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O Ministério Público e a tutela da probidade administrativa

O Ministério Público e a tutela da probidade administrativa

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De grande valia tem sido a persecução da improbidade administrativa, vez que com o conhecimento de que há um órgão em constante vigia das ações administrativas, os administradores redobram os cuidados no trato com a coisa pública.

Sumário:

Primeira Parte- Do Ministério Público, 1. ORIGENS HISTÓRICAS; 2. O TERMO MINISTÉRIO PÚBLICO; 3. ORIGENS DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM PORTUGAL; 4. ORIGEM E DESENVOLVIMENTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO BRASIL; 5. O MINISTÉRIO PÚBLICO SEGUNDO A CONSTITUIÇÃO DE 1988, 5.1 Conceito constitucional, 5.2Princípios institucionais, 5.2.1 Princípio da unidade, 5.2.2 Princípio da indivisibilidade, 5.2.3 Princípio da autonomia, 5.3 Princípios infraconstitucionais, 5.3.1 Princípio do promotor natural, 5.3.2Princípio da irrecusabilidade, 5.3.3Princípio da obrigatoriedade, 5.3.4Princípio da indisponibilidade, 5.3.5Princípio da irresponsabilidade, 5.3.6Princípio da devolução e princípio da substituição, 5.4Autonomia da instituição, 5.4.1Autonomia funcional da instituição e dos seus agentes, 5.4.2Autonomia administrativa e financeira, 5.4.3Legitimidade na iniciativa do processo legislativo, 5.5Garantias e prerrogativas de seus membros, 5.5.1Independência funcional, 5.5.2Vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de seus vencimentos, 5.6Vedações, 5.6.1Recebimentos de honorários ou custas, 5.6.2Exercício da advocacia, 5.6.3Participação em sociedade comercial, 5.6.4Exercício de outra função pública, 5.6.5Atividade político-partidária, 5.6.6Sanções por descumprimento das vedações, 5.7Funções da instituição, 5.7.1Promoção da ação penal pública, 5.7.2Zelo pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na constituição federal, 5.7.3Promoção do inquérito civil e da ação civil pública, 5.7.4Ação de inconstitucionalidade e representação interventiva, 5.7.5Defesa dos interesses das populações indígenas, 5.7.6Expedir notificações e requisitar documentos, 5.7.7Controle externo da atividade policial, 5.7.8Exemplificatividade das funções dentro do conceito de compatibilidade, 5.7.9Vedações à representação estata, 5.8A participação da instituição na composição dos tribunais; 6. O MINISTÉRIO PÚBLICO SEGUNDO A LEI ORGÂNICA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, 6.1A natureza jurídica da LONMP, 6.2Órgãos do Ministério Público, 6.2.1Órgãos de administração, 6.2.1.1A Procuradoria-Geral de Justiça, 6.2.1.2O Colégio dos Procuradores de Justiça, 6.2.1.3O Conselho Superior do Ministério Público.6.2.1.4A corregedoria-geral do Ministério Público.6.2.1.5As Procuradorias e as Promotorias de justiça.6.2.2Órgãos de execução.6.2.2.1O procurador-geral de justiça, 6.2.2.2O Colégio dos Procuradores de Justiça, 6.2.2.3O Conselho Superior do Ministério Público, 6.2.2.4Os Procuradores de Justiça, 6.2.2.5Os Promotores de Justiça;

