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O combate à sonegação fiscal e o direito ao sigilo bancário.

A constitucionalidade da Lei Complementar nº 105/2001 e da Lei nº 10.174/2001 sob o enfoque da Teoria dos Direitos Fundamentais

O combate à sonegação fiscal e o direito ao sigilo bancário. A constitucionalidade da Lei Complementar nº 105/2001 e da Lei nº 10.174/2001 sob o enfoque da Teoria dos Direitos Fundamentais

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Sumário: Introdução; 1 As alterações trazidas pela Lei Complementar nº 105/01 e pela Lei nº 10.174/01; 2 As Normas, Regras e Princípios Jurídicos; 2.1 Colisões de Princípios e Conflitos de Regras; 2.2 A Necessidade de uma Teoria da Argumentação Jurídica; 3 Os Princípios Constitucionais da Razoabilidade e Proporcionalidade; 3.1 O Princípio Constitucional da Razoabilidade; 3.2 O Princípio Constitucional da Proporcionalidade; 3.2.1 Os Subprincípios Constitutivos do Princípio da Proporcionalidade; 4 A Teoria dos Direitos Fundamentais; 5 A Colisão entre o Princípio da Moralidade Administrativa e a Garantia do Sigilo Bancário; Considerações Finais; Referências Bibliográficas.


Introdução

O Poder Público, a fim de dar conta dos encargos assumidos perante a sociedade, sobretudo após o advento do "Estado Social de Direito" [1], modelo estatal de acentuado intervencionismo sócio-econômico, onde figuram como compromissos da Administração Pública promover o bem-estar social, garantindo educação, saúde e previdência aos cidadãos, acaba por necessitar de uma enorme receita orçamentária, capaz de sustentar sua atuação. Como a maior parte da receita estatal provém da arrecadação de tributos, a maneira encontrada pela Administração Pública de ampliar sua receita é gravar a produção de riquezas e o consumo com pesada carga tributária.

Ocorre que a mera instituição de determinado tributo não assegura o aumento da receita do ente político, sendo necessária a criação de mecanismos e práticas fiscalizatórias que garantam o efetivo pagamento da exação, pelo sujeito passivo da norma tributária, combatendo-se, assim, a odiosa prática da sonegação fiscal. No intuito de aprimorar as práticas arrecadatórias da fazenda pública foram implementados vários institutos, como a responsabilidade e a substituição tributárias (Constituição da República [2] – CRFB, art. 150, § 7° e Código Tributário Nacional – CTN, art. 128 e seguintes) e a retenção do tributo pela fonte pagadora (caso do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza, previsto no art. 153, III da CRFB e no art. 43 e seguintes do CTN), diminuindo os níveis de sonegação fiscal.

A prática da evasão tributária, entretanto, tem assumido proporções catastróficas, minguando os já escassos recursos estatais e inviabilizando o implemento de políticas públicas. Pode-se dizer, sem exagero, que a sonegação fiscal aliada à corrupção no Poder Público, constituem-se no "câncer" máximo da sociedade brasileira, obstaculizando a estabilidade sócio-política e o crescimento econômico do país.

Neste contexto, basicamente, devem ser inseridas a Lei n° 10.174 e a Lei Complementar n° 105, ambas de janeiro de 2001, como instrumentos legislativos instituídos com a finalidade de combater a sonegação fiscal, otimizando o sistema de arrecadação de tributos pela fazenda pública. Deve-se discutir, todavia, se a legislação mencionada não acaba por restringir, excessivamente, a garantia ao sigilo bancário dos cidadãos contribuintes, uma vez que prevê o cruzamento dos dados da Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF), com os valores declarados pelo contribuinte, por exemplo, a título de Imposto sobre a Renda, bem como a utilização, pela fazenda pública, de outras informações para a constituição de crédito tributário.

Deve-se discutir, primeiramente, se o sigilo bancário tem "status" de garantia constitucionalmente assegurada aos cidadãos, ou se, pelo contrário, vem previsto apenas na legislação infraconstitucional. O entendimento de considerável parcela da doutrina nacional [3] abona a primeira assertiva, reconhecendo o sigilo bancário como garantia constitucional, insculpida no art. 5º, incisos X e XII da Constituição da República. Este posicionamento, todavia, pode ser refutado, sob o fundamento de que a garantia à inviolabilidade da intimidade e da vida privada, conforme prevista pelo mandamento constitucional, não comporta a garantia ao sigilo bancário, resguardo a dados de caráter financeiro que se afasta da idéia de intimidade e privacidade.

Ainda que bastante controvertido o reconhecimento do "status" constitucional do direito ao sigilo das informações bancárias, se realmente albergado pelo artigo 5º, incisos X e XII da Constituição da República, no presente estudo, será assim considerado. Restará, deste modo, deslocado o estudo da tensão entre a garantia do sigilo bancário dos cidadãos e o dever da Administração Pública em combater à sonegação fiscal, para o campo da teoria dos direitos fundamentais, procurando-se discutir a relação de prevalência que deve resultar do conflito entre os referidos mandamentos constitucionais.

Antes, porém, de se empreender o estudo acerca da tensão entre os aludidos mandamentos constitucionais, ao que parece, deve ser feita uma breve análise da legislação implicada à presente temática.


1 As alterações trazidas pela Lei Complementar nº 105/01 e pela Lei nº 10.174/01

A legislação que, primeiramente, regulou o sigilo das informações bancárias dos cidadãos foi a Lei nº 4.595/64, que em seu artigo 38 previu, expressamente, a garantia ao sigilo bancário, podendo ser ordenado às instituições financeiras, pelo Poder Judiciário, o fornecimento de esclarecimentos e informações de interesse fiscal. Posteriormente, o artigo 8º da Lei nº 8.021/90 veio prever a possibilidade da autoridade fiscal solicitar informações sobre operações financeiras dos contribuintes, sem a necessidade da ordem judicial, o que, para parte da jurisprudência [4], constitui-se em atuação administrativa ilegal.

Neste contexto se insere a Lei nº 9.311/96, que institui a Contribuição Provisória sobre a Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos de Natureza Financeira (CPMF), e em seu artigo 11, § 3º dispôs a seguinte redação:

"Art. 11. Compete à Secretaria da Receita Federal a administração da contribuição, incluídas as atividades de tributação, fiscalização e arrecadação.

(…)

§ 3º A Secretaria da Receita Federal resguardará, na forma da legislação aplicada à matéria, o sigilo das informações prestadas, vedada sua utilização para constituição do crédito tributário relativo a outras contribuições ou impostos". (sem grifo na lei)

Sobreveio a Lei nº 10.174/01, que alterou substancialmente o dispositivo legal acima citado, possibilitando ao fisco, entre outras coisas, o cruzamento dos dados referentes à CPMF, com as declarações relativas ao Imposto sobre a Renda. Eis a redação do artigo 1º da Lei nº 10.174/01:

"Art. 11

(…)

§ 3º A Secretaria da Receita Federal resguardará, na forma da legislação aplicável à matéria, o sigilo das informações prestadas, facultada sua utilização para instaurar procedimento administrativo tendente a verificar a existência de crédito tributário relativo a impostos e contribuições e para lançamento, no âmbito do procedimento fiscal, do crédito tributário porventura existente, observado o disposto no art. 42 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, e alterações posteriores". (sem grifo na lei)

O artigo 6º da Lei Complementar nº 105/2001, que dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras e dá outras providências, tem a seguinte redação:

"Art. 6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente".

