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Jurisdição constitucional

controle de constitucionalidade e writs constitucionais

Jurisdição constitucional: controle de constitucionalidade e writs constitucionais

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Sumário:Introdução. 1.jurisdição constitucional. 1.1. Inconstitucionalidade x não recepção. 1.2. Controle de constitucionalidade no brasil. 1.2.1. Vias de defesa e de ação. 1.2.2. A ação de descumprimento de preceito fundamental. 1.2.3 - a questão da coisa julgada inconstitucional. 2. Writs constitucionais. 2.1. Remédios constitucionais individuais. 2.1.1. Habeas corpus. 2.1.2. Mandado de segurança. 2.1.3. Mandado de injunção. 2.1.3.1. Mandado de injunção x inconstitucionalidade por omissão. 2.1.4. Ação popular. 2.1.5. Habeas data. 2.2. Remédios constitucionais coletivos. 2.2.1. Mandado de segurança coletivo. 2.2.2. Ação civil pública. Conclusão. Bibliografia


INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo traçar linhas fundamentais acerca do tema: Jurisdição Constitucional: Controle de Constitucionalidade e Writs Constitucionais.

Longe da intenção de esgotar o assunto, que é por demasiado longo, buscamos extrair o cerne da questão através de uma análise lógica e objetiva na legislação, na doutrina e na jurisprudência.

Inicialmente, propomo-nos a discorrer sobre a Jurisdição Constitucional que constitui um instrumento de defesa da Constituição, não da Constituição considerada como um puro nome, mas da Constituição tida como expressão de valores sociais e políticos.

Em seguida, analisaremos os WRITS Constitucionais que são garantias constitucionais na medida em que são instrumentos destinados a assegurar o gozo de direitos violados ou em vias de ser violados ou simplesmente não atendidos.

Vale lembrar que esses remédios não deixam também de exercer um papel limitativo da atuação do Poder Público, quer porque, em existindo, este se comporta de maneira a evitar sofrer-lhe a impugnação, quer porque o exercício desses direitos – remédios pelos titulares dos direitos ou interesses violados ou ameaçados ou não satisfeitos, nos termos da Constituição importa em impor correção a seus atos e atividades, o que é um modo de limitar. São, pois, espécies de garantias, que, pelo seu caráter específico e por sua função saneadora, recebem o nome de remédios, e remédios constitucionais, porque consagrados na Constituição.


1 – JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL:

A Jurisdição Constitucional surgiu historicamente como instrumento de defesa da Constituição, considerada como expressão de valores sociais e políticos.

Dos tipos de ataques que a Constituição pode sofrer, existem dois sistemas de defesa da Constituição: O norte-americano e o europeu.

O norte-americano gerou um sistema de critério difuso, de natureza técnico-jurídica, a ponto de afirmar-se que não se caracteriza verdadeiramente como uma forma de jurisdição constitucional, não tanto por ter sido entregue o controle de constitucionalidade à jurisdição ordinária, mas pelo fato de que a jurisdição ordinária não aprecia a Constituição em função de seus valores políticos, não se configurando como guardiã dos valores constitucionais, por ter como objetivo principal a decisão do caso concreto.

O sistema europeu desenvolveu-se como resposta aos ataques político e ideológico à Constituição. O sistema de defesa não poderia ser senão de natureza política e ideológica. A evolução chegou à institucionalização das Cortes Constitucionais, a partir de 1920, como os únicos tribunais competentes para solucionar conflitos constitucionais, fundado no controle concentrado.

O Brasil seguiu o sistema norte-americano, evoluindo para um sistema misto e peculiar que combina o critério de controle difuso por via de defesa com o critério de controle concentrado por via de ação direta de inconstitucionalidade, incorporando, timidamente, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão.

Novidade está em ter a Constituição de 1988 reduzido a competência do Supremo Tribunal Federal à matéria constitucional. Não significa que tornou o Supremo a Corte Constitucional do Brasil, uma vez que não é o único órgão jurisdicional competente para o exercício da jurisdição constitucional, já que o sistema perdura emanado no critério difuso, que autoriza qualquer tribunal e juiz a conhecer da prejudicial de inconstitucionalidade, por via de exceção. É certo que o art. 102, CRFB diz que a ele compete, precipuamente, a guarda da constituição. Mas não será fácil conciliar uma função típica de guarda de valores constitucionais com sua função de julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando ocorrer uma das questões constitucionais enumeradas nas alíneas do inc. III do art. 102, que o mantém como Tribunal de julgamento do caso concreto que sempre conduz à preferência pela decisão da lide, e não pelos valores da Constituição. Reduzir a competência do STF à matéria constitucional não constitui mudança alguma no sistema de controle de constitucionalidade no Brasil.

1.1.– INCONSTITUCIONALIDADE X NÃO RECEPÇÃO

Uma Constituição nova instaura um novo ordenamento jurídico. Observa-se, porém, que a legislação ordinária comum continua a ser aplicada, como se nenhuma transformação houvesse, com exceção das leis contrárias à nova Constituição. Costuma-se dizer que as leis anteriores continuam válidas ou em vigor.

As normas de direito encontram-se sempre seu fundamento em outras normas jurídicas. Encadeiam-se de tal sorte a dar origem a um complexo sistema normativo, fora do qual não podemos imaginar nenhuma regra de direito: ou bem ela se coloca dentro do sistema, dele passando a retirar sua força obrigatória, ou permanece fora do referido sistema, caso em que deixa de existir como regra de direito.