Segunda Parte- Da Probidade Administrativa, 7. INTRÓITO; 8. PRINCÍPIOS JURÍDICOS, 8.1Conceito de princípio jurídico, 8.2Natureza jurídica dos princípios, 8.2.1Princípios constitucionais e infraconstitucionais, 8.3Desnecessidade de positivação dos princípios jurídicos, 8.4Conflito de Princípios. A ponderação de bem; 9. PRINCÍPIOS REGULADORES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, 9.1Princípios constitucionais expressos, 9.1.1Legalidade, 9.1.2Impessoalidade, 9.1.3Moralidade, 9.1.4Publicidade, 9.1.5Eficiência, 9.2Princípios constitucionais implícitos, 9.3Supremacia do interesse público, 9.4Finalidade, 9.5Razoabilidade, 9.6Proporcionalidade, 9.7Motivação; 10. ANÁLISE DA LEI FEDERAL N.º 8.429/92, 10.1Antecedentes legislativos, 10.2Previsão constitucional, 10.3Espécies de improbidade administrativa, 10.3.1Atos que importem em enriquecimento ilícito, 10.3.2Atos que causem prejuízo ao erário, 10.3.3Atos que atentem contra os princípios da Administração Pública, 10.4Sujeitos dos atos de improbidade administrativa, 10.4.1Sujeito passivo, 10.4.1.1Administração Pública, 10.4.2Sujeito ativo, 10.4.2.1Agentes públicos, 10.4.2.2Agentes públicos parlamentares e judiciais, 10.4.2.3Terceiros, 10.4.2.4A responsabilidade por atos de improbidade administrativa, 10.4.2.5A responsabilidade dos sucessores, 10.5Sanções cominadas aos atos de improbidade administrativa, 10.5.1Natureza jurídica das sanções, 10.5.2Dosimetria, 10.5.3Cumulatividade, 10.5.4Espécies de sanções, 10.5.4.1Perda de bens e valores, 10.5.4.2Ressarcimento integral do dano, 10.5.4.3Perda da função pública, 10.5.4.4Suspensão dos direitos políticos, 10.5.4.5Pagamento de multa civil, 10.5.4.6Proibição de contratar com o Poder Público ou receber incentivos fiscais ou creditícios;

Terceira Parte - Conclusão- Dos Meios pelos quais o Ministério Público tutela a Probidade Administrativa, 11INTRODUÇÃO, 12LEGITIMIDADE, 12.1Natureza constituciona, 12.2Legitimidade infraconstitucional, 13COMPETÊNCIA, 13.1Prevenção da competência, 14INQUÉRITO CIVIL, 14.1Obrigatoriedade de realização do inquérito civi; 15AÇÃO CIVIL PÚBLICA OU AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA?, 15.1Medida cautelar na ação de improbidade administrativa, 15.1.1Requisitos, 15.1.2Medidas cautelares nos próprios autos da ação de improbidade administrativa, 15.1.3Cautelares em espécie, 15.1.3.1Afastamento do agente público, 15.1.3.2Indisponibilidade de bens, 15.1.3.3Seqüestro, 15.2Antecipação dos efeitos da tutel;

16CONSIDERAÇÕES FINAIS: A ATUAÇÃO MINISTERIAL NO COMBATE DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA; BIBLIOGRAFIA


RESUMO

             Busca-se nesse trabalho ressaltar a brilhante atuação do Ministério Público como entidade constitucionalmente criada para zelar pelos valores e interesses da sociedade. Mormente em face daqueles que, sem o menor escrúpulo, lesam o patrimônio público. No decorrer do texto é feito um breve cotejo do Ministério Público como instituição. Passa-se por sua nascente e organização em sede de normas constitucionais, para, ao depois, serem perquiridas as peculiaridades de sua Lei Orgânica Nacional.

             Em uma segunda etapa é examinada a Lei Federal n.º 8.429/92, que institui os agentes, atos, sanções e procedimentos concernentes à indigitada improbidade.

             Ao final, traça-se uma linha procedimental através da qual o Parquet perseguirá tais condutas com o escopo precípuo de punir seus agentes e recompor a res publica, quando necessário.

             Durante o transcorrer do trabalho são incidentalmente abordadas questões doutrinárias como a discussão acerca de qual princípio do Ministério Público estaria sendo mitigado pela Lei Federal n.º 9.099/95; a natureza jurídica da LONMP, momento em que é ressaltada a questão da existência ou não de hierarquia entre Lei Ordinária e Lei Complementar; a teoria da Ponderação de bens como forma de otimização constitucional; a questão acerca de qual seria a correta ação para os casos de improbidade administrativa (ser ou não, a ação da Lei n.º 7.347/85); dentre outras que nada mais representam senão frutos de nossas pesquisas e da crença em que só com os estudos se logrará êxito na busca do bem-estar social.


