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O Código de Trânsito Brasileiro à luz dos princípios do direito sancionador

O Código de Trânsito Brasileiro à luz dos princípios do direito sancionador

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1. Introdução

As relações sociais intensificaram-se sobremaneira no último século, exigindo, por parte do Estado, uma maior intervenção, no sentido de regrar e regulamentar o comportamento humano.

Se, por um lado, a concepção atual é a de que o Direito Penal deve tratar apenas de ilícitos mais graves, ou seja, ser reservado apenas para a repressão de atos efetivamente danosos e/ou praticados por pessoas consideradas perigosas, por outro lado, a percepção de que o direito sem sanção não apresenta eficácia é hoje aceita por todos.

Por isso, um dos ramos do direito teve sua importância elevada a um grau inimaginável: o Direito Administrativo Sancionador, ramo da ciência do direito que cuida das sanções não penais, [01] nas palavras de Eduardo Fortunato Bim. [02]

Contudo, esse ramo do Direito não obteve por parte dos operadores do direito brasileiros a devida atenção. Na doutrina pátria são poucas as obras que se aprofundam sobre o tema. [03] A falta de atenção dos juristas brasileiros a este ramo do direito, em especial no âmbito das sanções de trânsito, tem, como principal efeito, uma legislação recheada de inconstitucionalidades e ilegalidades. [04] Isto porque quase não há discussão e debate jurídico sobre os institutos do Direito Administrativo Sancionador, realidade que esperamos, em breve, seja superada.

Objetivamos com este estudo demonstrar a utilidade do estudo das sanções previstas no Código de Trânsito Brasileiro, em especial, no tocante aos "pontos", e a penalidade de "suspensão direta" do direito de dirigir, à luz dos princípios gerais do direito administrativo sancionador.


2. As sanções do Código de Trânsito Brasileiro

O novo CTN – Lei 9.503/97 – veio atender um reclamo da sociedade brasileira [05]: o endurecimento das sanções previstas para motoristas infratores.

Contudo, as espécies de penalidades previstas no Código de Trânsito são muito semelhantes às previstas na antiga legislação. Encontram-se elencadas no art. 256 do CTB, e são as seguintes: I - advertência por escrito; II – multa (sanção pecuniária); III - suspensão do direito de dirigir; IV - apreensão do veículo; V - cassação da CNH; VI - cassação da Permissão para Dirigir; VII - freqüência obrigatória em curso de reciclagem.

A par da tremenda majoração dos valores das multas pecuniárias, outra inovação foi, sem dúvida, mais impactante. Na tentativa de tornar eficazes as sanções aplicadas e reprimir a reincidência, o novo Código de Trânsito adotou o instituto dos "pontos" (arts. 259 e 261, § ). A cada infração cometida são anotados "pontos" ao prontuário da carteira de habilitação do motorista infrator. Atingido o total de vinte pontos, num prazo inferior a doze meses, o infrator esta sujeito à suspensão do direito de dirigir, restrição que pode durar de um mês a dois anos (art. 261 do CTB) [06], além da penalidade pecuniária. E para reaver o direito de dirigir, o motorista suspenso deve obrigatoriamente passar por um "curso de reciclagem" (CTB, art. 261 § 2º).

E, na esteira de sanções mais severas, o Código adotou a penalidade de "suspensão direta", ou seja, elegeu algumas infrações que, cometidas apenas uma vez ensejam a suspensão do direito de dirigir, independentemente do número de pontos que possua o condutor anotado em seu prontuário.

Contudo, como veremos, este mecanismo dos pontos, apesar de louvável, do modo em que está vazado no Código é extremamente injusto e iníquo, colocando em situação igual todos os tipos de infrações de trânsito, apenando motoristas que cometeram atos de diferentes graus de periculosidade da mesma forma, o que repele o bom direito. Nas palavras do Professor e Magistrado Rizzatto Nunes, no que tange à peculiar questão dos pontos, o Código é draconiano. E o Professor tem razão. Vejamos.


3. Ius puniendi e a sanção administrativa

Como já afirmamos, o ius puniendi do Estado é uno. Então, apesar de reconhecermos uma diferença evidente entre sanções penais e administrativas, e suas respectivas autonomias frente à ciência jurídica, resta claro que são desdobramentos de uma única manifestação de poder do Estado, que o capacita a penalizar aqueles que infringem o ordenamento jurídico.

Tanto que ensina Régis de Oliveira: "O conceito de antijuridicidade é comum aos diversos ramos do Direito; pertence à teoria geral do Direito. Por isso não se distinguem os ilícitos civil, criminal e administrativo, em sua essência; ontologicamente são uma e mesma coisa." [07]

Para Juan Zornoza Perez, a razão pela qual existe esta identidade entre delitos e sanções administrativas é uma só: Ambos têm "esa función, de castigar el infractor por la transgresión del ordem jurídico, imponiéndole una pena, esto es, infligiéndole um sacrificio con finalidad corretora, represiva e intimidatoria", sendo as sanções administrativas "auténticas penas o, si se prefiere, tienen idéntica natureleza que las sanciones que corresponden a las infracciones criminalizadas." [08]

Já se disse que a maioria dos conceitos relativos ao direito penal são, na realidade, supraconceitos, que compreendem tanto o delito criminal como o administrativo. [09] E isso se dá por dois motivos. Primeiro, porque o direito penal, anterior à atividade administrativa sancionadora do Estado, já possui um considerável desenvolvimento doutrinário e legal, com seus institutos sedimentados na ciência do Direito. E, porque a aproximação desses institutos "descansa em la consideración inobjetable de que igual el castigo del delito que la sanción por infracciones administrativas son manifestaciones del ‘ius puniendi’ del Estado, sin que se den razones para um tratamiento diferente." [10] Não discrepa deste entendimento a doutrina [11] e a jurisprudência brasileira. [12]

Contudo, estamos com Ángeles de Palma del Teso, quando afirma que o estudo das sanções administrativas não se resolve com a simples utilização dos conhecimentos de direito penal. [13] A solução, como atesta a melhor doutrina, é respeitar as "matizes" [14] deste tipo de atividade sancionador estatal, reconhecendo suas similaridades e incongruências.

Assim, como já se disse neste estudo, os elementos do ilícito administrativo também são os do tipo penal. Além disso, uma enorme gama dos princípios basilares do direito penal tem grande aplicabilidade para o estudo das sanções administrativas, como os da legalidade, tipicidade, non bis in idem, irretroatividade das normas sancionadoras, presunção de inocência, devido processo legal, [15] proporcionalidade, retroatividade de norma favorável, e o princípio in dubio pro reo, [16] sendo empregável ainda, as causas supralegais de exclusão da ilicitude, como a inexigibilidade de conduta diversa, conforme veremos adiante.

3.2 Inexigibilidade de conduta diversa

A violência urbana cresceu dramaticamente nas duas últimas décadas, esse é outro fator que gera desrespeito às leis de trânsito. Temos para nós que as infrações cometidas em circunstâncias onde, para respeitar a lei de trânsito, o condutor pode colocar sua integridade física ou vida em risco, ou dos ocupantes do veículo, não devem ser apenadas, pois inexigível conduta diversa. Apesar de instituto característico do Direito Penal, a inexigibilidade de conduta diversa tem grande utilidade no âmbito das infrações de trânsito, pois, como disse Eduardo Fortunato Bim, "há princípios que, apesar de desenvolvidos e comumentemente aplicados em determinado ramo do Direito, e aqui falamos, principalmente, do Penal, são típicos do Direito Punitivo ..., isso porque eles fazem parte de um direito mais geral, que engloba todos esses ramos quando tratam de matéria punitiva. São os princípios do Direito Sancionador." [17]

O fato proibido (típico), via de regra, consiste no comportamento capaz de se subsumir num tipo previsto na norma de trânsito; isso já é indício de antijuridicidade, que pode ser descaracterizada (afastada) pela ocorrência de alguma causa de justificação – norma permissiva (legal ou supralegal) – que autorize o comportamento do agente, como vaticina Fábio Medina Osório. [18] Frisamos que este ensinamento é feito sobre o pálio das normas do Direito Administrativo Sancionador, sendo, então, útil no que tange às infrações de trânsito, pois estas são estudadas especificamente por este ramo da ciência do direito.

Marco Antonio Hahum, explica que o direito prescreve sanções contra alguns atos, para coibi-los, ou seja, para evitando-os, [19] "proteger valores essenciais da sociedade", [20] como v.g., o trânsito seguro. Contudo não é qualquer ofensa à norma que gera sanção. Entre outras coisas deve-se observar no agente sua atitude interna em relação ao ato praticado.

Continua o Prof. Nahum, explicando que "essa análise individual decorre do princípio da alteridade, [21] que fundamenta o princípio da dirigibilidade normativa (ou capacidade de comportamento conforme a norma, ou, ainda, capacidade de conformação da personalidade às exigências do sistema normativo), que constitui o material dos três elementos que compõem a culpabilidade." [22]

Segundo Damásio, "não pode haver juízo de reprovabilidade quando o sujeito executou o fato em face de circunstâncias de certa anormalidade, e a normalidade não existe no caso de um perigo". [23] Em alguns centros urbanos brasileiros vive-se em constante "anormalidade das circunstâncias", com índices de violência que superam o de áreas em guerra declarada, caracterizando situação perigosa e extremamente anormal. Logo, estamos diante de situação que modifica o comportamento das pessoas, e "exclui a ilicitude da conduta ou a culpabilidade do agente." [24]

Afonso Rodrigues Queiró leciona que o Direito é meio para o Estado atingir seus fins. Este jurista parte de um interessante paradigma – que o Estado é um ente cultural criado visando um fim maior, e formado (institucionalizado) através de um ordenamento jurídico, igualmente fruto de uma criação cultural, que tende ao ético e ao justo, valores eminentemente culturais. [25] Logo, segundo o Prof. Queiró, o intérprete da lei deve "captar o sentido cultural das normas jurídicas." [26]

Mirabete, com base em estudo de Ruy Freitas Camargo, não ignorou que existe algo na lei, cujo fundamento vai além dela, afirmando que causas supralegais de exclusão da ilicitude, mesmo quando não positivadas em norma escrita, existem, e são corolários de um Estado de direito. Assevera, pois, que antes de decidir se o ato é punível, o jurista deve observar se o ato afronta as "normas de cultura", os valores que a regra protege. [27] Da lição de Queiró e Mirabete pode-se concluir que, se um fato típico, mas que, em sua essência, não afronta as normas de cultura (= comportamento socialmente aceito como lícito), não afronta a norma, pois o legislador não tem a capacidade de prever em que condições os atos são praticados, e, assim, positivar todas as excludentes de ilicitude.

E, em feliz conclusão, afirma Marco Antonio Nahum que "as normas de direito penal dirigem-se ao homem normal e não ao herói moral. Não tem sentido censurar o agente que cometeu uma ação em circunstâncias tais que levariam a generalidade das pessoas honestas a cometê-la também." [28]

E, na seara do direito administrativo outra não é a lição de Régis de Oliveira: "Se a infração resulta de causa estranha – p. ex., ação de terceiros ou força da natureza – impossível era-lhe evitar o evento, bem como inadmissível a escolha de outra conduta." [29] Daniel Ferreira defende, sob o pálio do direito administrativo sancionador que "o comportamento que enseja a sanção há de ser, simultaneamente, típico (isto é, deve se amoldar à hipótese objetivamente prescrita), antijurídico (portanto, contrário a determinação legal) e voluntário (deve haver, pelo menos, a voluntariedade da conduta), ou seja deve precisa e voluntariamente contrariar a previsão genérica contida na norma de conduta, sob pena de in concreto não constituir ilícito." [30] Aquele que comete uma infração de trânsito para salvar sua vida não esta voluntariamente contrariando a previsão genérica contida na norma, e sim buscando proteger o maior patrimônio do homem: a vida.