Todas as leis ordinárias e demais normas infra-constitucionais derivam a sua validade na própria Constituição. "O fundamento de validade de uma norma apenas pode ser a validade de uma outra norma" (Teoria Pura do Direito – Hans Kelsen). Com o surgimento de nova ordem constitucional, as leis ordinárias perdem o suporte de validade que lhes dava a Constituição anterior ao mesmo tempo que recebem novo suporte, expresso ou tácito, na Constituição nova. Este é o fenômeno da recepção. Trata-se de um processo abreviado de criação de normas jurídicas, pelo qual a nova Constituição adota as leis já existentes, com elas compatíveis, dando-lhes validade.

Em sendo incompatível com a nova ordem constitucional, ocorre o fenômeno da não recepção, cessando a sua eficácia, uma vez que incompatível com seu fundamento de validade.

Já a inconstitucionalidade particulariza-se por ocorrer na espécie um conflito com a própria norma constitucional. A inconstitucionalidade de uma lei é, pois, a circunstância de uma determinada norma, posterior à Constituição, infringir a Constituição, quer quanto ao processo a ser seguido pela elaboração legislativa, quer pelo fato de, embora tendo a norma respeitado a forma de criação da lei, desrespeitar a Constituição quanto ao conteúdo adotado.

1.2– O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL

À vista da Constituição vigente o controle de constitucionalidade é o jurisdicional, combinando os critérios difuso e concentrado, este de competência do Supremo Tribunal Federal, existindo a inconstitucionalidade por ação ou por omissão.

Dessa forma, temos o exercício do controle por via de exceção e por via de ação direita de inconstitucionalidade e ainda a referida ação declaratória de constitucionalidade. No controle por exceção, qualquer interessado poderá suscitar a questão da inconstitucionalidade, em qualquer processo, seja de que natureza for, qualquer que seja o juízo. Já a Ação Direta de Inconstitucionalidade compreende três modalidades: A) Interventiva, que pode ser federal por proposta exclusiva do Procurador-Geral da República e de competência do Supremo Tribunal Federal (arts. 36, III, 102, I, a, e 129, IV), ou estadual proposta pelo Procurador-Geral de Justiça do Estado (arts. 36, IV, e 129, IV); interventivas, porque destinadas a promover a intervenção federal em Estado ou do Estado em Município, conforme o caso; B) genérica: B.1) de competência do STF, destinada a obter a declaração de inconstitucionalidade, em tese, de lei ou ato normativo federal ou estadual, sem outro objetivo senão o de expurgar da ordem jurídica a incompatibilidade vertical; é ação que visa exclusivamente a defesa do princípio da supremacia da Constituição (arts. 102, I, a., e 103, incisos e § 3º); B.2) de competência do Tribunal de Justiça em cada Estado, visando a declaração de inconstitucionalidade, em tese, de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual (art. 125, § 2º); C) supridora de omissão: C.1) do Legislador, que deixe de criar lei necessária à eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais, especialmente nos casos em que a lei é requerida pela Constituição; C.2) do Administrador, que não adote as providências necessárias para tornar efetiva a norma constitucional (art. 103, § 2º).

1.2.1– VIAS DE DEFESA E DE AÇÃO

O traço diferencial de uma ou outra das vias de provocação da atividade jurisdicional reside no fato de pela via de exceção (defesa) pretender apenas o interessado ser subtraído da incidência da norma viciada, ou do ato inconstitucional. É certo que, para desobrigar aquele que invocou o supremo vício jurídico, deverão os juizes e tribunais, a que couber o julgamento do feito, pronunciar-se sobre a alegada inconstitucionalidade. Essa pronúncia não é feita enquanto manifestação sobre o objeto principal da lide, mas sim sobre questão prévia, indispensável ao julgamento do mérito. Na via de exceção, o que é outorgado ao interessado é obter a declaração de inconstitucionalidade somente para efeito de eximi-lo do cumprimento da lei ou ato, produzidos em desacordo com a Lei Maior. Entretanto, esse ato ou lei permanecem válidos no que se refere à sua força obrigatória com relação a terceiros.

A via de ação tem por condão expelir do sistema a lei ou ato inconstitucionais, é voltada, exclusivamente, para o bom funcionamento da mecânica constitucional. A via de defesa ou de exceção limita-se a subtrair alguém aos efeitos de uma lei ou ato com o mesmo vício, é instrumento de garantia de direitos subjetivos.

1.2.2– AÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL.

Uma das idéias mais defendidas pelos autores brasileiros de Direito Constitucional, desde a segunda metade da última década, tem sido a criação de um equivalente do "Incidente de Inconstitucionalidade" (do direito Alemão) no sistema jurídico brasileiro.

O ponto central da proposta foi a criação de um mecanismo processual que permita ao Supremo Tribunal Federal decidir de imediato uma questão constitucional suscitada em qualquer instância judicial, de modo que todos os processos que tratarem da matéria sejam suspensos até a decisão definitiva pela Corte Máxima.

No ordenamento pátrio, a argüição de descumprimento de preceito fundamental é novidade instituída pelo §1º do art. 102 da CF/88, alvo de recente regulamentação pela Lei 9.882, de 03/12/99.

É instituto bivalente, situado na esfera da competência constitucional do STF, ora revestindo-se de caráter processual autônomo, funcionando como verdadeira ação sumária (argüição autônoma) tendo por objeto "evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público" (caput do art. 1º da Lei 9.882/99), ora eqüivalendo-se a um incidente processual de inconstitucionalidade (argüição incidental), cabível "quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição" (art. 1º, par. único, inciso I, da Lei 9.882/99).

Ademais, preceitua a Lei 9.882/99 que a decisão final da argüição terá eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público (Lei 9.882/99, art. 10, §3º).