Primeira Parte

Do Ministério Público

ORIGENS HISTÓRICAS

             A doutrina em geral se controverte ao estudar as origens do Ministério Público. Todavia há que se fazer uma diferenciação logo de início que não encontramos na doutrina a esse respeito. Entendemos mais técnico mencionar as origens da função exercida pelo membro do Ministério Público – o promotor de justiça – vez que resta quase pacífica a origem da regulamentação do Ministério Público como instituição, o que veremos adiante.

             Além disso, as atribuições do promotor de justiça contemporâneo podem ser encontradas fazendo-se uma junção de várias atribuições que, à época a que se reporta a doutrina para ensinar as origens do "Ministério Público", se encontravam espalhadas em vários cargos, fossem públicos ou privados.

             Como a figura do "promotor de justiça" surgiu, ainda que embrionariamente, antes do Ministério Público com instituição é nesse que nos concentraremos inicialmente.

             E quanto a este, realmente diverge a doutrina, variando de doutrinador para doutrinador. A mais remota origem que se menciona faz refere-se há mais de quatro mil anos, no Egito, em um funcionário real denominado magiaí, responsável pela punição dos malfeitores de todos os tipos, e que, em sentido contrário, lutava pelo bem daqueles que necessitavam.

             Ainda são citadas, no período da Antiguidade clássica, as figuras dos éforos de Esparta que, não obstante serem juízes, eram encarregados do ius acusationis.

             Na Grécia, em que os crimes eram divididos em públicos e privados, havia a figura dos thesmotetis também chamados de tesmótetas, aos quais era atribuída a função de oferecer a denúncia perante o Senado ou a Assembléia do Povo nos casos de crimes públicos.

             Em Roma, os advocati fisci e os procuratores cesaris eram funcionários encarregados de vigiar a administração dos bens do imperador além dos censores, defensor civitatis, irenarcha, curiosi, stationarii e frumentarii.

             Já na Idade Média são mencionadas as figuras dos saions germânicos e dos bailios e senescais, todos encarregados de defender os senhores feudais em juízo. Do direito longobardo mencionam-se as figuras dos missi dominici e gastaldi. Na Alemanha, com a atribuição de exercer a acusação quando o particular quedava-se inerte, havia os Gemeiner Anklager cuja tradução literal é "comum acusador".

             São citadas ainda as figuras dos vindex religionis do direito canônico, e dos procurateurs ou procureurs du roi do velho direito francês. Na Itália menciona-se os advocatus de parte publica como também os avogadori di comun della repubblica veneta ou ainda os conservatori delle leggi di Firenze.

             Nesse aspecto não se pode falar em consonância na doutrina, mas há uma certa pacificidade em se aceitar a origem do Ministério Público na França, em que se confundem as origens da função de "promotor de justiça" e da própria instituição do Ministério Público que até o momento ainda não havia sido vislumbrada.

             Esse marco a que nos referimos não se trata dos procureurs du roi já mencionados, mas sim uma nova conceituação dos procuradores do rei, prevista na Ordenança de 25 de marco de 1302, de Felipe IV, o Belo, rei da França, o que foi considerado o primeiro texto legislativo a tratar objetivamente dessa função, prevendo a prestação, pelos procuradores, do mesmo juramento que era necessário aos juizes, sendo-lhes completamente proibido o patrocínio de outros interesses que não os do rei.

             Essa divisão não foi tão abrupta assim. O Ministério Público foi paulatinamente sendo estruturado como conhecemos hoje em dia, no sentido de que suas funções, atribuições, garantias e vedações foram sendo forjadas ao longo dos tempos, com a evolução da sociedade.

             Em 1790 foi dada vitaliciedade aos procuradores do rei, ano em que foram divididas as funções desses representantes, de sorte que uns eram nomeados pelo rei e inamovíveis, tendo como função velar pela aplicação da lei e pela execução dos julgados, além de serem estes também os responsáveis pelos recursos das decisões dos tribunais.

             Outros eram os acusadores públicos, eleitos pelo povo, sendo sua única função sustentar a acusação diante dos tribunais.

             O Ministério Público como instituição que conhecemos tem suas origens mencionadas na Revolução Francesa, onde começou a ser estruturado com o início da previsão das garantias de seus representantes.

             Realmente o que se pode chamar de origem do Ministério Público como instituição, são os textos napoleônicos, onde foi instituído o Ministério Público que posteriormente foi difundido para os estados franceses.