Em suma, há casos onde a falta de segurança impede o Estado de cobrar dos motoristas respeito à lei de trânsito. E, se a administração não dá a população garantias de trânsito seguro, impondo a lei, sem os temperamentos que reserva para si (por exemplo, o não respeito à regra prevista no art. 94 do CTB), afronta a moralidade. E, nada de mais deletério há, do que afronta à moralidade. [31]

3.3 Caracterização da Sanção Administrativa

Uma das peculiares da sanção administrativa é ser diretamente aplicada pela autoridade administrativa competente, sem a necessidade de instauração de processo judicial para averiguar-se o ato dito ilícito. Segundo a doutrina este seria o grande diferencial entre as sanções penais e as administrativas. As primeiras só são cominadas após um processo judicial (e podem ter o caráter de restrição da liberdade pessoal). As segundas são impostas pela autoridade administrativa (ou por autoridades legislativas e judiciárias em função atípica [32]), vedadas as penalidades de detenção e reclusão.

Mas isso não quer dizer que, nas sanções administrativas, não seja possível o exercício do direito de defesa. A defesa é feita em processo administrativo, sendo desnecessária a abertura de um processo judicial. [33] Como já se disse "los administrados no deben recibir peor trato que los delincuentes", [34] sendo certo que, no Brasil (CF/88, art. 5º inc. LV), aos acusados por cometimento de infração de trânsito é garantido "o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".

3.4 Responsabilidade e Sanção Administrativa de Trânsito

Outro elemento que se faz necessário comentar é a responsabilidade por infração administrativa. No âmbito do direito penal a responsabilidade é pessoal e intransferível (CF/88, art. 5º , inc. XLV). Temos para nós que tal preceito tem vigência no âmbito das sanções administrativas, com alguns temperamentos (matizes).

As sanções punitivas são de exclusiva responsabilidade do condutor, como, aliás, é da própria redação do art. 257 § 3º do CTB: "Ao condutor caberá a responsabilidade pelas infrações decorrentes de atos praticados na direção do veículo." Mas devemos frisar que, no âmbito das sanções administrativas existe a chamada responsabilidade subsidiária, que não se confunde com responsabilidade objetiva. Talvez aqui resida a matiz que as diferencia das penalidades criminais.

Esta responsabilidade subsidiária decorre de fatos como, por exemplo, não se indicar, no prazo legal, o verdadeiro infrator, ou aquela pessoa que estava na condução do veículo no momento da ação tida como antijurídica. Enfim, a transferência da responsabilidade sobre a penalidade é decorrente de uma relação de descumprimento do dever de informar, e não do simples fato de ser proprietário do veículo, ou mesmo, sucedê-lo na propriedade. E obviamente, esta responsabilidade só é transferível se, respeitado o devido processo legal, o proprietário não indicar o verdadeiro infrator. Deficiências na notificação, por exemplo, fazem cair por terra qualquer penalidade de trânsito, como já sumulou – por duas vezes – o STJ. [35]

Neste sentido é totalmente inconstitucional a Resolução do Contran 108/99, que estabelece, "art. 1º - o proprietário do veículo será sempre responsável pelo pagamento da penalidade de multa, independente da infração cometida, até mesmo quando o condutor for indicado como condutor-infrator nos termos da lei, não devendo ser registrado ou licenciado o veículo sem que o seu proprietário efetue o pagamento do débito de multas, excetuando-se as infrações resultantes de excesso de peso."

Não foi à toa que já se escreveu que "el Derecho Administrativo es el campo más fértil de la legislación contingente y ocasional, de las normas parciales y fugazes." [36] O dispositivo é ilegal, [37] por que cria direitos e obrigações não previstos na norma que deveria apenas regulamentar, transbordando da competência que lhe é reservada. O CTB diz claramente que a responsabilidade é pessoal. [38] Além disso, é inconstitucional, pois fere o princípio da pessoalidade da pena (CF/88, art. 5º, inc. XLV), já que as sanções de trânsito objetivam castigar o infrator, e não gerar renda ao Estado. E, como já se disse, todo ato administrativo que se desvia do fim colimado, é ilegal.

Para Eduardo García Enterría, "las autoridades administrativas pueden contar y cuentan, com toda normalidad, com poderes discricionales, pero no para el cumplimiento de cualquier finalidad, sino precisamente de la finalidad considerada por la Ley, y en todo caso de la finalidad pública, de la utilidad o interés general. E as al hilo de esta observación como se monta la técnica de control de la desviación de poder. El acto discricional que se ha desviado de su fin, del fin en vista del cual el Ordinamiento otorgó el poder, ha cegado la fuente de su legitimidad. Incurse és un vicio que, naturalmente, puede ser fiscalizable por los Tribunales." [39]

Jesús González Péres ensina que, usurpada a competência, o ato normativo "no será valido, y podrá hacerse valer la anulabilidad o nulidad de pleno Derecho (...) sobre todo cuando bajo la apariencia de legalidad el vicio en que se incurre es la desviación de poder." [40] Penalidade imposta que não é cobrada do infrator, pelo simples argumento de que o proprietário é responsável pelos ônus que recaiam sobre o bem, tem seu caráter punitivo desfigurado, apresentando-se como mais uma fonte de arrecadação, caracterizando, então, o desvio de finalidade. [41] Como bem disse o Des. Nagib Slaibi Filho as penalidades de trânsito não se travestem em obrigações propter rem, posto que a responsabilidade, neste caso, é personalíssima. [42]

É medida de profilaxia jurídica a imediata retirada do ordenamento jurídico da Resolução do Contran 108/99, ou sua adequação às regras do sistema jurídico vigente. Se o objetivo da legislação de trânsito é a educação (CTB, art. 6º), qual é a eficácia da medida punitiva quando aplicada ao proprietário do veículo, e não ao condutor identificado? Nenhuma!


4. A supremacia das normas e dos princípios constitucionais

No ordenamento jurídico brasileiro, como na maioria dos países ocidentais, a Constituição ocupa lugar de destaque e superioridade, pois como dissemos em outro estudo, "as regras insculpidas na Carta Magna efetivam a gênese do Estado de Direito." [43] É intuitivo que uma norma que é o pacto formador de um Estado deve se sobrepor às demais normas, sob pena de reinar a insegurança.

E é por isso que a doutrina exposta por Kelsen sobre a hierarquia das normas [44] é hoje mundialmente aceita. Por esta teoria, a Constituição (ocupando o lugar de norma fundamental), encontra-se no ápice da ordem jurídica, irradiando seus preceitos e princípios [45] por todo o arcabouço jurídico que lhe é inferior. Isto vale dizer que as normas infraconstitucionais, para serem consideradas válidas, não podem, sob pena de declaradas inconstitucionais, afrontar nenhuma das regras explícitas e implícitas [46] (v.g., alguns princípios) prestigiadas na Lei Máxima.

Como ensina Canotilho, "a desconformidade dos actos normativos com o parâmetro constitucional dá origem ao vício da inconstitucionalidade. A doutrina costuma distinguir entre vícios formais, vícios materiais e vícios procedimentais: ... vícios materiais: respeitam ao conteúdo do acto, derivando do contraste existente entre os princípios incorporados no acto e as normas ou princípios da constituição." [47]

Queremos salientar neste texto, como já dissemos, [48] que também os princípios constitucionais são normas de caráter fundamental e superior a demais regras infraconstitucionais. Neste sentido, a lição de Larenz é esclarecedora: "Entre os princípios éticos-jurídicos, aos quais a interpretação deve orientar-se, cabe uma importância acrescida aos princípios elevados a nível constitucional." [49]

Mas o que são os princípios num ordenamento jurídico? O tema comportaria (e merece), tomos e tomos, mas em suma, os princípios são, no dizer de Bobbio "normas fundamentais ou generalíssimas do sistema." [50] No sentir de Celso Antônio Bandeira de Mello, o princípio jurídico é "mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico." [51]

Por estas lições, e pelo estágio atual da matéria, hoje é superada a polêmica que se travava sobre a cogência dos princípios, mormente dos princípios constitucionais. A doutrina desenvolveu-se; rompeu-se o antigo discurso (positivista) que negava aos princípios, status de norma. [52] Hoje o discurso principialista encontra-se na vanguarda, e é reconhecido como válido e útil ao desenvolvimento da interpretação e aplicação do direito, bem como útil para a ciência do direito. [53] Se "a importância dos princípios está em que eles fundamentam as regras," [54] mais repugnante que ofensa à normas escritas, é ofensa aos princípios constitucionais.

Já no âmbito da teoria geral do direito, como adverte Limongi França, a remissão aos princípios é exercício capaz de "atestar" a boa interpretação e aplicação do direito, tanto que "a consagração dos Princípios Gerais de Direito, na qualidade de forma complementar do Direito Normativo, constitui um fato universal", e, se a legislação não faz expressa remissão à utilização deles, "a Doutrina se encarregou de dar a esses princípios fôros de regra obrigatória." [55]

Superado este particular, voltemos ao nosso ponto central. Como adverte o Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello, "uma norma ou um princípio jurídico podem ser afrontados tanto à força aberta como à capucha. No primeiro caso expõe-se ousadamente à repulsa; no segundo, por ser mais sutil, não é menos censurável." [56] O que queremos salientar com esta passagem é que, nas entrelinhas, à "capucha", encontraremos no CTB ofensas à princípios constitucionais. Vejamos.


5. Princípio da proporcionalidade

Um dos mais graves problemas da ciência do Direito foi (e ainda hoje é) resolver casos onde uma lei formalmente perfeita revelava-se inadequada para solver uma lide. Ou porque o resultado de sua aplicação ofende o senso médio de justiça vigente, ou a sanção é demasiadamente rigorosa em face do caso concreto.

Com a influência de doutrina estrangeira, [57] surgiu em nossas letras jurídicas estudos sobre a possibilidade da não aplicação da norma injusta (no sentido de desproporcional), baseada em princípios constitucionais implícitos. Para evitar que possa administração, "sob o manto da legalidade, tornar-se arbitrária", [58] já que "nem tudo que é legal é constitucionalmente válido", [59] criou-se, entre outros, o mecanismo da "ponderação de bens". [60] Assim surgiu o princípio da proporcionalidade, [61] desenvolvido ainda mais após importantes julgados do Tribunal Constitucional Alemão.

Mas, segundo os doutores, foi a Suprema Corte Americana que deu início à construção deste princípio, [62] ao decidir que a legislação norte americana deveria estar sempre em "conformidade com os critérios do just and fair standarts, ajustando-se às idéias de razoabilidade e interdição à arbitrariedade." [63]

Sobre este instituto jurídico, Suzana de Toledo Barros asseverou: "... o principio da proporcionalidade ... tem fundamental importância na aferição da constitucionalidade de leis interventivas na esfera de liberdade humana, porque o legislador ... poderá editar leis consideradas inconstitucionais, bastando para tanto que intervenha no âmbito dos direitos com a adoção de cargas coativas maiores do que as exigíveis à sua efetividade". Deve o princípio servir para que as sanções sejam aplicadas "levando em conta uma igualdade proporcional", que exige do legislador "uma ponderação de resultados". [64] Exemplo disso se encontra na eloqüente frase de Jellinek: "não se deve usar canhões para matar pardais."

No tocante a penalidades administrativas, Fabio Medina Osório observou que "o Estado está sempre obrigado a respeitar o princípio máximo da proporcionalidade e o princípio de interdição à arbitrariedade", [65] pensamento que também é exposto por Régis de Oliveira, na conclusão de sua obra sobre sanções administrativas. [66] Manuel Guerra Reguera também sustenta a plena validade deste princípio na seara do direito administrativo sancionador. [67]

Sendo o fim do Estado um direito "fundamentalmente justo", [68] surge o princípio da proporcionalidade como um elemento (ferramenta) capaz de servir de esteio (fundamento) para um controle de "justicidade" ou "eticidade" das normas, possibilitando, por meio de um método comparativo de direitos fundamentais, retirar a eficácia de uma norma desarrazoada, sem o rompimento do ordenamento jurídico.