Principalmente em razão dos efeitos abstratos de sua decisão, a argüição de descumprimento de preceito fundamental em muito se assemelha aos institutos processuais do controle concentrado de constitucionalidade, razão pela qual o Presidente da República, em suas razões de veto ao inciso II do art. 2º da Lei 9.882/99, chegou a afirmar que essa seria a "modalidade em que se insere o instituto regulado pelo projeto de lei sob exame." (Mensagem nº 1.807, de 03/12/99)

A curiosidade está em que o legislador, a exemplo do que acontece nos países da Europa continental, consagrou uma espécie nova de controle concentrado, extraído a partir da existência de relevante controvérsia constitucional suscitada na sede do controle difuso.

A argüição incidental de descumprimento de preceito fundamental completa o intricado sistema nacional de controle abstrato de constitucionalidade, permitindo ao STF seu exercício mesmo em relação às normas municipais, o que viabiliza a efetiva garantia de supremacia da Constituição Federal, aliada à rápida uniformização de sua interpretação.

A Lei 9.882/99 autoriza, outrossim, a utilização da argüição incidental no controle de constitucionalidade das normas editadas sob o regime constitucional anterior e, apesar de não estar explicitamente prevista esta possibilidade, pode-se, perfeitamente, sustentar seu cabimento em relação a preceito contido em redação anterior de norma reformada da atual Constituição.

Isso porque o cabimento do novel instituto processual constitucional contenta-se com a relevância do "fundamento da controvérsia constitucional", aí incluídas as discussões envolvendo atos anteriores à Constituição vigente, o que abrange, pois, a argüição referente ao descumprimento do texto anterior de artigo constitucional emendado. De efeito, a intenção do legislador foi a de alargar ao máximo a possibilidade dessa forma de controle de constitucionalidade, de modo a englobar as impugnações excluídas da esfera do controle abstrato pela via direta. Por conseguinte, a expressão "incluídos os anteriores à Constituição" permite a interpretação extensiva.

O novo instituto, sem dúvida, introduz profundas alterações no sistema brasileiro de controle de constitucionalidade.

Em primeiro lugar, porque permite a antecipação de decisões sobre controvérsias constitucionais relevantes, evitando que elas venham a ter um desfecho definitivo após longos anos, quando muitas situações já se consolidaram ao arrepio da "interpretação autêntica" do Supremo Tribunal Federal.

Em segundo lugar, porque poderá ser utilizado para - de forma definitiva e com eficácia geral - solver controvérsia relevante sobre a legitimidade do direito ordinário pré-constitucional em face da nova Constituição que, até o momento, somente poderia ser veiculada mediante a utilização do recurso extraordinário.

Em terceiro, porque as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nesses processos, haja vista a eficácia erga omnes e o efeito vinculante, fornecerão a diretriz segura para o juízo sobre a legitimidade ou a ilegitimidade de atos de teor idêntico, editados pelas diversas entidades municipais. A solução oferecida pela nova lei é superior a uma outra alternativa oferecida, que consistiria no reconhecimento da competência dos Tribunais de Justiça para apreciar, em ação direta de inconstitucionalidade, a legitimidade de leis ou atos normativos municipais em face da Constituição Federal. Além de ensejar múltiplas e variadas interpretações, essa solução acabaria por agravar a crise do Supremo Tribunal Federal, com a multiplicação de recursos extraordinários interpostos contra as decisões proferidas pelas diferentes Cortes estaduais.

O bom observador poderá perceber que o novo instituto contém um enorme potencial de aperfeiçoamento do sistema pátrio de controle de constitucionalidade.

1.2.3 – A QUESTÃO DA COISA JULGADA INCOSTITUCIONAL

"Contra a Constituição nada prospera, tudo fenece"

– Pontes de Miranda.

A partir da proposição acima, tentaremos abordar a questão da coisa julgada inconstitucional.

Como sucede com os outros órgãos do poder público, também os tribunais podem desenvolver uma atividade geradora de situações patológicas, proferindo decisões que não executem a lei, desrespeitem os direitos individuais ou cujo conteúdo vá ao ponto de violar a Constituição.

Existiria um mecanismo de controle de constitucionalidade da coisa julgada ou esta é isenta de fiscalização?

Depara-se, aqui, com o eterno conflito do Direito quanto a sua preocupação com a segurança e certeza ao mesmo tempo que persegue a justiça. Entretanto, admitir a insindicabilidade de decisões judiciais inconstitucionais seria conferir aos tribunais um poder absoluto e exclusivo de definir o sentido normativo da Constituição: Constituição não seria o texto formalmente qualificado como tal; Constituição seria o direito aplicado nos tribunais, segundo resultasse da decisão definitiva irrecorrível., o que não se adequa às noções do Estado de Direito.

Segundo lição de Jorge Miranda, "constitucionalidade e inconstitucionalidade designam conceitos de relação: a relação que se estabelece entre uma coisa – a Constituição – e outra coisa – uma norma ou um ato – que lhe está ou não conforme, que com ela é ou não compatível".

A Constituição é dotada de características particulares de cunho ético-jurídico e que expressam a vontade soberana de uma nação. Exatamente por isso se diz ser a conformidade de uma norma ou ato com a Constituição condição para a sua validade e eficácia.

A coisa julgada não pode suplantar a lei, em tema de inconstitucionalidade, sob pena de transformá-la em um instituto mais elevado e importante que a lei e a própria Constituição. Se a lei não é imune, qualquer que seja o tempo decorrido desde sua entrada em vigor, aos efeitos negativos da inconstitucionalidade, por que o seria a coisa julgada?