             Outra característica que nos faz concluir pelo surgimento do Ministério Público na França é a influência que até hoje é encontrada na instituição, como a menção à expressão Parquet, que significa "assoalho", expressão que advém do costume da época em que o procurador do rei ainda não tinha adquirido a condição de magistrado, o que fazia com que fossem obrigados a se sentarem no assoalho das salas de audiências, em vez de se sentarem no estrado, o que também lhes conferiu a expressão magistrature débout que significa "magistratura de pé".

O TERMO MINISTÉRIO PÚBLICO

             A terminologia Ministério Público foi usada pela primeira vez em Roma, para fazer referência a todos que, de certa forma, exercitassem alguma função pública.

             Mas o Ministério Público na acepção que conhecemos atualmente tem suas origens na França, com a expressão ministère public usada nos provimentos legislativos do século XVIII.

             Posteriormente a expressão começou a ser usada com mais freqüência nas ordenanças e éditos (em 1765, 1777, 1778).

             Pode-se dizer que a expressão surgiu mais na prática do que nos textos legislativos, quando os procuradores e advogados do rei se referiam a seu "ministério", que por tratar dos assuntos do rei era na verdade "público".

             No direito pátrio a expressão foi usada pela primeira vez em 07 de março de 1609, no Alvará que criou o Tribunal de Relação da Bahia, embora haja quem defenda que a primeira aparição da expressão em textos legislativos brasileiros foi em 02 de maio de 1847, no art. 18 do Regimento das Relações do Império, ensinando que junto ao Tribunal de Relação da Bahia quem atuava eram os Procuradores da Coroa e da Fazenda.

             O vernáculo define ministério público como "órgão que promove a execução das leis no interesse da ordem jurídica".

             Também é conceituado como "Órgão incumbido de defender os interesses da sociedade e de fiscalizar a aplicação e a execução das leis", sendo nesse sentido vista a instituição contemporaneamente.

ORIGENS DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM PORTUGAL

             O Ministério Público brasileiro provém em grande parte do nosso país irmão e colonizador Portugal, o que revela a importância da menção a essas origens da instituição.

             Datam de 14 de janeiro de 1289 as primeiras linhas do Ministério Público em Portugal, quando os procuradores da Coroa ganharam permanência para atuarem perante os Tribunais regulares da Europa.

             Nas Ordenações Afonsinas também é tratado o "Procurador dos Nossos Feitos" no Título VIII que determinava:

             "Mandamos que o Procurador dos Nossos Feitos seja Leterado, e bem entendido, pera saber espertar, e allegar as cousas, e razões, eu a Nossos Direitos perteencem, porque muitas vezes acontece, que por seu bom avisamento os Nossos Desembarguadores som bem enformados, a ainda Nossos Direitos Reaaes acrescentados. Ao qual Mandamos, que com grande diligencia, e muito amiude requeira aos Veedores da Fazenda, e contadores, e Juizes que lhe dem as enformacoões, que ouverem dos Nossos Direitos nos feitos que se trautam, ou trautarem perante os Nossos Juizes (...) e veja, e procure bem todos os feitos da Justiça, e das Viuvas, e dos Orfoõs, e miseravees pessoas, que aa Nossa Corte vierem, sem levando delles dinheiro, nem outra cousa de solairo, sem vogando, nem procurando outros nenhuũs feitos, que a Nos nom perteẽçam sem Nosso especial Mandado, como dito he".

             Seguindo essa linha as Ordenações Manuelinas previram duas funções em separado, o "Procurador dos Nossos Feitos" e o "Prometor da Justiça da Casa da Sopricaçam", determinando em relação a este o Livro I Título XII:

