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Indenização por dano moral decorrente de acidente de trânsito

parâmetros para a fixação do quantum devido

Indenização por dano moral decorrente de acidente de trânsito: parâmetros para a fixação do quantum devido

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RESUMO

O presente trabalho aborda a indenização por dano moral decorrente de acidente de trânsito, e enfatizando a forma de fixação do quantum devido, traça um perfil geral do parâmetros utilizados pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso no ano de 2000, para arbitrar o quantum indenizatório.

Discute a falta de isonomia no arbitramento do quantum devido, apresentando uma proposta que enfatiza a necessidade da implementação de caracteres mais objetivos, a fim de que se obtenha um arbitramento mais justo e condizente com a lesão suportada.


1.0 INTRODUÇÃO

O ato ilícito decorrente de acidente de trânsito pode gerar, além de um direito à indenização material dos danos causados ao veículo e/ou à pensão alimentar advinda da perda de um ente querido, um direito referente ao sentimento de dor pela morte da pessoa amada, ou sofrimento causado por ferimentos.

Atualmente na doutrina e jurisprudência é admitido a fixação do dano moral, decorrente do acidente de trânsito, persistindo porém algumas dúvidas sobre os critérios para arbitrar um valor justo que compense as perdas sofridas pelo lesado.

A fim de contribuir para o esclarecimento destes critérios, realizou-se a presente pesquisa nos julgados do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, para verificar a existência de quaisquer parâmetros. Num segundo momento, apresenta-se uma proposta para a fixação da indenização, utilizando-se de critérios mais objetivos a fim de que o quantum não seja relegado unicamente ao livre arbítrio do Juiz.

Para isso, fez-se necessário especificar o conceito de dano moral que será objeto deste estudo e traçar considerações acerca da natureza jurídica da indenização por dano moral, e a sua influência na forma de fixação do quantum devido.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, em seu art.5º, incisos V e X, consolidou-se a indenização dos danos morais em nosso sistema jurídico. Assim, na ocorrência de um acidente automobilístico, o lesante não mais se restringe a efetuar o pagamento dos danos materiais causados no veículo e das despesas médicas do lesado; entende-se devido também a indenização por dano moral, seja pelo sofrimento, por seqüelas psicológicas ou físicas, ou pela morte de algum ente querido.

Seguindo essa tendência o Código Civil que vigorará a partir de 11/01/03, em seu artigo 186, prevê expressamente a existência do dano moral. Isto tudo, mediante a farta jurisprudência e doutrina sobre o assunto, torna superada qualquer discussão acerca da admissibilidade da indenização por dano moral.

Entretanto acerca dos parâmetros para a fixação do quantum devido neste tipo de indenização, o Novo Código Civil não trouxe inovações. A aferição da extensão do dano moral depende atualmente do arbítrio do juiz (art.1553 do atual Código Civil).

A fim de basilar suas decisões alguns Magistrados utilizam-se analogicamente de leis esparsas que versem sobre a matéria, como por exemplo, a Lei de Imprensa (Lei n.º 5.250/67 - art. 53, I a III), e o Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei n.º 4.117/62 - art. 81 a 88).

As leis supracitadas, uma vez que consideram critérios que são por demais subjetivos, contribuíram de maneira tímida para dispersar a dúvida de como fixar o quantum devido em indenizações por danos morais, relegando ainda ao arbítrio do juiz.

Faz-se necessário uma exegese mais apurada destes termos ou a busca por critérios mais objetivos, vez que na fixação do quantum devido, a decisão judicial continua sendo arbitrada sem parâmetros que defina o valor de uma vida, por exemplo.

Em conseqüência a esta falta de regulamentação, verifica-se através da doutrina, jurisprudência e notícias jurídicas, que vem-se produzindo em alguns tribunais do país, decisões contraditórias, imprecisas e sem uniformidade acerca da matéria.

No afã de exercer com responsabilidade o seu papel, a Magistratura, observando as circunstâncias fáticas e a gravidade da lesão arbitra de maneira mais justa possível o valor que entende devido. O problema está na subjetividade em que tal matéria foi relegada, ocasionando grande discrepâncias entre os entendimentos.