Para Eduardo García Enterría, os princípios, como o da proporcionalidade, devem ser utilizados por tribunais para afastar norma iníqua porque são "una condensación, a la vez, de los grandes valores jurídicos materiales que constituyen el substractum mismo del Ordinamiento y de la experiencia reiterada de la vida juridica. Pues bien, hay que afirmar que la Administración está sometida no sólo a la Ley, sino también a los principios generales de Derecho, y ello por una razón elemental, por que la Administración no es señor del Derecho, como puede pretender serlo." [69]

Tudo isto para justificar o que bem disse Tércio Sampaio Ferraz Jr. "o Direito deve ser justo ou não tem sentido a obrigação de respeitá-lo." [70] E é por isso que, para definir os contornos do princípio da proporcionalidade, é tão necessário trabalhar com noções de ética e justiça. A justiça e a proporcionalidade são elementos indissociáveis. Parece-nos instintivo que o justo deva ser proporcional. E a correlação entre os dois institutos é objeto de estudos desde a Grécia antiga. [71] Tanto que afirmou Aristóteles: "O justo é, por conseguinte, uma espécie de termo proporcional." [72]


6. A sanção de pontos, a penalidade de suspensão direta, e a proporcionalidade

Dito isso, é de salientar-se que uma lei que impõe sanção deve se ater a proporcionalidade entre o dano e a extensão da pena. [73] Em estudo relativo ao Direito Penal-Constitucional, Mauricio Antonio Ribeiro Lopes acentua que "o princípio da proporcionalidade exige que se faça um juízo de ponderação sobre a relação existente entre o bem que é lesionado ou posto em perigo (gravidade do fato) e o bem de que pode alguém ser privado (gravidade da pena). Toda vez que, nessa relação, houver um desequilíbrio acentuado, estabelece-se, em conseqüência, uma inaceitável desproporção." [74] A proporcionalidade entre dano e sanção é algo de intuitivo, preocupação de mestres de todas as searas jurídica, como, v.g., Carnelutti. [75]

Comentando as penas criminais previstas no CTB, Giovani Ferri observou incongruências que ferem a proporcionalidade. [76] Mutadis mutandis, o mesmo acontece com as infrações administrativas. No tocante as sanções administrativas houve exagero. Infrações meramente administrativas podem levar o cidadão a perder o direito de dirigir, medida de exagerada carga punitiva em face do dano social causado pela sua ação.

José María Quirós Lobo afirma que o princípio da proporcionalidade, no âmbito do direito administrativo sancionador, aparece (e deve aparecer) de dois modos: proporção abstrata, que sujeita o legislador a observar a equação conduta/penalidade no momento de criar o tipo sancionador, e proporcionalidade subjetiva, que sujeita o aplicador da norma a ponderar todas as circunstâncias concorrentes no momento de graduar a penalidade. [77] Ángeles de Palma del Teso, no mesmo sentido, afirma que "el principio general del Derecho de proporcionalidad mantiene una íntima relación con el Derecho punitivo", "ya que a su amparo tuvo lugar el proceso de racionalización de las penas," pois "la pena proporcional a la culpabilidad es la única pena útil." [78]

Da nossa exposição, gostaríamos de salientar que, se o legislador exagerar na dosagem da sanção, ferindo o princípio da proporcionalidade abstrata, pode o aplicador corrigir os excessos, utilizando-se do princípio da proporcionalidade subjetiva. Se houver, contudo, desvio de finalidade, pode o julgador anular o ato punitivo por completo. Por exemplo. Se o magistrado ou o julgador administrativo, verificar, baseado em provas e circunstâncias constantes no processo, e na situação subjetiva do apenado (já que a proporcionalidade deve ser aferida em face da culpabilidade, como nos ensina Ángeles del Teso [79]), que a penalidade dos pontos ou de suspensão direta é desmedida, pode afastá-la, mesmo se mantiver a sanção pecuniária. Contudo, se verificar que a penalidade desviou-se do fim punitivo (quando, por exemplo, serve apenas para enriquecer os cofres públicos), deve anular o ato infracional.

No tocante aos pontos, tal penalidade acessória é, em alguns casos, tremendamente injusta. Isto porque a maior fonte de injustiças do código de trânsito é não diferenciar infrações de trânsito propriamente ditas, das infrações administrativas previstas na legislação de trânsito.

Como asseverou Rizzato Nunes "os motoristas cometem diariamente infrações ditas de trânsito que não representam o mínimo perigo ou risco quer para o trânsito em si, quer para a segurança e integridade física das pessoas. (...) Ora, ainda que se admita que infrações desse tipo possam gerar a imposição de uma multa pecuniária, nada justifica que se imponha a perda ou a suspensão do direito de o motorista continuar dirigindo." [80]

Um dos exemplos de infração que não pode gerar anotação de "pontos" no prontuário do motorista nos é dado por Gladston Mamede: a falta de pagamento da taxa, nos locais onde se encontra regulamentado o sistema rotativo de estacionamento. O Jurista mineiro esclarece que o mecanismo de pontos constitui "fenomenal inovação", mas vem sendo utilizado de "forma deturpada" pelas autoridades de trânsito, verbis: "Assim, para aqueles que deixam seus veículos nos chamados ‘estacionamentos rotativos’, multam-nos por estacionar seus veículos ‘em desacordo com as condições regulamentadas especificamente pela sinalização’ (art. 181, XVII, do CTB) e atribuem-lhes a perda de três pontos pelo cometimento de infração leve de trânsito. Trata-se, porém, de abuso de direito! Se observarmos com atenção, a área reservada ao estacionamento rotativo caracteriza-se como local de estacionamento permitido, ainda que o uso do espaço implique o pagamento de uma taxa ou de uma tarifa. ... De todo relevante observar que o estacionamento em tais áreas especiais, ainda que sem efetuar o pagamento da taxa ou da tarifa, o motorista em nada prejudica o trânsito; vale dizer: não há lesividade ao trânsito, nem ilícito de trânsito ... o motorista comete apenas um ilícito tributário, mas nunca uma infração de trânsito." [81]

Conclui-se, então, que aquele motorista que praticou fatos tidos como infração meramente administrativa sequer deveria sofrer imposição de pontos na CNH, uma vez que estas infrações não se relacionam de modo algum com o trânsito, ou com o modo com a pessoa se porta na condução do veículo. Ou que esses pontos não devem ser computados para a finalidade de suspender o direito de dirigir.

O que queremos reafirmar é que a penalidade além de ser proporcional, deve manter com o ato infracional uma relação lógica de causa-efeito, ou melhor dizendo, meio-fim. Não há argumentação que justifique a penalidade de suspensão do direito, por exemplo, a quem estacionou sem pagar a taxa de estacionamento rotativo. Segundo Larenz, no tocante à sanções, "tem eco a idéia de que o meio e o fim têm que estar numa relação adequada, que o prejuízo do bem jurídico protegido não deve ir mais além do que requer o fim aprovado." [82]

Carlos Ari Sundfeld ensina que "ao Estado de Direito não basta a submissão das autoridades públicas à lei – senão, é evidente, a superioridade da lei seria um fim em si. Fundamental que o sistema sirva à preservação da liberdade. Por isso a lei não pode tudo. A própria Constituição lhe prescreve limites: os direitos individuais (...) os quais hão de ser preservados, ainda quando o legislador preferisse suprimi-los (...) O legislador não pode cultivar o prazer do poder pelo poder, isto é, constranger os indivíduos sem que tal constrangimento seja teleologicamente orientado. O princípio da mínima intervenção estatal na vida privada exige, portanto, que: a) todo condicionamento esteja ligado a uma finalidade pública ... b) a finalidade ensejadora da limitação seja real concreta e poderosa; c) a interferência estatal guarde relação de equilíbrio com a inalienabilidade dos direitos individuais; e d) não seja atingido o conteúdo essencial de algum direito fundamental." [83]

Outra não foi a conclusão dos magistrados que integraram o "Grupo de Estudos da Justiça Federal de Primeira Instância" (Curitiba/PR, abril 96). A ementa da conclusão ficou assim redigida: "O princípio da proporcionalidade é um desenvolvimento do princípio do Estado de Direito. Significa ele, em termos simples, que o Estado, para atingir os seus fins, deve usar só dos meios adequados a esses fins e, dentre os meios adequados, só aqueles que sejam menos onerosos ao cidadão." [84]

Quando à penalidade de "suspensão direta" do direito de dirigir, cabe evocar também o princípio da proporcionalidade para, em alguns casos, afastar esta severa sanção. Apesar de algumas dessas infrações serem realmente danosas, como a conhecida por "racha" (CTB, art. 173), ou a de dirigir sob a influência de álcool ou entorpecentes (CTB, art. 165) [85], temos para nós que, na maioria das outras infrações, o legislador infraconstitucional exagerou.

Hoje, o direito de dirigir, é fundamental para realização da maioria das atividades do homem moderno. O Des. Nagib Slaibi Filho, desenvolvendo raciocínio insofismável, comprova que em nossos dias "o direito de transitar nas vias terrestres, nos termos da lei, integra-se no direito de cidadania, posto como princípio fundamental do Estado Democrático de Direito (Constituição, art. 1º)." [86] Dos profissionais mais gabaritados aos mais humildes, todos necessitam de seus veículos para bem desempenhar seus relevantes serviços à sociedade. E nesta lida diária com compromissos variados e tempo escasso, todos estão sujeitos a, aqui e ali, cometerem infrações.

Não defendemos aqui a impunidade, e a conseqüente selvageria. Defendemos que as penas sejam justas, atingindo sua finalidade educativa, e que não se traduzam em meio de destruição da vida profissional dos cidadãos. Em suma: "Faça-se justiça; porém salve-se o mundo e o homem de bem que no mesmo se agita, labora, produz." [87]

Mas a aplicação do princípio da proporcionalidade deve ser bem pesada pela autoridade provocada a manifestar-se sobre o caso, sob pena de tornar-se argumentação vazia de conteúdo, utilizada como mera cláusula de estilo, para afastar qualquer tipo de sanção, inclusive as justas e merecidas.

A lei possui papel importantíssimo e é certo que, ao afastar sua aplicação, cria-se uma certa ruptura do ordenamento. Como bem defenderam os jusnaturalistas e os positivistas, [88] a lei é garantia de segurança jurídica. Mas, esta busca de segurança jurídica não pode converter-se em obsessão, uma vez que a lei não abarca todo o Direito. [89] E, tão pouco, um dispositivo legal pode ser encarado isoladamente, sem que se leve em conta o restante do ordenamento jurídico, em especial as regras contidas na constituição. [90]

Já é clássica a magistral lição de Carlos Maximiliano de que "o Direito é um meio para atingir fins colimados pelo homem em atividade; a sua função é eminentemente social, construtora; logo não mais prevalece o seu papel antigo de entidade cega, indiferente às ruínas que inconscientemente ou conscientemente possa espalhar." [91]

Ao apenar o motorista que ultrapassa uma única vez o limite de velocidade com a suspensão do direito de dirigir, o CTB interfere de maneira abusiva em direitos fundamentais, como o direito de locomoção, o direito de exercício profissional. Trata-se de penalidade desmedida, que se desvia da finalidade a que se destina, que não salva nem o mundo e nem o homem, parafraseando as elegantes palavras de Maximiliano.

Suzana de Toledo Barros traça um roteiro interessante, para verificar se a restrição (pena) atende ao princípio da proporcionalidade, que trazemos a colação: "A relação entre carga de restrição [penalidade] e os resultados para o atingido bem devem ser sopesados, de maneira a garantir uma medida, senão a mais justa, ao menos que não seja injusta. Procurar-se-á, portanto, examinar se o legislador não adotou cargas coativas desmedidas, desajustadas ou excessivas, ocasião em que poderá ser utilizado o conceito de ‘núcleo essencial’." [92]

E, até o critério estabelecido pelo CTB para as infrações que levam a pena de suspensão direta é estranho. Por exemplo, ultrapassar semáforo fechado – a chamada "roleta russa" – é algo de mais perigoso que se pode fazer no trânsito, uma vez que as pessoas confiam que ninguém lhes cruzará o caminho. Contudo, a esta infração, não está prevista a penalidade de suspensão direta (art. 208).

No particular caso do art. 218, inc. I alínea ‘b’ e art. 218, inc. II alínea ‘b’ (suspensão direta do direito de dirigir por excesso de velocidade), temos por convicção que houve exagero por parte do legislador. É certo que motoristas imprudentes e reincidentes, que habitualmente dirigem em excesso de velocidade merecem penas gravíssimas, e até a suspensão do direito de dirigir, ou mesmo a cassação deste direito. Mas aquele que sequer colocou em risco o bem jurídico protegido, ou, o fê-lo por apenas uma vez, não merece penalidade tão gravosa, que lhe restringe exageradamente um direito fundamental.

