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Modulação dos efeitos das decisões do STF no controle de constitucionalidade

Modulação dos efeitos das decisões do STF no controle de constitucionalidade

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Resumo

O ordenamento jurídico pátrio adotou o modelo híbrido de controle de constitucionalidade, qual seja o sistema concentrado e difuso. Fixou-se que os efeitos temporais da declaração de inconstitucionalidade, seja em sede de controle concentrado ou incidental, seriam ex tunc, ou seja, ao se declarar a inconstitucionalidade de uma norma ou ato normativo, a mesma seria fulminada desde a sua origem. Porém, com a edição da Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999, legitimou-se o Supremo Tribunal Federal a proceder à modulação dos efeitos temporais de suas decisões, quando presentes razões de segurança jurídica ou excepcional interesse social, instrumento este que vem sendo utilizado pela Corte, mas com acentuada crítica.

Palavras-Chave: Controle de Constitucionalidade; Controle concentrado; Controle difuso; Efeitos ex tunc e ex nunc; Modulação; Segurança Jurídica; Excepcional interesse social; Lei 9.868/99; Lei 9.882/99; ADI; ADPF.


1. Introdução

No presente artigo discute-se a modulação dos efeitos das decisões do Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado e incidental de constitucionalidade.

Cumpre ressaltar, preliminarmente, acerca da origem do controle de constitucionalidade. O mesmo surgiu nos Estados Unidos, mais propriamente no caso Marbury v. Madison, em 1803, em que ficou decidido que uma lei declarada inconstitucional produziria efeitos ex tunc, ou seja, tal norma era inválida desde a sua origem, e qualquer juiz ou tribunal poderia declará-la quando verificasse tal vício. Este é o sistema de controle difuso, concreto ou incidental de constitucionalidade.

Também surge na Áustria, com a Constituição de 1920, sob a influência de Hans Kelsen, o controle de constitucionalidade concentrado, em que cabia somente à Corte Constitucional daquele país o controle de constitucionalidade das normas. Ao declarar a inconstitucionalidade de uma norma, segundo o controle de constitucionalidade austríaco, a norma não era inconstitucional desde sua origem, como era e é no controle de constitucionalidade norte-americano, mas os efeitos passariam a valer a partir da fixação de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo. Ou seja, os efeitos passariam a ser ex nunc ou a partir de outro momento em que os efeitos, segundo a Corte, haveriam de prevalecer.

A partir da análise dos dois sistemas de controle de constitucionalidade, foi elaborado um estudo análogo do controle de constitucionalidade exercido no ordenamento jurídico pátrio, tendo em vista que o nosso sistema adota o modelo misto de constitucionalidade, qual seja o controleabstratoe o difuso.

Para tanto, no presente estudo, destacar-se-ão precedentes do Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado e difuso de constitucionalidade, principalmente no que tange à declaração dos efeitos das decisões emanadas deste Excelso Tribunal, sobre os quais serão levadas a termo críticas relevantes.


2. Inconstitucionalidade no Direito americano e a teoria da nulidade

Como dito, a teoria do controle de constitucionalidade americano tem sua origem no célebre julgamento Marbury v. Madison, no ano de 1803, primeira decisão na qual a Suprema Corte norte-americana decidiu acerca da declaração de inconstitucionalidade das normas, negando aplicação às consideradas inconstitucionais.

Nesse julgamento, John Marshall, então juiz da Suprema Corte americana, enunciou três grandes fundamentos que embasaram a teoria do controle de constitucionalidade, a saber: i) a supremacia da Constituição; ii) a nulidade da lei que contrarie a Constituição e; iii) competência do Poder Judiciário para dar interpretação final à Constituição.

No referido julgamento memorável, foram estabelecidas as diretrizes da doutrina norte-americana do Controle de Constitucionalidade, assentando o dogma da lei inconstitucional como princípio basilar desse modelo. Destaca-se trecho elucidativo desse julgamento:

Ou havemos de admittir que a Constituição annulla qualquer medida legislativa, que a contrarie, ou annuir em que a legislatura possa alterar por medidas ordinarias a Constituição. Não há contestar o dilema. Entre as duas alternativas não se descobre meio termo. Ou a Constituição é uma lei superior, soberana, irre-formável por meios comuns; ou se nivela com actos de legislação usual, e, como estes, é reformavel ao sabor da legislatura. Si a primeira proposição é verdadeira, então o acto legislativo, contrário á Constituição, não será lei; si é verdadeira a segunda, então as Constituições escriptas são absurdos esforços do povo, por limitar um poder de sua natureza illimitavel. Ora, com certeza, todos os que têm formulado Constituições escriptas, sempre o fizeram com o in-tuito de assentar a lei fundamental e suprema da nação; e, conseguintemente, a theoria de taes governos deve ser que qualquer acto da legis-latura, offensivo da Constituição, é nullo. (MARSHALL, 1839, p. 24-5, apud, Ruy Barbosa, p. 44-45).

Como se denota, para o juiz Marshall, toda lei contrária à Constituição é lei inconstitucional, e, por consequência, nula. Ou seja, inconstitucionalidade e nulidade são termos sinônimos.

Vale ressaltar que a evolução do sistema de controle de constitucionalidade nos Estados Unidos tem por consequência a adoção da ação declaratória como técnica basilar, vale dizer, o Judiciário apenas aclara o vício de inconstitucionalidade previamente existente. Tal posicionamento já era defendido por Alexandre Hamilton em sua obra "O Federalista", quinze anos antes da referida decisão de John Marshall [01], cujo excerto transcreve-se:

Não há posição que apóie em princípios mais claro que a de declarar nulo o ato de uma autoridade delegada que seja contrária ao teor da delegação sob a qual se exerce tal autoridade. Conseqüentemente, não será válido qualquer ato legislativo contrário à Constituição.