O magistrado respalda-se no art.1553 do Código Civil para após discorrer sobre as circunstâncias do fato, conduta do lesante, situação econômica das partes e extensão do dano, fixa o quantum indenizatório. Tal procedimento, entretanto é insuficiente, vez que o arbitramento em si continua relegado a subjetividade e falibilidade natural do ser humano, muitas vezes comovido com o caso concreto.

Não seria necessário que pelo menos se fixasse uma faixa de atuação onde o prudente entendimento do Magistrado pudesse variar para a fixação do quantum devido no caso concreto, como propõe SANTINI (1997:45)?

1.1 CONCEITO CONSIDERADO DE DANO MORAL

Para a perfeita compreensão deste trabalho, a perfeita definição de que tipo de dano moral se propõe a analisar toma contornos muito relevantes.

Danos morais, na definição citada por RODRIGUES (1995:188):

"...são lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição a patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico."

O dano moral se refere aos atos que ferem a integralidade moral do indivíduo, a sua imagem, transtornos psicológicos, danos físicos estéticos e perda de ente querido, sem que isso implique necessariamente na diminuição do seu patrimônio.

Ocorre que, é necessário distinguir, o chamado dano moral objetivo do dano moral subjetivo. Tal nomenclatura já foi usada no voto proferido pelo Ministro Ruy Rosado de Aguiar:

" Quando se trata de pessoa jurídica, o tema da ofensa à honra propõe uma distinção inicial: a honra subjetiva, inerente à pessoa física que está no psiquismo de cada um e pode ser ofendida com atos que atinjam a sua dignidade, respeito próprio, auto-estima, etc., causadores de dor, humilhação, vexame; a honra objetiva, externa ao sujeito, que consiste no respeito, admiração, apreço, consideração que os outros dispensam à pessoa."[grifo nosso] (STJ - RESP - Recurso Especial n.º 60033/MG, Quarta Turma, 09/08/95, publicado na Revista do Superior Tribunal de Justiça - RSTJ, Ano 08 n.º 85 Setembro /1996 p.268)

Este estudo considera como dano moral aquele que macula a parte afetiva do patrimônio moral, provocando dor, sofrimento, perda, frustração, desesperança, etc.

Este dano aqui será observado quando decorrente de um acidente de trânsito, como a dor e a tristeza provocada por uma mutilação, o sofrimento pela morte de alguém. Neste trabalho tratar-se-á da fixação indenização pelo dano moral subjetivo (sofrimento) causado às vítimas de acidente de trânsito.

1.2 NATUREZA JURÍDICA DA INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL

Há divergências doutrinárias acerca da natureza jurídica da indenização por dano moral. Há correntes que defendem que a mesma teria natureza compensatória (ressarcindo a vítima pelos danos sofridos), outras apontam para uma natureza punitiva (reprimindo o ofensor pelos atos que deram causa aos danos), e alguns ainda preceituam que a indenização por dano moral seria mista atendendo as duas funções.

Ocorre que, segundo SILVA (2000:1), para que se possa encontrar parâmetros para a fixação do dano moral, é importante que se faça essa definição:

"... fundamental é que o Juiz de forma clara, defina se a indenização é fixada como ressarcimento ou punição. Se a função da reparação civil for entendida como ressarcimento ou compensação deverá estabelecer critérios objetivos, ainda que de forma aproximada, para fixar o quantum indenizatório, o que consiste em avaliar de forma não emocional, isenta e criteriosa as circunstâncias do fato, o grau da culpa, a duração do sofrimento, as partes psicológicas atingidas as condições do ofensor e do ofendido e a dimensão da ofensa.... Se no entanto, o Juiz entender que a reparação deva ser fixada como punição, as regras e os critérios para a fixação do quantum indenizatório invertem-se completamente, não havendo limites para o estabelecimento do valor. " [grifo nosso]

Assim, se a função da indenização por dano moral for considerada como compensatória, é possível a criação de parâmetros a fim de balizar a fixação do quantum devido, percebendo a extensão do dano que foi causado ao lesado. Entretanto se a indenização tiver função punitiva o quantum devido deverá oscilar de acordo com o patrimônio do ofensor. Desta forma, tendo a função da indenização como punitiva, a fixação do quantum será simples, vez que se atentará apenas em demonstrar o grau da ofensa, porque este corresponderá diretamente a um percentual do patrimônio do lesante.

Seguindo este raciocínio, um indivíduo atropelado por uma pessoa detentora de um bom patrimônio, faria jus a um indenização muito maior do que outra que fosse lesionadas de forma semelhante, por um ofensor pobre.

