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Da inconstitucionalidade e ilegalidade da penhora on line quando aplicada, sem critério e irrestritamente, em execuções fiscais contra empresas

Da inconstitucionalidade e ilegalidade da penhora on line quando aplicada, sem critério e irrestritamente, em execuções fiscais contra empresas

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A constrição de bens da empresa executada, mormente os valores financeiros, somente poderia ser realizada quando não a levasse ao trancamento total, nem à obstrução na continuidade de suas atividades econômicas e de subsistência.

I-  A SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO

A Constituição é a lei fundamental de um Estado. Dela emanam o fundamento e validade de todas as outras normas e o próprio Estado. A Constituição é suprema.

A Supremacia da Constituição decorre da origem da Constituição, emanada de um poder que institui todos os outros e não é instituído por qualquer outro, sendo chamado, por isso, de Poder Constituinte.

Esse princípio da Supremacia da Constituição consolidou-se definitivamente no direito norte-americano, em contraposição à doutrina inglesa na qual reinava o princípio do Parlamento. Um dos maiores exemplos dessa supremacia é o caso Marbury vs. Madison (1803), no qual demonstrou o Chief Justice John Marshall ser a Constituição a base do direito e imutável por meios ordinários, sendo assim nulas as leis que a contradissessem. 

Sendo assim, a Supremacia da Constituição é uma premissa inicial de toda interpretação que envolva comparação entre as suas normas e as normas dos demais sistemas jurídicos.

E por estar a Constituição no topo de todo o ordenamento jurídico, a sua eficácia constitucional repele todas as normas infraconstitucionais que lhe são contrárias, preservando a harmonia e a coerência do sistema. Os princípios Constitucionais devem prevalecer.


II- A IMPORTÂNCIA DOS PRINCÍPIOS JURÍDICOS CONSTITUCIONAIS

O princípio jurídico é de suma importância como guia ao hermeneuta, pois é na valoração e na aplicação dos princípios jurídicos é que o jurista se distingue do leigo. Este, contrariamente àquele, tenta interpretar a norma com empirismo e sequidão axiológica e fundamentadora.

O jurista tem não só necessidade, mas o dever de trabalhar com os princípios, quer no direito privado, quer no direito público. A exigência é infinitamente maior ao se enveredar por este último, haja vista a legislação que lhe dá guarida ser esparsa e produzida sem método, resultando em desordem, solúvel apenas com a consideração dos princípios que proporcionarão soluções coerentes com o ordenamento globalmente considerado.

Assim é que, na doutrina de Souto Borges, tem-se que “a violação de um princípio constitucional importa em ruptura da própria Constituição, representando por isso uma inconstitucionalidade de consequências muito mais graves do que a violação de uma simples norma, mesmo constitucional.”[1]

Daí que, a doutrina vem insistindo na acentuação da importância dos princípios para iluminar a exegese dos mandamentos constitucionais, fato que tem sido ignorado pelo Estado e pelos Tribunais, estes quando chamados a resolver conflitos tributários.

O princípio constitucional, emprestando a analogia feita pelo mestre Geraldo Ataliba e Celso Antônio Bandeira de Mello, é a estrutura fundamental, é o alicerce do sistema jurídico. Este se ergue como um vasto edifício, onde tudo está disposto em sábia arquitetura. O jurista, ao contemplar este edifício, não só encontra a ordem, na aparente complicação, como identifica, imediatamente, alicerces e vigas mestras. Num edifício, tudo têm importância: as janelas, as luminárias, as portas, o acabamento, os elevadores, as paredes. Mas, muito mais importantes do que portas e janelas, facilmente substituíveis, são os alicerces e as vigas mestras. Tanto que se de um edifício retirarmos ou destruirmos portas e janelas, ele não sofrerá nenhum abalo mais sério em sua estrutura, podendo ser reparado e até embelezado. Todavia, se retirado os alicerces, o edifício virá abaixo. E de nada adiantará as portas e janelas e luminárias. Pois bem, estes alicerces e vigas mestras são os princípios jurídicos.

Portanto, o princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito que, por sua vasta generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do Direito, e por isso mesmo, vincula, inexoravelmente, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam. Pouco tem importância se o princípio é explícito ou implícito. O que importa é se ele EXISTE ou não existe. Se existe, o operador do direito terá instrumento teórico que a Ciência do Direito põe a sua disposição para identifica-lo e aplica-lo corretamente.

Destarte, um princípio jurídico é inconcebível em estado de isolamento. Ele, por exigência do próprio Direito (que forma um todo pleno, unitário e harmônico) se apresenta sempre relacionado com outros princípios e normas, que lhe dão equilíbrio e proporção e lhe reafirmam a importância.

O Direito, ao contrário do que muitas vezes o Estado quer, não é um amontoado de normas jogadas no mundo jurídico como mecanismo de poder irrestrito a serviço de sua sanha arrecadatória desmedida, desproporcional, sem clareza e transparência (invariavelmente, por Medida Provisória, sem qualquer urgência e relevância, o executivo joga normas tributárias no meio do texto legal que trata da pesca, por exemplo, sem qualquer pertinência temática, em total descumprimento a outra norma que proíbe esse tipo de comportamento), a satisfazer interesses escusos. O Direito é um conjunto bem estruturado de disposições que, interligando-se por coordenação e subordinação, ocupam, cada qual, um lugar próprio no ordenamento jurídico. É sob esse imenso arcabouço, onde se sobrelevam os princípios, que as normas jurídicas devem ser consideradas.

Assim, quanto à função dos princípios na interpretação das normas, podemos afirmar que:

a) É incorreta a interpretação da norma, quando dela derivar contradição, explícita ou velada, com os princípios;

b) Quando a regra admitir logicamente mais de uma interpretação, prevalece a que melhor se afinar com os princípios;

c) Quando a regra tiver sido redigida de modo tal que resulte mais extensa ou mais restrita que o princípio, justifica-se a interpretação extensiva ou restritiva, respectivamente, para calibrar o alcance da regra com o do princípio.