Após exame, ainda que superficial, da legislação supracitada, pode-se concluir, certamente, que a intenção da lei é facilitar a prática fiscalizatória da administração fazendária e dificultar o expediente da sonegação tributária pelos contribuintes. Inegável a facilidade e a eficiência de investigações de práticas evasivas, existência das denominadas "contas fantasmas" e "clientes laranjas", quando da comparação dos dados da movimentação financeira dos contribuintes (CPMF), com os valores declarados como devidos, a título de Imposto sobre a Renda, dentre outros casos.

O limite legal à atuação da administração fiscal não mais existe, sendo que a lei, expressamente, autoriza à Secretaria da Receita Federal utilizar as informações obtidas pelo recolhimento da CPMF, para contrastar com outros dados prestados pelos contribuintes, desvelando, com certa facilidade, as atividades de sonegação tributária. Ao que parece, a mencionada atuação do órgão público não se constitui em "quebra" do sigilo bancário dos cidadãos, uma vez que a fazenda pública, dispondo das informações dos contribuintes, somente não as podia usar, para a constituição de crédito tributário, por expressa limitação legal.

O sigilo bancário dos contribuintes, quando do cruzamento dos dados da movimentação financeira com as declarações relativas ao Imposto sobre a Renda, resta plenamente resguardado, pois que a Secretaria da Receita Federal não divulga tais informações a terceiros, apenas as utiliza para constituição de crédito tributário, quando da apuração de atividade sonegatória por parte dos contribuintes. Os dados referentes à CPMF já são do conhecimento do fisco, bem como as informações relativas ao Imposto sobre a Renda, pois declaradas pelos contribuintes, não advindo nenhuma restrição ao direito de sigilo bancário do cruzamento destas informações.

Não há que se cogitar de "quebra" de sigilo bancário, quando da prestação, pelas instituições bancárias, de informações sobre a movimentação financeira dos contribuintes, uma vez que tais dados não serão divulgados ao público, mas sim levados, exclusivamente, ao conhecimento do fisco, quando se constituírem em documentos indispensáveis à instrução de processo administrativo ou procedimento fiscal instaurado, conforme disposto no supracitado art. 6º da Lei Complementar nº 105/2001.

A garantia de sigilo das informações bancárias tem por finalidade a proteção dos cidadãos, contra a divulgação ao público do conteúdo de seus negócios com as instituições financeiras, mas não proteção contra o fisco. O conhecimento, pela Administração Pública, de informações financeiras dos cidadãos não frustra, em verdade, a garantia ao sigilo bancário, não se podendo falar em devassa ou exposição ao público da intimidade e da vida privada do administrado, quando tais dados restam cingidos à apreciação do fisco. A garantia ao sigilo bancário, em última análise, somente guarda razoabilidade enquanto protege o contribuinte, contra o perigo de divulgação de dados financeiros ao público, mas nunca quando a divulgação fica limitada à administração fazendária.

Admitindo-se, entretanto, que o cruzamento das informações sobre a arrecadação de CPMF e a declaração de Imposto sobre a Renda devido pelos contribuintes, bem como o conhecimento pelo fisco de outras informações bancárias dos contribuintes fiscalizados, como dados de contas de depósito e aplicações financeiras, ensejam restrição ao direito de sigilo bancário dos cidadãos, deve-se examinar se esta limitação afronta à norma constitucional ou, pelo contrário, se nela encontra respaldo, e, ainda, se há colisão da garantia ao sigilo bancário com outros preceitos constitucionais. Para tanto, faz-se mister um estudo sobre a coerência do ordenamento jurídico e a teoria dos direitos fundamentais.


2 As Normas, Regras e Princípios Jurídicos

As normas jurídicas são imperativos de conduta pelos quais se estabelecem os comportamentos necessários à organização da convivência humana. São diretivas que norteiam a sociedade sob determinados valores por ela própria eleitos. O sistema normativo [5] é um conjunto de regras e princípios que orientam determinado espaço territorial, em um dado momento histórico. Pode-se dizer, inicialmente, que os princípios, hierarquicamente superiores, são normas com um grau de abstração relativamente elevado (generalidade), enquanto as regras, hierarquicamente inferiores, são normas com grau de abstração relativamente reduzido (especificidade). Os princípios gozam de certa indeterminabilidade na aplicação ao caso concreto, enquanto as regras são suscetíveis de aplicação direta, imediata [6].

A idéia de princípios está intimamente ligada à noção de fundamento, base, pressuposto teórico que orienta determinado sistema. Os princípios são linhas mestras sobre as quais se arrima todo um sistema de conhecimento humano. Os princípios jurídicos, portanto, são normas que sustentam todo o ordenamento normativo. Podem ser expressados mediante enunciados normativos ou figurar implicitamente no ordenamento. São, pois, orientações e mandamentos de natureza fundamental e geral, tomados a partir do sistema jurídico vigente, da racionalidade do ordenamento normativo, capazes de evidenciar a ordem jurídica reinante em um dado momento.

De inegável importância para o estudo do Direito é a diferenciação das normas jurídicas em regras e princípios. Conforme restou consignado anteriormente, regras e princípios jurídicos são normas, porquanto, segundo defende Robert Alexy, ambos se formulam com a ajuda de expressões deônticas fundamentais, como mandamento, permissão e proibição. Pode-se dizer, que regras e princípios são espécies de normas que se constituem em fundamentos para juízos concretos de dever ser [7].

Os critérios de distinção entre regras e princípios jurídicos são consideravelmente numerosos, cabendo grande ênfase ao "critério de generalidade", segundo o qual os princípios são normas de um grau de abstração relativamente alto, enquanto as regras são normas com nível de abstração relativamente baixo [8]. De posse dos critérios de distinção, Robert Alexy avança para a formulação de uma tese que defende a inexistência, entre regras e princípios, tão-somente de uma distinção de grau, mas sobretudo de qualidade [9]. Aí reside o âmago da distinção entre regras e princípios, sendo que estes são normas que ordenam a realização de determinado direito na medida do possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes, enquanto aquelas somente podem ser cumpridas ou não. Se uma regra é válida, deve ser cumprida na sua exata medida, nem mais nem menos. As regras contêm "determinações" no âmbito do fático e do juridicamente possível, ao passo que os princípios são "mandamentos de otimização" [10].

Os princípios jurídicos, normas impositivas de otimização, podem ser realizados ou concretizados em diferentes graus, variando segundo condições fáticas e jurídicas. O mesmo princípio, deste modo, terá diferentes graus de aplicação na resolução de situações da vida cotidiana. O valor conferido a determinado princípio, numa dada situação fática, poderá ser diverso em outro caso, podendo até, por vezes, ter sua aplicação afastada naquela situação. As regras jurídicas, por outro lado, enquanto normas que prescrevem uma dada situação ou impõem um determinado comportamento, quando válidas, devem ser cumpridas na exata medida de suas prescrições, não deixando margem à graduação de aplicação.

2.1 Colisões de Princípios e Conflitos de Regras

A distinção entre regras e princípios jurídicos acima referida se apresenta sumamente relevante, quando da resolução das tensões que se produzem no interior do ordenamento normativo. Num sistema de normas, constituído por regras e princípios em constante e necessária transformação, que refletem uma sociedade dinâmica e heterogênea, inevitáveis são os conflitos entre as espécies normativas, situação que reclama adoção de critérios capazes de resolver o conflito e, consequentemente, salvaguardar a unidade e a coerência do ordenamento jurídico.