As indenizações por acidente de trânsito não necessitam ter função punitiva, uma vez que o papel de coibir a ocorrência de novos delitos é exercido pelo Código Brasileiro de Trânsito, que em seu Capítulo XIX, trata dos Crimes de Trânsito.

É claro que, o adequado seria que o referido quantum fosse arbitrado de forma a, ao mesmo tempo, compensar o lesado e punir o lesante, apaziguando imediatamente a turbação social causado pelo agente, mas o critério punitivo não pode estar em primeiro plano na fixação da indenização pelos inconvenientes apontados.

Especificamente para o dano moral decorrente do acidente de trânsito, o quantum indenizatório deve ser arbitrado com a finalidade de atender as regras da responsabilidade civil, ou seja da obrigação do lesante em reparar o dano causado ao lesado. A função da indenização seria, então, reparatória, ou pode-se chamar de compensatória ante a dificuldade em mensurar a extensão do dano causado ao lesado.


2.0 MATERIAL E MÉTODO

A metodologia utilizada consistiu no procedimento descritivo. Conforme CERVO & BERVIAN (1996:49): "A pesquisa descritiva observa, registra, analisa e correlaciona fatos ou fenômenos (variáveis) sem manipulá-los. Procura descobrir, com a precisão possível, a freqüência com que um fenômeno ocorre, sua relação e conexão com outros, sua natureza e características."

Para obter os dados deste trabalho, analisou-se os acórdãos que atenderam aos requisitos da amostra, a fim de tornar perceptíveis os parâmetros utilizados no ato da fixação do quantum devido nas ações de indenização por danos morais por acidentes de trânsito, no Tribunal de Justiça de Mato Grosso, no ano de 2000.

Com a catalogação observou-se a incidência de cada embasamento legal ou de argumento doutrinário no ato da fixação do quantum devido traçando um perfil dos Julgados através da análise da freqüência relativa. A escolha foi aleatória quanto a Câmara que produziu o acórdão, sem discriminar o tipo ou a nomenclatura da ação na primeira instância ao qual o recurso analisado se referia.

Foram utilizados apenas acórdãos proferidos em Recursos de Apelação Cível, devidamente recebidos de acordo com o Livro I, Título X "Dos Recursos", Capítulo II "Da Apelação", do Código de Processo Civil.

Como critério de exclusão da amostra, foram desconsiderados acórdãos onde o apelante fosse ilegítimo, ante a impossibilidade de analisar o quantum devido.

Como critério de inclusão da amostra, foram utilizados acórdãos que versam sobre indenização por danos morais por acidentes automobilísticos, utilizando-se da classificação de meios de transporte do art.96 do Código de Trânsito Brasileiro.

A coleta de dados foi feita através de busca pelas palavras chaves "indenização", "dano" e "trânsito" da jurisprudência do ano de 2000 do Tribunal de Justiça de Mato Grosso que encontra-se disponível via Internet. Com a catalogação dos acórdãos, confeccionou-se quadros visando demonstrar os resultados obtidos.


3.0 RESULTADOS

Após a coleta de dados supra citada foram obtidos 12 (doze) acórdãos. Eles foram organizados por ordem crescente de sua data de proferimento, sendo catalogados através de fichas, numeradas também em ordem crescente. A seguir foram descartados 6 (seis) acórdãos, que não atendiam aos requisitos da pesquisa.

Em seguida, relacionou-se cada acórdão com seu respectivo dispositivo legal e argumento jurídico. Segue os dados mais relevantes:

Quadro 1.0 - Quadro demonstrativo dos dados gerais conseguidos com a compilação dos acórdãos considerados.

Ficha1

Objeto da Indenização

Quantum

Arbitrado

no Juízo

"Ad quo"2

Quantum

Arbitrado no

Juízo "Ad quem" 3

Argumentos

Doutrinários e/ou

Jurisprudenciais

Utilizados

07

Óbito

R$ 60.000,00

R$ 60.000,00

Culpa do agente

Condição econômica / social das partes

Gravidade, intensidade e duração da lesão

Caráter punitivo/compensatório da indenização

09

Óbito

-

R$ 18.000,00

Culpa do agente

Condição econômica / social das partes

Gravidade da lesão

Circunstâncias do fato

Situação individual da vítima

Atividade exercida pelo lesado

Fonte: Tribunal de Justiça de Mato Grosso.