O tratamento dado pela Lei Maior á coisa julgada não tem o alcance que muitos intérpretes lhe dão. A intangibilidade da coisa julgada, no sistema jurídico brasileiro, não tem sede constitucional, mas resulta, antes, de norma contida no Código de Processo Civil (art. 457), pelo que de modo algum pode estar imune ao princípio da constitucionalidade, hierarquicamente superior.

O Princípio da Constitucionalidade é informativo da validade de todos os atos emanados do Poder Público, em qualquer de suas esferas. De modo que aqueles atos desconformes à Constituição são dotados de um valor negativo derivado de sua inconstitucionalidade: a nulidade.

A inferioridade hierárquica do princípio da intangibilidade da coisa julgada, que é uma noção processual e não constitucional, traz como consectário a idéia de submissão ao princípio da constitucionalidade. A coisa julgada será intangível enquanto tal apenas quando conforme a Constituição. E desconforme, estar-se-á diante do que a doutrina vem denominando coisa julgada inconstitucional.

A segurança e a certeza jurídica apenas são passíveis de salvaguardar ou validar efeitos de atos desconformes com a Constituição quando o próprio texto constitucional admite. Fora de tais situações, os valores da segurança e da certeza não possuem força constitucional autônoma para fundamentarem a validade geral de efeitos de atos inconstitucionais.

O Min. José Delgado, do STF, em momento de grande felicidade, afirmou: "... não posso conceber o reconhecimento da força absoluta da coisa julgada quando ela atenta contra a moralidade, contra a legalidade, contra os princípios maiores da Constituição Federal e contra a realidade imposta pela natureza".

É principio geral que as normas inconstitucionais nunca se consolidam na ordem jurídica, podendo a todo momento ser destituídas judicialmente. A decisão judicial transitada em julgado desconforme a Constituição padece do vício da inconstitucionalidade que, nos mais diversos ordenamentos jurídicos, lhe impõe a nulidade. Ou seja, a coisa julgada inconstitucional é nula e, como tal, não se sujeita a prazos prescricionais ou decadenciais. Se pode o juiz, de oficio, conhecer da nulidade absoluta, nos termos do art. 146 do Código Civil, por maior razão deverá pronunciar a incompatibilidade do ato com a Constituição.

À parte prejudicada pela nulidade absoluta, ipso iure, não poderá a Justiça negar o acesso à respectiva declaração de invalidade do julgado.

A coisa julgada não pode servir de empecilho ao reconhecimento da invalidade da sentença dada em contrariedade à Constituição Federal.


2 – WRITS CONSTITUCIONAIS

2.1 – REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS INDIVIDUAIS

Os direitos individuais tornar-se-iam letra morta não fossem acompanhados de ações judiciais que pudessem conferir-lhes uma eficácia compatível com a própria relevância dos direitos assegurados. Assim, é que tais garantias, como se denominam tais ações, tem surgido simultaneamente com a aparição dos próprios direitos fundamentais.

O perfil Constitucional destas ações, conhecidas por garantias constitucionais, nada obstante também se constituírem em direitos, são direitos de ordem processual, são direitos de ingressar em juízo para obter uma medida judicial com uma força específica ou com uma celeridade não encontrável nas ações ordinárias.

2.1.1 – HABEAS CORPUS

O habeas corpus é inegavelmente a mais destacada entre as medidas destinadas a garantir a liberdade pessoal.

Protege esta no que ela tem de preliminar ao exercício de todos os demais direitos e liberdades. Defende-se na sua manifestação física, no direito de o indivíduo não poder sofrer constrição na sua liberdade de locomover-se em razão de violência ou coação ilegal.

Nascido no Direito Inglês, ele de lá se irradia para o mundo. Inicialmente levado pelos colonizadores da América do Norte e depois pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

Existem duas modalidades desta ação: o habeas corpus denominado preventivo, a ser feito valer antes da perpetração da violência ou da coação, com o objetivo de impedi-la e o habeas corpus suspensivo, a ser utilizado pelo indivíduo quando já consumadas a violência ou a coação. Nesta hipótese, o objetivo da medida é liberar o paciente.

O Texto Constitucional não especifica quem pode requerer o habeas corpus. Assim sendo, a legislação infraconstitucional deu plenitude quase absoluta ao tema. Diz o art. 654 do Código de Processo Penal que:

"O habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público".

Em conseqüência, pode requerer a medida o próprio paciente ou qualquer pessoa mesmo destituída de capacidade postulatória. Não importa se nacional ou estrangeira, física ou jurídica, em nome próprio ou no de outrem, qualquer um pode impetrar a ordem de habeas corpus. Registra-se ligeira tergiversação quanto à capacidade postulatória do postulante. Uns a exigem outros a dispensam.

O habeas corpus é voltado contra os atos de autoridade. Quando as pessoas privadas constrangem outrem ou mesmo detêm em recinto fechado, estão incursas em modalidade criminosa (cárcere privado).

O habeas corpus protege a liberdade, mas desde que cerceada por ato de ilegalidade ou abuso de poder. A primeira condição do habeas corpus é a existência de ato lesivo ou de sua ameaça à liberdade de locomoção. Mas esta lesão deverá assumir as funções de violência ou coação ilegal.

Coação, definiu Celso Ribeiro Bastos, é a pressão empregada em condições de eficácia contra a liberdade no exercício de um direito, qualquer que seja este. E violência é o uso de força material ou oficial debaixo de qualquer das suas formas, em grau eficiente para evitar, contrariar ou dominar o exercício de um direito. Em última análise, na lição de Antonio Macedo de Campos, a violência seria a ‘vis compulsiva’ a força física e a coação a ‘vis moralis’. Para efeito de ordem prática força física seria todo o ato exercido materialmente sobre alguém. E a força física moral, consistiria na supressão do livre-arbítrio.