Quando o conflito se desenvolve entre as diferentes espécies de normas jurídicas, isto é, na contradição entre regras e princípios, a resolução do conflito é, de certo modo, facilmente alcançada. Deve-se, aplicar o critério que determina, no mais das vezes, a superioridade hierárquica dos princípios sobre as regras. Os princípios jurídicos, pela condição de normas gerais e fundamentais, prevalecem sobre as regras, normas de generalidade relativamente baixa. É certo que, porém, que em determinadas condições, deve ser aplicada a regra específica, ficando afastada a aplicação do princípio jurídico.

O conflito entre regras já reserva maiores dificuldades de resolução. No conflito entre regras, a aplicação de duas diferentes prescrições jurídicas, ambas válidas, conduzem a resultados incompatíveis entre si. Usando novamente os ensinamentos de Robert Alexy, é possível afirmar que um conflito entre regras pode ser resolvido se for introduzida uma cláusula de exceção em uma regra, na intenção de remover o conflito [11]. O conflito entre regras se resolve no âmbito da validade, já que se uma regra vale e é aplicável ao caso concreto, então, valem também suas conseqüências jurídicas, pois contidas dentro do ordenamento normativo. Deste modo, se a aplicação de duas regras juridicamente válidas conduz a juízos concretos de dever ser reciprocamente contraditórios, não restando possível a eliminação do conflito pela introdução de uma cláusula de exceção, pelo menos uma das regras deverá ser declarada inválida, como meio de preservação do ordenamento [12].

A colisão de princípios jurídicos não se resolve no campo da validade, mas no campo do valor. Se uma determinada situação é proibida por um princípio, mas permitida por outro, não há que se falar em nulidade de um princípio pela aplicação do outro. No caso concreto, numa "relação de precedência condicionada", determinado princípio terá maior relevância que o outro, preponderando. Não se pode aceitar que um princípio reconhecido pelo ordenamento possa ser declarado inválido, porque não aplicável a uma situação específica. Ele apenas recua frente ao maior peso, naquele caso, de outro princípio também reconhecido pelo ordenamento normativo. A solução do conflito entre regras, em síntese, dá-se no plano da validade, enquanto a colisão de princípios no âmbito do valor.

Na resolução da colisão de princípios deve-se levar em consideração as circunstâncias que cercam o caso concreto, para que, pesados os aspectos específicos da situação, prepondere o preceito mais adequado. A tensão se resolve mediante uma ponderação de interesses opostos, determinando qual destes interesses, abstratamente, possui maior peso no caso concreto. A tensão de princípios não é eliminada pela invalidação de um deles, nem, tampouco, pela introdução de uma cláusula de exceção em um dos princípios, de modo a limitar sua aplicação em casos futuros. Eqüivale dizer que, tomando em conta o caso, determinam-se as condições sob as quais um princípio precede ao outro, em um "relação de precedência condicionada". Havendo modificação nas condições, a questão da precedência pode ser resolvida inversamente [13].

O jurista Robert Alexy denomina "lei de colisão" a solução da tensão de mandamentos de otimização, com base na relação de precedência condicionada. Não existem relações absolutas de precedência, pois que sempre serão determinadas pelas circunstâncias do caso concreto. Não existe um princípio que, invariavelmente, prepondere sobre os demais, sem que devam ser levadas em consideração as situações específicas do caso. Em última análise, não existem princípios absolutos ou um princípio absoluto que em colisão com outros princípios, independentemente da situação posta, precederá [14].

A existência de princípios absolutos, capazes de preceder sobre os demais em quaisquer condições de colisão, não se mostra consoante com o próprio conceito de princípios jurídicos. Não se pode negar, por outro lado, a existência de mandamentos de otimização relativamente fortes, capazes de preceder aos outros em praticamente todas as situações de colisão. Pode-se citar, como exemplos, os princípios da dignidade da pessoa humana, da cidadania, da proteção da ordem democrática, o direito à higidez do meio-ambiente.

2.2 A Necessidade de uma Teoria da Argumentação Jurídica

A teoria da "lei de colisão" dos princípios jurídicos acima referida, ao que parece, não é capaz de se sustentar sem o arrimo de uma sólida teoria da argumentação jurídica, coerente o bastante para fundamentar a decisão pela preponderância de um princípio que, no caso concreto, mostra-se contraposto a outros, todos reconhecidos pelo sistema normativo. Neste sentido, Robert Alexy construiu uma teoria da argumentação jurídica que pretende fornecer fundamentos à decisão pela precedência de determinado valor, que se mostre em colisão com outros, legitimando a atuação jurisdicional. Segundo o jurista alemão, a decisão jurídica não se constitui em uma decorrência lógica das formulações a respeito de normas jurídicas, em virtude da vagueza da linguagem normativa, da possibilidade de conflito entre normas, dos casos de lacuna e da existência de decisões "contra legem". A fundamentação das decisões jurídicas se reflete em uma questão de ordem metodológica, devendo-se, pela consolidação de uma teoria da argumentação jurídica, que ultrapassa a mera "subsunção lógica", alcançar, na maior medida possível, "racionalidade à fundamentação jurídica e correção às decisões" [15].

Não é objeto deste artigo o estudo acerca da retórica, ou de uma teoria do discurso, ou até, de uma discussão mais profunda de uma teoria da argumentação jurídica, temas que para serem discutidos com profundidade, pela extremada complexidade, demandam consideráveis estudos preliminares, o que acabaria por se distanciar da temática central. Por outro lado, ainda que brevemente, devem ser traçadas as diretrizes gerais da teoria da argumentação jurídica desenvolvida por Robert Alexy, como instrumento hábil à implementação de decisões jurídicas justas e corretas, quando da necessidade, em uma dada situação concreta, da ponderação de valores fundamentais contrapostos.

No entendimento de Robert Alexy, os denominados "cânones de interpretação" das normas jurídicas, ainda que de certa valia e relevância na práxis jurisdicional, pela inegável indeterminação e "debilidade", não podem ser considerados suficientes à fundamentação das decisões jurídicas. As regras de hermenêutica são inconsistentes para conferir ao Direito um estatuto racional. Quando, em uma determinada decisão, o julgador se depara com uma situação de difícil solução, pela vagueza dos enunciados normativos e insuficiência dos critérios de hermenêutica, acaba decidindo por juízos valorativos. Estas "tomadas de posição" devem orientar-se de acordo com valorações moralmente corretas [16].

Robert Alexy sustenta que o discurso jurídico se constitui em uma espécie de discurso prático, uma vez que ambos criam um enunciado normativo que pretende ser correto, entretanto, o discurso jurídico ocorre sob o que o autor convencionou denominar "condições limitativas", quais sejam, a vinculação à lei, à doutrina, à jurisprudência, etc., sendo, consequentemente, mais complexo e apto à constituição de um discurso racional, capaz de fundamentar uma decisão correta. Fala-se, então, em discurso prático racional, a possibilidade de se fundamentar um decisão jurídica segundo uma teoria da argumentação que observa um sistema de regras discursivas, um conjunto de regras e formas de argumentos que tornam possível o julgamento racional [17].

O discurso estruturado segundo regras formais [18], seguindo uma postura analítico-normativa, permite ao julgador se aproximar da decisão correta, analisando qual dos contendores oferecem os melhores argumentos. Cabe asseverar que, apesar de entender sua teoria da argumentação jurídica como capaz de possibilitar o alcance da decisão jurídica correta, o autor alemão rejeita a idéia da existência, por meio do discurso racional, de uma única decisão justa. A teoria da única solução correta depende de "condições ideais do discurso" que, na prática, são impossíveis de serem alcançadas. Ademais, a variação de peso, temporal e espacial, dos princípios acaba legitimando o alcance de soluções diversas, ainda que usado o mesmo procedimento racional de discurso.