Destarte, como a Constituição é a norma maior, e todas as demais normas buscam na Carta Magna fundamento de existência e de validade, obviamente os princípios constitucionais são os mais importantes, pois sobrepairam aos outros princípios e regras.

Portanto, a análise de qualquer problema jurídico (mais simples que seja) leva o jurista à análise dos princípios jurídicos constitucionais com o escopo de verificar em que sentido apontam. Nenhuma interpretação poderá ser havida por boa (jurídica) se, direta ou indiretamente, afronta um princípio jurídico constitucional.

Jesús González Perez doutrina: “Os princípios jurídicos constituem a base do Ordenamento jurídico, e a parte permanente e eterna do Direito e, também, o fator cambiante e mutável que determina a evolução jurídica; são as ideias fundamentais e informadoras da organização jurídica da Nação. (...)

“E, precisamente por constituir a base mesma do Ordenamento, não é concebível uma norma legal que o contravenha.”[2]

Isso ocorre em razão dos princípios jurídicos atuarem como “vetores para soluções interpretativas” (Celso Antônio Bandeira de Mello). Se os princípios jurídicos são vetores para soluções interpretativas, os princípios jurídicos constitucionais conduzem e compelem o jurista a direcionar seu trabalho para as ideias-matrizes contidas na Carta Magna.


III-  O PRINCÍPIO JURÍDICO CONSTITUCIONAL E A INTERPRETAÇÃO

O fim da ação de interpretar é precisar o significado e o alcance da norma jurídica para uma correta aplicação dela. Para isso, em todo momento que a atividade interpretativa é acionada, os grandes princípios devem ser invocados em razão das disposições incertas e das palavras equívocas e polissêmicas que invariavelmente inundam os textos normativos. Negligenciar o uso dos princípios constitucionais dissociando-lhes do todo harmônico a que pertencem é encampar as ideias dos tecnocratas que, passando-se por juristas, enaltecem o método literal para a interpretação e aplicação do Direito, fato que não é salutar.

Até mesmo as normas constitucionais, quando possuem pluralidade de sentidos, devem ser interpretadas e aplicadas de maneira a se harmonizar com os princípios da Constituição que, justamente por sua superior importância estrutural, lhes servem de farol. E é justamente essa dissociação, descolamento e aplicação literal de normas sem a observância dos princípios jurídicos constitucionais que gerou a confecção desse trabalho.

Luis Roberto Barroso, em suas lições, assevera: “O ponto de partida do interprete há que ser sempre os princípios constitucionais, que são o conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins. Dito de forma sumária, os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte como fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui. A atividade de interpretação da Constituição deve começar pela identificação do princípio maior que rege o tema a ser apreciado, descendo do mais genérico ao mais específico, até chegar à formulação da regra concreta que vai reger a espécie”.[3]

Na cátedra de Karl Larenz “Se uma interpretação, que não contradiz os princípios da Constituição, é possível segundo os demais critérios de interpretação, há de preferir-se a qualquer outra em que a disposição viesse a ser inconstitucional. A disposição é então, nesta interpretação, válida. Disto decorre, então, que de entre várias interpretações possíveis segundo os demais critérios sempre obtém preferência aquela que melhor concorde com os princípios da Constituição.”. Para o mesmo doutrinador, “interpretar” significa revelar “o conteúdo possível da norma”.[4]

Se diversas são as possibilidades e, assim, diferentes as consequências no campo da constitucionalidade de uma lei, se entre duas interpretações dessa mesma lei, uma resultar em constitucionalidade e outra em inconstitucionalidade, deverá prevalecer sempre a primeira, excluindo-se assim, todas as demais formas de interpretação que resulte em ferimento à Constituição e a seus princípios. Assim, jamais o intérprete, com o fim de fazer prevalecer ou aplicar uma dada lei, poderá alegar que a violação da Constituição ou de seus princípios é indireta ou tênue. Isso é um subterfúgio, totalmente destituído de técnica jurídica, para aplicação de uma lei inconstitucional. Somente os incautos e desavisados, no campo da hermenêutica jurídica, aceitariam tal interpretação ou ausência dela, haja vista o conteúdo possível dessa lei, ao ser revelado, colidir com a Lei Maior, devendo, destarte, ser rejeitado.

E os princípios constitucionais dão alicerce e unidade ao arcabouço jurídico. Assim, nenhuma norma infraconstitucional pode com eles atritar, contrariar, sob pena de inexistência, nulidade, anulabilidade ou ineficácia. Isso vale para todos os ramos do direito, inclusive o tributário, onde, costumeiramente, o Estado ignora toda a principiologia limitadora de sua atividade tributante.

E qualquer menoscabo de um princípio gera a ruptura de todo o sistema jurídico. Celso Antônio Bandeira de Mello pontifica que “violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou de inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, costumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isso porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada.”[5]

Ignorar um princípio constitucional é como destruir os mourões de uma ponte, fazendo-a desabar.


IV- LIMITES DA ATUAÇÃO ESTATAL

Hodiernamente, está sedimentado que a relação entre Estado e cidadão, mormente a relação de tributação, é uma relação jurídica e não uma relação simplesmente de poder.

Explica-se: somos, por determinação constitucional, um Estado Democrático de Direito – artigo 1º, caput da Constituição Federal.

O povo brasileiro, representado pelo Poder Constituinte, que tinha a incumbência de forjar a Constituição de 1988, decidiu e positivou, como Princípio Fundamental, a democracia (demo – povo; cracia – governo): governo do povo, pelo povo e para o povo).

O Estado de Direito é o que se subordina ao Direito, ou seja, que se sujeita, não só às normas jurídicas reguladoras de sua ação, mas principal e fundamentalmente aos princípios jurídicos constitucionais informadores delas e que tornou possível sua gênese. O Estado Polícia de outrora apenas submetia os indivíduos ao Direito, mas não se sujeitava a ele, em uma típica relação de poder, como dito alhures.