1 Ficha - número da Ficha de catalogação atribuída a cada acórdão recuperado

2 Valor em reais fixado no Juízo da Primeira Instância. Quando a indenização foi arbitrada em salários mínimos fez-se a conversão utilizando o valor de R$ 180,00 para cada salário mínimo.

3 Valor em reais fixado no Juízo da Segunda Instância. Quando a indenização foi arbitrada em salários mínimos fez-se a conversão utilizando o valor de R$ 180,00 para cada salário mínimo.

Acerca dos parâmetros legislativos e jurisprudenciais utilizados na fixação do quantum devido nos acórdãos considerados, confeccionou-se os seguintes quadros:

Quadro 1.1 - Quadro demonstrativo dos dispositivos normativos utilizados como embasamento legal e fundamentação no ato da fixação do quantum indenizatório.

Embasamento

Legal

N1

Freqüência

Ficha2

Art.159 CC4

2

33,33%

03,08

Art.1521, III CC

2

33,33%

03,08

Art.28 CTB3

1

16,66%

03

Art.5º, X, CF5

1

16,66%

07

Art.144 CTB

1

16,66%

11

Fonte: Tribunal de Justiça de Mato Grosso.

1 N - Número de vezes em que este dispositivo legal é referido dentre os julgados analisados

2 Ficha - Número da Ficha de catalogação do acórdão recuperado onde o dispositivo legal foi utilizado

3 CTB - Abreviatura utilizada para o Código de Trânsito Brasileiro ( Lei n.º 9503/97)

4 CC - Abreviatura utilizada para o Código Civil ( Lei n.º 3071/16)

5 CF - Abreviatura utilizada para a Constituição da República Federativa do Brasil

Quadro 1.2 - Quadro demonstrativo da freqüência dos argumentos jurisprudenciais e doutrinários utilizados para a fixação do quantum indenizatório.

Argumentos Doutrinários e/ou Jurisprudenciais Utilizados

N1

Freqüência

Ficha2

Condição econômica / social das partes

4

66,66%

04,07,08,09

Culpa do agente

3

50,00%

04,07,09

Gravidade, intensidade e duração da lesão

3

50,00%

07,09,11

Presume-se danos morais causados ao pai pela morte de filho

1

16,66%

03

Participação do lesado no evento

1

16,66%

04

Proveito obtido com o ilícito

1

16,66%

04

Caráter punitivo e compensatório da indenização

1

16,66%

07

Circunstâncias do fato

1

16,66%

09

Situação individual da vítima

1

16,66%

09

Atividade exercida pelo lesado

1

16,66%

09

Inobservância de regras de trânsito gera obrigação de indenizar

1

16,66%

11

Fonte: Tribunal de Justiça de Mato Grosso.

1 N - Número de vezes em que este dispositivo legal é referido dentre os julgados analisados

2 Ficha - Número da Ficha de catalogação do acórdão recuperado onde o dispositivo legal foi utilizado


4.0 DISCUSSÃO

Com relação a utilização de dispositivos normativos como fundamentação, percebe-se poucas menções feitas à legislação nos acórdãos. O Código Civil, em seus art. 159 e 1521, inciso III, foram os que tiveram maior incidência, mas estes dispositivos não tratam especificamente da forma de fixação do quantum devido.

Quanto aos argumentos jurisprudenciais e doutrinários utilizados, tiveram as maiores incidências: a condição econômica/social das partes (66,66%), a culpa do agente (50,00%) e a gravidade, intensidade e duração da lesão (50,00%).

Tais argumentos foram inspirados na nomenclatura constante à Lei de Imprensa e no Código Brasileiro de Telecomunicações. Estas normas, apesar de terem sido criadas especificamente para as matérias sobre os quais versam, são amplamente utilizadas atualmente, qualquer que seja a natureza da lesão que originou o dano moral, ante a inexistência de quaisquer outros parâmetros para a fixação do quantum.

Com a comparação dos dados referentes as Fichas 07 e 09 do Quadro 1.0, observa-se que ambas utilizam-se de argumentos jurisprudenciais como a condição econômica/social das partes, a culpa do agente e a gravidade e duração da lesão, e tratam de indenização pela morte de um ente querido. A indenização descrita à Ficha 07, foi arbitrada em R$ 60.000,00 e na Ficha 09, fixou-se o quantum de R$ 18.000,00.