Inegável, portanto, que a teoria da argumentação jurídica proposta por Robert Alexy avançou, consideravelmente, no que concerne à fixação de uma metodologia, um procedimento, propício ao alcance da fundamentação mais oportuna à decisão jurídica. A teoria do discurso racional do direito estabelece diretrizes, relativamente sólidas, à obtenção de decisões justas e corretas, segundo critérios de racionalidade e razoabilidade. Adiante, empreender-se-á a análise acerca dos princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade, como critérios de determinação da "relação de precedência condicionada" entre a garantia ao sigilo das informações bancárias dos cidadãos o e princípio da moralidade administrativa, o dever do Poder Público em combater a sonegação fiscal.


3 Os Princípios Constitucionais da Razoabilidade e Proporcionalidade

Os princípios constitucionais da razoabilidade e proporcionalidade se encontram fortemente enraizados no ordenamento jurídico contemporâneo, fazendo parte de inúmeros sistemas normativos. Em diversos países, os princípios da razoabilidade e proporcionalidade se apresentam expressamente previstos na Constituição, sendo que em outros tantos são princípios implícitos, que brotam da própria ordem constitucional vigente.

3.1 O Princípio Constitucional da Razoabilidade

A matriz jurídico-filosófica do princípio da razoabilidade é a cláusula do "due process of law", desenvolvida pelo direito anglo-saxônico. A garantia do devido processo legal, que num primeiro momento restringiu-se a aspectos processuais ("procedural due process"), evoluiu lenta e progressivamente para a garantia ao devido processo legal substantivo("substantive due process"). O devido processo substantivo se constitui no degrau evolutivo do devido processo adjetivo.

A formulação dos princípios que regem, modernamente, a teoria constitucional britânica, teve seu marco inicial na evolução da sua estrutura feudal, em meados do século XI. As tensões sobre o arbítrio real culminaram no governo de João Sem Terra, que, incapaz de resistir às pressões dos senhores feudais, verdadeira revolução política e social que se vinha avolumando desde a "Pequena Carta", viu-se forçado à outorgar, em 1215, a "Magna Carta", estatuto fundamental do Direito inglês que estabeleceu os princípios básicos da estruturação política e jurídica da Inglaterra. Cumpre esclarecer, todavia, que a Magna Carta inglesa não "visava proteger os direitos individuais do cidadão", muito embora, tenha sido um de seus reflexos. Foi concebida sim, essencialmente, "como um complexo limitador apenas da ação real e jamais do Parlamento" [19].

A cláusula do devido processo legal exigia simplesmente um processo judicial compatível à natureza do caso, um processo ordenado, onde restasse assegurado aos litigantes ou acusados a previsão de atos processuais formalizados. De fato, num primeiro momento evolutivo, ressai o nítido caráter processual da norma. Somente por volta do século XVII é que o direito inglês passa a reconhecer na cláusula do devido processo legal a garantia ao contraditório, com a prévia citação à demanda, e a oportunidade à defesa [20].

A garantia do devido processo legal, no direito estadunidense, teve sua separação do direito inglês, com as inúmeras declarações de direitos das colônias estadunidenses durante as lutas de independência. "De fato, é nesse ensejo que o princípio se desliga de sua matriz inglesa e passa a integrar o sistema jurídico americano, numa trajetória que o transmudaria no mais fecundo de quantos instrumentos se criaram para a defesa de direitos individuais" [21].

Vencida a primeira fase, onde o princípio do devido processo legal buscava assegurar a regularidade processual, uma garantia à observância de certas formalidades procedimentais, a evolução jurisprudencial da Suprema Corte estadunidense conferiu nova roupagem à cláusula do devido processo legal, passando de instituto processual à garantia substantiva de direitos individuais. O devido processo legal substantivo, juntamente com outros princípios constitucionais, como a igualdade, tornou-se importante instrumento à defesa dos direitos individuais, ferramenta limitadora do exercício arbitrário do Poder Legislativo e da discricionariedade administrativa. O controle da razoabilidade e racionalidade das leis e dos atos administrativos discricionários permitiu ao Poder Judiciário examinar os atos legislativos e administrativos sob o prisma da justiça, não só formal, mas, sobretudo, material.

Parece forçoso admitir que os princípios da razoabilidade e proporcionalidade encontram fundamento de aplicação, em última análise, no direito natural, em decorrência de suas origens marcadamente influenciada pelas concepções jusnaturalistas do direito estadunidense e europeu, numa clara interação às idéias do liberalismo clássico. O princípio da razoabilidade, evolução material dos princípios da igualdade e da justiça processual, não se mostra como expressão de uma norma abstrata e superior, mas, pelo contrario, decorre da enunciação de valores históricos e relativos. Daí o caráter jusnaturalista defendido, que prescinde até da normatividade do princípio [22].

A doutrina do devido processo legal substantivo, no direito estadunidense, começou a se delinear no final do século XIX, como reação ao intervencionismo estatal na ordem econômica. Pode-se dizer que, num primeiro momento, o princípio da razoabilidade teve cunho eminentemente liberal, um meio de diminuir a interferência do Poder Público nos negócios privados [23]. Posteriormente, no Governo do Presidente Franklin Roosevelt, em meados de 1930, a aplicação do princípio sofreu sensível declínio, com o aumento do intervencionismo estatal na economia e abdicação da Corte Constitucional americana, pressionada pelo Governo, do exame de mérito das normas de cunho econômico. Finalmente, num terceiro momento, ascendeu o princípio da razoabilidade como garantia constitucional aos direitos individuais, instrumento de controle dos atos arbitrários e injustos praticados pelos Poderes Legislativo e Executivo [24].

Certamente, até em razão da vagueza e da indeterminação do termo jurídico, não é tarefa fácil estabelecer um conceito com pretensões de universalidade ao princípio da razoabilidade. Seu conteúdo é bastante mutável e, consideravelmente, influenciado pelos padrões culturais da sociedade, variando nos aspectos temporais e espaciais [25]. Entretanto, ainda que reconhecido o alto grau de abstração do princípio, deve-se perseguir à instituição de elementos objetivos na caracterização da razoabilidade dos atos da Administração Pública.

Deve-se, por certo, fixar determinadas circunstâncias concretas, fins que para serem atingidos demandam o emprego de determinados meios. O princípio da razoabilidade é uma orientação, uma diretiva interpretativa, que permite a aferição acerca da legalidade substancial dos atos administrativos e legislativos, não o mero controle formalístico, mas, pelo contrário, o sentido finalístico da norma, a conformidade do ato praticado ao mandamento legal no sentido teleológico, bem como a coerência da norma com o ordenamento jurídico.

3.2 O Princípio Constitucional da Proporcionalidade

Na tentativa de fixar garantias às liberdades individuais, em face dos interesses da Administração Pública, controlando assim os desmandos do Governo caracterizados pelo conhecido "excesso de poder", germinou o princípio da proporcionalidade, que notadamente no Direito Administrativo alemão teve enorme repercussão. O princípio da proporcionalidade desenvolvido na Europa, sobretudo na Alemanha, está intimamente ligado ao princípio da razoabilidade do direito estadunidense, sendo que, para desnudar algumas peculiaridades, será tratado em separado, tão só sugerindo se tratarem de princípios diferentes.

