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Falsos perfis nas redes sociais virtuais: direito à identidade

Falsos perfis nas redes sociais virtuais: direito à identidade

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As redes sociais devem exigir uma identificação efetiva de usuários nesses ambientes, com o fim de impedir a criação de falsos perfis.

Resumo: Este artigo trata da violação aos direitos à identidade, honra e imagem no contexto das redes sociais virtuais, especificamente no que diz respeito à criação de falsos perfis por parte dos usuários. Propõe, também, uma análise da responsabilização civil pelos danos causados por essa violação.

Palavras-chave: Direito de personalidade – Identidade – Redes sociais virtuais – Falsos perfis – Responsabilidade civil.

Sumário: 1. Introdução - 2. O surgimento da internet - 3. A internet no Brasil - 4.  As redes sociais virtuais. - 4.1. Das características fundamentais das redes sociais - 4.2. Das principais redes sociais virtuais. - 4.3. Falsos perfis nas redes sociais. - 4.4. Da ausência de controle de dados. - 5. Do direito à identidade. - 5.1. Aspecto estável do direito à identidade. - 5.2. Aspecto dinâmico do direito à identidade. - 6. Da responsabilização civil das redes sociais. - 7. Conclusão - 8. Referências bibliográficas.


1. Introdução

A disseminação das denominadas “redes sociais” ou “sites de relacionamento” entre todas as camadas sociais com acesso à rede mundial de computadores, ao longo da última década no país, é uma realidade que, todavia, veio desacompanhada de uma legislação atuante e específica.

Neste cenário de desamparo legal, aliado à inexistência de mecanismos efetivos de controle de cadastros e conteúdo, muitos utilizam esses ambientes virtuais como instrumento para a criação de falsas identidades, fazendo-se passar por outrem ou, simplesmente, criando identidades fictícias e, bem assim, praticar atos atentatórios aos direitos de terceiros, freqüentadores ou não dessas mesmas redes.

O assunto ganhou relevo e já figura entre os principais temas, atualmente, no contexto da internet e, mais especificamente, dos sítios de relacionamento.

O legislador está, agora, com a difícil tarefa de compor um quadro normativo efetivo de utilização racional e ética desses ambientes virtuais, coibindo a utilização de falsas identidades na rede mundial.

De outro lado, o Judiciário, carecedor de ferramentas, está com a missão de obstar toda a sorte de danos aos direitos da personalidade ou, na maioria das vezes, ainda, apenas remediá-los.

O presente trabalho buscará compreender o fenômeno das “redes sociais virtuais”, a maneira como elas são utilizadas para, em muitos casos, lesionar os direitos à identidade de terceiros, por meio da criação de falsos perfis, bem como destacar as recentes decisões do Judiciário envolvendo a questão, mormente os mecanismos de proteção e responsabilização civil.

 


2. O surgimento da internet

O fenômeno da internet ou a rede mundial de computadores teve sua origem nos Estados Unidos da América, no final dos anos 1960, em plena guerra fria, para fins militares.

O governo norte-americano queria desenvolver um sistema de comunicação que não os deixasse vulneráveis na hipótese de um ataque a bombas, sendo capaz de interligar pontos estratégicos, como centros de pesquisas e bases das Forças Armadas.

Naquele contexto histórico, os Estados Unidos observavam os rivais da União Soviética avançando em sua expansão espacial, colocando o primeiro satélite em órbita espacial, o Sputnik, em outubro de 1957; mandando o primeiro ser vivo em uma viagem espacial, a cadela Laika, à bordo do Sputnik 2, em novembro de 1957; mandando o primeiro homem a viajar pelo espaço, Yuri Gagarin, em abril de 1961, a bordo da Vostok I. Também observavam a ascensão do comunismo na China, assistiam ao fracasso na Invasão da Baía dos Porcos e acompanhavam a crise dos mísseis, ambos em Cuba, e enfrentavam a difícil guerra contra o Vietnã do Norte.

Diante desse cenário, interpretado como um flagrante desequilíbrio na denominada guerra fria, os norte-americanos decidiram investir no desenvolvimento tecnológico, fomentando a pesquisa nos meios acadêmicos, em busca de novas formas de trânsito e armazenamento de informações. Sabiam que o domínio de um sistema de comunicação eficiente poderia ser a diferença entre ganhar ou perder uma guerra.

Com essa finalidade, em 1969, foi desenvolvida pela agência Americana ARPA (Advanced Research and Projects Agency), órgão responsável pelo desenvolvimento de pesquisas científicas e tecnológicas para fins militares, uma rede que interligava computadores, por cabos subterrâneos, com o objetivo de interconectar as bases militares e os departamentos de pesquisa do governo norte-americano. Esta rede foi batizada com o nome de ARPANET ou ARPANet.

A rede funcionou pela primeira vez em janeiro de 1972 e interligou computadores de quatro centros de pesquisa: Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), Instituto de Pesquisas de Stanford, Universidade da Califórnia em Santa Bárbara e Universidade de Utah em Nevada, todas, portanto, na costa oeste dos Estados Unidos. Os cientistas da UCLA enviaram uma mensagem de texto: “você está recebendo isto?”, à que se seguiram as três respostas de cada um dos outros centros: “sim”.

Em 1974, a ARPANet já interligava mais de cem computadores. Desde então, as conexões aumentaram em rápida velocidade e novos investimentos foram efetuados pelo governo norte-americano, que administrava todos os pontos da ARPANet espalhados pelo país.