Aliás, sobre a questão estrita do limite de velocidade, os administradores não chegaram a um consenso ainda. De canetada a canetada mudam-se os limites nas vias, de maneira que, a velocidade que hoje causa perda do direito de dirigir, amanhã pode ser a tolerada como limite máximo. Além disso, os radares – colocados, muitas vezes de maneira sub-reptícia – convertem-se, muitas vezes em meras máquinas de arrecadação. Não raramente o motorista é surpreendido com uma mudança brusca do limite de velocidade da via, e justamente ali é instalado um desses famigerados equipamentos. A malfada MP 75/02, que tentou por fim ao abuso na utilização de radares, não foi aprovada no Congresso Nacional graças a um poderoso lobby de administradores públicos que os utilizam em flagrante desvio de finalidade.

O que se dizer da perda do direito de dirigir pelo fato de não se auxiliar a autoridade policial na feitura de boletim de ocorrência (CTB, art. 176). Parece-nos que a norma fere o princípio nemo tenetur sine deterege, uma vez que o infrator pode prejudicar sua defesa, ao auxiliar a autoridade confeccionar algum documento sobre o ato dito por infrator. Ninguém está obrigado a produzir prova contra si, e nem auxiliar autoridade neste mister (CF/88, art. 5º, inc. LXIII).

E trafegar de motocicleta, em plena luz do dia, com os faróis apagados (art. 244); sequer podemos taxar esta conduta como imprudente! A penalidade prevista é demasiadamente grave, em relação ao que visa proteger, e, que na realidade sequer pune. Destrói! Milhares de brasileiros utilizam-se de suas motocicletas para prover sua subsistência (motoboys). Apenar os infratores de maneira tão drástica é ameaçar-lhes a subsistência, ou pior, empurrá-los a marginalidade, obrigá-los a trafegar sem habilitação e, aí sim, colocar em risco toda a sociedade.

Como bem disse Sundfeld, o regramento da vida humana pelo Estado deve ser pautado pelo respeito a princípios, e entre eles o da racionalidade e da razoabilidade. [93]

Não se pode esperar de alguém que dependa de seu veículo (e, conseqüentemente, da habilitação) para viver, deixe de realizar suas atividades em face da suspensão do direito de dirigir. Muitos continuarão trafegando, e, para encobrir sua condição irregular, provavelmente cometerão mais e mais ilícitos. Muitos o farão estimulados pela absoluta falta de presença do Estado na fiscalização do trânsito.

E é por isso estas penalidades ferem o sentimento médio de justiça, valor constitucionalmente eleito (CF, art. 3º , inc. I), sendo, então, inaplicáveis. Juarez Freitas, em estudo já clássico entre nós, asseverou que o jurista "sem sucumbir aos arroubos de um Direito livre, deve compreender que a única forma de ser fiel a uma norma iníqua é não aplicá-la, pois esta é a sua correta aplicação. E mais: toda norma injusta, por contrariar os princípios de justiça, esculpidos no topo do ordenamento jurídico, é, substancialmente e manifestamente, inconstitucional." [94]


7. Princípio da igualdade

Como já se disse, "o CTB colocou num mesmo patamar infratores perigosos e infratores sem nenhuma periculosidade. Isso foi feito pelo equivocado sistema de pontuação, que pretende punir o infrator que atinge uma escala de números (mais de 20 pontos), independentemente da qualidade das infrações. E esse aspecto viola claramente o princípio constitucional da igualdade." [95]

Igualar situações tão díspares, como impor a mesma pena a quem estacionou em local proibido e aquele que praticou a "roleta russa" agride a igualdade, pois deve haver um mínimo de lógica nos discrímens consagrados pela lei. Nesse ponto é firme a lição de Cármen Lúcia Antunes Rocha, verbis: "O Estado não pode criar legalidades discriminatórias e desigualatórias, nem pode deixar de criar situações de igualação para depurar as desigualdades que se estabeleceram na realidade social em detrimento das condições iguais de dignidade humana." [96]

E o Estado deixou de considerar as desigualdades entre as ações dos motoristas infratores, jogando todos na mesma vala comum, aplicando-lhes a mesma penalidade, independente da gravidade de seus atos. Proibir o acesso ao trânsito e ao direito de dirigir a que cometeu mera infração administrativa é negar ao cidadão acesso a um bem material necessário ao seu pleno desenvolvimento. [97] Na maioria das vezes, não existe correlação lógica entre os pontos e as infrações cometidas, afronta clara ao princípio isonômico. [98]

Mas, pior que isso tudo, é o fato abominável que permite aqueles dotados de mais recursos obter condições de evitar quaisquer desses aborrecimentos, o que se traduz na mais vil das desigualdades que podem ocorrer no seio de um Estado cujo objetivo é erradicar a pobreza e reduzir a desigualdade (CF, art. 3º).

Aquele que colocar o veículo em nome de pessoa jurídica, ou colocá-lo em nome de pessoa que não possua habilitação, está livre para cometer quantas infrações quiser, somente pagando pelas penalidades pecuniárias. É a consagração do odioso "infrinjo, mas pago" – afronta acintosa ao Estado Democrático, mas vigente em nossa lei de trânsito.

Às pessoas jurídicas que não informam o condutor responsável pela infração de trânsito, é emitida apenas mais uma penalidade pecuniária (art. 257, § 8º). Às pessoas que não possuem habilitação, não há previsão de nenhum tipo de penalidade, sanção ou restrição, sendo então possível a ilação de que, colocado o veículo em nome de alguém não habilitado, o motorista obtém um salvo conduto que o permite cometer quantas infrações quiser, sem se preocupar com eventuais penalidades de suspensão direta do direito de dirigir, ou preocupar-se em atingir vinte pontos.

Isto porque a maiorias das infrações hoje em dia são lançadas por equipamentos eletrônicos, que se guiam pela placa do veículo. Com essas multas, no tocante à suspensão do direito de dirigir, aquele que colocar o veículo em nome de pessoa inabilitada não precisa se preocupar, bem como aquele cujo veículo está em nome de pessoa jurídica. Este indivíduo deve preocupar-se apenas com as multas emitidas por agente de trânsito, que lhe colha a assinatura no momento da aplicação da infração.


8. Infração de trânsito e processo administrativo

Cometida uma infração de trânsito, o agente público (ou o radar) lançará auto de infração (art. 280). [99] Hoje em dia, a maioria das infrações são lançadas por radares, lombadas eletrônicas, sendo impossível a colheita da assinatura do condutor. A multa será remetida à autoridade de trânsito que, então, notificará o autuado, aguardando sua manifestação "preliminar" ou a indicação do verdadeiro infrator. Justificando-se preliminarmente, silente o autuado, ou indicado o verdadeiro infrator, a autoridade "julgará" a consistência do auto de infração e, se for o caso, arquivará o auto ou aplicará a penalidade cabível (art. 281), notificando novamente o infrator (dupla notificação – Súmula 312 do STJ).

No momento da "segunda notificação", caso tenha julgado procedente o auto, lavrará a penalidade, expedindo, em trinta dias, a notificação da imposição da sanção administrativa de trânsito. E é neste momento que a maioria das ilegalidades formais aparecem. Tanto é assim que o STJ editou Súmula de n. 127, que reza: "É ilegal condicionar a renovação da licença de veículo ao pagamento de multa, da qual o infrator não foi notificado." Isso é mostra eloqüente que o devido processo legal, na cobrança das multas de trânsito, não tem sido muito respeitado.

O prazo para o envio da notificação de imposição de penalidade é de trinta dias (dies a quo = dia do fato), sob pena de decair [100] a administração do direito de apenar o infrator acusado (art. 281, inc. II). Frisamos que o prazo decadencial se refere ao envio, e não ao recebimento da notificação pelo infrator.

Recebendo a notificação, o infrator deverá ter garantido pelo menos trinta dias para apresentar sua defesa (art. 282 § 4º), antes da data final de vencimento, sob pena de cerceamento de defesa, e nulidade do ato administrativo que visa impor a penalidade. Devemos frisar que o acusado deve dispor de trinta dias, no mínimo, para manejar o recurso cabível. Obviamente, a autoridade de trânsito, se provocada em processo administrativo ou judicial, deverá comprovar a notificação do motorista infrator, [101] dentro dos prazos estabelecidos em lei, certificando-se de enviar a notificação de maneira a obter recibo. Isto porque o administrado não pode provar que não recebeu a notificação (uma vez que a prova negativa é considerada verdadeira "prova diabólica" repelida pelo bom senso e pelo Direito).

Acontece que as autoridades de trânsito querendo aumentar ainda mais sua arrecadação, tentam economizar neste momento, enviado as notificações por meio simples correspondência, sem nenhum tipo de recibo (aviso de recebimento). Nos processos onde o administrado alega não ter sido notificado, a Administração apresenta relatório de envio de correspondência. Mas tal relatório é prova tão somente do simples envio da notificação, [102] capaz de elidir apenas a questão da caducidade do direito de apenar. Não comprovado documentalmente que o infrator recebeu a notificação trinta dias antes do vencimento da multa, a cobrança é nula, o auto de infração deve ser arquivado por caducidade e é vedada a anotação de pontos na CNH do motorista, por ofensa ao devido processo e a ampla defesa (STJ, Súmula 127).

Correspondência que imputa fatos com tão graves implicações deve ser remetida com todo o cuidado. [103] Segundo o art. 314 do CTB as portarias e resoluções anteriores ao Código foram recepcionadas, até a edição de novas, que as substituam. Logo, as notificações devem respeitar a Resolução 829/97, que prevê que o ato punitivo deve ser levado ao conhecimento do apenado por notificação pessoal, carta registrada, Telex ou Fax, ou por edital. Todas estas formas possuem meios de comprovar o efetivo recebimento. Carta simples não deve ser tolerada.

Esta Resolução está em sintonia com a Lei 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da administração pública federal. Esta lei, em seu art. 26, § 3º, reza que intimações ao administrado serão feitas por ciência no processo, por via postal com aviso de recebimento, por telegrama ou outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado.

O recurso administrativo, se não julgado em trinta dias, receberá, automaticamente, efeito suspensivo. Apesar do § 3º do art. 285 dizer poderá ser concedido o efeito suspensivo, na realidade, deve-se ler tal dispositivo como deverá ser concedido. E assim tem entendido a jurisprudência. [104] A razão deste nosso posicionamento tem bases nas conseqüências que a não concessão do efeito suspensivo pode acarretar. O julgamento administrativo da infração pode (ou não) manter a sanção. E se não a mantiver, cancelada e arquivada será a penalidade, e os pontos que ela origina.

Logo, existe uma relação de prejudicialidade entre o processo administrativo de imposição de multa de trânsito e o de imposição da sanção de suspensão do direito de dirigir (tanto a originada pelos vinte pontos, quanto a originada pela penalidade que prevê a "suspensão direta" do direito de dirigir).

Como já dissemos, os motoristas infratores, pela nova lei de trânsito, estão sujeitos, além da sanção pecuniária, a anotação de pontos em seu prontuário. A cada vinte pontos, num período inferior a um ano, suspenso estará, depois de um procedimento administrativo em que se lhe assegure a defesa e contraditório, o direito de dirigir.

Além dos pontos, o código ainda elenca, em algumas das infrações, a penalidade de "suspensa direta" do direito de dirigir, ou seja, infrações que cometidas uma só vez, já prescrevem como conseqüência a suspensão do direito de dirigir, independente do número de pontos que possua o motorista infrator. Frisamos que esta última penalidade só é aplicável, garantido ao infrator, através do contraditório e do devido processo legal, o amplo direito de defesa.

Insistiremos neste particular. Cometida a infração será instaurado um processo administrativo (seguindo o roteiro acima exposto) que julgará a validade da multa aplicada. Somente após a decisão (definitiva) neste processo, com as devidas garantias, é que será instaurado outro processo, este sim, visando aplicar a penalidade de suspensão do direito de dirigir, assim que atingidos os vinte pontos ou cometida infração que preveja a penalidade de suspensão direta.. Igualmente, neste processo, serão garantidos ao cidadão a ampla defesa, com os meios e recursos a ele inerentes.

Daí dizermos que há uma relação prejudicial entre um e outro processo. Contudo, isso não quer dizer que, se o motorista infrator não se defender no primeiro processo administrativo (o de imposição da multa de trânsito), não possa, agora, fazê-lo no processo administrativo de suspensão do direito de dirigir, inclusive argüindo nulidades que seriam alegáveis naquele primeiro processo. O pagamento da sanção pecuniária, ou a revelia no primeiro processo de imposição da multa, não importa em confissão de culpa.