Assim é que o Estado de Direito é criado, subsume-se e deve respeitar à Constituição e seus princípios. Ele não está acima deles e, tampouco pode agir de maneira a ignorá-los e desatendê-los.

Através desses princípios e das normas jurídicas que se harmonizam com eles, os limites da atividade estatal são contidos pelos princípios garantidores da liberdade dos cidadãos.  Na Constituição Federal é definida a estrutura do Estado e as garantias aos direitos do indivíduo contra o próprio Estado, impedindo-o de, por meio dos princípios nela exarados, suprimi-los ou desrespeitá-los.

 Portanto, definimos o Estado Democrático de Direito como o criado e regulado pela Constituição (norma jurídica superior às demais), criada pelo poder de fato emanado do Poder Constituinte, onde o exercício do poder político, para o cumprimento da finalidade pública, jamais poderá ultrapassar ou violar os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, também positivados na própria Carta Magna.

O que dá a pedra de toque do modelo Estado de Direito é a supremacia da Constituição e seus princípios que a todos vinculam. Todo o sistema normativo - Leis Complementares, Leis Ordinárias, Decretos, Regulamentos, Instruções - ou seja, qualquer ato normativo, deve buscar seu fundamento de validade na Constituição Federal. É ela quem define quem pode fazer leis, como podem ser feitas e quais os seus limites, sendo certo que o intérprete, na aplicação do direito, para fazê-lo bem, deve começar a exegese pela Constituição e seus princípios.

O Estado, que se submete ao Direito, deve exercer o seu mister – sua finalidade pública – fiel à norma que o criou - Constituição.

Portanto, nos moldes constitucionais, esse exercício de poder deve ser feito pautado nos princípios constitucionais da razoabilidade, da proporcionalidade, da moralidade e da boa-fé, e no âmbito tributário, respeitando os princípios federativo, da legalidade, da igualdade, da anterioridade, da segurança jurídica, da reserva de competências, da capacidade contributiva, do não confisco etc.

A razoabilidade abomina e bane a irracionalidade, o absurdo ou a incongruência na aplicação (e, sobretudo, na interpretação) das normas jurídicas harmonizadas e validadas pelos princípios constitucionais. O Poder Público, em todas as suas divisões de atribuições - Estado-Juiz, Estado-Executivo e Estado-Legislativo - não tem acatado esses princípios. Está desvairado e alucinado. A uma porque julga olvidando a aplicação deles. A duas realizando atos destituídos de guarida desses princípios. A três, exercendo função legiferante à revelia dos ditames constitucionais.

A proporcionalidade é a expressão quantitativa da razoabilidade. É inválido o ato desproporcional em relação à situação que o gerou ou à finalidade que pretende atingir. A Penhora On Line, por exemplo, objeto desse trabalho, extrapola a proporcionalidade, pois inviabiliza, muitas das vezes, a operação e a continuidade da empresa, o que será demonstrado adiante. 

Temos por ilação que a Carta Magna definiu Princípios Fundamentais, criou o Estado de Direito, estabeleceu as regras às quais o mesmo deve se submeter e instituiu mecanismos de defesa para os cidadãos, por meio de garantias individuais constitucionais, contra o próprio Estado. 


V- DAS DIVERSAS VIOLAÇÕES CONSTITUCIONAIS DA PENHORA ON LINE AO SER APLICADA DESTEMPERADAMENTE

No caso de uma execução fiscal, a CDA que enseja o processo executivo, tem presunção de certeza, liquidez e exigibilidade. Como dito, é uma presunção, mas que relega impugnação contra esse lançamento somente após constrição de bens do executado (se não for caso de afastamento dessa constrição via oposição de Exceção de Pré-Executividade). Assim, a defesa contra essa execução poderá ser exercida, após garantido o juízo, por meio de embargos.

Ocorre que a dívida, objeto da execução fiscal, pode estar decaída, pode estar prescrita, pode ser indevida, pode ser uma cobrança a maior, o fato gerador que ensejou o lançamento pode não ter ocorrido etc. Mas, penhora On Line no executado.

Não bastassem esses absurdos, a penhora On Line bloqueia o mesmo valor objeto da execução, mesmo que já o tenha garantido, em todas as contas do indivíduo ou empresa, sem aviso prévio.

Observe quantos princípios e direitos essa prática “legal” da penhora On Line pode violentar:

O direito de propriedade;

O direito de não privação dos bens sem o devido processo legal;

O direito ao contraditório e à ampla defesa;

O direito de não ser considerado culpado sem antes haver a devida sentença condenatória transitada em julgado.

O Artigo 5º, caput, da Constituição Federal normatiza, in verbis:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

Portanto, a penhora On Line, no contexto acima descrito, VIOLA a propriedade.

O inciso LIV, LV, LVI, LVII, todos do citado artigo, positiva:

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

A penhora On Line PRIVA o livre uso dos bens próprios e de terceiros, pois alcança numerário a maior do que o da dívida executada.

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

A penhora On Line, da forma como é aplicada, não dá direito ao contraditório e, tampouco, à ampla defesa. O empresário é surpreendido com o bloqueio da noite para o dia e de numerário que, geralmente, como já dito, excede ao objeto da execução.

LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;

Se por um lado isso é inadmissível, quanto mais sem existir processo e, portanto, sem provas, com base apenas na presunção de certeza, liquidez e exigibilidade da CDA.

LVlI - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

Além de tudo isso, nota-se, com grande pesar, que a penhora On Line tem viés confiscatório, pois ela não se limita ao valor objeto da execução.

Ora, a Constituição Federal tem por princípio a VEDAÇÃO AO CONFISCO, sendo este aplicado excepcionalmente.