Em meados da década de 1980, os limites militares de utilização deram espaço à pesquisa e à divulgação acadêmica. Em 1985, a norte-americana National Science Foundation (NSF), decidiu investir na montagem de diversas redes, baseadas na ARPANet, para atender a comunidade acadêmica. Neste momento surgiu a Bitnet, que transportava mensagens de correio eletrônico, a NSFnet, que permitia o uso interativo de computadores remotos e a troca de arquivos e de mensagens de e-mail, e a Usenet, que circulava boletins eletrônicos de informações, entre outras redes de usos específico.

Em 1990, o físico inglês Tim Berners-Lee, no Laboratório Europeu de Partículas Físicas (CERN), na Suíça, desenvolveu a denominada World Wide Web, que popularizou a internet no mundo.

“A web, como ficou mais conhecida, nada mais era que um espaço em que as informações armazenadas nos milhões de computadores que formavam a Internet podiam ser acessadas com um simples clique de mouse. Isso era possível graças à tecnologia de hipertexto, que permitia a ligação de diversos textos e arquivos – daí a palavra link –, tornado-os disponíveis para qualquer computador conectado à Internet.

Cada documento então recebeu um endereço, denominado Uniform Resource Locator ou URL, composto por um identificador de hipertextos – o famoso HTTP, de Hypertext Transfer Protocol – e um sinal de que ele estava disponível na Web (o célebre www).” (VIEIRA, 2003, p. 6).

Em 1991, foi lançado o programa Gopher, desenvolvido por Paul Lindner e Mark McCahill, da Universidade de Minesota, que permitiu que os documentos da internet fossem acessados por meio de uma visualização mais amigável, que não aquela tela negra com letrinhas verdes. O programa organizava as informações da internet por assunto, e os disponibiliza por meio de uma estrutura hierárquica na forma de “pastas” (diretórios), semelhante ao do “gerenciador de arquivos” do Windows. Clicando sobre uma pasta, o Gopher mostrava as outras pastas e/ou arquivos que se encontravam dentro desta.

Na sequência, em 1993, foi lançado o programa Mosaic, desenvolvido pelo norte-americano Marc Andreessen, no National Center for Supercomputing Applications (NCSA), que foi o primeiro programa de navegação (ou browser) da história, e inseriu uma interface gráfica, permitindo o compartilhamento não apenas de textos e arquivos, mas também imagens, sons e gráficos em locais de atualização dinâmica, os denominados sites.

O que se viu nos anos seguintes foi a introdução de redes privadas à já denominada internet, com o surgimento, no início dos anos 1990, dos grandes provedores de acesso, os quais difundiram a utilização da rede mundial de computadores em todo o planeta.


3. A internet no Brasil

O Brasil aderiu à internet em 1988 e o seu desenvolvimento também se deu no ambiente acadêmico e científico. Nesse ano, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), ligada à Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia, realizou a primeira conexão à rede através de uma parceria com o Fermi National Accelerator Laboratory (Fermilab), um dos mais importantes centros de pesquisa científica dos Estados Unidos.

Na mesma época, outras instituições também aderiram à implantação de redes de comunicação, como o Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Em setembro de 1989, o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) criou a Rede Nacional de Pesquisa (RNP), com o objetivo de construir uma infra-estrutura de rede de Internet nacional de âmbito acadêmico. A RNP, coordenada pelo cientista Tadao Takahashi, criou uma gigantesca infra-estrutura de cabos, para suportar a rede mundial de computadores, espalhando pontos de conexão pelas principais capitais do país, e começou a operar o funcionamento da internet, distribuindo o acesso para universidades, fundações de pesquisa e órgãos governamentais espalhados por todo o país.

Em 1994 a internet no Brasil ultrapassou as fronteiras acadêmicas para se tornar de conhecimento de toda a sociedade. No final daquele ano, numa ação conjunta entre os ministérios da Ciência e Tecnologia (MCT) e das Comunicações (MC), a RNP e a Embratel iniciaram a exploração comercial do serviço de acesso à Internet, em caráter experimental.

No ano seguinte, o governo FHC promoveu a privatização do serviço, ante o receio de que estar-se-ia criando um monopólio estatal da Internet no Brasil.

Ainda em 1995, o governo federal criou o Comitê Gestor de Internet (GC), formado por representantes dos ministérios da Ciência e Tecnologia e das Comunicações, universidades, ONGs e provedores de acesso, para coordenar e integrar todas as iniciativas de serviços Internet no país, promovendo a qualidade técnica, a inovação e a disseminação dos serviços ofertados.

A partir de então, o número de usuários da internet no Brasil só aumentou. Consoante pesquisa divulgada pelo Ibope Nielsen Online, em agosto de 2011, o acesso à rede mundial de computadores de qualquer localidade (seja domicílio, trabalho, escolas, entre outros), atingiu 77,8 milhões pessoas no segundo trimestre de 2011, número 5,5% maior que no mesmo período de 2010 e 20% superior em comparação ao segundo trimestre de 2009.

O crescimento de usuários em domicílios apresentou elevação de 14,4%, saltando de 32,3 milhões, em agosto de 2010, para 37 milhões em agosto de 2011, o que demonstra que um número maior de brasileiros está tendo acesso ao primeiro computador pessoal.

Já o tempo do brasileiro em frente ao computador com acesso à rede de internet também teve alta, atingindo 69 horas por pessoa ao longo de agosto de 2011 – 6,4% superior ao mesmo mês de 2010.

O estudo também mostrou que, no mês da pesquisa, 39,3 milhões de pessoas fizeram parte de alguma comunidade cadastrada em uma das denominadas redes sociais virtuais, fato que posiciona os sites sociais como a terceira subcategoria em número de usuários e mantém o Brasil com o maior alcance em sites de comunidades entre os dez países acompanhados com a mesma metodologia.