Tanto a proporcionalidade como a razoabilidade têm por escopo oferecer critérios à limitação da atuação do Poder Público, suporte jurídico ao controle jurisdicional da atividade legislativa e executiva. No direito brasileiro, pode-se defender a impossibilidade de uma exata separação entre os dois princípios. Cabe, primeiramente, um breve apanhado acerca da origem e evolução do princípio no direito europeu.

O surgimento do princípio da proporcionalidade decorreu da passagem do Estado Absolutista para o Estado liberal-individualista, quando se percebeu a necessidade de controle do poder ilimitado do monarca. O advento do "Estado Liberal de Direito" [26] exigiu a atenuação do "poder de polícia real", que no Estado Absolutista era ilimitado e legitimado pela lei, passando a ser por ela limitado e controlado [27]. O princípio da proporcionalidade despontou como um freio aos desmandos do monarca, demarcando os meios empregáveis e os fins que poderia perseguir [28].

O germe do princípio em comento, conforme o entendimento de Suzana de Toledo Barros, "foi a idéia de dar garantia à liberdade individual em face dos interesses da administração. E essa consciência de que existiam direitos oponíveis ao próprio Estado e que este, por sua vez, deveria propiciar fossem tais direitos respeitados decorreu das teorias jusnaturalistas formuladas na Inglaterra dos séculos XVII e XVIII" [29].

O Direito Administrativo consagrou o princípio da proporcionalidade como uma evolução do princípio da legalidade, sendo que, inicialmente, a idéia de proporção ligava-se somente às penas. Num segundo momento, passou-se a exigir que os atos administrativos fossem adequados ao cumprimento das finalidades da lei, e que os meios usados não ferissem em demasia os direitos dos cidadãos [30].

O direito francês desenvolveu o controle da proporcionalidade dos atos da Administração Pública, como decorrência da evolução da teoria do desvio de poder. Trata-se de um meio de controle judicial da atividade administrativa, consistente na invalidação dos atos do Poder Público que destoam da finalidade inscrita na lei, que é sempre a satisfação do interesse público, ou que, embora praticados para um fim de interesse público, não cumprem o fim específico prescrito na norma.

Em determinados países o princípio da proporcionalidade se encontra expressamente positivado pelo ordenamento jurídico, sendo que em outros, decorre do próprio Estado de Direito. A Constituição alemã de 1949, em seu artigo 19, prevê expressamente o princípio da proteção do núcleo essencial dos direitos fundamentais, estatuindo que quaisquer restrições hão de ser necessárias e mantenedoras de seu conteúdo essencial, passíveis de tutela jurisdicional em caso de violações [31].

O entendimento da Corte Constitucional alemã acerca do conteúdo do princípio da proibição do excesso pode ser notado em decisões como a do controle da constitucionalidade de uma lei sobre armazenagem de petróleo, dada em 16 de março de 1971 [32]. Pode-se dizer que a Corte Constitucional alemã é quem melhor vem aplicando o princípio da proibição do excesso no direito europeu, quando do controle das leis restritivas de direitos. Os parâmetros da proporcionalidade vêm sendo usados para invalidar leis que são evidentemente arbitrárias, contudo, de difícil comprovação quando do seu confronto com a Constituição. O controle jurisdicional da constitucionalidade das leis, segundo critérios de proporcionalidade, desenvolvido pelo Poder Judiciário alemão, repercutiu em grande parte da Europa e, mais recentemente, em países da América Latina como o Brasil [33].

3.2.1 Os Subprincípios Constitutivos do Princípio da Proporcionalidade

A doutrina constitucional alemã, numa visão estrutural e funcional, constatou a existência de três elementos parciais que compõem o princípio da proporcionalidade, sendo de enorme relevância, enquanto níveis de averiguação de vícios substanciais da lei ou do ato administrativo, servindo de parâmetro impositivo de limites à ação do legislador ou do administrador.

O princípio da proporcionalidade é constituído pelos subprincípios da conformidade ou adequação dos meios, da exigibilidade ou da necessidade e pela ponderação ou proporcionalidade em sentido estrito. O Poder Público, na prática de seus atos, deve adotar medidas apropriadas ao alcance da finalidade prevista no mandamento que pretende cumprir. A medida adotada deve ser pertinente à consecução dos fins da lei. Em outras palavras, o interesse público deve ser buscado segundo meios idôneos, proporcionais, adequados, devendo haver conformidade entre os meios empregados e o fim inscrito na norma.

Segundo José Joaquim Gomes Canotilho, a necessidade de adequação "pressupõe a investigação e a prova de que o ato administrativo é apto para e conforme os fins justificativos de sua adoção. Trata-se, pois, de controlar a relação de adequação medida-fim. Este controlo, há muito debatido relativamente ao poder discricionário e ao poder vinculado da administração, oferece maiores dificuldades quando se trata de um controlo do fim das leis dada a liberdade de conformação do legislador" [34].

O princípio da necessidade dispõe que, no exame acerca da proporcionalidade de determinada atuação discricionária do Poder Público, compete ao juiz averiguar se a medida tomada pela Administração, dentre as aptas à consecução do fim pretendido, é a que produz menor desvantagem aos administrados. Dentre as medidas disponíveis deve ser escolhida a menos onerosa, que em menor dimensão restrinja e limite os direitos fundamentais dos cidadãos.

Por vezes, tanto as medidas adotadas pela Administração Pública como as leis produzidas pelo Poder Legislativo, podem, ainda que adequadas e necessárias, trazer uma carga excessiva de restrições e limitações aos direitos dos cidadãos. A medida adotada pelo Poder Público, ainda que no intuito de conferir efetividade a um direito dos cidadãos, acaba por ferir um outro direito também garantido pelo ordenamento posto, situação que acarreta demasiado prejuízo à coletividade. Neste caso, "deve perguntar-se se o resultado obtido com a intervenção é proporcional à carga coativa da mesma. (…) Meios e fim são colocados em equação mediante um juízo de ponderação, com o objectivo de se avaliar se o meio utilizado é ou não desproporcionado em relação ao fim" [35].

Nos termos do princípio da proporcionalidade em sentido estrito, a atuação levada a cabo deve se afinar com a idéia de "justa medida". Os meios utilizados devem guardar razoável proporção com o fim almejado, demonstrando um sustentável equilíbrio entre os valores restringidos e os efetivados pela medida limitadora.

A máxima da proporcionalidade em sentido estrito entende os princípios como mandados de otimização com relação às possibilidades jurídicas, enquanto que nas máximas da adequação e da necessidade recorre-se às possibilidades fáticas. Segundo Robert Alexy, o fundamento ao princípio da ponderação reside nos princípios de direito fundamental, sem que se exclua, contudo, outras fundamentações como os princípios do Estado de Direito, a prática jurisprudencial e o conceito de justiça [36].

O Judiciário, quando da análise de uma norma restritiva de direitos dos cidadãos, sob o prisma da proporcionalidade em sentido estrito, deve exercer um juízo de ponderação entre o direito efetivado pela norma e o por ela restringido, a fim de ponderar acerca da justiça da legislação instituída. Deve o juiz valorar, segundo as circunstâncias e peculiaridades do caso concreto, se a norma possibilita um resultado satisfatório, e se o direito limitado deve sucumbir frente ao efetivado, em uma "relação de precedência condicionada". Como se pode aferir, a valoração das circunstâncias demanda considerável juízo subjetivo.

Pelo princípio da ponderação dos resultados, deve-se examinar o grau de satisfação e efetivação do mandamento de otimização que a norma procurou atender. Quanto mais alto for o grau de afetação e afronta ao princípio limitado pelo meio utilizado, maior deverá ser a satisfação do princípio que se procurou efetivar.