Até para exceção à proibição do confisco – caso do uso de terras para cultivo ilegal de drogas (art. 243 da CF) - para confiscar é preciso o devido processo legal com as devidas provas (também em razão do art. 170, II da CF), visando à proteção da propriedade privada.

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

            (...)

II – propriedade privada (...)

A penhora On Line, ao ser aplicada a valores que não são objetos da execução, sem aviso e sem direito a defesa, como é realizada, é despótica, é nazista. Vai além do aceitável e permitido, violando os princípios da Constituição acima elencados. É muito grave e temerário e atinge tanto executados civis quanto fiscais.


VI – DA VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E INFRACONSTITUCIONAIS AO SE APLICAR A PENHRA ON LINE, IRRAZOAVELMENTE, SEM A DEVIDA EXEGESE CONSTITUCIONAL, EM FACE DE PESSOAS JURÍDICAS, EM SEDE DE EXECUÇÃO FISCAL

Em sede de execução fiscal contra pessoas jurídicas, temos, além das acima descritas, outras violações constitucionais e infraconstitucionais:

Veja a que absurdo chegou a voracidade estatal por arrecadação. Desrespeito total e acintoso aos ditames Constitucionais e preceitos legais.

O art. 655 A do CPC que autoriza o uso da Penhora On Line, aplicado sem o devido cuidado pelo magistrado, não cotejando o caso concreto à luz dos princípios jurídicos constitucionais, pode ser desastroso.

É inconstitucional e ilegal no modo em que vem sendo aplicado, indistintamente e sem qualquer critério exegético, pelo Poder Judiciário.

 Inconstitucional porque destoa do Princípio da Razoabilidade que traduz LIMITAÇÃO MATERIAL à ação normativa do Poder Legislativo – O Estado não pode legislar ABUSIVAMENTE. A ATIVIDADE LEGISLATIVA É SUJEITA À RÍGIDA OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE que veda os excessos normativos e as prescrições irrazoáveis do Poder Público, sopesando a própria constitucionalidade material de seus atos. A prerrogativa institucional de tributar, reconhecido ao Estado pelo ordenamento positivo, não lhe outorga o PODER DE SUPRIMIR (OU INVIABILIZAR) direitos de caráter fundamental emanados de princípios constitucionalmente assegurados ao contribuinte.

Desta forma, a irrazoabilidade e a desproporção positivadas no artigo retro citado que trata da Penhora On Line é patente ao ferir os seguintes direitos e garantias:

Lesa direitos de terceiros, especialmente dos trabalhadores da empresa, posto que a penhora On Line indiscriminada acaba por inviabilizar o exercício, pela empresa devedora, de atividade econômica lícita, violando o princípio da preservação da empresa e gerando desemprego, em flagrante afronta a direitos constitucionalmente garantidos:

Art. 5º da CF

   (...)

XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

   (...)

   XXII - é garantido o direito de propriedade;(...)”

 “Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, o      trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

Art. 170 - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

..................

II - propriedade privada;

..................

IV - livre concorrência;

.................

VIII - busca do pleno emprego;

Parágrafo único - É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”

(grifos nosso)

Havendo ruína da empresa em função de aplicação de penhora On Line irresponsavelmente, o trabalhador dessa empresa é impedido de exercer seu trabalho, que é um direito social e que fundamenta a ordem econômica, prejudicando a sociedade como um todo.


VII- DA PENHORA ON LINE DE DÍVIDA  PRESCRITA

E não é só isso. E se, como já dito alhures, o objeto da execução for originário de uma CDA estribada em dívida decaída ou prescrita? E o magistrado ordena a Penhora On Line sem aviso e sem promover o direito à defesa do executado? “Ah, mas o juiz pode declarar de ofício a prescrição ou a decadência.” Pode, mas, em execuções fiscais, não o faz, e se o fizesse, óbvio, não haveria a nefasta constrição. Restaria ao executado tal alegação, após o constrangimento de tal medida.

Mais uma vez, violação ao devido processo legal, ao direito da ampla defesa, do contraditório, ao direito de propriedade, ao direito do não confisco, dentre outros.


VIII - DO VIÉS VIOLADOR DO ART. 655 “A” DO CPC AO ART. 110 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL QUANDO APLICADO EM EXECUÇÕES FISCAIS CONTRA EMPRESAS.

DA DIFICULDADE DOS OPERADORES DO DIREITO DISTIGUIREM A DIFERENÇA ENTRE LUCRO E FATURAMENTO

Além de violação aos princípios emanados da Carta Magna, a Penhora On Line viola norma do Código Tributário Nacional que veda, expressamente, que leis violem ou descaracterizem definições e conceitos positivados no direito privado.

Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.

Se a lei tributária não tem esse alcance, quiçá a lei processual civil aplicada com esse condão.

Geralmente, ao se penhorar a(s) conta(s), o magistrado infere que está bloqueando o lucro da empresa sem, portanto, afetá-la em sua existência.

Todavia, o que se faz é uma verdadeira penhora no faturamento da empresa, haja vista o bloqueio ocorrer em suas contas bancárias, onde circula o caixa responsável por saldar todos os seus compromissos.

Apurado não é lucro. Faturamento não pode ser, em hipótese alguma, confundido com este último. E é justamente o que a penhora On Line faz. Confunde os dois institutos. É mais ou menos assim: A penhora On Line é uma Bomba Atômica lançada pelo Judiciário. Para ganhar a guerra contra a empresa devedora, mata todos os seus colaboradores por meio da destruição do seu fluxo de caixa.

Perda de emprego, ausência de pagamento de fornecedores, não pagamento de tributos, são meros efeitos colaterais. O que importa é o fim em si mesmo. Receber, custe o que custar. Parecido com o que os Estados Unidos fizeram com o Japão na II Guerra Mundial: para força-lo a se render, destruiu as cidades de Hiroxima e Nagasaki, matando quase todos os seus habitantes por meio de arma atômica.

Todos sabem o preço humano e econômico da reconstrução, sem mencionarmos as marcas psicológicas nefastas e indeléveis desse ato nas pessoas.