Como efeito, para que as normas estejam em completa conformidade para irradiarem efeitos jurídicos, é necessária que as mesmas sejam existentes, válidas, vigentes e eficazes. Ou seja, no plano da existência, faz-se necessário que a norma passe a existir no mundo jurídico. A validade da norma infere-se quando foram obedecidos os critérios formais e materiais de sua elaboração, visto que lei inválida é norma inconstitucional. A vigência está diretamente conectada com o tempo em que a norma começa a produzir efeitos e a eficácia de uma norma é a possibilidade da mesma vir a produzir efeitos no plano da realidade.

Segundo a teoria da nulidade, nenhum ato legislativo que afronte a Constituição pode ser válido. E a ausência de validade tem por consequência a invalidação dos seus efeitos produzidos no mundo fático.

A doutrinadora Regina Maria Macedo, ao tratar acerca da teoria da nulidade, apresentou o seguinte entendimento:

[…] Lei nula seria aquela que, contrária a Constituição, o é desde o início, e a decisão que decreta sua inconstitucionalidade nada mais faz do que comprovar tal vício, porque a lei sempre foi nula e, portanto, não pode gerar efeitos, pois o que é nulo não pode gerar direitos; dessa forma, os efeitos da decisão devem operar retroativamente (ex tunc) – sistema tradicional americano [02].

Vale destacar que há posição contrária, no sentido de que a lei inconstitucional não é nula ab initio, mas meramente anulável, e que tal norma tem plena vigência e validade até o momento em que sua inconstitucionalidade é pronunciada por um órgão competente, qual seja, a Corte Constitucional. Tal pensamento, contudo, não se orienta pela teoria da nulidade, e sim, pela teoria da anulabilidade da lei inconstitucional, tendo por substrato teórico matriz diversa da americana.

Nulo é o ato intrinsecamente inválido, ou seja, quando lhe faltam requisitos essenciais à sua perfeição, e, consequentemente, tal ato não pode ter seus efeitos reconhecidos como válidos. Anulável é o ato cujo vício é menos rigoroso, produzindo efeitos jurídicos até o momento de sua declaração. Todavia, a questão de ser mais ou menos grave pode ser decorrente da interpretação que se dê ao caso. Como adiante será visto, a defesa da anulabilidade da lei inconstitucional é um temperamento feito pela doutrina em razão da segurança jurídica.

Na doutrina norte-americana, a sanção mais grave aplicada à lei declarada inconstitucional é a de sua nulidade: "Ato inconstitucional é ato nulo de pleno direito". [03]

Pela teoria da nulidade, a norma inconstitucional sendo nula, os efeitos decorrentes da declaração da contrariedade à Constituição, quer seja formal ou material, se operam ex tunc, estendendo-se ao passado de forma absoluta, desde a gênese da norma.

Não obstante tal teoria ter sido criada nos EUA, a mesma influenciou grandes estudiosos no mundo, dentre os quais Ruy Barbosa, no Brasil. Grande admirador e estudioso do controle de constitucionalidade norte-americano, Ruy Barbosa inseriu na Carta Republicana de 1891 os princípios do controle difuso de constitucionalidade no país, o qual perdura até os dias atuais.

Durante longos anos nosso ordenamento jurídico conviveu com um Controle de Constitucionalidade predominantemente difuso, embora adaptado à cultura brasileira, vindo a sofrer grande modificação a partir da Constituição Federal de 1988.


3. Inconstitucionalidade no Direito austríaco-alemão e a teoria da anulabilidade

O controle de constitucionalidade das normas exercido na Áustria, instituído em sua Constituição de 1920, teve por principal expoente Hans Kelsen, cuja doutrina teve por norte o entendimento sedimentado de que norma inconstitucional é meramente anulável, sendo que a decisão que reconhece tal situação tem efeito constitutivo, e, como regra, efeitos ex nunc, ou prospectivos.

Para Kelsen, o controle de constitucionalidade seria uma atividade constitucional, e não meramente judicial. Sua doutrina baseou-se no sentido de que a lei inconstitucional é válida até o momento em que a decisão da Corte Constitucional venha a declará-la. Antes de tal declaração, os juízes singulares e os tribunais não poderiam deixar de aplicá-la, tendo em vista que a mesma continuaria a produzir efeitos no tempo. Após a decisão da Corte Constitucional, e sendo tal lei declarada inconstitucional, seria a mesma retirada do ordenamento jurídico.

Salienta-se que o modelo austríaco de controle de constitucionalidade, desenvolvido mais de um século após o sistema norte-americano, considera que uma norma contrária à Constituição não é inválida desde o seu nascimento, mas sim, um ato inconstitucional que mantém sua força jurídica e seus efeitos até sua cassação.

Importa ressaltar que o modelo austríaco sofreu grandes aperfeiçoamentos, com sua expansão para outros países, notadamente na Alemanha, após a 2ª Guerra Mundial. A Corte Constitucional passou a proceder ao controle de constitucionalidade utilizando-se da interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto. E, ainda, no que tange aos efeitos de suas decisões, poderia aquela declarar um momento futuro em que sua decisão iria produzir os devidos efeitos, ou seja, pro futuro.

Vale considerar acerca da teoria que surgiu no controle de constitucionalidade concentrado, que trata da inconstitucionalidade gradual da lei, ou seja, a norma nasce constitucional, porém, com o decorrer do tempo, torna-se norma inconstitucional, seja por questões políticas, sociais ou econômicas. Portanto, segundo tal corrente, a norma num dado espaço temporal pode se tornar incompatível com a Constituição [04].

O modelo austríaco influenciou toda a Europa continental, em especial, o direito alemão, destacando-se, a título exemplificativo, o denominado processo de "declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade", desenvolvido pelo Tribunal Constitucional alemão.

Com relação à declaração de inconstitucionalidade e seus efeitos no ordenamento jurídico alemão, vale ressaltar acerca do julgado proferido pelo Tribunal Constitucional Federal alemão, quando do conhecimento de uma Reclamação Constitucional contra ato normativo e também contra decisões judiciais. Em síntese, foi editada uma lei tributária que fixava determinada alíquota sobre faturamento final, e esta estaria prejudicando pequenas empresas em relação às grandes concorrentes, no que tange a uma fase de produção.

