Olá Ana Claudia!
Vi o site do Tribunal de justiça do Rio de Janeiro e como o processo tem um advogado, como você sabe, não posso opinar no caso concreto.
Entretanto, sem discutir o processo citado, conversando com colegas sobre este problema decobri que inúmeras pessoas estão enfrentando a mesma situação, com pesadíssimas multas para pagar. Tem uma discussão aqui no forum do Jusnvegandi com mais 50 questionamentos sobre este assunto.
A posição do STJ em recente decisão Resp AgRg no REsp 1024632 / RS publicado no DOU de 05/08/2008, é neste sentido:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AGRAVO REGIMENTAL. ALIENAÇÃO DEVEÍCULO AUTOMOTOR. MULTAS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO ALIENANTE. INTERPRETAÇÃO DO ART. 134 DO CTB.
1. "Alienado veículo automotor sem que se faça o registro, ou ao menos a comunicação da venda, estabelece-se, entre o novo e o antigo proprietário, vínculo de solidariedade pelas infrações cometidas, só afastadas quando é o Detran comunicado da alienação, com a indicação do nome e endereço do novo adquirente. Não havendo dúvidas, in casu, de que as infrações não foram cometidas no período em que tinha o recorrido a propriedade do veículo, não deve ele sofrer qualquer tipo de sanção" (REsp 965.847/PR, Rel. Min. Eliana Calmon, DJU de 14.03.08). 2. Agravo regimental não provido.
Esta posição a meu ver, com o devido respeito aos Ministros do STJ, encontra-se equivocada, porque:
a) é uma contradição dizer que a venda se opera com a tradição (entrega do bem), mas fica o vendedor responsável por força do artigo 134 do Código Nacional de Trânsito, apenas por não saber o nome do comprador. Não basta a "mitigação" da responsabilidade, segundo o entendimento do STJ. Se vendeu não é mais dono e sua responsabilidade acaba quando comprova a venda, ainda que a pessoa que não saiba mais qualificar o comprador;
b) Que lei pode ser tão leonina a ponto de criar uma responsabilidade injusta "ad eternum". Se a pessoa que teve o carro furtado ou roubado ( perda da posse ) já consegue isenção de IPVA e cancelamento de multas; como não consegue benefício idêntico provando a venda (que também é uma forma de perda da posse e da propriedade também) por meios legais;
c) A lei expressamente fala em responsabilidade solidária, quer dizer ambos são responsáveis igualmente. Como alguém que tem esta condição (solidariedade) pode estar desprotegido pelos meios judiciais à disposição, e não ter direito a busca e apreensão, bloqueio, retenção do veículo até regularização. O Código de Trânsito prevê aplicaçao de multa e retenção do veículo não transferido em 30 dias ( artigo 233 do Código). A pessoa jurídica de Direito Público tem todo este poder e a pessoa física não pode contar com nada a seu favor, principalmente quando a situação é mais injusta, qual seja na hipótese de ser uma pessoa que se oculta;
d) Tal artigo 134 cria uma situação "sui generis", de uma responsabilidade que não se baseia na propriedade ( esta já foi transferida pela entrega do bem) nem na posse, nem na fraude ou na desconsideração da personalidade jurídica, a não que esteja se falando em direito real criado por força de lei e assemelhação com as hipoteca de aeronaves (artigo 138 da lei 7.565/86). Se se partir para um raciocínio tão elástico também não se poderia de enxergar um direito "erga omnes", assegurando a perseguição do bem;
e) o mesmo sistema jurídico que garante ao possuidor a aquisição da posse de bem por usucapião tem que garantir ao desapossado a declaração da perda da posse ( artigos 1260 a 1262 do Código de Civil) com base na perda presumida da propriedade pelo decurso do tempo;
f) por último, estamos falando de um País com uma população estimada em 190 milhões de pessoas e mais de 50 milhões de veículos ( considerados veículos de todo o tipo). Não estando mais na Antiga Roma, e é uma ficção jurídica achar que uma pessoa comum possa achar um comprador de seu carro por seus próprios meios, sem auxílio do Estado preso a interpretações literais da lei, ainda que inspiradas em lições de grandes mestres processualistas, que diante da realidade dos fatos provavelmente reveriam suas posições.
A proposta é de o tema continue em discussão, com a valiosa colaboração de outros colegas.
Boa sorte
Paulo