Outra questão tormentosa é a da aplicação do princípio da proporcionalidade pelos tribunais administrativos ou autoridades de trânsito. Entendemos que tal princípio não encontra óbice para sua utilização na vias administrativas, inclusive porque é recepcionado pela lei de trânsito.

O CTB, em seu art. 256 prevê uma escala de sanções (incisos I ao VII), que são crescentemente gravosas, demonstrando que existe um critério de proporção subjacente às penalidades de trânsito. Neste sentido também o art. 160, § 2º, que prevê que o condutor condenado por crime de trânsito, em caso de acidente grave, poderá ou não ter sua CNH apreendida, por decisão da autoridade de trânsito. Ora, por que não estender este benefício previsto para os crimes de trânsito, para o julgamento das infrações administrativas de trânsito, uma vez que um e outro não diferem, ontologicamente. De outras banda, a norma do art. 160 prestigia a proporcionalidade, uma vez que a autoridade de trânsito, ao permitir que o motorista continue trafegando, deverá sopesar a restrição em face das circunstâncias do fato.

Dentro do Estado Democrático de Direito todos devem respeito à lei (mormente os servidores públicos), e isso é sempre levantado como óbice ao reconhecimento de inconstitucionalidade por órgãos administrativos. Mas, se todos devem obediência à lei, devem, em grau muito mais elevado, obediência aos princípios norteadores da Carta Magna, de modo que os tribunais administrativos têm dever de julgar conforme a constituição, a lei e o Direito, como positivado no art. 20 da Lei Fundamental de Bonn.

Argumento contra atitude é o de que, ao julgarem a inconstitucionalidade de lei, os tribunais administrativos estariam usurpando a competência do STF. Discordamos, porque, como bem comprovou Peter Häberle, [105] o Estado democrático é também uma "sociedade aberta dos intérpretes da constituição."

E, como disse Ritinha Georgakilas "muito importante é o papel que desempenham os agentes do Poder estatal, em funções Executiva, Legislativa e Judiciária, através das respectivas competências normativas, para dar cumprimento à Constituição, e, mesmo, definir a fisionomia da Carta Magna." [106] Ao contrário, não se justificaria a manutenção destes tribunais, já que lhes subtraindo a possibilidade de conhecimento de algumas matérias, de nenhuma serventia seriam, pois seria sempre necessário recorrer-se dos tribunais judiciais. Se não estão habilitados a julgar em conformidade com o ordenamento jurídico (constituição, lei e Direito), não deveriam existir. [107]

Apesar de dar a "última palavra" sobre questão constitucional, e ter esta "última palavra" eficácia constitucionalmente garantida, os membros do STF não são os únicos ungidos com o "direito" de interpretar e aplicar a constituição. Em que pese a opinião do eminente Min. Moreira Alves [108] – contrária a aqui exposta – devemos considerar que nosso ordenamento jurídico possui dois modos diretos de controle de constitucionalidade. Assim, se as autoridades de trânsito julgarem sistematicamente a inconstitucionalidade de algum dispositivo, os legitimados que entenderem ser a norma constitucional poderão propor a ação declaratória de constitucionalidade, não havendo, portanto, em que se falar em subtração ou usurpação da nobre função desempenhada pelo STF.

Outra questão é a do licenciamento. Não poderá o motorista ser coagido a pagar multas sobre as quais ainda pende recurso administrativo. [109] Conclusão disso tudo é que, se ainda não há decisão definitiva sobre determinada multa de trânsito, outras implicações desta multa não podem surtir efeito. E, por isso, o recurso deve sempre receber efeito suspensivo, se ultrapassados os trinta dias para o julgamento.

E isto decorre de uma coisa. As sanções de trânsito não possuem a auto-executoriedade. [110] Para Régis de Oliveira, "nem todos os atos punitivos são dotados da força da executoriedade ... não há possibilidade de o Poder Público executar seus atos quando assim está previsto pela legislação, isto é, quando a viabilização do comando administrativo exige intervenção judicial ou quando a lei prevê recurso com efeito suspensivo." [111]

Última questão a ser levantada é a exigência do pagamento da multa para o recurso administrativo de segunda instância. Apesar da posição do STF, que não há garantia de duplo grau jurisdição em processo administrativo, temos para nós que tal posição merece ser revista em face da assinatura, pelo Estado Brasileiro, do Pacto de San José da Costa Rica, que elege, entre alguns dos direitos, o de defesa, e o de recurso à autoridade superior. [112]

Além disso, há afronta ao princípio da igualdade, uma vez que a barreira para a segunda instância é econômica. Existe opinião no sentido de que tal exigência é valida por se tratar de ônus processual. [113] Mas, data venia, discordamos. Ônus processuais existem e fazem parte do devido processo legal, como custas, necessidade de advogado (nos processos judiciais), respeito a prazos e formalidades. Mas, estamos diante do pagamento integral do direito discutido. Isso não pode ser encarado como ônus, e sim como execução adiantada, auto-executoriedade que o ato punitivo não tem.

O Presidente da Republica, ao assinar a MP 75/02, que extinguia a exigência de pagamento para o recurso em segunda instância, reconheceu a incongruência desta exigência. E é digna de repulsa a atitude do Congresso Nacional em repelir as modificações propostas pela citada medida provisória.


9. Infração de trânsito e prescrição

Como toda penalidade, as multas de trânsito também prescrevem. O fundamento jurídico da prescrição é, entre outros, a segurança jurídica. [114] Como disse Celso Bastos, o direito não prestigia a negligência. [115] A máquina estatal punitiva deve perseguir os infratores dentro de um tempo razoável, ou a penalidade perde o caráter educacional, tornando-se mera vingança.

No âmbito do direito punitivo, outra não é a lição dos mestres. [116] Mirabete diz que, com o decurso do tempo, acontece o "desaparecimento do interesse estatal na repressão do crime, que leva ao esquecimento do delito e à superação do alarma social causado pela infração penal. Além disso a sanção perde sua finalidade quando o infrator não reincide e se readapta a vida social." [117]

Como não há expressa disposição na nova lei de trânsito sobre prescrição, poder-se-ia objetar que, no tocante as infrações de trânsito, dever-se-ia respeitar a norma geral do Código Civil, ou seja, a prescrição vintenária.

Como já dissemos, o art. 314 do atual CTB recepcionou as antigas resoluções e portarias que regulavam o trânsito, desde que não contrariasse a novel legislação. Então, a prescrição das infrações de trânsito está hoje regulada pela Resolução do Contran 812/96. Esta norma regula a prescrição de acordo com a gravidade do ato e das sanções cominadas. Absurdo outro entendimento, mormente o que defende a prescrição geral, de vinte anos.

Mantendo-se este raciocínio – da Resolução 812/96 [118] –, temos que, para as infrações leves e médias (art. 259, incs. III e IV), a prescrição é de 1 ano; Para as infrações graves (art. 259, inc. II), a prescrição é de dois anos; E para as infrações gravíssimas (art. 259, inc. I), a prescrição é de três anos. Para as infrações cuja penalidade é a de "suspensão direta", [119] a prescrição é de quatro anos (Resolução Contran 812/96, art. 1º, inc. II). As infrações administrativas de trânsito que prescrevem a penalidade de cassação do direito de dirigir prescrevem em cinco anos (inc. III).

O prazo de início da prescrição é a data do fato tido como contrário à lei de trânsito, e a causa de interrupção de prescrição é a notificação para a interposição do recurso administrativo. A interrupção deverá ser devidamente documentada (Resolução Contran 812/96, art. 1º, § 1º).

A via do executivo fiscal, para a cobrança da multa pecuniária, tem prescrição diferenciada. Pelo art. 3º desta Resolução, de acordo com a natureza da pena: a prescrição ocorre da seguinte forma: Nas penalidades de advertências, em um ano (inc. I); nas de multa, em três anos (inc. II); Nas de apreensão de CNH, com suspensão do direito de dirigir, em 4 (quatro) anos; IV - nas cassações de CNH, com 5 (cinco) anos.

Nada impede o reconhecimento da prescrição intercorrente, se interposto recurso administrativo, o processo não for julgado dentro dos prazos considerados pela Resolução 812/96.

Mesmo que se entenda que não se aplica às atuais infrações de trânsito a portaria 812/96 do Contran, em hipótese nenhuma a prescrição das multas de trânsito pode ultrapassar os cinco anos, em respeito tanto ao Decreto 20.910/32 quanto ao art. 54 da Lei 9.784/99. [120]


10. Conclusão

O ramo da ciência do direito que visa estudar a aplicação de sanções não penais pelo Estado é o direito administrativo sancionador, que, para a exegese destes atos punitivos, tempera elementos e institutos do Direito Penal, tendo em vista a unidade do jus puniendi do Estado, sem se desvincular, ou renegar que há características peculiares deste tipo de medida aflitiva.

Obviamente, toda a ciência e aplicação do direito deve levar em conta a supremacia das normas e princípios constitucionais: Assim, são plenamente eficazes, no âmbito do direito administrativo sancionador, princípios constitucionais como o da proporcionalidade e razoabilidade das leis restritivas de direitos fundamentais.

O direito ao trânsito seguro é direito fundamental, integrando os direitos de cidadania, vitais para o pleno desenvolvimento do cidadão perante a sociedade. Assim, restrição a este direito deve ser proporcional e razoável, sob pena de esbarrar no vício da inconstitucionalidade.

Uma das maiores falhas da legislação de trânsito brasileira é não diferenciar infrações meramente administrativas das infrações de trânsito propriamente ditas. Este fato causa distorções no momento de aplicação de algumas as penalidades previstas na lei de trânsito, que devem ser declaradas inconstitucionais, por ferir concomitantemente os princípios da igualdade, individualidade da pena, proporcionalidade e razoabilidade.

O Estado, como criação cultural, só se justifica quando tem por fim a justiça e a ética. O Estado Brasileiro, eminentemente ético e moral, tem como fins supremos a justiça, a igualdade, a dignidade da pessoa humana, a valorização do trabalho e a livre iniciativa, e algumas das penalidades do Código de Trânsito ferem estes fins.

Os tribunais administrativos e as autoridades de trânsito têm autonomia (dada pela Constituição) de declarar como causa de pedir (incidentalmente) lei inconstitucional, e para tal mister, aplicar os princípios constitucionais (por exemplo, da proporcionalidade).

O Estado brasileiro não tem investido na melhoria das condições de tráfego, não se submetendo às leis de trânsito na mesma proporção que a impõe aos cidadãos. Utiliza a lei de trânsito como mais uma fonte de arrecadação, caracterizando, em algumas das leis e regulamentos que edita, desvio de finalidade, quando prioriza a arrecadação em face dos verdadeiros fins colimados pelo CTB.

A falta de segurança generalizada leva os motoristas a dirigir de maneira "anormal", e as infrações cometidas nestas circunstâncias, onde para respeitar a lei de trânsito o motorista arrisca a si ou à sua família, não devem subsistir, pelo fato de que inexigível conduta diversa.

A responsabilidade por infração de trânsito é intransferível, por respeito ao princípio constitucional da pessoalidade da pena, não se travestindo em obrigação propter rem. Somente há responsabilidade subsidiária entre autor da infração e o proprietário do veículo se este último violar a norma, e não informar o condutor infrator.

É inconstitucional a Resolução do Contran 108/99.

Em havendo desrespeito ao devido processo legal, as penalidades são nulas. Existe uma relação de prejudicialidade entre o processo administrativo de imposição de multa de trânsito e o conseqüente processo de imposição da penalidade de suspensão ou de cassação do direito de dirigir.

A penalidade de suspensão do direito de dirigir (tanto a originada pelos vinte pontos, quanto a originada por infrações que cominam a "suspensão direta") decorre de uma infração de trânsito que lhe é anterior. Logo, esta penalidade não pode ser aplicada antes da decisão final no processo administrativo que apura esta infração.

A exigência de pagamento da multa para o recurso em segunda instância administrativa fere a garantia de ampla defesa, tendo em vista o Pacto de San José da Costa Rica, que garante aos acusados o direito de defesa e recurso à autoridade superior.