Diante de tal ato, declarou o Tribunal Constitucional Alemão (Bundesversassungsgericht) a inconstitucionalidade da norma, porém, ressaltou acerca dos prejuízos advindos dos efeitos que tal declaração produziria se fossem ex tunc [05].

Portanto, ao pronunciar a inconstitucionalidade de uma norma, a mesma irá produzir efeitos ex nunc (a contar da data do julgado), salvo se o Tribunal Constitucional estabelecer outro momento para que a tal pronúncia passe a produzir seus efeitos. Porém, vale ressaltar que, no modelo austríaco, os efeitos pro futuro dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade não podem exceder de um ano.


4. Mitigação da teoria da nulidade no Brasil – Precedente

Mesmo antes da vigência da Lei 9.868/99, que previu, expressamente, a possibilidade de anulabilidade e não nulidade da lei inconstitucional, a teoria da nulidade vigente no controle de constitucionalidade das normas exercido no direito brasileiro já sofria mitigação no Supremo Tribunal Federal quando essa Excelsa Corte constatou que em certas situações concretas só seria possível desconsiderar alguns e não todos os efeitos da norma a ser declarada inconstitucional.

Diante da oscilação das relações políticas, sociais, econômicas etc., surgiu a necessidade de o Supremo Tribunal Federal passar à proceder a mitigação de suas próprias decisões, aplicando-se nestes os efeitos pro futuro. Pode-se observar no julgamento do RE 147.776-8/SP, em que se discutiu a legitimidade de atuação do Ministério Público do Estado de São Paulo em proceder à ação de reparação de danos em favor da Fazenda Pública do respectivo estado [06]. No voto condutor, o Ministro Relator Sepúlveda Pertence, da Excelsa Corte, fixou o seguinte entendimento, cujo excerto transcreve-se:

O caso mostra, com efeito, a inflexível estreiteza da alternativa da jurisdição constitucional ortodoxa, com a qual ainda jogamos no Brasil: consideramo-nos presos ao dilema entre a constitucionalidade plena e definitiva da lei ou a declaração de sua inconstitucionalidade com fulminante eficácia ex tunc; ou ainda, na hipótese de lei ordinária pré-constitucional, entre o reconhecimento da recepção incondicional e a da perda de vigência desde a data da Constituição.

Essas alternativas radicais – além dos notórios inconvenientes que gera – faz abstração da evidência de que a implementação de uma nova ordem constitucional não é um fato instantâneo, mas um processo, no qual a possibilidade da realização da norma da Constituição – ainda quando teoricamente não se cuide de um preceito de eficácia limitada -, subordina-se muitas vezes a alterações da realidade fáctica que a viabilizem". (RE 147.776, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, DJU. 19.06.1998).

Quando do julgamento do RE 364.304-AgR, a Suprema Corte firmou o seguinte entendimento:

A teoria da nulidade tem sido sustentada por importantes constitucionalistas. Fundada na antiga doutrina americana, segundo a qual ‘the inconstitutional statute is not law at all’, significativa parcela da doutrina brasileira posicionou-se pela equiparação entre inconstitucionalidade e nulidade. Afirmava-se, em favor dessa tese, que o reconhecimento de qualquer efeito a uma lei inconstitucional importaria na suspensão provisória ou parcial da Constituição. Razões de segurança jurídica podem revelar-se, no entanto, aptas a justificar a não-aplicação do princípio da nulidade da lei inconstitucional. Não há negar, ademais, que aceita a idéia da situação ‘ainda constitucional’, deverá o Tribunal, se tiver que declarar a inconstitucionalidade da norma, em outro momento fazê-lo com eficácia restritiva ou limitada. Em outros termos, o ‘apelo ao legislador’ e a declaração de inconstitucionalidade com efeitos limitados ou restritos estão intimamente ligados. Afinal, como admitir, para ficarmos no exemplo de Walter Jellinek, a declaração de inconstitucionalidade total com efeitos retroativos de uma lei eleitoral tempos depois da posse dos novos eleitos em um dado Estado? Nesse caso, adota-se a teoria da nulidade e declara-se inconstitucional e ipso jure a lei, com todas as conseqüências, ainda que dentre elas esteja a eventual acefalia do Estado? Questões semelhantes podem ser suscitadas em torno da inconstitucionalidade de normas orçamentárias. Há de se admitir, também aqui, a aplicação da teoria da nulidade tout court? Dúvida semelhante poderia suscitar o pedido de inconstitucionalidade, formulado anos após a promulgação da lei de organização judiciária que instituiu um número elevado de comarcas, como já se verificou entre nós. Ou, ainda, o caso de declaração de inconstitucionalidade de regime de servidores aplicado por anos sem contestação. Essas questões — e haveria outras igualmente relevantes — parecem suficientes para demonstrar que, sem abandonar a doutrina tradicional da nulidade da lei inconstitucional, é possível e, muitas vezes, inevitável, com base no princípio da segurança jurídica, afastar a incidência do princípio da nulidade em determinadas situações. Não se nega o caráter de princípio constitucional ao princípio da nulidade da lei inconstitucional. Entende-se, porém, que tal princípio não poderá ser aplicado nos casos em que se revelar absolutamente inidôneo para a finalidade perseguida (casos de omissão ou de exclusão de benefício incompatível com o princípio da igualdade), bem como nas hipóteses em que a sua aplicação pudesse trazer danos para o próprio sistema jurídico constitucional (grave ameaça à segurança jurídica). (RE 364.304-AgR, voto do Min. Gilmar Mendes, julgamento em 3-10-06, DJ de 6-11-06)

Vale destacar os métodos utilizados pelo Supremo Tribunal Federal no controle de constitucionalidade, a saber: a) interpretação conforme a Constituição; b) declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto. A jurisprudência da Excelsa Corte é iterativa quanto à aplicação das referidas técnicas, principalmente quando do julgado da ADI 939/DF [07]. No julgamento da referida ADI foi declarada a inconstitucionalidade da norma que instituía o IPMF, porém, aplicando-se a técnica da "declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto".