4. As redes sociais virtuais

As denominadas “redes sociais virtuais” ou “sites de relacionamento”, são serviços online, plataformas ou sites disponibilizados na internet, que têm como objetivo construir redes ou relações sociais entre pessoas, que compartilham interesses e atividades em comum.

São, portanto, espaços específicos na rede mundial de computadores que abarcam verdadeiras estruturas sociais, compostas por pessoas que buscam o contato virtual fundado em afinidades e objetivos comuns.

Nesses “ambientes”, milhares de brasileiros disponibilizam, diariamente, informações, vídeos e imagens, pessoais ou não, reais ou “fabricadas”, que circulam na rede mundial e são acessadas por outros milhares de brasileiros.

Neste sentido, as redes sociais virtuais deixaram de ser apenas um espaço no qual as pessoas procuram umas às outras, por suas afinidades (e, por que não, diferenças), como forma de estabelecer novos parâmetros de amizade. Tornaram-se um poderoso meio de comunicação, de difusão de informação em tempo real.

O espaço já não é mais freqüentado somente por usuários domésticos. Artistas divulgam suas obras e criações, fomentando o mercado musical, teatral, artístico; pessoas jurídicas, reconhecendo o potencial de alcance desses sítios virtuais, utilizam o espaço, criando perfis corporativos ou se valendo da notoriedade de usuários para divulgar seus produtos e serviços; candidatos divulgam suas plataformas políticas; instituições educacionais propagam o conhecimento; centrais de notícias divulgam os últimos acontecimentos de relevância social (muitas vezes, nenhuma relevância). Neste aspecto, portanto, as possibilidades são ilimitadas.

4.1. Das características fundamentais das redes sociais

São características fundamentais das redes sociais virtuais:

(a) abertura: como regra, as redes sociais virtuais são abertas ao ingresso e participação de qualquer pessoa que tenha acesso a rede mundial de computadores. Por outro lado, ninguém é obrigado a permanecer nas redes sociais, podendo abandoná-las a qualquer momento.

(b) porosidade: as redes não possuem uma estrutura rígida. “Uma rede pode se desdobrar em múltiplos níveis ou segmentos autônomos, capazes de operar independentemente do restante da rede, de forma temporária ou permanente, conforme a demanda ou a circunstância” (MARTINHO, 2001). Nas palavras de Fábio Duarte e Klaus Frei: “Redes não são, portanto, apenas uma outra forma de estrutura, mas quase uma não estrutura, no sentido de que parte de sua força está na habilidade de se fazer e desfazer rapidamente” (DUARTE & FREI, 2005, p. 156).

(c) ausência de hierarquia: na medida em que funda relacionamentos horizontais e não hierárquicos entre os participantes, todos são iguais e ao mesmo tempo diferentes entre si. É a diversidade de talentos e experiências dos participantes, colocados em paridade, que resulta na riqueza das redes sociais (apesar de ser este, também, o principal elemento dificultador dos processos de articulação das redes).

(d) conexão pela identidade: o ponto de conexão entre os freqüentadores das redes se dá por meio da identidade estabelecida entre eles. Segundo Fritjoj Capra: “Os limites das redes não são limites de separação, mas limites de identidade. (...) Não é um limite físico, mas um limite de expectativas, de confiança e lealdade, o qual é permanentemente mantido e renegociado pela rede de comunicações”. (CAPRA, 2005, p. 156)

(e) o compartilhamento de informações: as redes permitem o compartilhamento, entre os seus usuários, de dados e informações nos mais variados formatos: textos, imagens, vídeos, sons, etc.

4.2. Das principais redes sociais virtuais

Existem na rede mundial de computadores, hoje, algumas dezenas de redes sociais virtuais, algumas dedicadas apenas a manutenção e ampliação de relacionamentos, outras dedicadas a assuntos profissionais. No Brasil, quatro sites se destacam como os mais freqüentados:

(a) Facebook: rede social fundada em fevereiro de 2004, por Mark Zuckerberg, Dustin Moskovitz, Eduardo Saverin e Chris Hughes, ex-estudantes da Universidade Harvard. Nela, usuários criam perfis que contêm fotos e listas de interesses pessoais, trocando mensagens privadas e públicas entre si e participantes de grupos de amigos. Possui mais de 800 milhões de usuários cadastrados, sendo a maior rede social do mundo e a mais freqüentada entre os brasileiros, atualmente, com 30,9 milhões de usuários únicos no mês de agosto de 2011 ou 68,2% dos internautas no trabalho e em domicílios (IBOPE Nielsen Online).

(b) Orkut: rede social filiada à Google, criada em janeiro de 2004, cujo nome é originado no projetista chefe, Orkut Büyükkökten, engenheiro turco do Google. Também se baseia na criação de perfis e troca de mensagens e arquivos, mas com a finalidade declarada de estimular as relações sociais, auxiliando o usuário a manter contato com antigos amigos e fazer novos contatos. Atualmente, é a segunda colocada em número de participantes, com 29 milhões de brasileiros ou 64% dos internautas no trabalho e em domicílios (IBOPE Nielsen Online).

(c) Twitter: criado em 2006 por Jack Dorsey, é uma rede social nos moldes de um “microblogging” que permite aos usuários enviar e receber atualizações pessoais de outros contatos (em textos de até 140 caracteres, conhecidos como "tweets"). As denominadas “atualizações” são exibidas no perfil de um usuário em tempo real e também enviadas a outros usuários seguidores que tenham assinado para recebê-las. O suporte, assim como nas redes sociais anteriores, permite o trânsito de arquivos de imagem e som. O Twitter marcou 14,2 milhões de brasileiros ou 31,3% dos internautas no trabalho e em domicílios (IBOPE Nielsen Online).