Porque a dor descrita em um caso merece ser indenizada em mais de três vezes o valor constante em outro? Quais são os critérios que possibilitam esta variação em meio a lesões idênticas, vez que em ambos os casos as vítimas vieram a falecer?

Esta grande diferença entre indenizações de lesões semelhantes é muito relevante. Como se trata de dano incomensurável a indenização nunca será completamente reparatória e sim compensatória, assim a quantia paga a título de indenização ao ofendido não importa. Deve-se priorizar é que não exista esta injusta diferença entre quantuns indenizatórios correspondentes a lesões semelhantes.

Esta variação gravíssima desrespeita o princípio constitucional de que todos serão iguais perante a lei e provoca inquietação social. É do próprio fundamento do Direito, o objetivo de pacificação social. Ele surge como um sistema de normas que tem por objeto ajustar os comportamentos sociais às expectativas socialmente estabelecidas. Mediante a atual situação do arbitramento de indenizações por dano moral, é importante admitir que o Direito não está cumprindo integralmente esta função.

Com a fixação de valores efetivamente exagerados, e pior, com a grande diferença monetária entre as indenizações oriundas de lesões semelhantes, instalou-se uma "indústria do dano moral", onde algumas indenizações ora não atingem a dimensão do dano causado e ora acarretam um enriquecimento indevido do lesado.

Segundo ESPEN (2001:1), tal fenômeno além de provocar esta inquietação social, ante indenizações mais generosas a uns do que a outros, estimula demandas que se iniciam unicamente pelo desejo de se beneficiar desta "loteria jurídica".

A grande causa de tal divergência entre os quantuns indenizatórios arbitrados é a falta de critérios mais objetivos e específicos para cada tipo de lesão causadora de dano moral. No intuito de mitigar tal quadro segue uma proposta que pretende sugerir critérios que podem ser considerados no momento do arbitramento.

4.1 PROPOSTA DE QUANTIFICAÇÃO PECUNIÁRIA PARA FIXAÇÃO DO DANO MORAL POR ACIDENTES DE TRÂNSITO

Nas indenizações por danos morais, a legislação não estabeleceu critérios para a fixação do quantum devido, relegando apenas ao prudente arbítrio do Juiz.

Para fundamentar sua decisão, o juiz atualmente se utiliza analogicamente de outras legislações como a Lei de Imprensa. Tal operação é possível graças a analogia, que está descrita no art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil.

Com os resultados obtidos, percebe-se que os critérios apresentados por esta legislação não são adequados para a fixação do dano moral no acidente de trânsito. Tal motivação leva a propor a utilização, ainda valendo-se da analogia, de outra legislação que guarda maior semelhança para com o caso em versa.

A proposta abaixo não pretende transformar a indenização num sistema tarifário fechado que cerceie o livre convencimento do Juiz, vez que certo subjetivismo na liquidação do dano moral é inevitável pela própria natureza da prestação. Pretende-se criar uma faixa de atuação, que possa facilitar o arbitramento do quantum.

Considera-se que o lesado sofreu dano moral, entendido como sofrimento, de acordo com os item 1.1 e 1.2 deste artigo e que o mesmo já foi indenizado por quaisquer outros danos materiais decorrentes da própria lesão moral.

No direito do trabalho, no que se refere a infortunística acidentária, o Ministério do Trabalho editou a Portaria n.º 33 de 27/10/83, que alterou a Norma Regulamentadora n.º 05 aprovada pela Portaria n.º 3214, de 08/06/78, que quantifica o dano físico e o correspondente quantum indenizatório de acordo com a lesão:

Quadro 2.0 - Extrato do Quadro de Dias Debitados - Mtb - Quadro 1-A

NATUREZA

AVALIAÇÃO PERCENTUAL*

DIAS DEBITADOS**

Morte

100

6.000

Incapacidade Total e permanente

100

6.000

Perda da visão de ambos os olhos

100

6.000

Perda da visão de um olho

30

1.800

Perda do braço acima do cotovelo

75

4.500

Perda do braço abaixo do cotovelo

60

3.600

Perda da mão

50

3.000

Perda do primeiro quirodático (polegar)

10

600

* Avaliação Percentual causado do organismo do indivíduo

** Dias Debitados é calculado de acordo com o valor do salário do indivíduo correspondente a um dia trabalhado

Este quadro retrata a indenização devida ao empregado que sofre algum acidente durante o trabalho, podendo seu quantum variar de acordo com o grau da lesão e conforme o último salário que o mesmo percebia, considerando dias debitados o valor correspondente a quantia paga por cada dia trabalhado.