Ressalte-se o julgamento do RE 79.628, em que o Supremo Tribunal Federal mesmo reconhecendo a inconstitucionalidade da norma de investidura de pessoas em cargos públicos, reconheceu a eficácia e validade dos atos por eles praticados. Adotou, para tal decisão, a "teoria do funcionário de fato", concebida no direito administrativo. Dessa forma, "buscou proteger as relações jurídicas dos administrados que de boa-fé envolveram-se em relações jurídicas que pressupunham a legitimidade dos atos praticados por tais funcionários [08]".

No HC 82.959/SP (DJU, 1º/09/2006), Rel. Ministro Marco Aurélio, o STF, modificando a jurisprudência assentada há muito tempo, declarou inconstitucional dispositivo que vedava a progressão prisional em casos de crimes hediondos, mas ressalvou inexistir direito à indenização por erro judiciário aos condenados que já tinham cumprido a pena sem o direito à progressão.

Por meio dos citados precedentes jurisprudenciais (e de inúmeros outros) foi possível ao Supremo Tribunal Federal relativizar os efeitos proferidos de suas decisões em sede de controle difuso e abstrato de constitucionalidade, cujos efeitos são, em regra, ex tunc.

Ao aplicar os efeitos ex nunc ou pro futuro, ou até mesmo utilizar-se dos métodos da interpretação conforme a Constituição e da declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, foi possível à Excelsa Corte brasileira proceder à declaração de inconstitucionalidade de suas decisões observando os primados de segurança jurídica, boa-fé ou excepcional interesse social para suas decisões.

Traria um gravame social ou até mesmo grande insegurança jurídica, se o Supremo Tribunal Federal não procedesse à modulação dos efeitos de algumas de suas decisões, tendo em vista os efeitos fulminantes da declaração de inconstitucionalidade em sede de controle concentrado ou difuso de constitucionalidade. Possibilitou-se, assim, ao Colendo Supremo proceder à análise dos conflitos que lhe chegassem ao conhecimento, aplicando a melhor decisão que pudesse caber ao caso, objetivando gerar o mínimo gravame para as partes envolvidas ou para quem sua decisão iria irradiar seus efeitos.


5. Modulação dos efeitos – artigo 27 da Lei 9.868/99

Com a edição da Lei 9.868/99, o legislador legitimou ao Supremo Tribunal Federal em proceder à modulação dos efeitos de suas decisões quando por razões de segurança jurídica ou excepcional interesse social, conforme artigo 27, verbis:

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

Porém, vale salientar que a Suprema Corte nacional já vinha aplicando a modulação dos efeitos de suas decisões bem antes da edição da norma supracitada, fazendo-o por razões de ponderação da declaração de inconstitucionalidade e a necessidade de rigidez da ordem jurídica.

Ao editar tal norma, e inserir na mesma o dispositivo que trata acerca da modulação dos efeitos das decisões pelo Supremo Tribunal Federal, o legislador inseriu duas possibilidades pelas quais poderá ocorrer tal modulação, a saber: i) razões de segurança jurídica e; ii) excepcional interesse social.

Após a edição da Lei 9.868/99, que legitimou ao Supremo Tribunal Federal em proceder à modulação dos efeitos de suas decisões em controle concentrado de constitucionalidade, a Excelsa Corte somente aplicou o artigo 27 da referida legislação em 2004, quando do julgamento da ADI 3.022, reputando constitucional o referido dispositivo da Lei 9.868/99. Ao declarar a inconstitucionalidade de dispositivos normativos vigentes desde 1994, determinou que sua decisão produzisse efeitos somente a partir de 31 de dezembro de 2004.

A doutrina brasileira tem reconhecido a constitucionalidade da nova regra. O autor Zeno Veloso destaca o seguinte ponto (1999, p. 210):

Temos a firme convicção de que é da maior necessidade, utilidade e importância que se preveja em nosso direito constitucional positivo a possibilidade de o STF, em casos excepcionais, e quando o exija o interesse público, estabelecer limites à eficácia da declaração de inconstitucionalidade, com as ressalvas que apresentamos.

De igual forma o doutrinador Eduardo Talamini (2009, p.p. 439):

A possibilidade de excepcionalmente restringir os efeitos retroativos ou mesmo atribuir apenas efeitos prospectivos à declaração de inconstitucionalidade – ao contrário do que possa parecer – confere maior operacionalidade ao sistema de controle abstrato. A regra da retroatividade absoluta e sem exceções acaba fazendo com que o tribunal constitucional, naquelas situações de conflito entre os valores acima mencionados, muitas vezes simplesmente deixe de declarar a inconstitucionalidade da norma, para assim evitar gravíssimas conseqüências que adviriam da eficácia ex tunc dessa declaração [09].

Assinala Luís Roberto Barroso, que "a flexibilização do dogma da nulidade da lei inconstitucional foi saudada como positiva por juristas que nela viram a concessão de uma 'margem de manobra' para o Judiciário ponderar interesses em disputa". [10]

No mesmo entendimento doutrinário posiciona-se Regina Maria Macedo Nery Ferrari (2004, p. 163):

Reconhecer, portanto, que a norma inconstitucional é nula, e que os efeitos desse reconhecimento devem operar ex tunc, estendendo-os ao passado de modo absoluto, anulando tudo o que se verificou sob o império da norma assim considerada, é impedir a segurança jurídica, a estabilidade do direito e sua própria finalidade.