Destarte, é necessário demonstrar, por meio de algumas lições contábeis, onde está o faturamento e onde está o lucro. É necessário conhecer que, em lições de Finanças Corporativas, o que quebra a empresa é a falta de caixa. É importante conhecer que, nem sempre o lucro vira caixa (o lucro pode estar retido nos recebíveis, nos estoques, no imobilizado). Para isso, usaremos o DRE (Demonstrativo de Resultado da Empresa) que propiciará uma visão clara e estarrecedora dos estragos que uma Penhora On Line pode fazer na empresa e em seus colaboradores, como uma verdadeira bomba atômica lançada sobre eles[6]:

Em análise didática do DRE percebe-se claramente que a famigerada e nefasta Penhora On Line incide sobre o faturamento da empresa, ou seja, sobre o seu Fluxo de Caixa, haja vista todas as contas e aplicações bancárias serem bloqueadas, mesmo que o valor penhorado em uma conta já tenha satisfeito o valor da execução. O sistema é “burro”, propositadamente.

DRE

R$

Base de Cálculo

(+) Receita (Faturamento)

   

(-) PIS e Cofins

   

(-) ICMS e IPI

   

(=) Receita Líquida

   

(-) Custo Variável

   

(-) Custo MédioVenda

   

(=) Lucro Bruto

   

(-) Custo Fixo

   

(-) Desp. Operacionais

   

(=) Lucro Operacional - Ebitda

   

(-) Depreciação

   

(=) LAJIR

   

(-) Despesas de Juros

 

....... % de R$ ..................

(=) LAIR

 

LL / (1-Taxa do IR)

(-) IR de ....... %

   

(=) Lucro Líquido (LL)

 

....... % de R$ ..................

Faturamento não é lucro. Faturamento são todas as receitas que entram no caixa da empresa e entram somente via sistema bancário. Saldo de Caixa positivo não significa LUCRO.  Se toda a Receita foi bloqueada pela penhora On Line, a empresa não consegue pagar o PIS e COFINS, pois estes têm como base de cálculo o Faturamento.

A empresa também não consegue pagar ICMS e IPI.

Lembrando que o pagamento destes tributos se dá pelo débito na conta da empresa que foi penhorada.

Examinando-se a planilha do DRE, só, após pagos os tributos acima mencionados, chega-se à Receita Líquida. Receita e não lucro. Saldo de Caixa positivo e não LUCRO.

Após, da Receita Líquida, o empresário tem que pagar os Custos Variáveis onde estão inseridos os salários dos trabalhadores que realizam a atividade operacional (ou seja, o objeto da empresa), a produção, os custos de energia, matéria prima (fornecedores). Aqui percebemos e constatamos que a Penhora On line feita lá na Receita (Faturamento) não permitirá que a empresa pague os SALÁRIOS dos trabalhadores que, diga-se, são impenhoráveis e preferem a qualquer Crédito Tributário – art. 649, IV, do CPC e art. 83, I da Lei 11.101/05, respectivamente.

Subtraído o Custo Variável, subtrai-se também o Custo Médio de Venda que também não poderá ser pago, pois a Receita (faturamento) foi bloqueada. Mais direitos de terceiros violados.

Após todas essas subtrações, chega-se ao Lucro Bruto. Deste valor deve ser subtraído o Custo Fixo que são as despesas com o material administrativo e salários dos empregados que trabalham na administração da empresa. Mas que não serão pagos em virtude do Faturamento estar bloqueado. Penhora indireta, mais uma vez de salários (impenhoráveis por serem verbas alimentícias e PREFERIREM OS CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS).

A empresa também não conseguirá arcar com os custos de operação do seu negócio – Despesas Operacionais. O Faturamento está penhorado. O próximo mês ela não conseguirá operar.

Só após subtrair as Despesas Operacionais é que, contabilmente, chega-se ao Lucro Operacional (Ebitda).

Mas, do Lucro Operacional deve ser subtraído a Depreciação das máquinas que realizam a produção. Se não for subtraído este valor e reservado para a renovação do parque fabril, a empresa se tornará obsoleta e menos competitiva. Mas com a Penhora On Line, também isso se torna impossível.

Após contabilizado a Depreciação, chega-se ao LAJIR (Lucro antes dos Juros Bancários e do Imposto de Renda). Óbvio que a empresa não conseguirá pagar os juros e nem o principal dos empréstimos. O Faturamento está penhorado.

Após subtraído os Juros, chega-se ao LAIR (Lucro antes do Imposto de Renda). A empresa não pagará o Imposto de Renda. O Faturamento está penhorado.

Somente depois de contabilizados todas essas contas a empresa verificará se houve LUCRO LÍQUIDO.

A Penhora On Line é tão nefasta e acintosa que ela DESEQUILIBRA totalmente a empresa, pondo em risco acentuado a sua existência, podendo ocasionar, o que se chama em Finanças Corporativas, overtrade, ou seja, altos riscos de insolvência em razão da insuficiência de recurso para financiar o seu giro[7].

Ainda, nas lições das Disciplinas Finanças Corporativas e Orçamento Empresarial, o que quebra a empresa é a falta de caixa, rubrica esta perseguida implacavelmente pela Penhora On Line.

É preciso observar que o lucro nem sempre vira caixa, pois na maioria das vezes, ele se encontra retido nos recebíveis (clientes que pagarão a prazo), nos estoques e no imobilizado.

É isso que o Poder Legislativo, ao legislar sobre a Penhora On Line, esqueceu de observar e excepcionar, e que o Poder Judiciário não tem atentado.[8]

Por exemplo: se uma empresa vem “destruindo caixa”, período após período, a solução que o seu gestor deve adotar, ao constatar que o caixa é insuficiente para manter o seu giro, para que a empresa não quebre, é reduzir estoques, liquidar bancos (parando de pagar juros), vender imobilizado.