4 A Teoria dos Direitos Fundamentais

No desenrolar deste artigo, por vezes, fez-se alusão aos direitos fundamentais e sua relevância no constitucionalismo moderno, ficando evidente a enorme relevância do tema para o deslinde da problemática abordada. Passa-se, então, à discussão tangente aos direitos fundamentais e sua relação com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, sobretudo, na resolução da tensão aqui analisada.

Os direitos fundamentais, numa conceituação formal, são aqueles direitos ou garantias postos na Carta Constitucional do Estado. São aqueles valores que receberam da Constituição um grau mais elevado de garantia ou de segurança, caracterizando-se pela imutabilidade, imprescritibilidade e inalienabilidade. Numa concepção material, são os valores e princípios consagrados pela Constituição, segundo a ideologia reinante no Estado, que servem de diretiva básica a todo o ordenamento normativo, vinculando o legislador ordinário e mesmo o constituinte derivado, bem como os demais Poderes do Estado [37].

O artigo 5º, parágrafo 2º da Constituição da República não deixa dúvidas de que se adotou o conceito materialmente aberto de direitos fundamentais, reconhecendo como fundamentais os valores decorrentes do regime e dos princípios adotados pela constituição, bem como dos tratados internacionais em que o Brasil faça parte. Reconhecida, portanto, a materialidade fundamental do direito constitucionalmente previsto, expressa ou implicitamente, ainda que fora do título que dispõe acerca dos direitos fundamentais, goza da reserva inserta no artigo 60, parágrafo 4º da Constituição da República, constituindo-se em cláusula pétrea.

Os direitos fundamentais, enquanto valores expressamente consagrados na Constituição da República ou enquanto postulados constitucionais imanentes, não podem sofrer restrições desarrazoadas e desproporcionais, que acabem por esvaziar seu conteúdo axiológico. Podem ser restringidos, mas dentro de certos limites imanentes à própria constituição. As restrições devem ser mensuradas no sentido de preservar o núcleo essencial do mandamento fundamental, pois que, com base na rigidez constitucional, os direitos fundamentais vinculam a atuação do constituinte derivado e do legislador infraconstitucional [38].

Numa concepção contemporânea, segundo Paulo Bonavides, "os direitos fundamentais incorporam ao seu âmbito as prestações do Estado, as garantias institucionais, o sentido objetivo da norma e a qualificação valorativa". Pode-se defini-los como normas objetivas reguladoras das relações entre os indivíduos e o Estado [39].


5 A Colisão entre o Princípio da Moralidade Administrativa e a Garantia do Sigilo Bancário

A teoria dos direitos fundamentais não comporta a existência de valores absolutos [40], capazes de se sobrepor a quaisquer outros, quando do surgimento de tensões de axiomas, podendo-se dizer que o sigilo bancário se constitui em direito individual relativo, devendo, consequentemente, ceder frente ao relevante interesse público em combater a odiosa prática da sonegação fiscal. Existem, certamente, valores que gozam de um grau relativamente alto de precedência frente aos demais, dada a sua estreita afinidade aos princípios fundantes do ordenamento constitucional. Como visto anteriormente, quando da tensão entre dois valores reconhecidos pelo ordenamento vigente, o de menor peso, segundo circunstâncias e condições particulares do caso concreto, cede aplicabilidade ao de maior valor, numa "relação de precedência condicionada".

Não são estipuladas cláusulas de exceção, como nos casos de conflitos de regras, pois, do contrário, estar-se-ia limitando o direito para situações futuras, quando poderá preceder frente a outros valores com os quais colida. Busca-se, pelo princípio da ponderação, avaliar, ante às condições do caso concreto, qual valor detém maior peso, devendo prevalecer na ocasião.

A ponderação de direitos fundamentais é tarefa das mais árduas e significativas à manutenção da ordem constitucional coesa. Daí a enorme responsabilidade do Poder Judiciário, sobretudo das Cortes Supremas dos Estados, quando do controle da constitucionalidade de leis restritivas de direitos, bem como da solução de tensões entre direitos fundamentais amparados pela Constituição, colidentes no caso concreto.

De posse dos elementos teóricos até aqui discutidos, pode-se, finalmente, analisar a colisão entre o princípio da moralidade administrativa, dever do Estado em combater à sonegação, e o direito dos cidadãos em ter preservado seu sigilo bancário. Deve-se examinar a constitucionalidade do uso, pela Secretaria da Receita Federal, sem expressa determinação judicial, das informações referentes à movimentação financeira dos contribuintes, cruzando os dados relativos ao recolhimento da CPMF e os valores declarados, a título de Imposto sobre a Renda, pelas pessoas físicas e jurídicas, bem como a requisição às instituições financeiras de informações sobre aplicações financeiras dos contribuintes fiscalizados, quando houver procedimento fiscal em curso.

Nos termos prescritos pelo supracitado artigo 6º da Lei Complementar nº 105/01, e do Decreto n° 3.724, que, na mesma data, regulamentou o dispositivo da referida lei, bem como da Lei nº 10.174/01, que alterou o § 3º do artigo 11 da Lei nº 9.311, de 24 de outubro de 1996, a Secretaria da Receita Federal, com o conhecimento de informações bancárias dos contribuintes, poderá, constatando possíveis irregularidades fiscais, usar os dados da movimentação financeira do fiscalizado, como meio de atestar, entre outras práticas, a inidoneidade dos valores recolhidos a título de Imposto sobre a Renda, comprovando as suspeitas de sonegação fiscal.

A constitucionalidade das referidas leis complementar e ordinária vem sendo questionada judicialmente [41], sob o argumento de que ferem os direitos da intimidade e da privacidade dos cidadãos, dos quais o direito à inviolabilidade do sigilo bancário é corolário, como previsto no artigo 5º, incisos X e XII da Constituição da República, uma vez que possibilitam a restrição à garantia do sigilo das informações bancárias, sem prévia autorização judicial.

A limitação aos direitos da privacidade, da intimidade e da inviolabilidade do sigilo bancário pode ser reconhecida, ainda que em determinados casos não frontalmente. Resta discutir se tais garantias não devem ceder espaço, neste caso, a outros mandamentos fixados na Constituição da República. Ao que parece, a discussão gravita em torno da relação de precedência condicionada entre garantias constitucionalmente asseguradas.

A intenção da Lei complementar n° 105/01 e da Lei nº 10.174/01 é atacar a prática da sonegação fiscal, tão difundida no Brasil. A sonegação tributária afronta, visivelmente, ao princípio da moralidade administrativo-fiscal, previsto no artigo 37, caput da Constituição da República. O princípio da moralidade administrativa não admite a conivência da Administração Fiscal ante a prática de sonegação tributária.

A evasão fiscal, em última análise, fere de modo frontal os valores da cidadania e da dignidade da pessoa humana, princípios fundamentais inscritos na Constituição (CRFB, artigo 1º, incisos I e III), sendo contrária aos objetivos fundamentais do Estado brasileiro, como a construção de uma sociedade justa, o desenvolvimento nacional e a redução das desigualdades sociais (CRFB, artigo 3º, incisos I a III). A Constituição da República, segundo uma leitura aberta e sistemática de seus princípios, não pode servir de guarida, refúgio, ou legitimação à pratica da sonegação fiscal, ato atentatório à própria noção de Estado Democrático de Direito.

