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O sistema nacional de recursos hídricos

11/08/2022 às 15:58
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É certo que existem águas particulares. Nada impede, porém, que prevaleça futuramente a ideia de água como bem público.

O Sistema Nacional de Recursos Hídricos está regulado pela Política Nacional de Recursos Hídricos, Lei 9433/97. A legislação dos recursos hídricos é de competência privativa da União, conforme artigo 21, IV, da CF. A lei 9433/97 traz os recursos hídricos como recursos naturais limitados de prioridade para o uso do homem e de animais. Ela, também, revoga os artigos do Código de Águas (dec 24643/34), em seus artigos 7º, 8º e 96º, porque a lei de 97 traz a água como bem público, ou seja, elimina a possibilidade da existência de águas particulares.

Nesse sentido, inicialmente, é necessário fazer um debate sobre a natureza jurídica da água. A CF 88 traz a água como bem de uso comum do povo, ou seja, bem de interesse público, e não bem público. Por isso, o melhor é interpretar a lei conforme a Constituição, senão vejamos. O Código de Águas, do artigo 1 ao 6, estipula as águas públicas por meio do parâmetro de navegabilidade (artigo 2). Elas poderão ser de uso comum ou de uso dominical. A de uso comum é aquela que possui rota e navegação. A de uso dominical é aquela que não tem rota e não tem uso. O artigo 7, por sua vez, estipula as águas comuns a vários proprietários, cruza mais de uma propriedade, e não é navegável. Já o artigo 8 traz as águas particulares, que nascem e morrem na mesma propriedade e não são navegáveis. Caso haja uma interpretação radical da lei 9433/97, água sendo bem público, os artigos 7º e 8º do código de aguas serão revogados.

Ainda o artigo 1º, I, combinado com o artigo 18 da lei 9433/97, define a água como bem inalienável, para fortalecer a ideia de bem público. Ao se utilizar as leis do Código Civil, vemos que o artigo 100 estipula que o uso comum é inalienável, e o artigo 101 define o bem dominical como alienável. Nas águas, definimos como uso comum aquela que possui rota e navegação, já a dominical aquela que não tem rota, ou seja, não tem uso. Assim, a maior característica do bem dominical é se ele tem uso e não se ele é alienável. Assim, a CF, em seu artigo 225, §5, possibilita existir bem dominical inalienável. Desse modo, o rio navegável sem uso seria um bem dominical excepcionalmente inalienável, porque a lei específica determina. Ainda, como ideia de que a água é recurso natural limitado dotado de valor econômico, caso ela seja bem público, o dono de um terreno que utilize sua água subterrânea poderia ser cobrado por isso. E, assim, o artigo 96 do código de águas, que estipula as águas subterrâneas, estaria, também, revogado.

Apesar de todo esse debate, atualmente, a água é considerada um bem de interesse público e, entretanto, existem águas particulares. Nada impede, porém, que prevaleça a ideia de água como bem público, futuramente. Superado esse tema, adentraremos nas bacias hidrográficas, que são unidades territoriais.

O artigo 1, V, da lei 9433/97, determina que a gestão dos recursos hídricos deverá ser descentralizadas. A gestão se dará por bacia hidrográfica e contará com a participação de todos os envolvidos: o poder público, os usuários de água (empresas que captam e distribuem) e a comunidade. Eles formarão o Comitê de Bacia Hidrográfica (CBH). O Conselho Nacional de Recursos hídricos (artigo 34), então, autorizará a criação dos CBH (artigo 37) e das agências de águas. Os Comitês de Bacia Hidrográfica são órgãos de deliberação, com atribuições normativas e consultivas, e que aprovarão o plano de gestão da Bacia Hidrográfica. A Agência de água, por sua vez, é um órgão de execução (materializa as decisões da CBH) e que faz cobrança dos valores da outorga. Essa, portanto, é a estrutura criada pela lei, com gestão descentralizada da unidade territorial (bacia hidrográfica).

A competência do CBH está disposta no artigo 38 da lei 9433/97. Já as da agência de água estão dispostas no artigo 41 da mesma lei. A lei proporcionou a gestão plena e a independência dos recursos para a estrutura das bacias hidrográficas. Assim, eles teriam atuação independente com recursos próprios, sem a necessidade de auxílio governamental. Entretanto, o governo, posteriormente, decidiu criar a Agência Nacional de Águas (ANA) e centralizar a gestão, em uma autarquia federal. Assim, a outorga, que era do CBH, e a cobrança, que era da agência de águas, passaram a ser da ANA. Logo, a ANA que deverá distribuir para os CBH o dinheiro arrecadado.

Do artigo 11 ao 18, da mesma lei, está fixado a outorga pelo uso das águas. Estão sujeitos a outorga: a derivação, o lançamento e outras modalidades dispostas no artigo 12. Em âmbito federal, a competência é da ANA para fazer a outorga, conforme a lei 9984/00, artigo 4º, IV. Essa outorga é via ato administrativo, em que a licitação não é obrigatória, com prazo determinado, de acordo com o artigo 16 da lei 9433 combinado com o artigo 5º da lei 9984. A outorga de uso da água será necessária porque ela possui valor econômico e é inalienável. Nesses casos, salvo uso insignificante, deverá existir autorização de uso.

A outorga é um ato administrativo de autorização com prazo determinado, conforme o artigo 16 da lei 9433. Ela, portanto, equipara-se à permissão de uso. A outorga, aqui, é uma autorização de uso qualificado/condicionado, sem precariedade. Nesse sentido, havendo disponibilidade do recurso hídrico, a autorização será dada (não há competição). A escassez do recurso, porém, poderá paralisar a outorga.

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As águas, ainda, possuem uma divisão constitucional. Assim, a gestão e a outorga dos rios são feitas pela União e pelos Estados. O município, por sua vez, não foi contemplado com essas atribuições. O Domínio hídrico é dos Estados, conforme o artigo 26, I, da CF. A união terá domínio, conforme o artigo 20, sobre os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais. Os terrenos marginais, conforme artigo 4 do DL 9760/46, existem, apenas, nos rios navegáveis. Essa denominação foi criada para os policiais hídricos terem acesso aos terrenos. Nesse sentido, os terrenos marginais de propriedade dos ribeirinhos estão gravados com servidão de passagem para policial hídrico para bem da União (a água). Com a CF/88, esses terrenos marginais sofreram expropriação constitucional confiscatória. Apesar de o código de águas dispor, em seu artigo 29, o pertencimento de águas para o município, esse artigo não foi recepcionado pela CF 88. Desse modo, os município poderão fazer captação das aguas pluviais, por meio das chamadas licitações sustentáveis.

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Sobre o autor
Henrique Rozim Manfrenato

Pós graduado em Direito e Processo do Trabalho, Direito Ambiental e Sustentabilidade, Direito Internacional. MBA em Finanças e em Administração Pública. Atuo/atuei nas áreas previdenciária, tributária, civil, consumerista e criminal, desde 2016.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MANFRENATO, Henrique Rozim. O sistema nacional de recursos hídricos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6980, 11 ago. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/99627. Acesso em: 28 abr. 2024.

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