O recurso administrativo, ultrapassado trinta dias, sempre receberá efeito suspensivo, sendo inexigível, no momento do licenciamento, o pagamento de infrações sobre as quais ainda penda julgamento na seara administrativa.

Os "pontos" relativos a infrações meramente administrativas ferem princípios constitucionais como o da individualização da pena, da proporcionalidade e da igualdade e da racionalidade, pois não há relação lógica e sustentável entre o ato tido como lesivo à ordem jurídica, e a penalidade que poderá ser imposta ao infrator.

Da mesma maneira, a penalidade de "suspensão direta" do direito de dirigir, na maioria dos casos por nós estudados, fere os mesmos princípios, por se tratar de pena gravíssima, que deveria ser reservada a atos de efetiva lesão aos bens juridicamente protegidos pelo CTB, tendo em vista a agressiva restrição ao direito fundamental de trânsito.

Ambas as penalidades (a dos pontos e a de suspensão direta) ferem o princípio da igualdade, posto que os condutores de veículos que estejam em nome de pessoa não habilitada ou em nome de pessoa jurídica, não sofrem os efeitos dessas sanções.

A prescrição das sanções administrativas de trânsito não segue a regra geral vintenária, devendo-se aplicar a Resolução Contran 812/96.

Enfim. Estas penalidades ou evoluem, ou devem ser banidas, pois são incapazes de atingir o fim colimado. Rogamos às autoridades legislativas que em breve reformem a sistemática dos "pontos" no CTB, porque afrontam vários dos cânones constitucionais. E aos Juízes e Tribunais pátrios, rogamos sejam sensíveis a estas incongruências da legislação de trânsito, para garantir aos jurisdicionados o acesso ao trânsito, quando afrontados em seus direitos, por penalidades injustas e desiguais, como as que aqui descrevemos.


