Ilustre Dr. Vitor Couto, penso que a questão de legitimidade deva ser melhor analisada, neste sentido:
APELAÇÃO CÍVEL. FILIAÇÃO. ART. 1.614 DO CCB. NATUREZA PERSONALÍSSIMA DA AÇÃO. EXTINÇÃO DO FEITO, NA FORMA DO ART. 267, VI, DO CPC.
Apelação Cível Oitava Câmara Cível
Nº 70051809374 Comarca de São Sepé
A ação de desconstituição da paternidade, calcada no art. 1.614 do CCB, é personalíssima. Por conseguinte, cabe ao filho, quando atingida a maioridade civil, decidir pela desconstituição pura e simples da paternidade registral. Hipótese em tela que não traduz situação excepcional de intensa gravidade que justifique a legitimidade da mãe para representar o filho.
EXTINÇÃO DO FEITO, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. APELO PREJUDICADO.
Após examinar detidamente os autos, constato que a solução endereçada pelo ilustre Procurador de Justiça, Dr. Antonio Cezar Lima da Fonseca, de extinção do feito, na forma do art. 267, VI, do CPC, deve ser acolhida, consideradas as peculiaridades do caso concreto, porquanto a ação de desconstituição da paternidade, calcada no art. 1.614 do CCB, é, em regra, personalíssima e, por conseguinte, a mãe não possui legitimidade para representar os interesses do filho, ainda incapaz (mesmo que relativamente, ao tempo do ajuizamento da ação, fl. 5), a não ser em hipóteses excepcionais, em que alguma circunstância de intensa gravidade justifique o agir, o que, contudo, inocorre na espécie. Transcrevo, porque oportuno, os fundamentos lançados no aludido parecer:
Sob outra lógica, devemos lembrar que ações desta natureza são personalíssimas e indisponíveis, sendo oponíveis pelos próprios filhos apenas após a maioridade (ou emancipação), nos termos da redação literal do art. 1.614 do CC.
Nessa linha de raciocínio, cabe esclarecer:
“Cabe ao filho e só a ele ponderar se quer desconstituir a paternidade socioafetiva, não tendo a mãe legitimidade para representá-lo em ato de desconstituição de registro civil por envolver direito de personalidade do filho que, nesse caso, seria exercido em seu detrimento, afrontando o princípio fundamental do direito da criança e do adolescente: seu melhor interesse”.1
Seguindo a mesma premissa, conclui-se que a ilegitimidade da mãe também reside no fato de que o filho poderia estar em juízo igualmente representado pelo pai, visto que - sendo menor de idade e estando hígido o registro de nascimento - o poder familiar sobre ele é recíproco e proporcional entre o pai e a mãe (arts. 1.630 e ss. do CC).
Aliás, do ponto de vista dedutivo, seria até mais interessante para o menor que fosse mantida sua paternidade, o que torna seu interesse contrário ao da sua representante legal. Sob essa ótica, afigura-se inadmissível a presente demanda ajuizada pelo filho, representado pela genitora, em face do pai.
Portanto, ao filho, enquanto menor, falta capacidade processual para impugnar sua paternidade, sendo a genitora, por outro lado, ilegítima para representá-lo neste caso, seja pelo caráter personalíssimo da ação, seja pela dúvida acerca da proteção aos seus interesses.
Destarte, com base no art. 267, VI, do CPC, deve ser extinto o feito, sem julgamento de mérito, já que a legitimidade das partes é matéria de ordem pública, podendo ser conhecida a qualquer tempo e grau de jurisdição.
Pondera a doutrina, ao comentar o art. 1.614 do CCB, que “a característica de personalíssimo deve prevalecer e ser enfatizada e, sob este aspecto, o novo Código Civil poderia ter repetido expressamente as características do direito ao reconhecimento do estado de filiação que o art. 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente consigna: direito personalíssimo, indisponível e imprescritível. [...] A representação de titular de direito personalíssimo, menor impúbere, não poderá ser admitida se contrariar seus próprios interesses, violando o ‘melhor interesse do menor’, princípio norteador do direito da criança e do adolescente. [...] Na hipótese de haver paternidade já constituída, eventual interesse do menor em investigar a paternidade biológica quando possa não coincidir com a paternidade civil, plasmada no registro, que terá, como consequência, desconstituir a já estabelecida, é direito personalíssimo a ser exercido unicamente pelo próprio titular do direito. Sopesará ele a conveniência e interesse de fazê-lo, tendo em vista os laços de afetividade que o possam unir ao pai, talvez desde tenra idade, podendo mesmo ter alcançado a vida pré-natal. Não há como o representante legal substituir-se a direito exclusivo do titular do direito no exame de questões de foro íntimo que envolvem afeto e sentimentos e o direito à própria identidade familiar e pessoal”2.
Identicamente, Luiz Edson Fachin3 ressalta que “a possibilidade de impugnação do reconhecimento a partir de quando o menor reconhecido atingir a maioridade civil (etária ou por emancipação)” resguarda legítimo interesse seu, daí porque a desconstituição da paternidade por filho que ainda não atingiu a maioridade, sem a busca concomitante da paternidade biológica, deve ser analisada com reservas, pois eventual sucesso do pleito implicará extirpar da vida do menor a figura paterna.
Na presente hipótese, extrai-se da narrativa da peça portal e do depoimento de Percival, sem maiores dificuldades, que a intenção de demover o demandado da posição de pai (que, segundo confirmam os envolvidos, o registrou como seu filho, mesmo sabendo não ser o pai biológico) está atrelada a mágoas não cicatrizadas decorrentes da separação da genitora e de José Darci, assim como a discussões motivadas pela tentativa (legítima) do requerido de estabelecer limites ao recorrente, que vivenciava, ao tempo do aforamento do pedido, a complexa fase da adolescência.