Uma ponderação, portanto, entre os princípios da privacidade e da inviolabilidade do sigilo bancário e o princípio da moralidade administrativo-fiscal e da dignidade da pessoa humana, ante as condições descritas, parece admitir a prevalência destes últimos, pois que o ordenamento constitucional não protege a prática da evasão tributária, pelo contrário, repudia. É certo, assevere-se, que o conhecimento, pelo fisco, de informações bancárias dos cidadãos, sem expressa ordem judicial, deve observar o devido processo legal (CRFB, artigo 5°, incisos LIV e LV), com todos os direitos dele decorrentes, bem como acarretar a menor restrição possível à esfera de privacidade do contribuinte investigado.


Considerações Finais

Considerando o acima exposado, principalmente na parte inicial deste artigo, pode-se assegurar que o simples cruzamento de dados da movimentação financeira com os valores declarados ao fisco pelos contribuintes, como devidos a título de Imposto sobre a Renda, não constitui afronta à garantia do sigilo de informações bancárias, pois que estes dados já são do conhecimento da Secretaria da Receita Federal. O cruzamento dos dados da CPMF com o montante declarado como devido, a título de Imposto sobre a Renda, somente não vinha sendo realizado pelo fisco, por expressa vedação normativa. Com o advento da Lei nº 10.174/01, a referida restrição foi suprimida do texto legal, ficando, por outro lado, expressamente autorizada a utilização das informações referentes à CPMF, para a constituição de crédito tributário porventura existente, em uma desvelada intenção de combater a sonegação fiscal.

Ocorre que, por vezes, para obter êxito na atividade fiscalizatória, a Secretaria da Receita Federal necessita ter acesso a informações bancárias dos contribuintes, como contas de depósito e aplicações financeiras, que são guardadas pelas instituições financeiras, conforme disposto no artigo 6º da Lei Complementar nº 105/01. Nestes casos, quando o fisco requisita informações financeiras sigilosas dos contribuintes, pode-se cogitar de "quebra" de sigilo bancário, verdadeira restrição à garantia de sigilo das informações bancárias dos cidadãos.

Parece relevante asseverar que, na esteira das considerações aventadas ao longo deste artigo, tanto no cruzamento dos dados da CPMF com as declarações de Imposto sobre a Renda, que, a princípio, não se configura em restrição à garantia do sigilo bancário, como no conhecimento, pelo fisco, de informações bancárias dos contribuintes, onde fica caracterizada a "quebra" do sigilo bancário, a atuação da Secretaria da Receita Federal se mostra constitucional.

Pelo princípio da ponderação entre direitos fundamentais colidentes, a garantia de sigilo das informações bancárias dos cidadãos deve ceder à supremacia do interesse público em combater, eficaz e plenamente, a sonegação fiscal. As máximas da moralidade administrativa e da dignidade da pessoa humana devem se sobrepor ao interesse particular. Não se pode, em verdade, pensar a Constituição da República como refúgio e guarida à prática da evasão tributária.

Defende-se, pois, a constitucionalidade da Lei Complementar nº 105/01 e da Lei nº 10.174/01, no que pertine à utilização pela Secretaria da Receita Federal, independentemente de autorização judicial, de informações bancárias para instruir procedimento fiscal ou processo administrativo instaurado, tendente à constituição de crédito tributário porventura sonegado pelos contribuintes, garantido-se, por óbvio, o devido processo legal e a menor restrição possível aos direitos individuais dos cidadãos fiscalizados.


Referências Bibliográficas

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Notas

1. Os marcos iniciais do "Estado Social de Direito", conforme largamente difundido por historiadores e estudiosos de ciência política, são as Constituições mexicana de 1917 e alemã de 1919 (Constituição de Weimar). Entretanto, a evolução do modelo estatal intervencionista pode ser notada, na Alemanha, desde a segunda metade do século XIX, em concomitância com a crise do modelo liberal-individualista de Estado. Pode-se, pois, adotar como termo inicial do "Estado Social de Direito", o governo do Kaiser alemão Otto Von Bismarck.

2. Por "Constituição da República" entenda-se a atual Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988.

3. Neste sentido: MARTINS, Ives Gandra da Silva e MENDES, Gilmar Ferreira. Sigilo bancário, direito de autodeterminação sobre informações e princípio da proporcionalidade. In Repertório IOB de Jurisprudência, 2ª quinzena, dezembro, 1992; FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Sigilo de dados: o direito à privacidade e os limites à função fiscalizadora do Estado. In Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, Ano 1, n° 1, outubro/dezembro, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992; WALD, Arnoldo. O sigilo bancário no projeto de lei complementar n° 70. In Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, Ano 1, n° 1, outubro/dezembro, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992.

4. Neste sentido: Recurso Especial nº 114.741-DF, Relator Ministro Milton Luiz Pereira, publicado no DJ em 18.12.1998; Recurso Especial nº 196.413-CE, Relator Ministro Francisco Peçanha Martins, publicado no DJ em 02.04.2001; e, Recurso especial nº 114.760-DF, publicado no DJ em 23.08.1999.

5. Interessante o estudo de Norberto Bobbio sobre a categoria jurídica "sistema normativo". Para o autor italiano, o ordenamento jurídico constitui um sistema normativo por que nele não podem coexistir normas incompatíveis, situação que põe em risco a coerência e a unidade do ordenamento. In. BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 8. ed., Brasília: Universidade de Brasília, 1996, p. 71-81.

6. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 3. ed., Coimbra: Almedina, 1998, p. 1086.

7. ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993, p. 83.

8. Para um maior aprofundamento acerca do tema, pode-se consultar as seguintes obras: ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales, Op. Cit., p. 83-84; BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 8. ed., São Paulo: Malheiros, 1999, p. 249; e, CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. Op. Cit., p. 1086-87.

9. ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Op. Cit., p. 85-86.

10. Idem, p. 86-87.

11. Propõe o autor alemão o seguinte exemplo: uma regra que proíba abandonar a sala de aula antes de soar a sirene de saída e uma ordem para abandoná-la em caso de alarme de incêndio. Tal conflito poderia ser eliminado com a introdução de uma cláusula de exceção, determinando a saída da sala em caso de alarme de incêndio. Não sendo possível semelhante solução, pelo menos uma das regras deverá ser declarada nula, restando eliminada do ordenamento jurídico. Idem, p. 88.

12. Em determinados casos, tais tensões podem ser sanadas mediante o emprego de critérios de resolução de conflitos. Neste caso, a regra hierarquicamente superior derroga a inferior ("lex superior derogat legi inferiori"), segundo a determinação do critério hierárquico. A regra posterior derroga a regra anterior ("lex porterior derogat legi priori"), pela aplicação do critério cronológico. Pode-se estabelecer, ainda, a prevalência da regra especial sobre a regra geral ("lex specialis derogat legi generali"), usando o critério da especificidade. Há situações, entretanto, em que os presentes critérios de solução de antinomias restam insuficientes, como no caso de incompatibilidades entre dispositivos legais de um mesmo instrumento legislativo, bastante possível em codificações de leis. BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Op. Cit., p. 91-105.

13. ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Op. Cit., p. 92.

14. Idem, p. 94.

15. ALEXY, Robert. Teoria de la argumentación jurídica. La teoria del discurso racional como teoria de la fundamentación jurídica. Traducción de Manuel Atienza e Isabel Espejo. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1989, p. 24.

