601, caput, do Código, como se vê da transcrição feita alhures, o Projeto retira a sua parte final ("sendo tal ação imprescritível"), porquanto absolutamente desnecessária, por dois motivos: em primeiro lugar, como há muito tempo lecionado pela doutrina civilista, não é a ação que está sujeita à prescrição, mas sim a pretensão ligada ao correlato direito a uma prestação, idéia esta corretamente adotada pelo novo Código Civil no seu artigo 189; em segundo lugar, tendo em vista que, como é cediço, toda e qualquer pretensão relativa a direito de estado da pessoa não está submetida a nenhum prazo prescricional.

O Projeto altera também o parágrafo único do art. 1.601, transformando-o em um novel parágrafo 1º, no qual é substituída a expressão "contestada a filiação" pelo termo "impugnada a filiação", no que andou muito bem, conforme já explicado anteriormente, e são especificados com precisão quais são os herdeiros que podem prosseguir na ação em comento caso o autor venha a falecer no curso do processo: os descendentes e os ascendentes.

A imensa força axiológica conferida pelo Código Civil de 1916 à presunção pater is est quem nuptiae demonstrant como forma de proteger (ainda mais) o casamento como único meio de formação da família é sensivelmente reduzida a partir do Projeto em análise, tendo em vista que ele revoga expressamente o artigo 1.600 do Código Civil de 2002, o qual dispõe que "não basta o adultério da mulher, ainda que confessado, para ilidir a presunção legal da paternidade". A nosso sentir, andou bem novamente o Projeto, até porque tal dispositivo é ofensivo à dignidade da mulher.

Aliás, também é ofensivo à dignidade da mulher o art. 1.602, segundo o qual "não basta a confissão materna para excluir a paternidade". Por esse motivo, o Projeto, com o mesmo acerto, revoga este dispositivo legal.

O Projeto ainda revoga o art. 1.611 do Código ("O filho havido fora do casamento, reconhecido por um dos cônjuges, não poderá residir no lar conjugal sem o consentimento do outro"), violador dos princípios constitucionais do melhor interesse da criança e do tratamento igualitário dos filhos, consubstanciados, respectivamente, no caput e no parágrafo 6º do art. 227 da Carta Magna Federal.

Destarte, sem dúvida alguma, a maior importância deste Projeto de Lei é levar para o plano legislativo, de forma inédita, a consagração da posse do estado de filiação ou paternidade sócio-afetiva.

A respeito da paternidade, a história nos mostra a existência de 3 (três) fases distintas do tratamento do tema. Em um primeiro momento, à época do Código Civil de 1916, quando somente era reconhecida a família nas relações decorrentes do casamento, pai era apenas o marido (paternidade jurídica ou legal) e, por isso, os filhos nascidos fora do matrimônio eram considerados ilegítimos. Com a gradual equiparação entre todas as formas de filiação e o aprimoramento das técnicas de apuração da paternidade, merecendo amplo destaque a popularização (diríamos até sacralização) do exame de DNA, prova quase irrefutável do vínculo parental, verifica-se o surgimento da fase da paternidade biológica: pai é quem biologicamente gera o filho.

Por muito tempo, a paternidade biológica serviu como critério balizador para a resolução das ações investigatórias de paternidade, provocando inclusive o fenômeno da relativização da coisa julgada nesta esfera. Não obstante, com o advento da Constituição Federal de 1988, a família passa a ter uma conotação eudemonista, sendo caracterizada, portanto, como um instrumento de realização da dignidade de cada um dos seus membros, o que implica na ligação entre estes não por um vínculo propriamente jurídico ou biológico, mas sim afetivo, daí resultando a idéia de paternidade sócio-afetiva.

Segundo tal idéia, pai não é necessariamente o marido da mulher que concebe o filho ou aquele que o procria (mero genitor), mas sim quem cria, quem diariamente presta afeto, cuidado e amor. É conceito que deve ser apurado na prática, através da utilização analógica dos critérios definidores da posse de estado de casado – daí se falar em posse do estado de filiação - quais sejam, nome, tratamento e fama.

Nesse trilhar, considera-se pai quem empresta ao seu filho o seu próprio sobrenome (nome), o trata como seu filho, provendo inclusive a sua educação e sustento, e este àquele como seu pai (tratamento), bem como o público em geral (sociedade, família e autoridades públicas) reconhecem a relação de paternidade existente entre eles (fama).

Dentre inúmeros exemplos práticos de aplicação da paternidade sócio-afetiva, pode-se mencionar a paternidade decorrente de inseminação artificial heteróloga (aquela realizada com material genético de apenas um dos genitores, in casu a mulher, ou de terceiros estranhos à relação conjugal), pois pai não é quem doa o material genético, mas sim quem irá criar esse novo ser.

É bem verdade que o critério da paternidade sócio-afetiva já vem sendo adotado por muitos magistrados na resolução diária das lides de família. Nessa esteira, registre-se que, na I Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal e apoiada pelo STJ, foram aprovados os Enunciados de números 103 e 108, com a seguinte redação: "O Código Civil reconhece, no art. 1.593, outras espécies de parentesco civil, além daquele decorrente da adoção, acolhendo, assim, a noção de que há também parentesco civil no vínculo parental proveniente quer das técnicas de reprodução assistida heteróloga relativamente ao pai (ou mãe) que não contribuiu com seu material fecundanete, quer da paternidade socioafetiva, fundada na posse do estado de filho" (Enunciado nº 103); "No fato jurídico do nascimento, mencionado no art. 1.603, compreende-se à luz do disposto no art. 1.593, a filiação consaguínea e também a socioafetiva" (Enunciado nº 108). Posteriormente, na III Jornada de Direito Civil, também promovida pelo STJ e ocorrida em dezembro de 2004, foi aprovado o Enunciado nº 256, cuja redação é a seguinte: "A posse de estado de filho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil".

Entretanto, ainda se verifica uma certa resistência do Poder Judiciário em reconhecer a existência da paternidade sócio-afetiva diante da ausência de previsão legal deste instituto. Nesse sentido, nunca é demais ressaltar que o brilhante João Baptista Villela, há quase 30 anos, em seu clássico artigo "A desbiologização da paternidade", já apontava para a necessidade de reconhecimento desta concepção de paternidade.

Nesse contexto, salutar é o Projeto de Lei nº 506/07 ao estabelecer em um novel parágrafo 2º do art. 1.601 do Código Civil que não se desconstituirá a paternidade caso fique caracterizada a posse do estado de filiação ou a presunção contida no art. 1.597, V, de que foram concebidos na constância do casamento os filhos havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

Por certo, caso ocorra a aprovação deste dispositivo legal, haverá maior segurança jurídica e viabilidade prática na aplicação da paternidade sócio-afetiva e, em particular, da inseminação artificial heteróloga autorizada pelo marido.

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Sobre o autor
Leonardo Barreto Moreira Alves

Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de Minas Gerais Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) Especialista em Direito Civil pela PUC/MG Mestre em Direito Privado pela PUC/MG Professor de Direito Processual Penal de cursos preparatórios Professor de Direito Processual Penal da Fundação Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais (FESMPMG) Membro do Conselho Editorial do Ministério Público do Estado de Minas Gerais Membro do Conselho Editorial da Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Leonardo Barreto Moreira. Reformas legislativas necessárias nos direitos de família e das sucessões estão por vir. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1481, 22 jul. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9961. Acesso em: 1 mai. 2024.

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