(d) Linkedin: criado em 2002 por Reid Hoffman, é uma rede social profissional que tem como objetivo conectar profissionais para a formação de um “networking”. É, portanto, uma rede social voltado para o mercado corporativo. O Linkedin conta com 135 milhões de usuários e, no Brasil, já soma mais de 4 milhões de cadastros.

4.3. Falsos perfis nas redes sociais

Os falsos perfis, também chamados de “fakes”, são cadastros falsos nas redes sociais, ou seja, perfis que não correspondem à real identidade do usuário, que se utiliza da identidade alheia ou, mesmo, cria personagens fictícios, que não existem no mundo real, para circular no ambiente virtual.

Por detrás dessas contas, usuários ocultam suas verdadeiras identidades por diversos motivos: viver no mundo virtual como se fosse outra pessoa por simples deleite, roubar informações privadas de outros usuários, ofender terceiros, invadir a intimidade das pessoas, entre outros.

Destacamos duas modalidades de falsificação de perfis: a) falsos perfis de “identidades reais”: espécie de “clone” de pessoas reais, nas redes sociais; e b) falsos perfis de “identidades fictícias”: nomes e perfis inventados, que não correspondem a qualquer pessoa real.

No início, o mais comum era a apropriação pelos usuários de identidades de celebridades. Caetano Veloso, por exemplo, declarou há alguns meses não ser adepto das redes sociais. Todavia há uma conta em seu nome no Twitter com mais de quinze mil seguidores.

Em novembro de 2011, a assessoria do senador Eduardo Suplicy publicou nota informando acerca dos vários perfis falsos criados no Facebook, em nome do político. Um deles, inclusive, afirmava falsamente que o senador seria candidato a deputado federal em 2014.

Outra que se indignou foi a jornalista Glória Maria, que afirmou publicamente que irá processar as redes sociais Facebook e Twitter em função de perfis falsos criados e alimentados por terceiros.

São estes alguns exemplos retirados da vasta literatura de falsos perfis de celebridades. Além de atrair inúmeros seguidores, ludibriando-os, os fakes ainda emitem informações e opiniões que acabam por ser creditadas a essas personalidades.

Há, também, a criação de falsos perfis de pessoas reais, mas não famosas, com o objetivo de difamá-las nas redes sociais. Funciona assim: o usuário mal intencionado cria um falso perfil, utilizando o nome e fotos de pessoas reais, fazendo se passar por essas pessoas, mas com informações e imagens pejorativas ou difamatórias. Aos olhos de terceiros, é como se a própria pessoa estivesse, a bem de dizer, se “auto-difamando” ou “auto-constrangendo”, quando, na realidade, a ação provém de um falso perfil.

Em 2009, o Tribunal de Justiça mineiro condenou o Google a pagar indenização a um jovem, vítima de falso perfil no qual ele era retratado como homossexual. O jovem pediu a retirada do falso perfil da rede social e reivindicou a indenização porque a empresa permitiu que a página fosse criada com imagens e mensagens pejorativas.

A criação de falsos perfis de pessoas reais também é utilizada para atacar outras pessoas nas redes sociais. Fazendo-se passar por terceiros, os “falsários” agem impunemente, na clandestinidade, imputando a prática de atos atentatórios a terceiros, que sequer sabem da criação desses falsos perfis.

Os exemplos, destas modalidades de falsos perfis de “identidade reais”, se multiplicam pelas redes, e um grande número de ações judiciais já aportou nos tribunais brasileiros.

Há ainda os que não se apoderam do perfil de terceiros, mas criam uma identidade de alguém que não existe, inventando um nome qualquer, o que denominamos de falsos perfis de “identidades fictícias”.

Recentemente, muitos sites veicularam notícias a respeito de um perfil no Twitter que ofendeu de forma gratuita pessoas do nordeste do país e outras localidades, gerando revolta em muitos usuários. Posteriormente, se descobriu tratar-se de um perfil falso, de alguém que, na realidade, não existe.

Este foi mais um caso do já denominado fenômeno “troll” ou, entre nós, um “trote”. O “troll” mais clássico é emitir opiniões com o objetivo de causar polêmicas. O usuário do falso perfil nem precisa concordar com a opinião exarada, ele pode dizer qualquer coisa, desde que cause tumulto.

Além do “trote”, a criação de falsos perfis nessa modalidade “identidade fictícia”, muitas vezes, serve ao propósito de ofender terceiros, freqüentadores ou não das redes. Recentemente, nos Estados Unidos, uma dona-de-casa foi condenada por crimes ligados ao uso indevido de computadores depois de ter criado um perfil falso na rede social MySpace, que teria levado uma adolescente de treze anos a cometer suicídio. De acordo com a acusação, essa senhora de 49 anos, teria criado um perfil falso de um jovem de 16 anos, com a intenção de humilhar a menina e espalhar boatos pela rede social.

Na esfera criminal, o problema dos falsos perfis também é terreno fértil. Em 2010, a Procuradoria Geral do Estado do Rio (PGE-RJ) ajuizou uma ação em face do Google por co-responsabilidade nos crimes de pedofilia, difamação, apologia ao crime, falsa identidade, entre outros, no site de relacionamentos Orkut. No Senado, a CPI da Pedofilia travou batalha com a empresa até conseguir estabelecer acordo que criou ferramentas de bloqueio de páginas com material pornográfico com crianças e adolescentes. Em março daquele ano, a comissão determinou que o Google abrisse o sigilo digital de mais de 1.200 conjuntos de dados. No mesmo período a empresa anunciou a erradicação de 98% do conteúdo pedófilo da sua rede social.