16. Idem, p. 26-30.

17. Idem, p. 34-35.

18. Robert Alexy, quando estabelece critérios racionais à fundamentação das decisões, enuncia as condições de racionalidade em regras e formas de argumentos, dividindo-as em dois níveis de justificação, interno e externo. As regras e formas de justificação interna têm por escopo examinar se a decisão pode ser aduzida, logicamente, das premissas apresentadas como fundamentação. As regras e formas de justificação externas buscam fundamentar as premissas adotadas pela justificação interna. Em verdade, na justificação interna ocorre uma exposição das premissas, enquanto na justificação externa se apura o juízo quanto à racionalidade e razoabilidade da decisão. Daí a maior complexidade desta última que pode ser dividida em regras de argumentação empírica, interpretação, dogmática jurídica, precedentes, formas especiais de argumentos jurídicos (como a analogia, o "argumentum in contrario", o "argumentum a fortiori" e o "argumentum ad absurdum") e os argumentos práticos gerais. Idem, p. 213-273.

19. DÓRIA, Antônio Roberto Sampaio. Direito Constitucional Tributário e "due process of law". 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 09-10.

20. Idem, p. 13.

21. Idem, p. 15.

22. Neste sentido: DÓRIA, Antônio Roberto Sampaio. Direito Constitucional Tributário e "due process of law". Op. Cit., p. 26-31; e, DANTAS, San Tiago. Igualdade perante a lei e "due process of law". In Revista Forense, CXVI/357, 1948. Apud. BARROSO, Luiz Roberto. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no Direito Constitucional. Op. Cit., p. 70.

23. Não há uma harmonia entre os autores nacionais no sentido de estabelecer um marco inicial à aplicação do princípio da razoabilidade. Por exemplo, Antônio Roberto Sampaio Dória, admitindo que o conceito substantivo de due process of law não se impôs repentinamente, cita como leading case uma decisão da Suprema Corte do Estado da Carolina do Norte, datada de 1804, que invalidou lei estadual por contrária à law of the land. In. Direito Constitucional Tributário e "due process of law". Op. Cit., p. 30.

24. BARROSO, Luiz Roberto. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no Direito Constitucional. Op. Cit., p. 67-69.

25. Sobre os motivos desaconselhadores à tentativa de conceituar o conteúdo substantivo do devido processo legal, Antônio Roberto Sampaio Dória traz as idéias oferecidas por Justice FRANKFURTER, aqui fielmente reproduzidas: "Due Process não pode ser aprisionado dentro dos traiçoeiros lindes de uma fórmula... due process é produto da história, da razão, do fluxo das decisões passadas e da inabalável confiança na força da fé democrática que professamos. Due process não é um instrumento mecânico. Não é um padrão. É um processo. É um delicado processo de adaptação que inevitavelmente envolve o exercício de julgamento por aqueles a quem a Constituição confiou o desdobramento desse processo". In. Direito Constitucional Tributário e "due process of law". Op. Cit., p. 33.

26. É utilizada a expressão "Estado Liberal de Direito" pelo simples fato de ter sido consagrada pela ciência política, mesmo sabendo-se que não é a mais coerente. Em última análise, o atual modelo de Estado também pode ser definido como liberal, já que garante inúmeros direitos individuais e, cada vez mais, diminui sua intervenção na economia, conduzindo-se para a forma de Estado mínimo. Em verdade, dever-se-ia falar em "Estado Legal", pois que, com a derrocada do Estado Absolutista e a ascensão do Estado de Direito, houve, de fato, uma verdadeira substituição do império da vontade do monarca pelo império da vontade da lei. A lei passou a ser a vontade soberana, sob a qual se colocaram o Estado e os Cidadãos.

27. No "Estado Absolutista" a Administração se encontra legalmente incondicionada, não possui limites a sua atuação. A fonte de todo o direito é a pessoa subjetiva do rei, representante divino na terra, sendo que a sua vontade é a lei suprema. O rei é o criador, executor e julgador da e segundo a lei, podendo, entretanto, decidir contrariamente à norma que ele mesmo instituiu.

28. BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. Brasília – DF: Livraria e Editora Brasília Jurídica, 1996, p. 33.

29. Idem, ibidem.

30. Idem, p. 35.

31. Idem, p. 42-43.

32. Assim restou consignado: "O meio empregado pelo legislador deve ser adequado e necessário para alcançar o objetivo procurado. O meio é adequado quando com seu auxílio se pode alcançar o resultado desejado; é necessário quando o legislador não poderia ter escolhido outro meio, igualmente eficaz, mas que não limitasse ou limitasse da maneira menos sensível o direito fundamental". BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. Op. Cit., p. 372.

33. Para aprofundamento acerca do uso do princípio da proporcionalidade pela Corte Constitucional alemã e sua importância no controle das leis restritivas de direitos, pode-se consultar: BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. Op. Cit., p. 42-43; BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. Op. Cit., p. 370-73; e, MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1998, p. 207-25.

34. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. Op. Cit., p. 264.

35. Idem, p. 265.

36. ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Op. Cit., p. 112-15.

37. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. Op. Cit., p. 514-16.

38. MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. Op. Cit., p. 34-35.

39. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. Op. Cit., p. 534.

40. Acerca do caráter relativo da garantia ao sigilo bancário, interessante a posição do Supremo Tribunal Federal, conforme posto na ementa do aresto que segue colacionado: "CONSTITUCIONAL. SIGILO BANCÁRIO: QUEBRA. ADMINISTRADORA DE CARTÕES DE CRÉDITO. CF, art. 5º, X. I - Se é certo que o sigilo bancário, que é espécie de direito à privacidade, que a Constituição protege, o art. 5º, X não é um direito absoluto, que deve ceder diante do interesse público, do interesse social e do interesse da justiça, certo é, também, que ele há de ceder na forma e com observância de procedimento estabelecido em lei e com respeito ao princípio da razoabilidade".

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso extraordinário nº 219780/PE, Relator Ministro Carlos Veloso, julgado pela Segunda Turma em 13/04/1999. Disponível em < www.stf.gov.br>, acesso em 10/07/2001.

41. Dentre inúmeros casos, pode-se citar a ação de mandado de segurança onde o juiz Sérgio Eduardo Cardoso, Juiz Substituto da 5º Vara Federal de Florianópolis, acatando parecer do Ministério Público Federal, denegou a segurança pleiteada, não vislumbrando ilegalidade ou inconstitucionalidade no procedimento fiscal instaurado de conformidade com a lei e com o interesse público. Mandado de Segurança nº 2001.72.00.003930-4, 5º Vara Federal de Florianópolis – Seção Judiciário do Estado de Santa Catarina, julgado em 21/06/2001


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  • José Sérgio da Silva Cristóvam

    Professor Adjunto de Direito Administrativo (Graduação, Mestrado e Doutorado) da UFSC. Subcoordenador do PPGD/UFSC. Doutor em Direito Administrativo pela UFSC (2014), com estágio de Doutoramento Sanduíche junto à Universidade de Lisboa – Portugal (2012). Mestre em Direito Constitucional pela UFSC (2005). Membro fundador e Presidente do Instituto Catarinense de Direito Público (ICDP). Membro fundador e Diretor Acadêmico do Instituto de Direito Administrativo de Santa Catarina (IDASC). ex-Conselheiro Federal da OAB/SC. Presidente da Comissão Especial de Direito Administrativo da OAB Nacional. Membro da Rede de Pesquisa em Direito Administrativo Social (REDAS). Coordenador do Grupo de Estudos em Direito Público do CCJ/UFSC (GEDIP/CCJ/UFSC).

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CRISTÓVAM, José Sérgio da Silva. O combate à sonegação fiscal e o direito ao sigilo bancário. A constitucionalidade da Lei Complementar nº 105/2001 e da Lei nº 10.174/2001 sob o enfoque da Teoria dos Direitos Fundamentais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 61, 1 jan. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3664. Acesso em: 16 abr. 2024.