A solução que o magistrado deve encampar é a penhora nos estoques rotativos da empresa ou penhora do seu imobilizado, de forma que venha preservá-la e não quebrá-la. Em última análise, se for aplicar a Penhora On Line esta deverá recair sobre o lucro, se houver.


IX- A PENHORA ON LINE IMPEDE A EMPRESA DE OBETER EQUILÍBRIO FINANCEIRO

Optando pela Penhora On Line, o magistrado impedirá a empresa de atingir os diversos pontos de equilíbrio, contribuindo para a sua ruína. Vejamos:

O PEO (Ponto de Equilíbrio Operacional) é o volume de vendas que a empresa tem que ter para arcar com todos os custos operacionais (custos de produção). Observando o DRE, o PEO é atingido quando o Lucro Operacional Líquido (Ebtida) é igual a zero. Isso, em função da Penhora On Line jamais se dará.

O PEC (Ponto de Equilíbrio Contábil) é o volume de vendas que a empresa tem que ter para arcar com todos os custos operacionais/de produção mais os custos de Depreciação (desgaste do equipamento utilizado no processo produtivo). Observando o DRE, o PEC é atingido após subtraído os custos com a Depreciação, o LAJIR (Lucro antes dos Juros e do Imposto de Renda) é igual a zero. Isso, em função da Penhora On Line, também jamais se dará.

O PEE (Ponto de Equilíbrio Econômico) é o volume de vendas que a empresa tem que ter para arcar com os custos operacionais/de produção, mais os custos com o desgaste do equipamento do processo produtivo, mais os custo do capital necessário para produzir, depois de subtraído o valor do Imposto de Renda. Observando o DRE, o PEE é atingido quando o Fluxo de Caixa Livre é igual a zero. Isso, em função da Penhora On Line jamais acontecerá. O próprio Caixa foi bloqueado.

A Penhora On Line impede o equilíbrio básico de qualquer operação/produção de qualquer empresa.

DRE

R$

Base de Cálculo

(+) Receita (Faturamento)

   

(-) PIS e Cofins

   

(-) ICMS e IPI

   

(=) Receita Líquida

   

(-) Custo Variável

   

(-) Custo MédioVenda

   

(=) Lucro Bruto

   

(-) Custo Fixo

   

(-) Desp. Operacionais

   

(=) Lucro Operacional - Ebitda

PEO = 0

 

(-) Depreciação

   

(=) LAJIR

PEC = 0

 

(-) Despesas de Juros

 

....... % de R$ ..................

(=) LAIR

 

LL / (1-Taxa do IR)

(-) IR de ....... %

   

(=) Lucro Líquido (LL)

 

....... % de R$ ..................

(+) Depreciação

   

(=) Fluxo de Caixa Livre (FCL)

PEE = 0

 

Se salários são impenhoráveis, tal axioma normativo é violado, acintosamente e sem qualquer pudor, pela Penhora On Line, quando aplicada nas contas da empresa.

Se o princípio é o da preservação da empresa, o escopo da penhora On Line é o da extinção da empresa.

Se a empresa tem função social e fomentadora da economia, sendo ela meio de crescimento do PIB, a penhora On Line tem função desagregadora e inibidora do crescimento econômico.

A visão arcaica e desatualizada de que a empresa tem função exploradora da comunidade e existência somente para gerar lucro aos seus sócios ou seus acionistas é totalmente equivocada.

Pela análise do DRE, quem recebe primeiro são os credores, os empregados, os fornecedores, o governo. E por último, se houver lucro, os sócios ou acionistas.

Isso tem que ser levado em conta pelo magistrado ao se utilizar do Bacenjud, haja vista a empresa ter um papel muito mais abrangente e vital na comunidade em que se insere. A empresa, hoje, tem que atender aos seus stakeholders juntamente com seus interesses, a saber[9]:

Seus consumidores (com interesses em qualidade, satisfação, preço e prazo);

Seus colaboradores diretos e indiretos (com interesses em salários, benefícios, qualificação, reconhecimento, estabilidade, boas condições de trabalho e desenvolvimento profissional);

À comunidade (com interesses em qualidade de vida, geração de empregos e renda, preocupação com o meio ambiente);

Aos fornecedores (com interesses em relações comerciais éticas, estáveis, colaborativas e mutuamente vantajosas);

Ao governo (com interesses em geração de tributos, investimentos e cooperação com as políticas governamentais).

Nessa cadeia, mas em último lugar, como já dito, estão os acionistas ou sócios (com interesses no retorno do capital investido e no lucro, se houver).

Antes de determinar o bloqueio das contas da empresa, o Magistrado, munido dos princípios constitucionais para a escorreita interpretação e harmonização da ordem judicial com a Carta Magna, precisa ter em mãos o Demonstrativo de Resultado da Empresa (DRE) e o Balanço dela para servirem também de contra-ponto a essa medida extrema, pois, de posse dessas informações, poderá identificar estoques, imobilizado, investimentos em debêntures e ações de outras companhias (que não influem no operacional da empresa), e que poderão sevir de garantia do juízo sem prejuízo da existência da empresa executada.[10]   


X- PENHORA ON LINE. UM MEIO VEXATÓRIO DE RECEBER TRIBUTOS

Além disso, a penhora On Line aplicada pelo Estado como meio de receber tributos não pagos em execução fiscal, é meio vexatório e extremamente gravoso, desproporcional e irrazoável de exigi-lo. Portanto, há violação do art. 316, § 1º do Código Penal, em razão do modo gravoso e violenta de como é feita – sobre o faturamento da empresa:

“Se o funcionário exige tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza”.

No caso de uma execução fiscal, repetimos por amor à didática, a CDA que enseja o processo executivo, tem presunção de certeza, liquidez e exigibilidade. É uma presunção, mas que relega impugnação contra esse lançamento somente após constrição de bens do executado (se não for caso de afastamento dessa constrição via oposição de Exceção de Pré-Executividade). Assim, a defesa contra essa execução poderá ser exercida, após garantido o juízo, por meio de embargos.