Outra questão, ainda na esfera criminal, é o “furto de identidade”. Nesta fraude em especial, que difere da criação de um perfil falso, as informações de login dos usuários são furtadas através de vírus, e depois as suas contas são acessadas pelo agente. O criminoso acessa a rede social, como se fosse o proprietário da conta, apropriando-se diretamente da identidade alheia, e conversa com amigos e familiares para pedir ajuda financeira ou qualquer outra vantagem.

Por fim, o fenômeno dos falsos perfis também passa por alguns pontos curiosos. Citamos como exemplo, a legião de perfis do Capitão Nascimento, o já lendário personagem do filme nacional “Tropa de Elite”. Na rede social Orkut, por exemplo, há uma comunidade denominada “Capitão Nascimento para presidente”, com mais de trinta mil seguidores.

4.4. Da ausência de controle de dados

Apesar do aumento de usuários e da incorporação das redes sociais virtuais como instrumentos da vida cotidiana, não há, todavia, um controle efetivo das pessoas que se cadastram para utilizar esses sites de relacionamento, tampouco do conteúdo que neles despejam. Sabemos: é esta uma das origens dos problemas.

Como conseqüência, muitos usuários desses ambientes, por ingenuidade ou má-fé, praticam uma série de atos ilícitos, atentatórios aos direitos da personalidade de terceiros em todas as suas modalidades. E muitos se valem do anonimato para tanto, criando os já indicados falsos perfis.

Com efeito, acreditando na distância virtual que os separa uns dos outros ou na certeza de que não serão identificados, escancaram a intimidade das pessoas, lançam afirmações falsas, desabonadoras ou injuriosas, publicam fotos e vídeos desautorizadamente, brigam publicamente, criam comunidades ofensivas e, muitas vezes, o fazem se passando por terceiros com a criação de falsos perfis.

De outro lado, apesar da fortuna acumulada, divulgada pelos meios de comunicação, os criadores dessas redes sociais virtuais pouco colaboram para o desenvolvimento de tecnologias ou ferramentas que atuem no sentido de assegurar um cadastro efetivo e seguro dos seus usuários, atuando no sentido de identificar, denunciar abusos e, assim, coibir a prática de atos atentatórios à personalidade.

De fato, os proprietários dessas redes insistem na afirmação de que, dada a abertura e volatilidade desses ambientes, não é possível garantir previamente a autenticidade dos cadastros efetuados pelos seus usuários, tampouco realizar um controle prévio de tudo o que é disponibilizado na rede.

As medidas adotadas pelos sítios se apresentam como pouco eficazes: uma ferramenta no próprio site pela qual a vítima denuncia o abuso e requer providências no sentido de que o perfil falso seja excluído da rede social. A exclusão pode demorar dias e exige que a vítima faça uma série de provas para comprovar ser quem realmente diz que é (o que deveria ter sido exigido do “falsificador”, no momento do cadastro, e não posteriormente da vítima). E o que dizer dos casos em que a vítima sequer é freqüentadora das redes sociais e não tem acesso à veiculação de informações do seu “clone”?

Vigora, portanto, um regime de absoluta insegurança e abusos nesses ambientes: ao passo em que direitos estão sendo violados, os agentes se escondem na clandestinidade de falsos perfis, proporcionada por um suporte virtual (propositadamente) falho e os criadores desses sítios virtuais se esquivam de toda e qualquer responsabilidade, fazendo dos ambientes virtuais um mundo sem lei, de violações e impunidade.


5. Do direito à identidade

A construção do significado e alcance do direito à identidade passa por uma leitura civil-constitucional do termo, devendo ser concebida como um direito fundamental da pessoa em sentido amplo e não somente como um direito subjetivo da personalidade tutelado pelo Direito Privado.

Para Pietro Perlingieri, os direitos que tutelam a personalidade humana expressam, em verdade, mais que um mero direito subjetivo, mas um “valor”:

“A personalidade, portanto, não é um direito, mas sim, um valor (o valor fundamental do ordenamento) e está na base de uma série aberta de situações existenciais, nas quais se traduz a sua incessantemente exigência mutável de tutela. Tais situações subjetivas não assumem necessariamente a forma do direito subjetivo e não devem fazer com que se perca de vista a unidade do valor envolvido. Não existe um número fechado de hipóteses tuteladas: tutelado é o valor da pessoa sem limites, salvo aqueles colocados no seu interesse e naqueles de outras pessoas. A elasticidade da tutela se torna instrumento para realizar formas de proteção também atípicas, fundadas no interesse à existência e no livre desenvolvimento da vida de ralação” (PERLINGIERI, 2008, p. 764).

A Constituição Federal de 1988, erigida sobre a pedra fundamental do princípio da dignidade da pessoa humana, superou o paradigma patrimonialista que então vigia, para alocar no centro de todo sistema a pessoa humana, congregando valores e direitos fundamentais que garantem o processo de realização do indivíduo.

Neste sentido, esses valores e direitos fundamentais, consagrados nos artigos 1º e 5º da Constituição, refletem as diferentes nuances ou dimensões de proteção do que deve ser compreendido como dignidade do ser humano. Entre essas dimensões, figura o direito à identidade.

“A força construtiva do ser emanada do texto constitucional indica que a ordem jurídica brasileira está voltada para a promoção e o desenvolvimento da pessoa humana. E a afirmação do ser para a pessoa significa a expressão de sua identidade” (CHOERI, 2010, p. 161).