Porém, em artigo publicado no Jornal Valor Econômico, Fábio Martins de Andrade manifestou o seguinte posicionamento:

[...] É inegável que o argumento consequencialista pode (e deve) ser levado em conta na tomada das decisões judiciais. A depender da área jurídica e das particularidades de cada situação submetida ao exame do Poder Judiciário – e do Supremo – diferentes graus de importância podem ser atribuídos a tais argumentos. De qualquer modo, sempre terão um peso menor e servirão para corroborar ou reforçar os argumentos jurídicos centrais sobre os quais o debate se alicerça. Sua possível aplicação deve ser cogitada somente em situações excepcionalíssimas, quando a atribuição do tradicional efeito "ex tunc" (efeito retroativo) à declaração de inconstitucionalidade conduz a uma situação ainda mais afastada da 'vontade constitucional' em razão do vácuo que pode ser criado em alguns casos.

Esses casos são situações específicas que evidenciam a necessidade de uma solução menos tradicional. Como exemplos, pensem na declaração de inconstitucionalidade de um dispositivo normativo (1) que criou mais cargos de vereadores do que deveria; (2) que criou certo município; (3) que nomeou um grupo de servidores públicos; (4) que aumentou o vencimento de uma categoria deles. Esses exemplos são rotineiramente examinados pelo Supremo. São casos delicados onde a aplicação pura e simples do efeito retroativo poderia gerar gravíssimas consequências, tanto do ponto de vista fático como também – e especialmente – jurídico. Para tais situações, a aplicação da modulação dos efeitos é plenamente viável, cabível e até recomendável. Observando essas e outras situações de diferentes áreas jurídicas, verificamos que a modulação dos efeitos pode ser salutar em alguns casos. Em outros não.

(…) O dilema com que se defrontou - e voltará a ser defrontar neste mês – a suprema corte é algo no qual deve participar toda a sociedade. Como já alertamos no passado, é hora de definir se a modulação temporal dos efeitos das decisões judiciais vai ser utilizada como um instrumento efetivo de proteção dos direitos dos fundamentais dos cidadãos ou se vai servir a interesses específicos, nem sempre de caráter republicano.

A Lei nº. 9.868/99 foi alvo da impetração das ADI's nº. 2154 e 2258, que aguardam julgamento pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal [11]. Ressalta-se que o Procurador-Geral da República opinou pela improcedência de ambas as ADI's. O Ministro Relator Sepúlveda Pertences votou pela procedência das mesmas, que por sua vez aguardam pedido de vista da Ministra Cármen Lúcia.

Em que pese tenham sido impetradas as ADI's 2154 e 2258, o Supremo Tribunal Federal ainda não se posicionou explicitamente acerca da inconstitucionalidade/constitucionalidade da norma infralegal atacada (artigo 27 da Lei 9.868/99, bem como de outros dispositivos deste diploma normativo). Ao contrário, a Excelsa Corte vem aplicando a modulação dos efeitos prevista no referido dispositivo normativo iterativamente em seus precedentes jurisprudenciais, o que sugere a perda de objeto da questão jurídica posta nas referidas ADI's.

Segundo disposição normativa da Lei nº. 9.868/99, a modulação dos efeitos das decisões será aplicada apenas em sede de controle concentrado, porém o Supremo Tribunal Federal também a utiliza em sede de controle difuso, até mesmo anteriormente à edição da referida legislação. No ano de 2000, quando do julgamento do RE 197.917, em que se discutiu o pedido de inconstitucionalidade da Lei editada pelo Município de Mira Estrela, que fixou o nº. de vereadores além do limite determinado pela Constituição Federal vigent, declarou a Suprema Corte a inconstitucionalidade da referida norma, porém, aplicando-se os efeitos pro futuro, tendo em vista prevalência do interesse público.

Naquela ocasião, considerou-se que a declaração de inconstitucionalidade da referida da norma com efeitos ex tunc geraria grave ameaça ao sistema legislativo vigente, visto que todos os efeitos da norma seriam reputados nulos. Confira-se:

Municípios. Câmara de vereadores. Composição. Autonomia municipal. Limites constitucionais. Número de vereadores proporcional à população. CF, artigo 29, lV. aplicação de critério aritmético rígido. Invocação dos princípios da isonomia e da razoabilidade. Incompatibilidade entre a população e o número de vereadores. Inconstitucionalidade, incidenter tantum, da norma municipal. Efeitos para o futuro. Situação excepcional. (...) Efeitos. Princípio da segurança jurídica. Situação excepcional em que a declaração de nulidade, com seus normais efeitos ex tunc, resultaria grave ameaça a todo o sistema legislativo vigente. Prevalência do interesse público para assegurar, em caráter de exceção, efeitos pro futuro à declaração incidental de inconstitucionalidade. (RE 197.917, Rel. Min. Maurício Corrêa,  julgamento em 6-6-02, DJ de 7-5-04)

No julgamento do RE 395.092-AgR, a Suprema Corte firmou entendimento acerca da aplicação da modulação no controle difuso de constitucionalidade, conforme transcrito abaixo:

(...) A declaração de inconstitucionalidade reveste-se, ordinariamente, de eficácia ex tunc (RTJ 146/461-462 - RTJ 164/506-509), retroagindo ao momento em que editado o ato estatal reconhecido inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. O Supremo Tribunal Federal tem reconhecido, excepcionalmente, a possibilidade de proceder à modulação ou limitação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, mesmo quando proferida, por esta Corte, em sede de controle difuso. Precedente: RE 197.917/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa (Pleno). Revela-se inaplicável, no entanto, a teoria da limitação temporal dos efeitos, se e quando o Supremo Tribunal Federal, ao julgar determinada causa, nesta formular juízo negativo de recepção, por entender que certa lei pré-constitucional mostra-se materialmente incompatível com normas constitucionais a ela supervenientes. A não-recepção de ato estatal pré-constitucional, por não implicar a declaração de sua inconstitucionalidade – mas o reconhecimento de sua pura e simples revogação (RTJ 143/355 – RTJ 145/339) –, descaracteriza um dos pressupostos indispensáveis à utilização da técnica da modulação temporal, que supõe, para incidir, dentre outros elementos, a necessária existência de um juízo de inconstitucionalidade (...). (RE 395.902-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Julgamento em 7-3-06, DJ 25-8-06). No mesmo sentido: AI 720.991, Rel. Min. Cármen Lúcia, decisão monocrática, julgamento em 19-5-09, DJE de 27-5-09; RE 438.025-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 7-3-06, DJ 25-08-06.  AI 421.354-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 7-3-06, DJ 15-9-06, AI 463.026-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 21-2-06, DJ 15-9-06.