Não é toda violência ou coação que faz emergir o direito ao habeas corpus. Mesmo porque, é próprio do Estado utilizar a violência e a coação como meios assecuratórios da ordem jurídica. O que não se admite é a ilegalidade e abuso de poder na utilização da violência ou coação.

A constituição fala em abuso de poder, além de ilegalidade. Não há dúvida de que o abuso de poder é sempre ilegal. O inverso, contudo, não é verdadeiro. O Texto Constitucional quis cercar bem a ilegalidade, referindo-se não só à forma em que ela traduz numa violação de um dispositivo legal como também àquelas hipóteses mais fluidas e escorregadias em que não há uma agressão frontal à letra da norma legal. A ofensa é perpetuada contra a sua finalidade. É o que se denomina de desvio de finalidade. O ato é praticado com todas as aparências de legalidade mas, na verdade, esconde um vício recôndito, qual seja o de procurar atingir um fim diverso do previsto na lei.

2.1.2 – MANDADO DE SEGURANÇA

O mandado de segurança constitui uma forma judicial dos direitos subjetivos, ameaçados ou violados, seja qual for a autoridade responsável.

Esta recorribilidade do indivíduo a um órgão do Estado, a fim de coibir o abuso e a ilegalidade de outros representantes do próprio governo, só se tornou possível mediante a adoção da técnica da separação das funções estatais, preconizada preeminentemente por Montesquieu.

Na realidade, é sabido que o poder é um só. Contudo, as suas emanações ou funções podem ser agrupadas em razão de traços comuns que apresentem e a sua titularidade atribuída a órgãos distintos que, no limite de sua própria competência, se tornam independentes e autônomos.

A Tripartição dos Poderes foi fórmula encontrada para conter o poder pelo próprio poder. As declarações de direitos, por sua vez, traçaram o âmbito de proteção jurídica a ser deferida a todo cidadão, contra as intromissões do Estado. Contudo, faltava ainda assegurar a efetiva obediência àqueles direitos solene e formalmente reconhecidos. Nesse plano se situam, principalmente, o habeas corpus e o mandado de segurança.

A proteção dada pelo mandado de segurança não é extensível a todo e qualquer direito. Requer-se que ele seja "certo e incontestável" ou, em linguagem mais atual "líquido e certo". Deve-se verificar que a certeza e a liquidez do direito não é condição para o deferimento ou concessão da segurança, mas, mais especificamente, para a admissibilidade do seu conhecimento. Pode dar-se que o direito seja líquido e certo para o efeito de justificar o adentramento pelo juiz do mérito do feito, uma vez que já se encontra convencido do suporte fático em que se arrima o autor, sem que, contudo, seja aquele subsumível à norma jurídica invocada, do que deverá resultar, é óbvio, o indeferimento da medida.

O mandado de segurança não ampara mera expectativa de direito. Segundo o Min. Sálvio de Figueiredo, "direito líquido e certo, para fins de mandado de segurança, pressupõe a demonstração de plano do alegado e a inexistência de incerteza a respeito dos fatos" (Rec. Especial nº 10.168-0, publicado no DJU de 20 de abril de 1992, p. 5256). Deve se constatar o direito como efetivamente existente.

Na ausência de direito líquido e certo, configura-se hipótese de carência de ação, quer denegando o writ, quer extinguindo o processo sem julgamento do mérito, mas de qualquer forma, sem a possibilidade de se conceder a segurança.

O mandado de segurança é remédio constitucional destinado à proteção de direito líquido e certo do impetrante contra ato ilegal ou praticado com abuso de poder pela autoridade apontada como coatora. Não se presta à defesa de direitos que demandem produção de prova, vale dizer, que não possam ser demonstrados de imediato.

Em síntese, direito líquido e certo é direito comprovado no momento da impetração.

O mandado de segurança não comporta dilação probatória, por isso, todas as provas tendentes a demonstrar a liquidez e certeza do direito devem acompanhar a inicial. Caso o documento necessário à prova do alegado se encontre em repartição ou estabelecimento público que recuse fornecê-lo por certidão, o juiz ordenará, preliminarmente, por ofício, a exibição. Em se tratando de recusa da autoridade coatora, a determinação judicial será feita no próprio instrumento de notificação.

A medida liminar é uma providência cautelar destinada a preservar a possibilidade de satisfação, pela sentença, do direito do impetrante. Em outras palavras, visa impedir que o retardamento da decisão final venha a torná-la inócua, em razão da irreparabilidade do dano sofrido.

A concessão de liminar encontra de certa forma assento jurídico no próprio Texto Constitucional assegurador do mandado de segurança. Se este objetiva a reparação in natura do direito ofendido, a utilização pelo Judiciário de medidas acautelatórias dos interesses lesados, impõe-se, ainda que não disponha aquele de condições, na ocasião, para proferimento de uma decisão definitiva.

Assim, a liminar não envolve prejulgamento de mérito. É uma decisão autônoma, no sentido de que não vincula o juiz a mantê-la, posto que é precária, nem a permitir que ela influa na formulação do seu juízo por ocasião da sentença, que deverá ser prolatada com a mesma liberdade, tanto no caso de concessão quanto no de denegação da liminar.

Constituem requisitos para concessão in limine do ato atacado: a) ser relevante o fundamento do pedido; b) do ato impugnado poder resultar dano não suscetível de reparação pela decisão final.