             "O Prometor da Justiça deue seer Letrado, em bem entendido pera saber espertar, e aleguar as causas, e razões que pera lume, e clareza da Justiça, e pera inteira conseruaçam della conuem, ao qual Mandamos que com grande cuidado, e diligencia requeira todas as cousas que pertencem aa Justiça, em tal guisa que por sua culpa, e negrigencia nom pereça, porque fazendo o contrario, Nós lhe estranharemos segundo a culpa que nello teuer", e ressalvava ainda "E Defendemos, e Mandamos que em ninhũa Cidade, Villa, ou Lugar de Nossos Reynos, e Senhorios, nom aja Prometor da Justiça, saluo nas Nossas Casas da Sopricaçam e do Ciuel, e assi nas Correiçoẽs em cada hũa auerá huũ Prometor, que por Nós será dado; porque nas outras Cidades, Villas, ou Lugares de Nossos Reynos, o mesmo Tabaliam, ou Escriuam que for do feito fará o libelo, e dará as testemunhas segundo Diremos no quinto Liuro no Titulo Da ordem que se terá nos feitos crimes &c. E do que o Tabaliam, ou Escriuam fezer como Prometor, nom lhe será contado salário de prometoria, soomente lho contaram aas regras como outra escriptura do feito, que como Tabaliam escreue".

             Em 1603 as Ordenações Filipinas recriavam o "Procurador dos Feitos da Corôa", e criava o "Procurador dos Feitos da Fazenda", o "Promotor da Justiça da Casa da Supplicação" e o "Promotor da Justiça da Casa do Porto".

             Constava do Livro I Título XV que: "Ao Desembargador da Casa de Supplicação, que servir de Promotor da Justiça, pertence requerer todas as cousas, que tocam á Justiça".

ORIGEM E DESENVOLVIMENTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO BRASIL

             No início do Brasil, quando ainda era colônia portuguesa, era sob o regime da legislação lusitana a atuação daqueles que atuavam no pólo ativo da persecução penal.

             Primeiro era o procurador da Coroa e da Fazenda que atuava junto ao Tribunal de Relação da Bahia, sendo o Procurador-Geral o responsável por essa função no Brasil colonial e imperial. Ainda não eram previstas quaisquer formas de garantias ou independência, já que eram apenas funcionários do Poder Executivo.

             Na Constituição de 1824 não se fazia menção ao Ministério Público como instituição, sendo prevista a atribuição da acusação de crimes ao procurador da Coroa e Soberania Nacional, exceto nos casos em que a iniciativa de acusação era exclusiva da Câmara dos Deputados.

             Pouco depois, em 1832, o Código de Processo Criminal do Império passou a prever uma seção reservada aos promotores, referindo-se a eles como "promotor da ação penal", regulamentando os primeiros requisitos para sua nomeação e estabelecendo suas atribuições.

             Em 1841 passou a ser exigida a qualidade de "bacharel idôneo" para a nomeação dos promotores públicos.

             O Decreto 120, editado em 21 de janeiro de 1843, regulamentava a lei n.º 261 de 3 de dezembro de 1841 e estabelecia que os promotores seriam nomeados pelo Imperador no município da Corte, e pelos presidentes das províncias por tempo indefinido.

             Previa também que seriam demitidos pelo Imperador e pelos presidentes das províncias quando não mais fosse conveniente a sua atuação junto ao serviço público.

             Sem que fosse visto o Ministério Público como instituição continuava a legislação a delimitar apenas e tão-somente a função dos promotores públicos, que consoante a Lei n.º 2.033, de 20 de setembro de 1871, por sua vez regulamentada pelo Decreto n.º 4.824, de 22 de novembro do mesmo ano, deveriam existir um em cada comarca, de livre nomeação e demissão.

             A Consolidação Ribas, de 1876 previu em segunda instância o exercício do Procurador da Coroa, sem qualquer menção a ser chefe dos procuradores, sendo apenas o funcionário incumbido de atuar na segunda instância.

             Na Primeira República surgiu a independência do Ministério Público, durante o exercício de Campos Salles como ministro da Justiça do Governo Provisório, que editou o Decreto n.º 848 de 11 de outubro de 1890 com a finalidade de reformar a Justiça no Brasil. No mesmo ano surge o Ministério Público como instituição necessária, com o Decreto n.º 1.030, de 14 de novembro.

             Aos 24 de fevereiro de 1891, com o advento da primeira Constituição Republicana, ficou a cargo do Presidente da República a escolha do procurador-geral da República, dentre os Ministros do Supremo Tribunal Federal, atribuindo a esse Procurador-Geral a titularidade de propositura de revisão criminal pro reo.