Se a dívida, objeto da execução fiscal, estiver decaída, ou  prescrita, ou ser indevida, ou ser uma cobrança a maior, ou se fato gerador que ensejou o lançamento não ocorreu etc., a penhora On Line torna-se um meio vexatório e extremamente gravoso de cobrança e que a lei, quando comparada aos princípios constitucionais já explicitados, não pode autorizar, jamais.


XI - DO BEM MAIOR A SER DEFENDIDO

Dilema: Que bem é maior? A vida da empresa e sua continuidade e que nutre a vida de todos os seus colaboradores diretos e indiretos, sustenta a economia e o Poder Público, ou tributos confiscatórios?  Obvio que o BEM MAIOR a ser defendido é a empresa e o direito dos funcionários, dos fornecedores, enfim, de todos os colaboradores em função do papel holístico que a empresa tem no meio da comunidade em que está inserida.

Essa sistemática de “não pagou os tributos” execução fiscal e penhora On Line no Faturamento da Empresa desencadeia quebra, ruína, falência, bancarrota, pulverização, desemprego, inadimplência, prejuízo social, aumento da criminalidade, prejuízo para economia, prejuízo para os cofres públicos, menos impostos, prejuízo para os funcionários públicos e agentes políticos, tributos mais onerosos e, por conseguinte, CONFISCATÓRIOS. Verdadeira Bomba Atômica.

A Penhora On Line dentro dos contextos abordados nesse trabalho, é ilegal porque viola o art. 620 do CPC. Diz o citado artigo que, em sendo cabível promover a execução por vários meios, caberá ao Juiz mandar que faça da maneira menos gravosa possível. Não sendo observado esse princípio do meio menos gravoso, partindo-se direto para a Penhora On Line há erro interpretativo grave e que culmina em descumprimento da própria lei processual, culminando em muitos efeitos colaterais danosos.

Metaforicamente, para ganhar a guerra contra o devedor, devem ser usados mísseis teleguiados por GPS, com precisão métrica e com o fim de atingimento de alvos militares somente, com o mínimo de efeito colateral indesejável aos civis. E a Constituição e seus princípios são esse GPS a ser utilizado pelo magistrado no uso desse instituto tão extremo e perigoso.

Ou seja: a constrição de bens da Executada, mormente os valores financeiros, somente poderá ser realizada quando não a leve ao trancamento total, nem à obstrução na continuidade de suas atividades econômicas e de subsistência.

Assim é que, neste passo, a Penhora On Line é inconstitucional, ilegal e reveste-se de decretação indireta de falência da empresa executada, violando o Princípio da Preservação e Continuidade da Empresa, princípio este que embasa a Nova Lei de Falências – Lei nº 11.101/2005, art. 47. Como consequência dessa inobservância, a empresa, face à impossibilidade de manutenção de suas atividades em razão dessa violência, acabará por fechar as portas, prejudicando toda a Sociedade e o Estado Democrático de Direito.

A Penhora On Line é um corte com bisturi, grande e profundo na veia jugular da empresa que culminará em morte. A empresa é uma pessoa por ficção jurídica. A Constituição Federal colocou como Princípio Fundamental em seu artigo 1º, III, como fundamento do Estado Democrático de Direito a “dignidade da pessoa humana” e como Direito e Garantia Fundamental, em seu artigo 5º, caput, a “inviolabilidade do direito à vida”.

Vida orgânica do ponto de vista biológico e vida da instituição como detentora de direitos e obrigações, que nasce e também morre, e que, por ser composta por pessoas que lá trabalham e obtém também seu sustento e preservação biológica, psicológica e material, lutam para que a pessoa jurídica perpetue. O Estado, seja ele juiz, executivo ou legislativo, deve atender o direito à vida e à sua inviolabilidade.

Tanto é assim que, o Estado, invariavelmente, socorre as montadoras de veículos e bancos. Mas toda e qualquer empresa tem direito à vida, seja ela grande ou pequena, centenária ou infante, da mesma forma que a pessoa humana, seja ela velha ou criança, branca ou preta, pobre ou rica, tem. 

O princípio da preservação da vida é tão imanente, tão potente no ser humano que estudos americanos feitos com prisioneiros e prisioneiras condenados à morte, seja de que tipo for, momentos antes de serem mortos, os homens ejaculavam e as mulheres ovulavam, involuntariamente, demonstrando que a natureza, com o fito de preservar a espécie, em obediência ao comando genético de perpetuação da vida, comanda, como um grito de esperança e de desespero, tais reações àqueles que estão conscientes da morte iminente.[11]

Preservar a instituição empresarial é vital para a sociedade hodierna: a pessoa jurídica tem função social (gera emprego e constrói o cidadão porque o afasta da marginalidade), econômica (a empresa gera riqueza para o país, renda para o trabalhador e mais três pessoas a ele ligado) e fiscal (porque paga tributos).

Sem a empresa não há riqueza, não há emprego, não há Estado que, observa-se, é financiado pelos tributos que arrecada, pagando seus servidores.

Havendo extinção da empresa, não há sociedade moderna organizada.

Portanto, A EMPRESA, por ter abrangência e influência holísticas, É VITAL PARA A SOCIEDADE EM QUE VIVEMOS e a Penhora On Line, aplicada inadivertida e desmedidamente, sem o cotejo e harmonização do jurista com os princípios constitucionais e normas infraconstitucionais tratados acima, desencadeada, por vezes, como meio de pressão ou recebimento de tributos atrasados ou de cobrança duvidosa, bloqueando valores que excedem o objeto da execução, é o corte fundo e largo na jugular da empresa. A morte é questão de tempo.

O uso da penhora On Line é medida extrema que priva a empresa daquilo que lhe dá liberdade para operar: recursos financeiros. Para aplica-la, deve o magistrado fazê-lo com o mesmo cuidado e equilíbrio que o leva a decretar a prisão do indivíduo, privando-lhe de liberdade.