2.1.3 – MANDADO DE INJUNÇÃO

A garantia sob comento muito claramente evidencia os seus dois pressupostos fundamentais: que haja um direito constitucional de quem o invoca e, em segundo lugar, o impedimento que o impetrante está padecendo de poder exercê-lo por falta de norma regulamentadora.

Não se trata de repor a legalidade ofendida. Não se cuida de assegurar direitos constitucionais feridos por violência ou coação administrativas. Não se cuida de reparar lesividade causada ao patrimônio público. Não se trata, ainda, de corrigir dados pessoais que órgãos públicos manipulem incorretamente. Não. O de que se cuida o mandado de injunção é de garantir ao impetrante o asseguramento de um direito que, contemplado na Constituição, não lhe é deferido por quem de direito por falta de uma norma regulamentadora que torne viável o exercício do aludido direito.

Mandado de injunção, nas palavras do Min. Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, constitui um dos mais expressivos instrumentos jurídicos de proteção jurisdicional aos direitos, liberdades e prerrogativas de índole constitucional.

Importante consignar que o propósito da garantia não é colher todo e qualquer direito da Constituição. O mandado de injunção só tem cabimento quando a falta de norma regulamentadora impede o exercício dos "direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania". A expressão "direitos e liberdades constitucionais" aponta para as clássicas declarações de direitos individuais. No nosso Texto Constitucional, o tratamento desta matéria é feito de forma moderna, a consagrar não só os direitos e deveres individuais, mas para incluir debaixo do mesmo título "Dos direitos e garantias fundamentais" os coletivos e os sociais.

O mandado de injunção pode ser ajuizado por qualquer pessoa que se sinta impedida de exercitar um direito constitucionalmente assegurado pela falta de norma regulamentadora que viabilize o exercício desse seu direito. É necessária a existência de um direito subjetivo concedido em abstrato pela Constituição, cuja fruição está a depender de norma regulamentadora. Diferente é a situação quando a Constituição apenas outorga expectativa de direito, e, portanto, a norma regulamentadora faltante se presta a transformar essa mera expectativa de direito em direito subjetivo. Nesse caso, não cabe mandado de injunção e sim Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (CF, art, 103, § 2º).

Destina-se a obter uma sentença que declare a ocorrência da omissão legislativa, com a finalidade de que se dê ciência ao órgão omisso dessa declaração para adote as providências necessárias, à semelhança do que ocorre com a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (CF, art, 103, § 2º).

O alcance do mandado de injunção é análogo ao da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão. Nesta, uma vez declarada a inconstitucionalidade, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias, e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias (CF, art, 103, § 2º). Note-se, por oportuno, que, em se tratando de omissão legislativa inconstitucional, o Supremo tribunal Federal limitar-se-á a dar ciência ao Poder Legislativo para que adote as providências necessárias quando à elaboração da norma integradora. Contudo, ficará a critério desse Poder atender ou não a esta comunicação. O não atendimento não implicará responsabilidade. O mesmo não ocorre quando a omissão inconstitucional for administrativa. Neste caso, o STF, a par de comunicar a inconstitucionalidade por omissão, impõe ao órgão administrativo competente a edição da norma em questão, no prazo de trinta dias, sob pena de responsabilidade.

O Min. Moreira Alves asseverou que "o mandado de injunção é ação mandamental que se propõe contra a autoridade, órgão ou Poder omissos no regulamentar a Constituição, nos casos nela previstos como dando margem à utilização desse instrumento processual, que segue o rito do mandado de segurança, mas que com ele não se identifica, obviamente" (MI n. 284-DF).

Sendo ele procedente, dar-se-á ciência ao órgão incumbido de elaborar o norma regulamentadora faltante, sob pena de não a elaborando dentro do prazo estabelecido, sofrer alguma espécie de sanção, desde que esta seja possível.

2.1.3.1. – MANDADO DE INJUNÇÃO X INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO

Não se deve confundir mandado de injunção com a inconstitucionalidade por omissão. A única semelhança entre esses dois institutos reside no fato de que ambos têm cabimento diante da falta de norma regulamentadora que torne viável o exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. No mais são só diferenças.

A primeira distinção diz respeito à legitimidade ativa. A Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão só pode ser proposta pelas pessoas ou entidades arroladas no art. 103, da Constituição Federal, enquanto que o mandado de injunção pode ser ajuizado por qualquer pessoa que se sinta impedida de exercitar um direito constitucionalmente assegurado pela falta de norma regulamentadora que viabilize o exercício desse seu direito. Outra distinção é quanto aos efeitos da decisão proferida que, na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, são erga omnes e, no mandado de injunção, são inter partes.

2.1.4 – AÇÃO POPULAR

Constitui ela, à semelhança do habeas corpus e do mandado de segurança, um meio especial de acesso ao Judiciário. Na ação popular o traço distintivo se radica na legitimação para agir.

O referido dispositivo constitucional ao prever que "qualquer cidadão será parte legítima para propor ação popular..." tornou possível a invocação da atividade jurisdicional do Estado, independentemente de o autor ter proveito pessoal na questão. Embora o interesse possa dizer respeito à coletividade como um todo, que é a beneficiária da possível anulação do ato impugnado, o certo é que o autor popular age em nome próprio e no exercício de um direito seu, assegurado constitucionalmente.