             A institucionalização constitucional do Ministério Público veio com a carta política de 1934 que o colocava em um capítulo à parte e determinava que Lei Federal deveria organizar o Ministério Público na União, no Distrito Federal e nos Territórios, ficando o ônus de organizar os Ministérios Públicos estaduais aos respectivos entes da federação que deveriam legislar sobre suas garantias.

             Determinou ainda essa Constituição que o Procurador-Geral da República deveria ser aprovado pelo Senado Federal, e que seus vencimentos seriam iguais aos dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, além de prever as garantias dos membros do Ministério Público Federal e os primeiros impedimentos dos Procuradores-Gerais, e regulamentar o Ministério Público nas justiças militar e eleitoral.

             No período ditatorial de Getúlio Vargas, em que foi outorgada a Constituição de 1937, não houve grandes inovações ou desenvolvimento da instituição do Ministério Público, na verdade um retrocesso, vez que a carta política imposta pelo governo em quase nada dispunha sobre o Parquet.

             Apenas determinava a livre escolha e demissão do Procurador-Geral da República dentre as pessoas que preenchessem os requisitos exigidos para a investidura no Supremo Tribunal Federal, sendo deste a competência para o seu julgamento, além do aparecimento da participação do Ministério Público nos tribunais através do quinto constitucional.

             Com o CPP de 1941 foi dado ao Ministério Público o poder de requisitar a instauração de inquérito policial, diligências, promover e fiscalizar a execução da lei, além da titularidade na ação penal pública.

             Aos 18 de setembro de 1946 com a volta do regime democrático na esfera constitucional estampada pela promulgação da Constituição democrática, voltou-se a dar ao Ministério Público a importância devida da seguinte maneira: I – a ele foi conferido um título próprio, em que eram previstos os Ministérios Públicos da União e dos Estados; II – previu-se a necessidade de que o Procurador-Geral da República fosse escolhido dentre aqueles que preenchessem os requisitos para a investidura no cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal; III – foi afetada à instituição a representação da União; IV – foram determinadas as regras de ingresso na carreira somente através de concurso público; V – asseguradas as garantias da estabilidade e inamovibilidade, a regra de promoção de entrância em entrância.

             Fora do título próprio do Ministério Público, mas ainda no texto constitucional, se encontrava: I – a legitimidade do Procurador-Geral da República para representar por eventual inconstitucionalidade; II – a obrigatoriedade da ouvida do chefe do Ministério Público nos pedidos de seqüestro de verbas públicas; III – a necessidade de aprovação por parte do Senado Federal do procurador-geral da República, e ainda a competência do Senado para processar e julgar o procurador-geral da República nos casos de crimes de responsabilidade e do Supremo Tribunal Federal em se tratando de crimes comuns; IV – foi renovada a participação do Ministério Público na composição dos tribunais.

             Na Constituição de 1967, promulgada no regime militar, o Ministério Público manteve quase que as mesmas linhas já definidas pela anterior Constituição, todavia deixava de se encontrar em um título separado para fazer parte do Poder Judiciário, incorporando a disciplina deste em se tratando de aposentadoria e vencimentos.

             Com o golpe militar de 1969, o Ministério Público passou a fazer parte do Poder Executivo, que poderia nomear e demitir livremente o chefe do Ministério Público da União, que por esse motivo teve suas atribuições largamente acrescidas. De resto, o Ministério Público manteve-se o mesmo, com acréscimo às normas já existentes da condição de ser brasileiro nato para ocupar o cargo de Procurador-Geral da República. Já não era necessária a aprovação do nome pelo Senado Federal.

             Havia também: I – a previsão de ação direta interventiva de iniciativa do Procurador-Geral da República para a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo Federal ou Estadual, e para prover a execução de lei federal, ou de ordem ou decisão judiciária; II – a possibilidade de representação do Procurador-Geral local para a intervenção nos Estados; III – a legitimidade do Procurador-Geral da República para requerer junto ao Supremo Tribunal Federal a suspensão de direitos políticos.

             Seguindo essa linha evolutiva em se tratando de atribuições, os membros do Ministério Público passaram a atuar no Processo Civil, seja como agente ou como interveniente, consoante previsão dos Códigos de Processo Civil tanto de 1939 quanto de 1973.