12. Referências bibliográficas

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Notas

  1. "Diga-se que o Direito Administrativo Sancionador pode incidir em campos distintos, v.g., ilícitos fiscais, tributários, econômicos, de polícia, de trânsito, atentatórios à saúde pública, urbanismo, ordem pública, e qualquer campo que comporte uma atuação fiscalizadora e repressiva do Estado." (OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. São Paulo: RT, 2000, p. 18 – grifamos).
  2. "... com os subsídios da doutrina espanhola e da nacional mais recente podemos afirmar que o ramo do Direito que regula a aplicação de penalidades administrativas (não-penais) pelo Estado é o Direito Administrativo Sancionador." (BIM, Eduardo Fortunato. "A Inconstitucionalidade da Responsabilidade Objetiva no Direito Tributário Sancionador," RT 788/150 – grifos no original). Neste sentido: FERREIRA, Daniel. Sanções Administrativas. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 11 e OSÓRIO, Fábio Medina. Op. Cit., Loc. Cit.
  3. Destacam-se, sobre o tema, no cenário jurídico brasileiro; a pioneira obra de Régis Fernandes de Oliveira, além das atuais monografias de Fábio Medina Osório, Daniel Ferreira e Heraldo Garcia Vitta.
  4. Sobre este particular ver interessante artigo de NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. "Aspectos Draconianos e Inconstitucionais do Código de Trânsito Brasileiro." In: http://www.saraivajur.com.br
  5. Nos meses imediatamente posteriores a entrada em vigor do novo código a queda nos acidentes de trânsito foi sensível. Passado o impacto inicial, o trânsito voltou às condições de violência habituais, talvez porque o Poder Público não cumpriu sua parte na implementação das novidades previstas no Código. Até hoje observamos nas ruas as afrontas contra o CTB, por parte das administrações públicas. Veja o caso das ondulações transversais (lombadas, quebra-molas ou obstáculo), que são expressamente proibidos pelo CTB (art. 94, parágrafo único), salvo em casos especiais. Cf. Resolução Contran 39/98.
  6. O art. 261 do CTB é regulamentado pela Resolução do Contran 54/98.
  7. OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Infrações e Sanções Administrativas. São Paulo: RT, 1985, p. 7 – grifos no original.
  8. PEREZ, Juan J. Zornoza. El Sistema de Infracciones y Sanciones Tributarias: los principios constitucionales del derecho sancionador. Madri: Civitas, 1992, p. 43.
  9. LOBO, José María Quirós. Principios de Derecho Sancionador. Granada: Editorial Comares, 1996, p. 25. Neste sentido também Daniel Ferreira. Sanções Administrativas, p. 11-12.
  10. LOBO, José María Quirós. Op. Cit., p. 25.
  11. "Não se duvida que crime ou delito e infração administrativa são entidades distintas em sua essência.(...) Essa distinção ontológica, no entanto, não pode olvidar que, tanto no ilícito criminal como no administrativo, está-se ante situação ensejadora de manifestação punitiva do Estado. Segue-se, em linha de princípio, nada haver a obstar, antes a recomendar, serem os postulados retores da aplicação das punições criminais, cuja sistematização doutrinária e legislativa é bem anterior à ordenação das sanções administrativas, a estas aplicáveis." (NOBRE Jr., Edilson Pereira. "Sanções Administrativas e Princípios de Direito Penal," RDA 219/128).
  12. "... a punição administrativa guarda evidente afinidade, estrutural e teleológica, com a sanção penal." (STJ, 1ª T., v.u., REsp 19.560/RJ, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. em 15/09/1993, DJU 18/10/1993, p. 21.841). Nesse sentido, cf., ainda: STJ, 1ª T., v.u., REsp 39.555/PE, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. em 21/02/1994, DJU 28/03/94, p. 6.296; STJ, 1ª T., v.u., REsp 83.574/PE, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. em 21/03/96, DJU 6/5/96, p. 14.393; STJ, 1ª T., v.u., REsp 75.730/PE, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. em 03/06/97, DJU 20/10/97, p. 52.976.
  13. "Hemos de dedicar esfuerzos a delimitar el contenido de los principios a los que se somete la actividad sancionadora y su régimen de ejercicio, hasta alcanzar el perfecto equilíbrio entre eficácia y garantismo." (TESO, Ángeles de Palma del. El Principio de Culpabilidad en el Derecho Administrativo Sancionador. Madri: Tecnos, 1996, p. 26).
  14. REGUERA, Manuel Guerra. Condonacion de Sanciones Tributarias y Principios Constitucionales. Madri: Marcial Pons, 1995, p. 69 – grifamos. No mesmo sentido: PEREZ, Juan J. Zornoza. El Sistema de Infracciones y Sanciones Tributarias: los principios constitucionales del derecho sancionador, p. 44, – grifamos.
  15. OSÓRIO, Fabio Medina. Direito Administrativo Sancionador, p. 133.
  16. LOBO, José María Quirós. Principios de Derecho Sancionador, passim.
  17. BIM, Eduardo Fortunato. "A Inconstitucionalidade da Responsabilidade Objetiva no Direito Tributário Sancionador," RT 788/151 – grifos no original.
  18. "Uma vez afirmada a ilicitude formal da conduta proibida, com seu enquadramento no tipo repressivo, cabe averiguar a ilicitude material, ou seja, se o comportamento efetivamente agride o bem jurídico protegido pela norma." (OSÓRIO, Fabio Medina. Direito Administrativo Sancionador, p. 271).
  19. Sobre o Direito (e sanções) como sistema de controle de comportamento, conferir, por todos: FERRAZ Jr., Tércio Sampaio. A Ciência do Direito. São Paulo: Atlas, 1977, p. 98-103.
  20. NAHUM, Marco Antonio Rodrigues. Inexigibilidade de Conduta Diversa. São Paulo: RT, 2001, p. 124.
  21. Sobre o princípio da alteridade: "A propósito da virtude Justiça, afirma que ela se diferencia das outras por ser proportio ad alterum, uma virtude objetiva porquanto sempre implica a relação de dois sujeitos. É própria do direito esta nota de alteridade. Alteritas de alter, outro, é uma expressão bastante significativa. O direito é sempre ‘alteridade’ e se realiza sempre através de dois ou mais indivíduos, segundo proporção. Falava Tomás de Aquino em alteritas, que, segundo Del Vecchio, corresponde, exatamente, à moderna palavra ‘bilateralidade’." (REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 56).
  22. NAHUM, Marco Antonio Rodrigues. Inexigibilidade de Conduta Diversa, p. 125 – grifos no original.
  23. JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999, vol. 1, p. 478 – grifamos.
  24. NAHUM, Marco Antonio Rodrigues. Inexigibilidade de Conduta Diversa, p. 125.
  25. Veja, por exemplo, o Estado brasileiro. Instituído pelo povo, através de seus representantes, destina-se, entre outros fins, a assegurar a igualdade e a justiça como valores supremos da sociedade que se reuniu para formá-lo (CF/88, preâmbulo). Esses compromissos (rectius, fins) são reafirmados no art. 3º da Constituição, que reza ser objetivo fundamental da república brasileira construir sociedade justa, que valorize a dignidade da pessoa humana, o trabalho e a livre iniciativa (art. 1º).
  26. "Nessa reelaboração espiritual realizada na sua mente, é que consiste a interpretação. Ora, nesta a idéia de fim deve ser a idéia predominante, pois toda a norma que dever, uma conduta, impõe-na em vista dum fim preordenado. Não conhece o Direito quem conhece apenas a materialidade dos seus preceitos; mas quem conhece o espírito dos preceitos, esse sim, conhece o direito. O corpo não tem asas para acompanhar o vôo rápido do espírito; a letra em si, não comporta senão o que do espírito pode encarnar-se na matéria, e devemos ater-nos mais a contemplação do espírito do que a análise estrita da lei, da matéria." (QUEIRÓ, Afonso Rodrigues. "Os Fins do Estado." In: Estudos de Direito Público: Dissertações. Coimbra: Acta Universitatis Conimbrigensis, 1989, vol. 1, p. 15 – grifamos).
  27. MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 1993 , vol. 1, p. 168.
  28. NAHUM, Marco Antonio Rodrigues. Inexigibilidade de Conduta Diversa, p. 125 – grifamos.
  29. OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Infrações e Sanções Administrativas, p. 11 – grifamos.
  30. FERREIRA, Daniel. Sanções Administrativas, p. 190 – grifos no original.
  31. "Mas nada frusta mais o princípio republicano que a imoralidade, porque nela se contém todos os vícios que se estandartizam e se multiplicam na lesão aos demais princípios e normas que embasam o ideário republicano normativizado." (ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. O Princípio Constitucional da Igualdade. Belo Horizonte: Lê, 1990, p. 112).
  32. Exercendo funções administrativas, no limite de suas competências. Cf: OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Infrações e Sanções Administrativas, p. 6.
  33. "O direito à defesa é o direito principal a cujo serviço está predisposto o processo, como meio, técnica, instrumento e garantia constitucional especial; daí a nulidade que se deve cominar ao ato administrativo que suprime direitos do administrado sem assegurar-lhe defesa em processo regular." (PEREIRA Jr., Jessé Torres. O Direito à Defesa na Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Renovar, 1991, p. 26).
  34. LOBO, José María Quirós. Principios de Derecho Sancionador, p. 25 – grifamos.
  35. Súmulas 127: "É ilegal condicionar a renovação da licença de veículo ao pagamento de multa, da qual o infrator não foi notificado" e 312: "No processo administrativo para imposição de multa de trânsito, são necessárias as notificações da autuação e da aplicação da pena decorrente da infração".
  36. ENTERRÍA, Eduardo García. La Lucha Contra las Inmunidades del Poder. 3ª ed. Madri: Civitas, 1995, p. 44 – grifamos.
  37. O Des. Nagib Slaibi Filho, com a autoridade que lhe é peculiar, sustentou que a portaria em comento distanciou-se ontologicamente da lei que deveria apenas regular, em seu "Infrações de Trânsito e o Due Process of Law," Seleções Jurídicas COAD-ADV abril-maio de 2002, p. 36 e ss.
  38. VITTA, Heraldo Garcia. A Sanção no Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 165.
  39. ENTERRÍA, Eduardo García. La Lucha Contra las Inmunidades del Poder, p. 27 – grifamos.
  40. PÉREZ, Jesús Gonzáles. La Ética en la Administración Pública. 2ª ed. Madri: Civita, 2000, p. 113.
  41. Isso sem falar nas exorbitantes tarifas de pedágio e arrecadação com IPVA. Sobre IPVA, a maioria dos Estados (Rio de Janeiro e São Paulo são exemplos), no tocante a veículos importados, possuem alíquotas inconstitucionais, como demonstra a iterativa jurisprudência do STJ: "Mandado de Segurança – Tributário – IPVA – Alíquota Diferenciada – Veículo Automotor Importado – C.F., Artigos 150, I e II, e 152 – CTN, artigo 97 – Lei Estadual 948/85 (art. 5º). 1. O Estado-membro não tem competência para fixar alíquotas diferenciadas para o cálculo do IPVA incidente na operação regularizadora do licenciamento de veículo automotor de procedência estrangeira. Precedentes." (RSTJ 136/104).
  42. "... ficando fácil de perceber, pois, que o proprietário sempre se responsabilizará pelas questões afetas diretamente ao veículo, em si, às suas condições, suas características, componentes, etc. Mas nunca - repita-se - por ato ou omissão de proprietário ou possuidor anterior, em razão da inexistência, neste assunto, como visto, de solidariedade passiva para a obrigação decorrente de imposição de multas ou sanções administrativas." (FRANCO, José Donizeti. "Dos Casos de Responsabilidade Individual do Agente, nas Infrações de Trânsito - A Solidariedade não se Presume, Decorrendo da Lei ou da Vontade da Parte - O Estado de Direito e o Princípio do Due Process of Law," Jornal Síntese 35/11).
  43. MAIDAME, Márcio Manoel. "A Possibilidade de Mudança do Caráter da Posse Precária e sua Utilidade para Fins de Usucapião," RJ 294/50.
  44. "Aceitamos aqui a teoria da construção escalonada do ordenamento jurídico elaborada por Kelsen. Essa teoria serve para dar uma explicação da unidade de um ordenamento jurídico complexo. Seu núcleo é que as normas de um ordenamento não estão todas no mesmo plano. Há normas superiores e normas inferiores. As inferiores dependem das superiores. Subindo das normas inferiores àquelas que se encontram mais acima, chega-se a uma norma suprema, que não depende de nenhuma norma superior, e sobre a qual repousa a unidade do ordenamento. Esta norma suprema é a norma fundamental. Cada ordenamento tem uma norma fundamental. É essa norma fundamental que dá unidade a todas as outras normas, isto é, faz das normas espalhadas e de várias proveniências um conjunto unitário que pode ser chamado ‘ordenamento’. ... Devida à presença, num ordenamento jurídico, de normas superiores e inferiores, ele tem uma estrutura hierárquica. As normas de um ordenamento são dispostas em ordem hierárquica." (BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Trad. Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. 10ª ed. Brasília: UNB, 1999, p. 49 – grifos no original).
  45. "... os princípios constitucionais, além de desempenharem papel de normas com diferentes graus de concretização, ainda funcionam como critério para a interpretação de outras normas, não importando o nível hierárquico-normativo dessas." (ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais. São Paulo: RT, 1999, p. 248 – grifamos).
  46. Segundo Black, lendário magistrado da Suprema Corte Americana, o ditame implícito na lei "é tanto parte de seu conteúdo como o que vem nela expresso." (Construction an Interpretation of Law, p. 62 apud MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 24).
  47. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5ª ed. Coimbra: Almedina, 2002 , p. 949 – grifamos.
  48. "... se esta norma fundamental (que funda, dá vida) tem em seu substrato princípios, toda e qualquer manifestação jurídica (seja ela de interpretação e/ou aplicação do direito) que se observe no seio do Estado, deve se harmonizar com eles, ou se corrompe, por ilegítima, ‘pois todo processo de interpretação se implementa a partir da normatividade jurídica do pacto fundador’." (MAIDAME, Márcio Manoel. "A Possibilidade de Mudança do Caráter da Posse Precária e sua Utilidade para Fins de Usucapião," RJ 294/51 – as aspas simples são referentes a texto de Paulo R. Schier).
  49. LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Trad. José Lamego. 3ª ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997, p. 479.
  50. BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico, p. 158.
  51. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 450-451.
  52. Negando aos princípios efetividade de norma: "Como princípios do ‘Direito’ podem-se indicar os princípios que interessam à Moral, Política ou Costume, só enquanto eles influenciem a produção de normas jurídicas pelas competentes autoridades do Direito. Mas eles conservam seu caráter como princípios da Moral, Política ou Costume, e precisam ser claramente distinguidos das normas jurídicas, cujo conteúdo a eles correspondem. Que eles são qualificados como princípios de ‘Direito’, não significa – como a palavra parece dizer – que eles são direito, que têm o caráter jurídico. O fato de que eles influenciem a produção de normas jurídicas não significa – como Esser aceita – que eles estejam ‘positivados’, i.e., sejam partes integrantes do direito positivo." (KELSEN, Hans. Teoria da Norma Jurídica. Trad. José Florentino Duarte. Porto Alegre: SAFE, 1986, p. 148).
  53. Entre os juristas que dão especial destaque ao discurso principialista, estão Vézio Cruzafulli, Robert Alexy, Eduardo García de Enterriá e José Joaquim Gomes Canotilho.
  54. STUMM, Raquel Denize. Princípio da Proporcionalidade no Direito Constitucional Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995, p. 41.
  55. FRANÇA, Rubens Limongi. Teoria e Prática dos Princípios Gerais de Direito. São Paulo: RT, 1963, p. 97 – grifamos.
  56. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, p. 24 – grifamos.
  57. Devemos, no entanto, afirmar que ainda no pensamento de Aristóteles já se encontrava a preocupação com a proporção entre a norma e seus fins.
  58. BARROS, Suzana de Toledo. O Princípio da Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das Leis Restritivas de Direitos Fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 1996, p. 39.
  59. STUMM, Raquel Denize. Princípio da Proporcionalidade no Direito Constitucional Brasileiro, p. 165.
  60. LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito, p. 574.
  61. "O princípio da proporcionalidade surgiu ligado a idéia de limitação do poder no século XVIII ... O critério da proporcionalidade compreende, nesta época, a área administrativa e a penal. Nesse sentido, é detentor de raízes iluministas, sendo mencionado Montesquieu e por Beccaria, ambos tratavam sobre a proporcionalidade das penas em relação aos delitos. No século XIX, a idéia da proporcionalidade integra, no direito administrativo, o princípio geral do direito de polícia ... No entanto, só adquire foro constitucional e reconhecimento como princípio em meados do século XX, na Alemanha." (STUMM, Raquel Denize. Princípio da Proporcionalidade no Direito Constitucional Brasileiro, p. 78).
  62. STUMM, Raquel Denize. Op. Cit., p. 7.
  63. OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador, p. 161-162.
  64. BARROS, Suzana de Toledo. O Princípio da Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das Leis Restritivas de Direitos Fundamentais, p. 23 – grifamos.
  65. OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador, p. 77.
  66. "A sanção sujeita-se ao princípio da proporcionalidade." (OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Infrações e Sanções Administrativas, p. 110).
  67. REGUERA, Manuel Guerra. Condonacion de Sanciones Tributarias y Principios Constitucionales, p. 80-81.
  68. QUEIRÓ, Afonso Rodrigues. "Os Fins do Estado." In: Estudos de Direito Público: Dissertações, vol. 1. p. 15.