Quando do julgamento da AC 189-MC-QO, o Supremo Tribunal novamente entendeu que a modulação dos efeitos aplica-se também ao controle difuso de constitucionalidade, conforme transcrito abaixo:

Embora a Lei n. 9.868, de 10 de novembro de 1999, tenha autorizado o Supremo Tribunal Federal a declarar a inconstitucionalidade com efeitos limitados, é lícito indagar sobre a admissibilidade do uso dessa técnica de decisão no âmbito do controle difuso. Ressalte-se que não se está a discutir a constitucionalidade do art. 27 da Lei n. 9.868, de 1999. Cuida-se aqui, tão-somente, de examinar a possibilidade de aplicação da orientação nele contida no controle incidental de constitucionalidade. (...) assinale-se que, antes do advento da Lei n. 9.868, de 1999, talvez fosse o STF, muito provavelmente, o único órgão importante de jurisdição constitucional a não fazer uso, de modo expresso, da limitação de efeitos na declaração de inconstitucionalidade. (...) No que interessa para a discussão da questão em apreço, ressalte-se que o modelo difuso não se mostra incompatível com a doutrina da limitação dos efeitos. (AC 189-MC-QO, voto do Min. Gilmar Mendes, julgamento em 9-6-04, DJ de 27-8-04)

Não obstante tenha o Supremo Tribunal Federal, conforme acima citado, se posicionado pela aplicação da modulação no controle difuso, quando do julgamento da AC189-MC-QO, a 2ª Turma do colendo Tribunal entendeu pela inaplicabilidade do instituto da mitigação dos efeitos ao julgar o RE 395.654-AgR, cujo excerto transcreve-se:

O Agravante alega que os efeitos da declaração de inconstitucionalidade da lei municipal somente poderiam operar-se ex nunc, em virtude de razões de segurança jurídica e de prevalência do interesse social. Todavia, este Supremo Tribunal decidiu que a norma apontada como de regência para a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade — art. 27 da Lei n. 9.868, de 10 de novembro de 1999 — não se aplica ao caso, pois se impõe no controle abstrato de constitucionalidade (RE 395.654-AgR, Rel. Min. Carlos Britto, Primeira Turma, DJ 3-3-2006; AI 428.886-AgR, Rel. Min. Eros Grau, Primeira Turma, DJ 25-2-2005; e RE 430.421-AgR, Rel. Min. Cezar Peluso, Primeira Turma, DJ 4-2-2005). (AI 666.455, Rel. Min. Cármen Lúcia, decisão monocrática, julgamento em 20-6-07, DJ de 8-8-07)

Destaca-se, ainda, que para o Supremo Tribunal Federal modular os efeitos de suas decisões, exige-se o quorum qualificado de 2/3 dos Ministros, conforme exigência de quorum qualificado previsto na Lei 9.868/99 [12].

Ressalte-se que a modulação dos efeitos também foi positivada na Lei 9.882, de 3 de dezembro de 1999, que dispõe acerca do processo e julgamento da argüição de descumprimento de preceito fundamental, no seu artigo 11, que assim dispõe:

Art. 11. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no processo de argüição de descumprimento de preceito fundamental, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de 2/3 (dois terços) de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seus trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado".

Portanto, com a edição das Leis nº. 9.868/99 e 9.882/99 houve a ampliação da possibilidade de o STF proceder à modulação de suas próprias decisões, relativizando, assim, a teoria da nulidade, quando por razões de segurança jurídica ou excepcional interesse social, no controle incidental ou concentrado de constitucionalidade.


6. Momento da modulação dos efeitos na declaração de inconstitucionalidade em abstrato

A modulação, seguindo disposições legais, deve ser realizada no julgamento em Plenário do mérito das ações abstratas de controle de constitucionalidade, afinal passam a irradiar seus efeitos a partir do momento da publicação da ata de julgamento.

Porém, por vezes o STF não se pronuncia sobre a modulação e o autor interessado no resultado da demanda, após o julgamento de ADI, opõe embargos de declaração para buscar a modulação, a pretexto de sanar omissão e obscuridade.

O Supremo Tribunal Federal, vindo a acolher os embargos para tal fim, pode transmudar o controle abstrato em controle concreto de constitucionalidade.

Esta situação ocorreu no julgamento da ADI 2791 [13], quando a Excelsa Corte declarou a inconstitucionalidade do §1° do art. 34 da Lei n° 12.398/98 do Estado do Paraná, em especial da expressão "bem como os não-remunerados". Em suma, discutiu-se acerca da inconstitucionalidade do referido dispositivo normativo que concedia aos serventuários da justiça paranaense aposentadoria em regime idêntico ao dos servidores públicos.

O Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do supracitado dispositivo normativo estadual, porém, em nada tratou acerca da modulação dos efeitos de sua decisão. Ou seja, estando silente a Suprema Corte quando da declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, em regra, os efeitos são ex tunc. Assim, os efeitos da decisão irão retroagir até o momento da formação da norma, fulminando todos os seus efeitos pretéritos.