             Com a Emenda Constitucional n.º 7, de 1977, que deu nova redação ao art. 96 da Constituição vigente, o Procurador-Geral da República teve suas atribuições mais alargadas, sendo-lhe conferida a representação, seja para a interpretação de lei ou ato normativo federal ou estadual, seja para a avocação de causas pelo Conselho Nacional da Magistratura, passando a oficiar junto deste, e também a possibilidade de formulação de pedido cautelar nas representações que oferecia.

             Com a introdução do § 5º no art. 32 da Constituição de 1969 pela emenda Constitucional n.º 11, de 1978 o Procurador-Geral da República passou a poder requerer em casos de crimes contra a segurança nacional, a suspensão do mandato parlamentar.

             A primeira Lei Orgânica Nacional do Ministério Público foi a Lei Complementar Federal 40/81, que padronizava o Ministério Público em todo o território nacional, prevendo suas garantias, vedações e atribuições.

             Um importantíssimo instrumento conferido ao Ministério Público que expandiu extraordinariamente seu campo de atuação foi a Ação Civil Pública, introduzida no ordenamento jurídico pátrio pela Lei n.º 7.347, de 24 de julho de 1985, que será objeto de estudo mais aprofundado em momento oportuno.

             Finalmente, em 5 de outubro de 1988, foi promulgada a atual Constituição da República Federativa do Brasil, que previu o Ministério Público pormenorizadamente – guardadas as devidas proporções de se tratar de um texto constitucional – sobrevindo, em 2 de dezembro de 1993, a Lei 8.625, que instituiu a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, tema este, que também será trazido à baila posteriormente.

O MINISTÉRIO PÚBLICO SEGUNDO A CONSTITUIÇÃO DE 1988

             O Ministério Público na Constituição de 1988 se encontra em posição diferente das últimas em que figurou nas Constituições anteriores. Está inserido no Título IV, que trata da organização dos poderes, Capítulo IV, que regulamenta as Funções Essenciais à Justiça, deixando destarte de figurar em qualquer dos poderes do Estado.

             Chegou-se a cogitar se não se trataria de um quarto poder, fugindo nesse sentido da já conhecida tripartição de poderes, ou tripartição das funções do poder estatal, vislumbrada por Montesquieu.

             Tal assertiva não encontra muita aceitação na doutrina moderna que, seguindo a linha do constituinte originário, classifica o Ministério Público como função essencial à justiça, afastando a instituição de qualquer dos poderes estatais. Discussão, na maioria das vezes, evitada pela própria doutrina.

             Empiricamente a atividade exercida pelo Ministério Público pode ser caracterizada como administrativa, pois certamente não se enquadra nas atividades de legislar nem de judicar. Motivo pelo qual, de certa forma, diz-se que tem natureza administrativa.

             De sorte que apenas não seria ligado ao Poder Executivo por incidência da autonomia e independência que se faz mister na atividade ministerial.

             É a essa corrente que nos filiamos. Entendemos ser o Ministério Público uma instituição autônoma, independente de qualquer dos poderes estatais, mas indispensável à formação do Estado, assim como qualquer daqueles, e para uma maior elucidação transcrevemos lapidar lição do Ministro Sepúlveda Pertence in verbis, que inclusive tece crítica a elucubrações por vezes inócuas ao empirismo forense, todavia salutar ante o academicismo do presente trabalho:

             "A seção dedicada ao Ministério Público insere-se, na Constituição de 1988, ao final do título IV – Da organização dos Poderes, no seu capítulo III – Das Funções Essenciais à justiça. (...)

             A colocação tópica e o conteúdo normativo da Seção desvelam, a renúncia, por parte do constituinte, de definir explicitamente a posição do Ministério Público entre os Poderes do Estado.(...)