Dá-se a consagração de um direito político, de matriz nitidamente democrático, à ajuda do qual o cidadão ascende à condição de controlador da legalidade administrativa. José Afonso da Silva versa o tema: "Como já vimos, a ação popular constitui um instituto de democracia direta, e o cidadão que intentá-la, fá-lo em nome próprio, por direito próprio, na defesa de direito próprio, que é o de sua participação na vida política do Estado, fiscalizando a gestão do patrimônio público, a fim de que esta se conforme com os princípios da legalidade e da moralidade. Diretamente, é certo, o interesse defendido não é do cidadão, mas da entidade pública ou particular sindicável e da coletividade, por conseqüência. Mas é seu também, como membro da coletividade. (in Ação Popular Constitucional – doutrina e processo, Revista dos Tribunais, p. 195).

Se exige do autor popular não só a qualidade de nacional, mas também a posse dos direitos políticos. Dessa forma, não podem ser impetrantes da garantia constitucional em pauta, por não serem detentoras da qualificação jurídica de cidadãs, as pessoas jurídicas, nem tampouco as físicas que não se encontrem na fruição das suas prerrogativas cívicas.

No que concerne ao ato impugnado, será todo aquele lesivo ao patrimônio público, entendido este nas suas diversas formas (artístico, cultural, paisagístico ou histórico da comunidade), independentemente da pessoa sob cuja tutela se encontre.

A destinatária da ação popular não é determinada em função de sua qualificação jurídica, mas sobretudo em razão da circunstância de estar ou não na gestão de bens expressivos do patrimônio público, cuja proteção é a sua finalidade própria.

A condição de natureza objetiva para o exercício da ação popular é que o ato a ser invalidade seja lesivo ao patrimônio público. O Texto Constitucional deixa claro que se trata de ação que vise anular atos lesivos ao patrimônio de entidades que o Estado participe. A lesividade pressupõe a ilegalidade.

O Judiciário haverá de examinar a sua legalidade porque só sob este ângulo pode ele rever os atos administrativos. Contudo, a ilegalidade pode residir em aspectos intrínsecos ao próprio ato, como a sua forma, por exemplo, assim como em aspectos exteriores a ele mesmo (ausência de causa ou motivo).

A expressão ‘entidade que o Estado participe’ vem incluir no raio da ação popular não só os entes criados pelo próprio Estado e componentes da chamada Administração Descentralizada, como também aquelas pessoas de direito privado não criadas pelo Estado, mas das quais participe quer pela forma da composição do seu patrimônio inicial, quer por via de dotações destinadas ao seu custeio ou mesmo ao reforço do seu capital.

A novidade consiste na referência à moralidade administrativa como um dos valores a serem protegidos pela ação popular. É a defesa do comportamento eticamente desejável dentro da Administração submetida ao direito e dirigida ao bem comum. Significa um avanço no sentido de uma maior proteção da legalidade administrativa.

Sob o manto da moralidade administrativa, tornam-se agora impugnáveis aqueles atos que não consubtanciam necessariamente um esvaziamento patrimonial mas que eqüivalem a uma utilização da ordem jurídica e dos instrumentos postos ao alcance do administrador para o atingimento de fins não albergáveis pelas normas que lhe conferiram competência.

Está o autor popular isento do ônus da sucumbência com a ressalva de que não se tenha utilizado da ação popular para fins outros que não sejam os da efetiva defesa do patrimônio público.

Os efeitos da ação popular se traduzem tanto na anulação do ato praticado, na sua sustação, caso iminente a sua consumação, como também na ordenação da sua prática, na hipótese de omissivo. Ademais, comporta condenação, como co-réus, tanto da pessoa que praticou o ato questionado quando da que dele extraiu proveito.

2.1.5 – HABEAS DATA

O objetivo do habeas data é o asseguramento do acesso às informações pessoais do impetrante constantes de registros ou banco de dados de entidades governamentais de caráter público, bem como o direito à retificação de tais dados quando inexatos.

A expressão ‘retificação de dados’ deve ser entendida amplamente para incluir a própria supressão quando se tratar de informações pertinentes à vida íntima da pessoa.

É necessário que os dados sejam pessoais, é dizer, definidores da situação da pessoa nas diversas searas de sua existência: religião, ideologia, situação econômica, profissional. Contudo, é de se ressaltar que, se não houver uma séria justificativa a legitimar a posse pela Administração destes dados, eles serão lesivos ao direito à intimidade assegurado no inciso X do art. 5, da Constituição Federal. Em princípio, portanto, não há possibilidade de registro público de dados relativos à intimidade das pessoas.

2.2- REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS COLETIVOS

2.2.1 – MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO

Até a Constituição de 1988, havia tão-somente o mandado de segurança individual; hoje contempla-se também o mandado de segurança coletivo, que pode ser utilizado por determinadas entidades para defesa de interesses comuns de seus associados.

O art. 5º, LXX, da Constituição Federal prevê quem dele pode lançar mão: partido político com representação no Congresso Nacional, organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados. A todas essas entidades a Lei Maior faculta a impetração dessa medida para a defesa dos direitos coletivos da categoria a que representam.

Mas o elemento nuclear do mandado de segurança coletivo reside no objeto, que há de consistir na defesa de um direito coletivo. Entende-se por direito coletivo aquele que afeta todo um agrupamento de pessoas, unificadas por uma situação de fática assemelhada, assim como definidas por um traço jurídico, que permite apartá-las e isolá-las enquanto grupo. É, enfim, o interesse global de uma categoria. O que se quis foi facilitar o acesso a juízo, permitindo que pessoas jurídicas defendam o interesse de seus membros ou associados sem necessidade de mandado especial.

Por último, o mandado de segurança coletivo implica os mesmos pressupostos do mandado individual.

2.2.2 – AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Antes de analisarmos a Ação Civil Pública cumpre distinguir interesses coletivos de interesses difusos. Naquela há um vínculo jurídico básico. Uma regra affectio societatis, que une todos os indivíduos. É o que ocorre nas relações de parentesco, no grupo familiar, no título de acionista na S/A, na qualidade de integrante de determinada categoria profissional, com a qualidade de membro da corporação funcional.