Em seguida foram opostos pelo Governador do Estado do Paraná embargos de declaração na ADI 2791 [14] para que a Excelsa Corte modulasse os efeitos de sua decisão em sede de controle concentrado de constitucionalidade. Porém, entendeu a Suprema Corte no sentido de que se não houve na inicial da ação direta de inconstitucionalidade pedido de modulação dos efeitos da decisão, não há omissão na decisão, logo não há objeto a ser tratado nos embargos. Confira-se:

Embargos de declaração. Ação direta de inconstitucionalidade procedente. Inscrição na Paranaprevidência. Impossibilidade quantos aos serventuários da justiça não remunerados pelos cofres públicos. Modulação. Eficácia em relação às aposentadorias e pensões já asseguradas e aos serventuários que já preenchem os requisitos legais para os benefícios.

1.A ausência na ação direta de inconstitucionalidade, de pedido de restrição dos efeitos da declaração no tocante a determinados serventuários ou situações afasta, especificamente no caso presente, a apontada omissão sobre o ponto.

2.Embargos de declaração rejeitados, por maioria. (ADI/ED 2197, Rel. Originário Ministro Gilmar Mendes; Rel. para o acórdão Ministro Menezes Direito),

Portanto, o Supremo Tribunal Federal assentou entendimento no sentido que, não havendo pedido de modulação na peça inicial de ação direta de inconstitucionalidade, não cabe modular sob o argumento de haver o Tribunal sido omisso quanto à modulação dos efeitos.

Em sentido contrário se manifestou o Ministro Gilmar Mendes acompanhado dos Ministros Eros Grau, Cezar Peluzo e Ellen Grace, quando do julgamento dos embargos de declaração na referida ADI, apresentando o seguinte posicionamento:

Caso se entenda que o fundamento para a limitação dos efeitos é de índole constitucional e que, presentes os requisitos para a declaração de inconstitucionalidade com efeitos restritos, não poderá o Tribunal fazê-lo com eficácia "ex tunc", afigura-se inevitável o acolhimento dos embargos de declaração nas hipóteses em que de fato se configura uma omissão do Tribunal na apreciação dessas circunstâncias.

[...]

Assim, nas hipóteses em que se reconheça que a declaração de inconstitucionalidade com efeitos limitados ou restritivos seria uma imposição da própria Constituição, não se atribuiria valor definitivo a uma eventual omissão por parte do Tribunal. Daí a possibilidade, em tese, de que se reconheça a omissão no âmbito nos embargos de declaração para os fins de explicitar a necessária limitação de efeitos da decisão de inconstitucionalidade. (grifo original, ADIED 2791, Relator Originário Ministro Gilmar Mendes; Relator do Acórdão Ministro Menezes Direito)

Ressalte-se, ainda, que o instituto previsto no art. 27 da Lei 9.868/99, apenas previu modular as decisões por razões de segurança jurídica e relevante interesse social. O que se observa atualmente é o crescente aumento de embargos de declaração opostos contra decisão em sede de ação direta de inconstitucionalidade, cujo objeto consiste unicamente no pedido de modulação dos efeitos sob o pretexto de que a Suprema Corte foi omissa no sentido de não modular no momento oportuno. Dessa forma, procura-se retirar o caráter abstrato da decisão em sede de ADI para acomodar situações concretas com o exame de peculiaridades e situações subjetivas excepcionais, que devem encontrar, nas ações individuais, tutela de eventual direito.


7. Conclusão

O reconhecimento implícito da constitucionalidade do art. 27 da Lei 9.868/99, que previu a possibilidade de restrição dos efeitos da nulidade da lei inconstitucional, impediu debate amplo da questão. Afinal, a dualidade de sistemas de controle de constitucionalidade no Brasil – o concentrado e o difuso, que conserva poder aos juízes de afastar a aplicação de leis incompatíveis com a Constituição Federal e com as Constituições Estaduais – não torna tão explícito o poder de o STF de flexibilizar, em abstrato, o postulado da nulidade da lei inconstitucional, consagrado há mais de um século no Brasil.

O fato de o Supremo Tribunal Federal, diante de casos especiais, antes mesmo de edição da Lei 9.868/99, ter reconhecido a impossibilidade de retroação máxima dos efeitos da inconstitucionalidade, em razão do evidente choque com princípios de estatura constitucional, como a coisa julgada, o direito adquirido ou até mesmo a boa-fé, não é suficiente para legitimar norma legal que lhe confere amplos poderes para ponderação de situações concretas que podem se identificar com interesses de governo ou de classes e até mesmo de pessoas.

Nada obstante, o tema é rico e comporta múltiplas facetas, ainda a serem exploradas. Na medida em que o STF for aplicando o art. 27 da Lei 9.868/99 ou o art. 11 da Lei 9.882/99, de igual conteúdo, formar-se-á uma pauta de valoração acerca das razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social a justificar a restrição dos efeitos, a qual poderá ser criticada e, assim, poderão os juristas confirmar ou rejeitar a justiciabilidade das modulações operadas pelo Supremo Tribunal Federal.


Referências

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MARINONI, Luis Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. 816p.

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NERY FERRARI, Regina Maria Macedo. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 539p.

TALAMINI, Eduardo. Coisa julgada e sua revisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. 702p.

VELOSO, Zeno. Controle jurisdicional de constitucionalidade. Belo Horizonte: Del Rey, 1999.

WEFFORT, Francisco C (Organizador). Os clássicos da política – volume 1. 13. ed. São Paulo: Ática, 2004.

Controle de constitucionalidade - "Conceito, sistemas e efeitos". 2ª Revista, ampliada e atualizada de acordo com as Leis 9.868 e 9.882/99. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

Artigos-Periódicos

ANDRADE, Fábio Martins de. A ADC 18, a modulação e o dilema do STF. Jornal Valor Econômico. Data 10.08.2009. p. E2.

Legislação

BRASIL. Lei 9.868, de 10 de novembro de 1999. Publicada no DOU de 11.11.1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal.

BRASIL. Lei 9.882, de 3 de dezembro de 1999. Publicada no DOU de 6.12.1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da argüição de descumprimento de preceito fundamental, nos termos do § 1° do artigo 102 da Constituição Federal.