Afinal, como dizia Voltaire, em sua obra “Cândido ou o Otimismo”, a virtude está no equilíbrio.


XII – O DESEQUILÍBRIO PODE CONDUZIR À LOUCURA

Observa-se que a criação e aplicação da Penhora On line pelo Estado, sem comedimento e sem sensibilidade, dentre outras “peripécias”, nos leva a compará-lo, guardada as devidas proporções, a Simão Bacamarte, protagonista da obra de Machado de Assis, “O Alienista”, pela total falta de senso e de equilíbrio no exercício de seu mister. Simão, médico conceituado em Portugal e na Espanha, decide enveredar-se pelo campo da psiquiatria e inicia um estudo sobre a loucura e seus graus, classificando-os. Funda a Casa Verde, um hospício na vila de Itaguaí e abastece-o de cobaias humanas. Passa a internar todas as pessoas da cidade que ele julgue loucas; o vaidoso, o bajulador, a supersticiosa, a indecisa etc. Costa, rapaz pródigo que dissipou seus bens em empréstimos infelizes, é preso por mentecapto. A tia de Costa que intercedeu pelo sobrinho também foi trancafiada. O mesmo acontece com o poeta Martim Brito, amante das metáforas, internado por que se referiu ao Marquês de Pombal como o dragão aspérrimo do Nada. Nem dona Evarista, esposa do Alienista escapou: indecisa entre ir a uma festa com o colar de granada ou o de safira. O boticário, os inocentes aficionados em enigmas e charadas, todos eram loucos. No começo a vila de Itaguaí aplaudiu a atuação do Alienista, mas os exageros de Simão Bacamarte ocasionaram um motim popular, a rebelião das canjicas, liderados pelo ambicioso barbeiro Porfírio. Porfírio acaba vitorioso, mas em seguida compreende a necessidade da Casa Verde e alia-se a Simão Bacamarte. Há uma intervenção militar e os revoltosos são trancafiados no hospício e o alienista recupera seu prestígio. Entretanto Simão Bacamarte chega à conclusão de que quatro quintos da população internada eram casos a repensar. Inverte o critério de reclusão psiquiátrico e recolhe a minoria: os simples, os leais, os desprendidos e os sinceros.O alienista, contudo, imbuído de seu rigor científico percebe que os germes do desequilíbrio prosperam porque já estavam latentes em todos. Analisando bem, Bacamarte verifica que ele próprio é o único sadio e reto. Por isso o sábio internou-se no casarão da Casa Verde, onde morreu dezessete meses depois, apesar do boato de que ele seria o único louco de Itaguaí, recebeu honras póstumas.

Diante do que assistimos, é o Estado o único sadio e reto em “Itaguaí” ou o único louco de lá? Ou melhor, daqui?             


BIBLIOGRAFIA

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Notas

O Princípio da Proporcionalidade e o Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 2000, p. 141-143. Cf. também citação feita pelo Min. Celso de Mello, RE. 37.4981/RS. Informativo STF nº 381.


[1] José Souto Maior Borges, Lei Complementar Tributária, RT/Educ, São Paulo, 1975, pp. 13/14.

[2] El Principio General de la Buena Fé em el Derechoi Administrativo, Madri, Real Academía de Ciencias Morales y Políticas, 1983, pp. 45-46.

[3] Interpretação e Aplicação da Constituição, 1ª ed. São Paulo, Saraiva, 1996, p. 141.

[4] Derecho Justo. Fundamentos de Etica Juridica. Madrid: Civitas, 1993.

[5] Curso de Direito Administrativo, 8ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 1996, p. 545.

[6] MARION, José Carlos. Contabilidade Empresarial. Livro Texto, 14ª Ed. São Paulo: atlas, 2009, 530 p.

PEREZ JR, José Hernandez. Elaboração e Análise das Demonstrações Contábeis. Livro Texto 4ª Ed. São Paulo: atlas, 2009, 284 p.

ROSS, Westerfield  e Jaffe, Administração Financeira – Corporate Finance, Atlas.

[7] Strutz, Prof. Alexandre da Costa. Finanças Corporativas. FGV Management, 2010

[8]Silva Sá, Prof. Carlos Alexandre Barbosa da. Orçamento e Controle. FGV Management, 2010.

[9] Strutz, Prof. Alexandre da Costa. Finanças Corporativas. FGV Management, 2010

[10] Silva Sá, Prof. Carlos Alexandre Barbosa da. Orçamento e Controle. FGV Management, 2010.

[11] De Mello, André Queiroz Ferreira. Ética e Valores Humanos. FGV Management, 2010


Autor

  • Rodrigo Silva Coelho

    Rodrigo Silva Coelho

    Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e fez da matéria tributária sua especialidade. Possui MBA em Gestão Empresarial pela FGV – Fundação Getúlio Vargas. Pela Universidade São Francisco – USF – Campinas/SP e pelo IBET. Sócio-fundador da empresa Eagle Fly, que atua na assessoria e consultoria empresarial. Escritor e articulista na área fiscal.

    Autor dos livros: “Da Inconstitucionalidade E Ilegalidade Da Penhora On Line Quando Aplicada, Sem Critério e Irrestritamente, Em Execuções Fiscais Contra Empresas” – 2011 - no prelo, “Uma Carta à um Nação Atéia” - 2008, “O Peregrino” - “Manual/manifesto de defesa contra a volúpia fiscal do Estado, contra as violências, as arbitrariedades de seus órgãos e de seus agentes administrativos” - 2007, “Credibilidade Brasil x Créditos Financeiros” – 2003 – co-autoria.

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COELHO, Rodrigo Silva. Da inconstitucionalidade e ilegalidade da penhora on line quando aplicada, sem critério e irrestritamente, em execuções fiscais contra empresas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3498, 28 jan. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23562. Acesso em: 19 maio 2024.