No caso dos denominados interesses difusos, não se nota qualquer vínculo jurídico congregador dos titulares de tais interesses, que praticamente se baseiam numa identidade de situações de fato. Quando nos referimos aos interesses difusos dos usuários de automóveis, por exemplo, abarcamos uma indefinida massa de indivíduos esparsos por todo o país, sem qualquer característica homogênea, mas que praticaram, em comum, a compra e venda de um veículo.

Nesse sentido, o Código de Defesa do Consumidor é claro, definindo o que se deva entender por interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos (art. 81, I, II, III).

Estabelecida esta conceituação preambular, cumpre passarmos à análise da Ação Civil Pública, que tem por objeto os interesses coletivos e difusos, para o que a exata compreensão destes se mostrava necessária.

Apesar de a Ação Civil Pública não estar prevista no capítulo dedicado aos direitos e garantias fundamentais, não deixa de constituir-se em uma das garantias instrumentais dos direitos constitucionalmente assegurados.

Esta modalidade de ação, além de proteger os valores elencados na Lei n. 7.347/85, teve o seu objetivo amplamente alargado ao estabelecer o art. 129, III, da Constituição Federal, que corresponde ao Ministério Público promover a Ação Civil Pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de "outros interesses difusos e coletivos".

A Ação Civil Pública, que antes se situava na legislação ordinária (Lei 7.347/85), como instrumento de tutela das interesses difusos ou coletivos, é alçada a status constitucional, a partir da vigência da Constituição de 1988.

O Ministério Público é o único incondicionalmente legitimado para propô-la, uma vez que as demais pessoas devem demonstrar legítimo interesse para poder agir, não podendo ir além daqueles interesses descritos na lei.

Fica claro ser a Ação Civil Pública meio de proteção de alguns interesses transindividuais, como do meio ambiente, do consumidor, entre outros. Essa tendência de fortalecer instrumentos de defesas metaindividuais ganhou corpo na Constituição. A Ação Civil Pública consagrou-se aí como meio de defesa de interesses indisponíveis do indivíduo e da sociedade.

O juiz poderá conceder mandado liminar com ou sem justificativa prévia em decisão sujeita a agravo.

Os interesses difusos não pertencem a uma pessoa isolada, nem a um grupo nitidamente delimitado de pessoas (ao contrário do que se dá em situações clássicas como a do condomínio ou da pluralidade de credores numa única obrigação), mas a uma série indeterminada – e, ao menos para efeitos práticos, de difícil ou impossível determinação –, cujos membros não se ligam necessariamente por vínculo jurídico definido.

O interesse difuso, diz o Professor Barbosa Moreira, referem-se a um bem (latíssimo sensu) indivisível, no sentido de insuscetível de divisão em "quotas" atribuíveis individualmente a cada qual dos interesses.

"Interesse indisponível é a pretensão que o interessado não pode transformar em vantagem ou benefício. Diante do interesse indisponível, individual ou social, a ação do indivíduo ou do grupo cessa, já que existe pretensão, mas não a respectiva ação assecuratória. Por isso, a regra jurídica constitucional transfere a defesa dos interesses individuais e sociais indisponíveis para a área de competência do Ministério Público, a quem cabe defendê-los, o que, de modo indireto, favorece pessoas físicas e grupos de pessoas, cujas pretensões não se encontram fundamentadas em normas jurídicas". (Celso Ribeiro Bastos – Curso de Direito Constitucional, 11. Ed. São Paulo, Saraiva)

Fora das hipóteses que lhe são traçadas pela Constituição e pela lei, o Ministério Público não poderá usufruir da competência postulatória para ingressar em juízo como autor de Ação Civil Pública. Faltar-lhe-á, nesse caso, a satisfação do pressuposto que garante a sua legitimação. Em ações assim, poderá eventualmente comparecer nas vestes de custus legis.

Uma vez faltando-lhe a legitimidade para ir a juízo como autor de Ação Civil Pública, ao Ministério Público estará vedado a propô-la, pois ninguém pode pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado em lei (art. 6º, CPC).


CONCLUSÃO

Por todo exposto, podemos concluir:

1 – No Brasil, em matéria de Jurisdição Constitucional, adota-se um sistema misto combinando o controle difuso por via de defesa com o critério de controle concentrado por via de ação.

2 – O Supremo Tribunal Federal não é o único órgão jurisdicional competente para o exercício da jurisdição constitucional já que há o sistema emanado no critério difuso, autorizando qualquer juiz ou tribunal a conhecer da prejudicial de inconstitucionalidade, por via de exceção.

3 – Os remédios constitucionais têm surgido simultaneamente com a aparição dos próprios direitos fundamentais. São direitos de ordem processual que visam a proteção de categoria especial de direitos públicos subjetivos, as chamadas "liberdades públicas", ou direitos fundamentais do homem.

4 – A defesa dos direitos fundamentais do homem faz-se-á através da tutela individual (habeas corpus, habeas data, mandado de segurança, mandado de injunção, ação popular) ou através da tutela coletiva (mandado de segurança coletivo e ação civil pública), com destacada participação do Ministério Público, na proteção dos direitos ou interesses transindividuais ou metaindividuais.


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10 – CARVALHO FILHO. José dos Santos. Manual de direito administrativo. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1ª ed., 1997.


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GALO, Fabrini Muniz. Jurisdição constitucional: controle de constitucionalidade e writs constitucionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2301. Acesso em: 24 abr. 2024.