Em outras palavras, reconhecer-se o direito à identidade como direito fundamental, constitucionalmente tutelado, é estabelecer um instrumento de realização da dignidade da pessoa humana, tutelado de maneira ampla.

Sob a leitura civil-constitucional, portanto, a identidade da pessoa humana deve ser compreendida sob diferentes perspectivas, conforme lição de Raul Cleber da Silva Choeri (2010, p. 163), que superam aquelas enumeradas no Código Civil, no capítulo que trata dos direitos da personalidade.

5.1. Aspecto estável do direito à identidade

Numa primeira perspectiva, destacamos o “aspecto estável” do direito à identidade, o qual reúne os elementos que respondem pela materialidade da identidade, de percepção imediata e, via de regra, de natureza perene, como o nome, nacionalidade, filiação, sexo, etc.

O Código Civil, neste ponto abordou apenas o direito ao nome, dedicando a ele quatro artigos, dentre os onze dispositivos dedicados aos direito da personalidade. Para Maria Celina Bodin de Moraes:

“O nome é o substantivo que se emprega para designar as coisas e as pessoas. Adquire relevo especial, do ponto de vista jurídico, quando serve para individualizar pessoas. Este é justamente o primeiro aspecto a ser evidenciado, isto é, o da importância do nome como o sinal designativo que permite a individualização da pessoa humana, constituindo, por isso mesmo, um dos direitos mais essenciais da personalidade” (MORAES, 2010, p. 149).

Conclui a autora:

“A relevância do nome não se reduz, então, como outrora, à designação como pertencente a determinada família. O nome, hoje, integra-se de tal maneira à pessoa e à sua personalidade que com ela chega a se confundir, vindo a significar uma espécie de sustentáculo dos demais elementos, o anteparo da identidade da pessoa, a sede do seu amor-próprio” (idem, p. 152)

De fato, o direito ao nome é a expressão maior do direito à identidade, no seu aspecto estável, merecendo ampla proteção do Estado. Neste sentido, em consonância com o tema analisado neste estudo, há de se destacar as duas faculdades atribuídas ao indivíduo no gozo desse direito: a) a de usá-lo e b) a de defendê-lo.

Quanto à faculdade de usá-lo, o indivíduo tem o direito de se fazer chamar por ele e “resume-se praticamente no poder de exigir a retificação do nome nos atos em que for alterado” (GOMES, 2010, p. 123).

Quanto à faculdade de defendê-lo, o indivíduo tem o direito de agir contra quem o usurpe, empregando-o para expor o verdadeiro titular ao desprezo ou ao ridículo. Mesmo que este não seja o objetivo, o simples fato da utilização indevida já merece a proteção jurídica. Para Orlando Gomes, “o titular tem direito a agir contra quem o usurpa, ainda quando o uso por outrem acarrete, tão só, o risco de confusão. A ação tem por fim obter a proibição do uso” (2010, p. 123).

Portanto, a criação de falsos perfis, com usurpação de nome alheio (falsos perfis de “identidades reais”) deve ser combatida com rigor, tenha ele sido utilizado para a prática de atos lesivos contra o verdadeiro titular ou terceiros, ou não. A simples utilização do nome, gera o direito de defendê-lo, fazendo cessar o uso, sem prejuízo de eventual indenização por danos sofridos.

5.2. Aspecto dinâmico do direito à identidade

A segunda perspectiva do direito à identidade se refere ao “aspecto dinâmico”, sendo constituído por elementos imateriais da identidade, de percepção mediata, variável ou não, como a ideologia, a forma de pensar, a espiritualidade, a orientação religiosa, a orientação sexual, etc.

“Toda pessoa é um tipo único identitário, diferente das demais: humanista, socialista, ecologista, simpatizante de algum clube futebolístico, advogado, engenheiro, médico, católico, umbandista, muçulmano, etc. Todos esses pertencimentos podem ser modificados no exercício da autonomia de que cada pessoa goza como ser física, moral e espiritualmente livre.

Enquanto expressão da vida vivente, a identidade é fluida, não se congela no tempo, renasce, renova-se com o interagir social, na busca da realização do projeto pessoa de vida” (CHOERI, 2010, p. 161).

O conceito que ora se busca é o que a doutrina denomina de “verdade pessoal” ou o direito de toda pessoa de expressar quem realmente é, em suas realidades moral, intelectual, religiosa, sexual, genética, entre outras. A tutela ao direito à identidade, portanto, deve coibir atos que falseiem a “verdade” pessoal de cada indivíduo, seja ela qual for.

No presente estudo dos falsos perfis nas redes sociais, é notório que o falsificador, muitas vezes, não usurpa apenas o nome de terceiros (aspecto estável), mas, nas atividades do falso perfil, distorce outros aspectos do direito à identidade ligados, justamente, à “verdade pessoal” da vítima.

É comum entre os falsos perfis nas redes sociais, ao se passar por pessoas reais, a falsa atribuição de opiniões, pensamentos, ideologias políticas e religiosas e, até mesmo, orientação sexual. Muitos utilizam deste expediente com o intuito de humilhar, zombar ou colocar em descrédito as vítimas. A esse respeito, uma vez mais, Raul Choeri:

“A tutela da identidade, sob o prisma da garantia da verdade pessoal, alcança as denominadas identidades genética e sexual, e estende-se à projeção psicossocial – intelectual, moral, política, religiosa, ideológica e profissional. Toda vez que a pessoa sofre alteração em suas características e qualidades, ou é representada com características ou qualidades inexistentes ou diversas das reais, ou quando se omite algum dos aspectos que definem sua identidade, configura-se lesão à identidade” (CHOERI, 2010, p. 244).

