Caro Sr. Silvério,
Primeiramente, agradeço profundamente os elogios. Fiquei até surpreso com o que eu li. Obrigado mesmo.
Passo a dar o parecer.
A Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/73), de certo modo, confere ao juiz uma MARGEM DE DISCRICIONARIEDADE considerável no que diz respeito à alteração de nome. Estabelece que qualquer mudança de nome, após os 19 anos (como é o caso da sua irmã), só será deferida POR EXCEÇÃO e MOTIVADAMENTE (art. 57). Daí logo se vê que a regra é a imutabilidade, competindo ao juiz relativizá-la, mitigá-la diante de um caso concreto, sempre fundamentando a sua decisão. Afinal, toda regra tem sua exceção!
Pois bem.
Pode acontecer - sou obrigado a alertá-lo disso - que o juiz da causa entenda que a supressão do sobrenome do pai biológico da sua irmão NÃO se afigura possível, à vista do fato de que o nome tem de traduzir a FILIAÇÃO NATURAL da pessoa, individualizando-a na sociedade em função desse tronco familiar. Essa é a visão mais tradicional (e retrógrada também...)
Felizmente, há juízes que conferem maior relevo ao ASPECTO AFETIVO do que à árvore genealógica da pessoa. Nessa perspectiva, pai é quem CRIA, e não quem procria. Parece-me a visão mais acertada, que deixa de lado o formalismo e privilegia o direito vivo, o direito enquanto fato social.
A professora MARIA BERENICE DIAS, jurista da mais alta categoria, é especialista em Direito de Família e possui um posicionamento que poderá servir de suporte para a defesa da sua irmã. Veja o que ela diz:
"A relevância do nome não mais se reduz, como outrora, a identificar alguém pelo fato de pertencer a uma família. Deixou de ter a função de indicar o tronco ancestral, a continuidade da família pela estirpe masculina, dentro de uma cadeia registral. É mais do que um designativo da origem familiar. Significa a própria individualidade da pessoa, frente aos demais. Passou a ser conhecido como um atributo da personalidade, suporte não só da identidade social, mas também da identidade subjetiva, sede do seu amor próprio. (...) Nada obsta que o nome do filho seja estruturado somente com os apelidos femininos das duas linhagens. É de se admitir a inclusão do patronímico materno que não constou quando do registro, ou a exclusão do sobrenome paterno se o abandono afetivo gera sofrimento ao filho, também é possível adotar o nome do padrasto ou acrescentar o seu apelido ao prenome (Manual de Direito das Famílias, RT, 4ª Ed, 2007)"
Repare na parte final: "É de se admitir a inclusão do patronímico materno que não constou quando do registro, OU A EXCLUSÃO DO SOBRENOME PATERNO SE O ABANDONO AFETIVO GERA SOFRIMENTO AO FILHO (...)"
Nessa linha, então, uma vez comprovado o abandono, tanto material como moral, é ADMISSÍVEL a supressão do patronímico (sobrenome) do pai biológico. Creio que, pelo que o Sr. relatou, não será difícil fazer essa prova. Afinal, o indivíduo sempre foi ausente, do ponto de vista financeiro e psicológico, sendo substituído, na prática, pelo padrasto.
O remédio jurídico é a AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE ASSENTO CIVIL, a ser ajuizada pela "Mariazinha", somente.
Onde a demanda deverá ser proposta? Preferencialmente, na comarca onde ela está registrada. A Justiça competente é a Justiça Estadual Comum.
Quais os meios de prova? 1.) as declarações prestadas por ela mesma ao juiz (depoimento pessoal); 2.) depoimentos de testemunhas; 3.) juntada de fotos que comprovem o vínculo entre a "Mariazinha" e o "João" (p.ex: aniversários e formaturas em que ele aparece do lado dela)
Um alerta: para que se forme a relação processual, o pai biológico da sua irmã deverá ser CITADO, isto é, chamado ao processo. Receberá um mandado informando-o sobre a propositura da ação, com possibilidade de apresentar defesa. Por isso, se ele realmente comparecer no Forum, é possível que haja um ENCONTRO com ele. Peço que o Sr. mantenha-se calmo e não "antecipe o passaporte desse sujeito à sua morada eterna", pois senão a coisa vai ficar preta...(heheh) E como ele está "foragido", sumido, é bem provável que o processo demore mais do que o comum, isto porque terão de ser expedidos ofícios de localização a órgãos públicos (Tribunal Regional Eleitoral, Receita Federal, Detran...) no afã de localizá-lo.
Não conheço a jurisprudência do Pernambuco. Em São Paulo, há precedentes acerca da possibilidade jurídica do pedido a ser formulado pela sua irmã. Cito dois julgados do Tribunal de Justiça (que, em razão da extensão, não poderei transcrever aqui): Apelações n. 505.874-4/4 e 253.410-4/7.
Diga à sua irmã que procure um advogado ou, se não tiver condições, a Defensoria Pública do seu Estado. Se eles disserem que o pedido é juridicamente impossível, que a lei não autoriza a supressão do sobrenome do pai biológico, ou qualquer coisa do tipo, ela deverá bater o pé e não desistir. A ação é incomum e, talvez, eles não estejam informados do que vêm decidindo os Tribunais mais recentemente.
Repise-se: a causa NÃO está ganha. Tudo depende do entendimento do juiz. Se a sentença for de improcedência, RECORRA. Tente na 2ª instância. Sugira ao advogado que colacione os precedentes jurisprudenciais que mencionei. Não percam a esperança!
Uma dica: nesta ação, o Ministério Público tem de se manifestar. O(a) Promotor(a) de Justiça apresenta um parecer ao juiz sobre o que ele(a) acha do processo e o Juiz, muitas vezes, acaba acatando esse parecer. Por isso, se possível, conversem com o(a) Promotor(a) que oficia na Vara à qual for distribuída a ação (o 'promotor do caso', digamos assim) e apresentem a ele(a) as razões que levaram 'Mariazinha' a lançar mão desta ação judicial. Poderá ser útil.
Fiz o máximo que podia, Silvério. Agora, é com o advogado ou o defensor público que cuidará da causa.
Espero ter ajudado!
Boa sorte!