  69. ENTERRÍA, Eduardo Garcia. La Lucha Contra las Inmunidades del Poder, p. 43 – grifamos.
  70. FERRAZ Jr., Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Atlas, 1988, p. 322.
  71. REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito, p.56.
  72. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco: texto integral. Trad. Pietro Nassetti. São Paulo: Martins Claret, 2002, p. 109 – grifamos.
  73. "... necessariamente, deve existir sempre uma medida - abstrata (legislador), e concreta (juiz) - entre a gravidade do fato praticado e a sanção imposta." (PRADO, Luiz Régis e BITTENCOURT, Cézar Roberto. Código Penal Anotado. São Paulo: RT, 1997, p. 147 apud FERRI, Giovani. "Código de Trânsito Brasileiro - Lei 9.503/97: Aspectos Penais," RJ 246/46).
  74. LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Teoria Constitucional do Direito Penal. São Paulo: RT, 2000, p. 421.
  75. "... é necessário, portanto, percorrer as distâncias entre a obediência e a desobediência e suas conseqüências naturais, que são o prêmio e o castigo ... Daí que, não somente a ciência vai ao descobrimento das leis técnicas e das leis éticas, como também alguns homens assumem a tarefa de facilitar a sua obediência por meio da determinação de certas conseqüências artificiais de sua observância, as chamadas sanções. Essa é a natureza do direito que não consiste, por uma parte, mais que na formulação de preceitos que correspondem ou deveriam corresponder a leis técnicas ou éticas descobertas pela ciência, e por outra, na imposição de sanções para a hipótese de sua observância ou inobservância. Se os preceitos não correspondem às leis, o direito não é justo; se as sanções não são adequadas (por excesso ou falta), o direito não é conveniente (idôneo à finalidade)." (CARNELUTTI, Francesco. Instituições do Processo Civil. Trad. Adrián Sotero de Witt Batista. São Paulo: Classic Book, 2002, vol. 1, p. 51).
  76. "... não obstante o avanço alcançado pelo novo regramento, deparamo-nos com alguns equívocos trazidos pelo código (...) Em análise aos novos dispositivos penais criados pelo Código de Trânsito, nos deparamos com penas desproporcionais a outros delitos de maior gravidade. ... Efetivamente, ao incriminar um fato reprovável incumbe ao legislador avaliar suas conseqüências sociais. Todavia, deve estabelecer uma proporção ao menos razoável entre a quantidade punitiva cominada e a gravidade efetiva, real (nocividade social), dos fatos incriminados." (FERRI, Giovani. "Código de Trânsito Brasileiro - Lei 9.503/97: Aspectos Penais," RJ 246/46 – grifamos).
  77. LOBO, José María Quirós. Principios de Derecho Sancionador, p. 39.
  78. "La reacción punitiva ha de ser proporcionada al ilícito, por ello, en el momento de la individualización de la sanción, la culpabilidad se constituye en un límite que impide que la gravedad de la sanción supere del hecho cometido; siendo, por tanto, función primordial de la culpabilidad limitar la responsabilidad." (TESO, Ángeles de Palma del. El Principio de Culpabilidad en el Derecho Administrativo Sancionador, p. 45).
  79. TESO, Ángeles de Palma del. Op. Cit., p. 45 – grifamos.
  80. NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. "Aspectos Draconianos e Inconstitucionais do Código de Trânsito Brasileiro." In: www.saraivajur.com.br.
  81. MAMEDE, Gladston. IPVA: imposto sobre a propriedade de veículo automotor. São Paulo: RT, 2002, p. 46.
  82. LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito, p. 580 – grifamos.
  83. SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo Ordenador. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 68 – grifamos.
  84. "O Princípio da Proporcionalidade e Direito Administrativo," Ajufe 49/63 apud NOBRE Jr., Edilson Pereira. "Sanções Administrativas e Princípios de Direito Penal," RDA 219/143 – grifamos.
  85. O próprio art. 165, pela vagueza de seus preceitos, pode levar a interpretação absurda de que mereceria a penalidade de suspensão do direito de dirigir aquele que trafega fumando um mero cigarro, já que o tabaco se enquadra na parte final do dispositivo em comento (qualquer substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica).
  86. SLAIBI FILHO, Nagib. "Infrações de Trânsito e o Due Process of Law," Seleções Jurídicas COAD-ADV abril-maio de 2002, p. 36 – grifamos.
  87. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 18ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 171.
  88. Os jusnaturalistas também defendem a segurança jurídica, não somente através da lei, mas pela consciência jurídica afinada com os valores que a sociedade elegeu. Os positivistas é que encobriram esse postulado jusnaturalista e o pegaram para si. O positivismo, sob a capa da segurança jurídica prega a submissão a um legislador inescrupuloso (já que não se preocupam com os valores subjacentes à norma posta), e não a segurança em sentido de estabilidade e previsibilidade.
  89. Radbruch ensina que "la seguridad jurídica nos és lo único ni siquiera el valor decisivo que tiene que realizar el Derecho. Al lado de la seguridad jurídica hay otros valores, que son el de utilidad y el de la justicia." (RADBRUCH, Gustav. "Leyes que non son Derecho y Derecho por Encima de las Leyes." In: PARIAGUA, José Maria Rodriguez. (org.) Derecho Injusto y Derecho Nulo. Madri: Aguilar, 1971, p. 12-13).
  90. "Hermenêutica Constitucional – Necessidade de Interpretação Homogênea e Sistemática. A Constituição, Célula Mater do ordenamento jurídico da Nação, jamais poderá ser interpretada à luz de um dispositivo isolado, sob pena de ser transformada em instrumento autofágico de seus princípios e finalidade" (TRT, 7ª R., v.u., RO 3602/99, rel. Juiz José Ronald Cavalcante Soares, j. em 12/08/1999, CD-ROM Juris Síntese Millennium, vol. 29 – grifamos).
  91. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito, p. 169.
  92. BARROS, Suzana de Toledo. O Princípio da Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das Leis Restritivas de Direitos Fundamentais, p. 179. Sobre núcleo essencial, a autora define-o como "o conteúdo mínimo de um direito, insuscetível de ser violado, sob pena de aniquilar-se o próprio direito. O legislador, então, ao restringir direitos estaria limitado pelo núcleo essencial do direito a ser restringido." (Op. Cit., p. 96). Manuel Guerra Reguera, em capítulo de sua obra destinado a comentar o princípio proporcionalidade e as penas no direito administrativo sancionador tributário, disse, com apoio em Pérez Royo que "como ha expresado com claridad, la obligatoried de este principio lleva a excluir de la tipifición – tanto en la creación del Derecho como en su interpretación y aplicación – aquellos casos en que el restabelecimiento del orden jurídico alterado por el comportamiento ilícito puede ser alcanzado a través de otros medios." (REGUERA, Manuel Guerra. Condonacion de Sanciones Tributarias y Principios Constitucionales, p. 81 – grifamos). Em suma, havendo outro meio de se apenar o comportamento dito ilícito de maneira mais justa e menos interventiva a outros direitos fundamentais, sem, é claro, uma desprezível complacência com atitudes lesivas ao corpo social, estaremos diante de pena que respeita o princípio da proporcionalidade e atinge suas finalidades.
  93. "O princípio da racionalidade proscreve a ilogicidade, o absurdo, a incongruência na ordenação da vida privada; fulmina, portanto, os condicionamentos logicamente desconectados da finalidade que legitima a interferência do legislador na matéria ou desproporcional em relação a ela. As opções legislativas devem se apresentar com escolhas racionais, aptas não só a conduzir aos efeitos desejados, como a fazê-lo do melhor modo possível. O princípio da razoabilidade – cuja inspiração na idéia de racionalidade não se pode negar – incorpora valores éticos ao universo jurídico, fulminando as opções legislativas desatenta desses padrões." (SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo Ordenador, p. 68 – grifos no original).
  94. FREITAS, Juarez. A Substancial Inconstitucionalidade da Lei Injusta. Porto Alegre: Vozes, 1989, p. 107 – grifos no original.
  95. NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. "Aspectos Draconianos e Inconstitucionais do Código de Trânsito Brasileiro." In: www.saraivajur.com.br – grifamos.
  96. ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. O Princípio Constitucional da Igualdade, p. 41.
  97. "... além de proporcional, a igualdade também deve ser positiva. Isto significa que não se deve limitar ao aspecto jurídico do problema, firmando-se a tese de que, além da igualdade perante a lei, deverá existir a igualdade perante a vida, ou seja, o acesso de todos a um mínimo de bens materiais necessários ‘ao integral desenvolvimento da personalidade’." (FARIA, Anacleto de Oliveira. Do Princípio da Igualdade Jurídica. São Paulo: RT, 1973, p. 265).
  98. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, p. 37-39.
  99. A Resolução Contran 1/98, estabelece as informações mínimas que deverão constar do auto de infração de trânsito.
  100. VIOLANTE, Carlos Alberto M. S. M. (et alii) Multas de Trânsito. Campinas: Edicamp, 2001, p. 16. Decadência é extinção do direito. Como ensina a melhor doutrina "na decadência, o direito é outorgado para ser exercido dentro em determinado prazo; se não exercido, extingue-se. São prazos extintivos." (MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. 31ª ed. São Paulo: Saraiva, 1993, vol. 1, p. 288).
  101. Tendo em vista o disposto no par. único do art. 6º da Lei do Mandado de Segurança (Lei 1.533/51), segundo a doutrina de: FAIM FILHO, Eurípedes Gomes e OLIVEIRA JÚNIOR, Artur Martinho. "Falta de Notificação em Multa de Trânsito e Licenciamento," RT 768/184.
  102. FAIM FILHO, Eurípedes Gomes e OLIVEIRA JÚNIOR, Artur Martinho. "Falta de Notificação em Multa de Trânsito e Licenciamento," RT 768/184.
  103. "Na verdade, na sistemática do atual Código de Trânsito, a notificação da imposição da penalidade traz consigo, muito mais do que uma simples cobrança monetária (multa pecuniária, às vezes muito superior à renda do cidadão), leva também, uma comunicação de pontos que colocam em risco o direito de dirigir, muitas vezes, intimamente ligado ao exercício do labor profissional, da luta pela sobrevivência e subsistência. Em outros casos, suplementarmente, implica na suspensão do direito de dirigir." (ROCHA, Cláudio da Silva. "A Notificação de Trânsito e o Direito à Ampla Defesa," Jornal Síntese 42/11).
  104. "Recurso Especial – Administrativo – Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo – Multa Discutida em Recurso Administrativo – Violação aos Arts. 128, 131, § 2º, 285, § 1º e 286, da Lei 9.503/97. Não há exigibilidade da multa de trânsito na pendência de recurso, o que impede seja seu pagamento demandado pela administração pública para a renovação da licença. O direito de defesa, de acordo com as disposições do artigo 286, do CTB, não se restringe apenas à ‘notificação para se defender’. O expresso mandamento do § 1º, do artigo 285, da Lei 9.503/97, de que ‘o recurso não terá efeito suspensivo’, não se refere à penalidade de multa, mas apenas refere-se às demais penalidades." (RSTJ 136/189).
  105. "... todo aquele que vive no contexto regulado por uma norma e que vive com este contexto é, indiretamente ou, até mesmo diretamente, um intérprete dessa norma. O destinatário da norma é participante ativo, muito mais ativo do que se pode supor tradicionalmente, do processo hermenêutico. Como não são apenas os intérpretes jurídicos da Constituição que vivem a norma, não detêm eles o monopólio da interpretação da Constituição. Aqui não se cuida apenas da práxis estatal. Em se tratando de muitos direitos fundamentas, já se processa a interpretação no âmbito como os destinatários da norma preenchem o âmbito de proteção daquele direito." (HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: SAFE, 1997, p. 15 – grifamos).
  106. GEORGAKILAS, Ritinha Alzira Stevenson. "A Constituição e sua Supremacia." In: FERRAZ, Jr., Tércio Sampaio (coord.). Constituição de 1988: legitimidade, vigência e eficácia, supremacia. São Paulo: Atlas, 1989, p. 113-114 – grifamos.
  107. O entendimento de que os tribunais administrativos podem declarar inconstitucionalidade de norma é defendido, com muito mais propriedade e riqueza de argumentos, por Eduardo Fortunato Bim, em obra ainda inédita, cujo manuscrito nos foi gentilmente cedido pelo autor, denominada: A Interpretação Razoável como Excludente da Culpabilidade no Direito Tributário Sancionador. Campinas: 2002, obra inédita.
  108. "A autoridade administrativa, como julgadora num processo administrativo fiscal, pode deixar de aplicar a lei por considerá-la inconstitucional? Eu, aqui, confesso que não tenho dúvida nenhuma de dizer um não." (ALVES, José Carlos Moreira. "Conferência Inaugural – XXIV Simpósio Nacional de Direito Tributário." In: MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.) Direitos Fundamentais do Contribuinte: pesquisas tributárias – nova série; n. 6. São Paulo: RT, 2000, p. 33).
  109. VIOLANTE, Carlos Alberto M. S. M. (et alii) Multas de Trânsito, p. 26.
  110. VITTA, Heraldo Garcia. A Sanção no Direito Administrativo Brasileiro, p. 169.
  111. OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Infrações e Sanções Administrativas, p. 75-76 – grifamos.
  112. Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica. "Art. 8º Garantias judiciais; 1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. 2. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, as seguintes garantias mínimas: ... h) direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior."
  113. VIOLANTE, Carlos Alberto M. S. M. (et alii) Multas de Trânsito, p. 27.
  114. "Le ragioni addote per giustificare la prescrizione variano secondo i tempi e secondo lei concezioni dei dottori. Alcuni vedono tutelata la certeza della situazioni giuridiche: il tempo aggiusta le cose e ogni sicurezza sarebbe compromessa se ci fosse il pericolo di vedere affermare, dopo silenzi di lunghi anni, antiche pretese; altri vedono uma presunzione di renunzia da parte del titolare che non esercita il diritto; infine, in epoche come nostra nelle quali domina il concetto di responsabilità sociale pur nel godimento dei diritti privati, vi si scorge quase una sanzione per la negligenza di non avere esercitato il diritto." Tradução livre: "As razões adotadas para justificar a prescrição variam segundo o tempo e segundo a opinião dos doutores. Alguns vêm tutelada a certeza das situações jurídicas: o tempo ajusta as coisas e toda a segurança seria comprometida e posta em perigo se fosse permitido o exercício de antigas pretensões, depois do silêncio de longos anos; outros vêm uma presunção de renúncia por parte do titular que não exercita o direito; por fim, em época como a nossa, na qual domina o conceito de responsabilidade social no gozo dos direitos privados, é vista quase como uma sanção pela negligência de não haver exercitado o direito." (TRABUCCHI, Alberto. Istituzioni di Diritto Civille. 40ª ed. Padova: Cedam, 2001, p. 128).
  115. BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários à Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1990, vol. 7, p. 337.
  116. "... com a prescrição o Estado limita o jus puniendi concreto e o jus punitionis a lapsos temporais, cujo decurso faz com que considere inoperante manter a situação criada pela violação da norma." (JESUS, Damásio Evangelista. Direito Penal, vol. 1, p. 721).
  117. MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, vol. 1, p. 381.
  118. Consoante o disposto no art. 1º, inc. I desta Resolução (escrita à luz do antigo código de trânsito), as infrações punidas unicamente com multa prescrevem em: a) um ano, para as infrações dos Grupos 3 e 4; b) dois anos, para as infrações dos Grupos 2; c) em três anos, para as infrações dos Grupos 1. Fazendo a correspondência com a gradação de penas do atual CTB, temos que, para as infrações leves e médias (art. 259, incs. III e IV), a prescrição é de 1 ano; Para as infrações graves (art. 259, inc. II), a prescrição é de dois anos; E para as infrações gravíssimas (art. 259, inc. I), a prescrição é de três anos.
  119. São elas: Art. 165 (dirigir alcoolizado ou drogado); art. 170 (dirigir ameaçando os pedestres ou os demais veículos); art. 173 (disputar corrida, "racha"); art. 174 (promover ou participar de competição, exibição ou demonstração clandestina nas ruas com veículo); art. 175 (manobra perigosa); art. 176 (deixar, o condutor envolvido em acidente com vítima, de: I - de prestar socorro; II - de evitar perigo para o trânsito; III - de preservar o local para polícia e da perícia; IV - de remover o veículo, quando determinado; V - de identificar-se ao policial e prestar informações); art. 210 (transpor bloqueio policial); art. 218 (excesso de velocidade: I - em rodovias, vias de trânsito rápido e vias arteriais: b) em velocidade superior à máxima, em mais de 20%; II - demais vias: b) velocidade for superior à máxima, em mais de 50%); art. 244 (conduzir motocicleta, motoneta e ciclomotor: I - sem usar capacete com viseira ou óculos de proteção e vestuário adequado; II - transportando passageiro sem o capacete ou fora do assento ou em carro lateral; III - fazendo malabarismo; IV - com os faróis apagados; V - transportando criança).
  120. Tese defendida por Daniel Ferreira em seu Sanções Administrativas, p. 197.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAIDAME, Márcio Manoel. O Código de Trânsito Brasileiro à luz dos princípios do direito sancionador. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2175, 15 jun. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12974. Acesso em: 23 abr. 2024.