Pelo exposto, o dano à identidade, em razão da extensão jurídica do próprio objeto tutelado, numa leitura civil-constitucional que confere amplitude à sua incidência, não se reduz à lesão ao direito ao nome. Resulta, sim, da violação à cláusula geral de proteção da pessoa humana, na medida em que impede a expressão da verdade pessoal em todas as suas nuances, materiais e imateriais, e, por conseqüência, da realização da dignidade da pessoa humana.


6. Da responsabilização civil das redes sociais

No que diz respeito à responsabilização civil pela criação de falsos perfis nas redes sociais virtuais, sustentamos que, num primeiro plano, deva recair sobre o “falsificador” ou aquele que usurpa identidade alheia para transitar nos ambientes virtuais. Nada mais natural, na medida em que é ele o autor direto do ato lesivo.

Ocorre, porém, que esse usuário mal intencionado, na maioria das vezes não pode ser identificado fora das redes, no mundo real, pois não forneceu qualquer dado verdadeiro, tampouco há tecnologia capaz de localizá-lo.

Nessa hipótese, em que o criador do falso perfil não pode ser identificado, sustentamos que os proprietários das redes sociais respondam pelos eventuais prejuízos suscitados pelas vítimas, na medida em que esse ambiente de insegurança foi criado pelas próprias redes sociais, cujos donos se negaram a investir em mecanismos de controle efetivo de ingresso, aproveitando-se de uma legislação omissa.

Enquanto tais medidas não forem adotadas pelas redes sociais virtuais, incidirá nos casos em análise a denominada “teoria do risco do negócio”, pela qual haverá obrigação de reparar o dano, independentemente da demonstração de culpa, quando a atividade normalmente desenvolvida por determinada pessoa implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Neste sentido, a posição de Bruno Miragem:

“Não parece haver dúvida que as atividades habitualmente realizadas na Internet - em caráter profissional, no mais das vezes, pelo provedor de conteúdo - dão causa a risco de danos a terceiros. Neste sentido, correta é a aplicação da cláusula geral de responsabilidade por risco, assinalando o caráter objetivo desta responsabilidade para o efeito de afastar a necessidade de demonstração da culpa do provedor de Internet. Destaque-se, naturalmente, que com isso não se afasta a necessidade de demonstração dos demais pressupostos da obrigação de indenizar (em especial, o dano e o nexo causal), mas aproxima sensivelmente o regime de responsabilidade do regime imposto aos fornecedores de serviço do Código de Defesa do Consumidor” (RDC 70, 2009, p. 41).

Ressalte-se: não estamos aqui a defender o controle prévio de conteúdo nas redes sociais. Estamos destacando a necessidade de identificação efetiva de usuários nesses ambientes para impedir a criação de falsos perfis.

Nos ambientes das redes sociais virtuais, em razão do papel intermediário de controladores do sistema pelos proprietários dessas redes, que tomam parte de uma certa forma nas atividades que neles são desenvolvidas pelos usuários, embora nem sempre exerçam um controle real sobre o conjunto das informações que neles circulam, essa participação poderia ser interpretada como implicando uma presunção de ciência do caráter ilícito da informação que se encontra no próprio sistema.

O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou pela qualificação da questão como acidente de consumo, fazendo incidir a regra do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, admitindo na hipótese que a atividade do fornecedor, mesmo que aparentemente gratuita ao consumidor direto, teria presente o critério de remuneração indireta. Diga-se, com destaque, que é notório que os proprietários das redes sociais lucram altíssimos valores ano após ano de atividade.

Mas o STJ foi além e reconheceu também que, independentemente da participação da vítima nas redes sociais virtuais, o caso reclamará a incidência da norma do artigo 17 do CDC, a qual equipara a consumidores todas as vítimas do evento danoso, atraindo por conseguinte, a incidência do regime de responsabilidade da legislação consumerista aos casos concretos. Neste sentido:

"Direito do consumidor e responsabilidade civil. Recurso especial. Indenização. Provedor da Internet. Divulgação de matéria não autorizada. Responsabilidade da empresa prestadora de serviço. Relação de consumo. Remuneração indireta. Danos morais. Quantum razoável. Valor mantido.

Inexiste violação ao art. 3.º, § 2.º, do CDC, porquanto, para a caracterização da relação de consumo, o serviço pode ser prestado pelo fornecedor mediante remuneração obtida de forma indireta.

Quanto ao dissídio jurisprudencial, consideradas as peculiaridades do caso em questão, quais sejam, psicóloga, funcionária de empresa comercial de porte, inserida, equivocadamente e sem sua autorização, em site de encontros na Internet, pertencente à empresa-recorrente, como ‘pessoa que se propõe a participar de programas de caráter afetivo e sexual’, inclusive com indicação de seu nome completo e número de telefone do trabalho, o valor fixado pelo Tribunal a quo a título de danos morais mostra-se razoável, limitando-se à compensação do sofrimento advindo do evento danoso. Valor indenizatório mantido em 200 (duzentos) salários mínimos, passível de correção monetária a contar desta data. (STJ, REsp 566.468/RJ, j. 23.11.2004, rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 17.12.2004)

Em julgado de 2009, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais condenou a Google (Orkut) ao pagamento de danos morais. Segundo o ofendido, a mencionada rede social deixou que fosse criada página e divulgadas imagens e mensagens pejorativas, que desrespeitaram a sua vida privada, e o Google sequer forneceu o nome e IP de quem a criou, razão pela qual deveria arcar com a responsabilidade daí decorrente.