Notas

  1. WEFFORT, Francisco C (Organizador). Os clássicos da política – volume 1. 13. ed. São Paulo: Ática, 200. p.p. 276.
  2. FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p.p 269.
  3. BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.p 15.
  4. O reconhecimento da inconstitucionalidade gradual da lei pode ser observado no recente julgado proferido pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF 130/DF, cujo Ministro Relator Carlos Ayres Brito voltou pela não-recepção da Lei nº 5.250/67 (Lei de Imprensa), tendo em vista que a mesma se tornou incompatível com a Constituição Republicana de 1988. A decisão, contudo, demonstra que o juízo de não-recepção só veio a lume 20 anos depois de promulgada a CFBR/88, período durante o qual o próprio STF reconheceu sua eficácia e aplicabilidade em muitos casos correntes.
  5. Cinqüenta Anos de Jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão. Trad. Jurgen Schwabe e outros autores, Alemão, Ed. Konrad Adenauer Stiftung, Montevideo, 2005, p. 153-154. "A grande importância que a lei do imposto sobre vendas tem para a receita da União, mas também os custos das empresas e a formação geral dos preços, não permite no momento, porém, que toda a lei seja declarada nula, porque (somente) grupos especiais, mesmo que não insignificantes, são tratados desigualmente em relação a outros grupos muito mais numerosos. A declaração de nulidade da lei seria possível, talvez, em caso simples. No caso em pauta, chegar-se-ia a um resultado insuportável, vez em que a validade da lei seria negado em âmbito desproporcionalmente maior àquele atingido pela questão a ser decidida aqui (...). Asseverou, ainda, que "tanto menos se trata de declarar nula a lei apenas no âmbito restrito no qual tem relevância a carga desigual aqui tratada. Uma restrição da nulidade seria possível apenas teoricamente. Na prática, nesse objeto tributário abrangente não se encontra uma formulação que delimitasse de forma justificável a parte nula da válida. (...) Se a lei do imposto sobre vendas mantiver sua atual forma incompleta, estando o faturamento externo de empresas de uma faixa e de várias faixas equiparado de forma inflexível, sua validade deve ser limitada no tempo".
  6. RE 147.776, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, DJU 19.06.1998.
  7. Ao julgar a ADIn 939, na qual se discutiu acerca do IPMF, cujo relator Ministro Sidney Sanches, decidiu pela declaração de inconstitucionalidade da norma atacada, porém, aplicando-se o método da "interpretação sem redução de texto", cujo excerto transcreve-se: "Imposto Provisório sobre a Movimentação ou a Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira – I.P.M.F.
  8. Artigos 5º, § 2º, 60, § 4º, incisos I e IV, 150, incisos III, "b", e VI, "a", "b", "c" e "d", da Constituição Federal.

    Uma Emenda Constitucional, emanada, portanto, de Constituinte derivada, incidindo em violação à Constituição originária, pode ser declarada inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precípua é de guarda da Constituição (art. 102, I, "a", da C.F.).

    (...)

    Em conseqüência, é inconstitucional, também, a Lei Complementar nº 77, de 13.07.1993, sem redução de texto, nos ponto em que determinou a incidência do tributo do mesmo ano (art. 28) e deixou de reconhecer as imunidades previstas no art. 150, VI, "a", "b", "c" e "d"da C.F. (arts. 3º, 4º e 5º do mesmo diploma, L.C. nº 77/93).

  9. TALAMINI, Eduardo. Coisa julgada e sua revisão. São Paulo: RT, 2009. p.p. 435.
  10. idem, p.p. 439.
  11. BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2004. p.p. 24-25.
  12. As ADI's 2154 e 2258 foram impetradas pela Confederação Nacional das Profissões Liberais – CNLP e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, respectivamente, cujo pedido principal consiste na declaração de inconstitucionalidade dos artigos 17, 18, §§ 1º e 2º, 21, 26 e 27 da Lei 9.868/99, porém, na sessão plenária de 14/02/2007 o e. Tribunal decidiu, por unanimidade, rejeitar, preliminarmente, a ilegitimidade ativa da autora das referidas ADI's. Após o voto do Senhor Ministro Sepúlveda Pertence (Relator), rejeitando a argüição de inconstitucionalidade por omissão, relativamente aos artigos 17 e 18, §§ 1º e 2º, da Lei n. 9.868/99, pediu vista a Senhora Ministra Carmén Lúcia. O Tribunal, por unanimidade, também rejeitou a impugnação de inconstitucionalidade da expressão "salvo expressa manifestação em sentido contrário", contida na parte final do § 2º do artigo 11, e do artigo 21, vencido, em ambos, o Senhor Ministro Marco Aurélio. Em seguida, relativamente ao artigo 27, o julgamento foi suspenso por falta de quorum, ante as ausências ocasionais da Senhora Ministra Ellen Gracie (Presidente) e Carlos Britto. Impedido o Senhor Ministro Gilmar Mendes.
  13. A atribuição de efeitos prospectivos à declaração de inconstitucionalidade, dado o seu caráter excepcional, somente tem cabimento quando o tribunal manifesta-se expressamente sobre o tema, observando-se a exigência de quorum qualificado previsto em lei. (AI 457.766-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 3-4-07, DJ de 11-5-07)
  14. ADI 2791, Plenário, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 23.08.2006.
  15. ADI 2791 ED/PR, Rel. orig. Min. Gilmar Mendes, Rel. p/ o acórdão Min. Menezes Direito, 22.4.2009. (ADI-2791).

Autor

  • Darlison Gomes de Lima

    Graduado em Direito pelo Centro Universitário - IESB. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes. Autor do artigo "Modulação dos efeitos das decisões do STF no controle de constitucionalidade". Servo do Deus Altíssimo.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Darlison Gomes de. Modulação dos efeitos das decisões do STF no controle de constitucionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2763, 24 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18333. Acesso em: 19 abr. 2024.