A indenização prevista neste Quadro visa restituir ao trabalhador o percentual da força de trabalho que perdeu, (no caso das mutilações), ou da família que perdeu o provedor de seu sustento.

Diante disso, é razoável que a indenização varie de acordo com o salário da vítima. No caso da indenização por dano moral, entendido como sofrimento, não nos parece adequado utilizar como base de cálculo o salário do lesado, isto porque a posição econômica do ofendido não é critério relevante para a fixação do quantum.

É pouco recomendável que um indivíduo que percebe um salário maior tenha direito a uma indenização superior, porque o sofrimento deste não pode "valer" mais do que o sofrimento daquele trabalhador que percebe um salário mínimo.

Tal inconveniente, entretanto, não desnatura a validade do Quadro descrito. Ele estabelece critérios precisos de acordo com a parte do corpo que foi lesionada e a incapacidade dela decorrente. A perda de cada parte do corpo acarreta danos distintos, o dano moral deve ser proporcional. Este Quadro faz claramente a seguinte relação:

Perda da mão= 3.000 vezes um valor X

Perda do braço= 4.500 vezes esse valor X

Morte = 6.000 vezes esse valor X

Perda do Polegar= 600 vezes esse valor X

Esses parâmetros é que dificilmente são estabelecidos pelo Juiz.

Desta feita, propõe-se que o cálculo seja feito da seguinte forma:

a) Deve-se utilizar como base de cálculo o maior salário mínimo vigente no país.

Para justificar tal afirmação pode-se valer, além do argumento de que o sofrimento da vítima é igual independente do salário que percebia; dos precedentes legislativos do Código Brasileiro de Telecomunicações e da Lei de Imprensa que estabelecem valores indenizatórios utilizando essa base de cálculo.

Pode-se valer ainda da construção de várias jurisprudências (RTJ 38/591, RTJ 39/499, RTJ 40/413, RTJ 42/612, RTJ 45/421, RTJ 46/420), citadas por REIS (1999:139), onde a Suprema Corte de Justiça consolidou o seu entendimento (Súmula 490) adotando o maior salário mínimo como base de cálculo.

b) Assim considerando o maior salário mínimo vigente no país, como valor base para o quantum indenizatório, este variará de acordo com a consideração de algumas circunstâncias subjetivas inevitáveis. Pretende-se visualizar, um sistema de atenuantes e agravantes semelhantes aos disposto no Art. 61 e 65 do Código Penal:

- em caso de MORTE DA VÍTIMA, uma vez calculada a pena indenizatória base, dever-se-ia considerar as seguintes circunstâncias:

1. Situação econômica do lesante. Isto porque é inócuo condenar uma pessoa a efetuar o pagamento de um valor indenizatório, que jamais terá condições financeiras.

2. Exame psíquico feito nos parentes da vítima que pretendem a indenização. Utilizado apenas para verificar o grau do dano deixado no indivíduo pela perda do "alegado" ente querido, podendo ser dispensado quando flagrante ou presumido o vínculo afetivo.

3. Sofrimento da vítima. O sofrimento da vítima com queimaduras ou outras seqüelas, no ato do acidente poderia acarretar um aumento do quantum indenizatório base.

4. Culpa da vítima. Se a vítima concorreu com sua imprudência ou imperícia para a ocorrência do acidente, deve-se diminuir o quantum indenizatório base.

5.Culpa do lesante. Se o lesante estava dirigindo embriagado ou infringiu qualquer lei de trânsito que deu causa ao acidente, pode-se agravar a indenização.

6. Comportamento do lesante após a ofensa. Se o lesante socorreu a vítima, providenciando atendimento médico, para minorar o sofrimento da mesma deve merecer uma redução na indenização. Do contrário a pena poderia sofrer aumento.

- em caso de LESIONAMENTO E /OU ALEIJAMENTO DA VÍTIMA:

Além das circunstâncias correspondentes aos n.º 1, 3, 4, 5 e 6, devem ser consideradas as seguintes circunstâncias.