Em acórdão da lavra do relator Desembargador Saldanha da Fonseca, o Google foi condenado ao pagamento de danos morais pela violação perpetrada por terceiro não identificado, usuário da rede social Orkut:

“A evolução científica dos meios de comunicação mostra-se patente, com isso o mundo se diz globalizado, e as pessoas buscam se relacionar de forma intensa. Nessa senda criam supostas comunidades virtuais, onde fazem confidências, mesmo sabendo do risco da exposição. Noutra ponta temos um prestador de serviço, que disponibiliza os acessos virtuais e nada cobra, mesmo sabendo da probabilidade de dano à honra e imagem das pessoas.

(...)

Afinal, a criação de comunidades virtuais tem por finalidade aproximar pessoas de diferentes regiões de planeta que se denomina globalizado e não imputar a qualquer delas situação vexatória à sua honra e imagem. Por isso o prestador desse serviço deve agir com diligência e não dizer que são muitos os acessos e impossível é o controle do conteúdo (contas). Ora, muitos acessos são bons para o negócio, todavia, que os muitos acessos (para criação de conta) sejam precedidos de identificação do participante, já que a responsabilidade do prestador de serviço, conforme visto alhures, é objetiva, por força da doutrina do risco criado.

(...)

Concluindo, o prestador do serviço orkut responde de forma objetiva pela criação de página ofensiva honra e imagem da pessoa, porquanto abrangido pela doutrina do risco criado; decerto que, identificado o autor da obra maligna, contra ele pode se voltar, para reaver o que despendeu.” (TJMG, APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0701.08.221685-7/001, Décima Segunda Câmara, Rel. Des. Saldanha da Fonseca, j. 5.8.2009).

Em caso que pode ser utilizado por analogia, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina condenou a filial da Yahoo! no Brasil a indenizar uma jovem que teve publicadas fotos suas em momentos de intimidade com o ex-namorado. No caso, tratava-se de serviço de hospedagem de páginas na internet e não propriamente de uma rede social.

O princípio, todavia, é o mesmo e diz respeito à disponibilização de conteúdo ofensivo na rede mundial de computadores, mediante suporte fornecido por empresa, para que usuários tenham acesso e publiquem informações na internet:

“Em resumo, qualquer pessoa, utilizando-se de informações suas ou de terceiros e sem a necessidade de comprovar a autenticidade das mesmas, pode iniciar, de forma simples, rápida e fácil, a construção e hospedagem de seu site. E isto, diga-se, sem qualquer restrição de seu conteúdo, já que não há prévia avaliação do que é publicado - o controle é feito apenas a fortiori, caso haja denúncia ou constatação, pela própria Yahoo!, de violação aos termos de serviço.

Nestes termos, é evidente que a atividade realizada pela recorrente, na forma em que a mesma a exerce, traz riscos que a ela são inerentes. A possibilidade de se desvirtuar o serviço oferecido é grande, clara e de fácil implementação, pelo que não se pode deixar de considerá-lo como atividade de risco. Ao diminuir a segurança no cadastramento de forma intencional, a recorrente assume o risco do desvirtuamento e deve, por isso mesmo, responder por eventuais prejuízos decorrentes do mau uso do serviço. A internet ainda é um mundo sem patrulheiros e onde as pessoas não tem rostos, de modo que a segurança deveria ser a primeira prioridade de qualquer empresa que nela atua.” (TJSC, APELAÇÃO CÍVEL Nº 2007.038693-2, Segunda Câmara, Rel. Des. Sérgio Izidoro Heil, j. 12.4.2010).

Nesse caso, como nos demais, envolvendo proprietários de redes sociais, a condenação se impôs, dada a atividade considerada de risco, desenvolvida pelas empresas, bem como a absoluta falta de controle efetivo de ingresso e trânsito de informações.


7. Conclusão

Pelo exposto, a tutela ao direito à identidade deve ser analisada sob o aspecto civil-constitucional, de maneira ampla, de modo a abarcar seus aspectos estáveis e dinâmicos, não se limitando ao direito ao nome, conforme tutelado no Código Civil.

É necessário analisar a violação de direito à identidade sob o aspecto da responsabilidade civil, não só do agente que diretamente cria os falsos perfis e veicula determinada informação textual, sonora ou visual (ou qualquer outra modalidade), mas, também, dos criadores e mantenedores dessas redes sociais virtuais.

A mera exigência de cadastro prévio para a participação nas redes sociais não deve afastar a responsabilidade dos sítios, na medida em que não há qualquer mecanismo de controle efetivo acerca da autenticidade desses cadastros, o que transforma esses ambientes em território sem lei.

Não se deve admitir que o ofendido seja prejudicado pela omissão das redes sociais na criação de mecanismos efetivos de controle do ingresso de usuários nas comunidades virtuais. Controle este que permita a identificação dos usuários que utilizam o ambiente para violar o direito à identidade de terceiros.

A jurisprudência pátria parece caminhar neste sentido, responsabilizando os proprietários das redes sociais virtuais de maneira solidária, concorrendo com os criadores dos falsos perfis, divulgadores de informações atentatórias ao direito à identidade, em todas as suas expressões. Não sendo estes passíveis de identificação, responde o proprietário da rede isoladamente, cabendo, em quaisquer das hipóteses, direito de regresso contra o causador direto do dano, acaso posteriormente identificado.


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Abstract: This article deals with the violation of the rights to identity, honor and image in the context of social networking, specifically with regard to creating fake profiles for users. Proposes also an analysis of civil liability for damages caused by such breach.

Keywords: Right of personality – Identity – Social networking websites – Fake profiles – Civil liability.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARINELI, Marcelo Romão. Falsos perfis nas redes sociais virtuais: direito à identidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3700, 18 ago. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25141. Acesso em: 1 maio 2024.