7. Exame psíquico do lesado para perceber o grau de lesão. Há exemplo do item n.º 2, também poderia ser dispensável no caso de lesão evidente ou presumida.

8. Se o membro perdido era imprescindível para a realização do Ofício que o lesado desenvolvia. São os casos de aumento da indenização, por exemplo, de uma cicatriz no rosto de uma modelo, perda de uma perna de uma bailarina famosa e etc.

Enfim, apresentou-se aqui, uma proposta de quantificação pecuniária para fixação do dano moral por acidentes de trânsito, que procura mesclar critérios objetivos que limitem o livre arbítrio do juiz, com critérios subjetivos, para que não se faça apenas um sistema tarifário injusto é inútil para a fixação do dano moral. Pretende-se que esta faixa de atuação possibilite indenizações mais coerentes com as lesões sofridas e principalmente semelhantes para o casos de lesões análogas.


5.0 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a análise dos dados verificou-se que o Código Civil (art. 159 e 1521), foi o embasamento legal utilizado com maior freqüência. Os argumentos jurisprudenciais e doutrinários mais importantes, foram: a condição econômica/social das partes, a culpa do agente e a gravidade, intensidade e duração da lesão.

Estes dados não podem ser considerados como parâmetros para a fixação do quantum devido a título de dano moral nos acidentes de trânsito, ora pela baixa freqüência dos mesmos entre os julgados analisados, ora pela ocorrência de grandes diferenças entre indenizações que foram fixadas com o mesmo fundamento.

Assim deve-se afirmar que no Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, no Ano de 2000, os julgados que atenderam aos requisitos da amostra não apresentaram qualquer parâmetro utilizado por seus Ilustres Julgadores para a fixação do quantum devido na indenização por dano moral por acidente de trânsito.

É por isso que a proposta de quantificação pecuniária para fixação do dano moral por acidentes de trânsito, descrita no item 4.1 é relevante, vez que pretende acrescentar parâmetros objetivos, no sentido da criação, não de parâmetros rígidos que engessem o livre arbítrio do juiz, mas de uma faixa de atuação que possa auxiliá-lo na tarefa de arbitrar a indenização por dano moral.

Estas constatações foram satisfatórias, pois possibilitaram a verificação prática de como vem se dando o arbitramento das indenizações por dano moral nos acidentes de trânsito no Tribunal de Justiça de Mato Grosso.

A proposta apresentada vem com o condão de colaborar para que se possa distinguir as reais indenizações motivadas pelas lesões experimentadas pelas vítimas, das pretensões de enriquecimento sem causa.

Espera-se estar contribuindo para as reflexões sobre a influência do arbitramento do dano moral na sociedade, no sentido de que o Direito possa continuar exercendo seu papel de pacificador de condutas e de regulador da realidade social.


6.BIBLIOGRAFIA

CERVO, Amado Luiz e BERVIAN, Pedro Alcino. Metodologia Científica. 4ª Edição.

São Paulo: Makron Books, 1996

ESPEN, Délcio Antonio. Dano moral e a desagregação social. Revista Direito &

Justiça - Revista da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do

Rio Grande do Sul. V.21, N.20. 1999, p. 117-132

REIS, Clayton. Avaliação do Dano Moral. Rio de Janeiro: Forense, 1999

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil - Responsabilidade Civil. Volume 4. 14ª Edição.

São Paulo: Saraiva, 1995

SANTINI, José Rafaelli. Dano Moral - Doutrina e Jurisprudência. Leme-SP:

Editora de Direito, 1997

SILVA, Antônio Cassemiro da. "A fixação do quantum indenizatório nas ações por

danos morais". Artigo - Jus Navigandi n.º 44. Internet:www.jus.com.br, 2000


Autor


Informações sobre o texto

Monografia elaborada como requisito à obtenção do título de bacharel em Direito, com a colaboração dos professores Dr. Ivo Antônio Vieira (pesquisador colaborador, orientador metodológico) e Dr. Marcos Prado de Albuquerque (professor da Faculdade de Direito da UFMT, orientador responsável pelo projeto).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VITAL, Marina Soares. Indenização por dano moral decorrente de acidente de trânsito: parâmetros para a fixação do quantum devido. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3458. Acesso em: 26 abr. 2024.