             Finalmente, não empresto relevo maior na solução da controvérsia vexata quaestio de onde situar-se o Ministério Público na tripartição dos Poderes do Estado, quando nele, na trilha de Alfredo Valadão (Ministério Público, RT 225/33), não se identificar um quarto poder. O problema ainda sói empolgar trabalhos doutrinários de valor (v.g., na Itália, G. Sabatini, Il Pubblico Ministereo nel Dir. Proc. Penale, 1948: Biagio Petrocelli, O Ministério Público, RT 388/7; no Brasil, Marco Antônio Inacarato. O Ministério Público na Ordem Jurídico Constitucional, Justitia, 66/81: Leopoldo Braga, Ministério Público, Ver. MPGb. 3/67; Paulo Salvador Frontini, Ministério Público, Estado e Constituição, Justitia, 90/247 etc).

             De minha parte, porém estou em que a questão tem muito mais de fascinação teórica que de conseqüências dogmático-jurídicas.

             Continuo vencido – com Pontes de Miranda (Comentários à Constituição de 1946, 1953, III, 192) de que substancialmente as funções do Ministério Público são administrativas: ‘Se bem que ligado ao ordenamento judiciário, não faz parte da Justiça –, não é órgão jurisdicional, mas administrativo. É um dos ramos do Poder Executivo’. Explica-se a função do Ministério Público pela inércia da função jurisdicional: por isso mesmo essencialmente ativo, não exerce jurisdição. Embora, como bem definido na Constituição, desempenhe função essência à Justiça: ‘é órgão, ou conjunto de órgãos’ – disse Pontes de Miranda (ob. loc. cits.), com felicidade – ‘pelo qual se exerce o interesse público em que a justiça funcione’.

             Em conferencia de 1985, na Escola Superior de Guerra, sobre o Ministério Público na Organização constitucional Brasileira, depois de criticar a tese do quarto poder – mais retórica do que real –, e a construção de Sabattini – Ministério Público, órgão judiciário, mas não jurisdicional, etreitamente ligada ao ordenamento positivo italiano, que inseriu no mesmo corpo a magistratura judicante e a magistratura requerente –, externava a opinião, que ainda mantenho.

             A razão subjacente à crítica contemporânea da integração do Ministério Público no Poder Executivo – acentuava, então –, está, na verdade, na postulação da independência, da independência política e funcional do Ministério Público, pressuposto de objetividade e da imparcialidade de sua atuação nas suas funções sintetizadas na proteção da ordem jurídica. Dizia uma das inteligências mais lúcidas da magistratura brasileira dos últimos tempos, o Ministro Rodriques Alckmin – continuel –, e, ao meu ver, com razão, que a questão da colocação constitucional do Ministério Público entre os poderes é uma ‘questão de somenos’, pois o verdadeiro problema é o da sua independência. O mal é que partimos de um preconceito de unipessoalidade e verticalidade hierárquica do Poder Executivo, que o Estado moderno não concebe mais e que está desmentido pelos fatos, de que o direito comparado dá exemplos significativos. Recordava a propósito da Justiça Administrativa da França que – integrada, embora, organicamente, no Poder Executivo –, é um organismo cuja independência propiciou o florescimento de algumas das construções mais preciosas do Direito Administrativo moderno; as autarquias universitárias, quando se lhes assegura verdadeira autonomia e, no Brasil, o das autarquias profissionais, a partir do exemplo marcante da OAB, da qual ninguém contestará que exerce funções administrativas, e que, no entanto, ganhou o reconhecimento de um status de completa independência em relação ao Governo. Hoje, seria imperativa a inclusão, na mesma chave, do caso dos bancos centrais, cuja plena autonomia se reivindica, aqui e alhures, sem pôr em dúvida, não obstante, que exerce funções típicas de administração, na implementação da política monetária, assim como no exercício do poder de política sobre o sistema financeiro" (...).

             Anote-se que nem em todos os ordenamentos jurídicos do mundo há essa controvérsia em se tratando da posição constitucional do Ministério Público.

             Em Portugal, por exemplo, pacífica é a localização ministerial inserida no poder judicial como se pode depreender de lição de J. J. Gomes Canotilho, que ensina que "originariamente concebido como ‘órgão de ligação’ entre o poder judicial e o poder político, o Ministério Público é, nos termos constitucionais, um órgão do poder judicial".

             E continua o eminente constitucionalista lusitano.

             "A magistratura do Ministério Público não tem, como se deduz já considerações antecedentes, uma ‘natureza administrativa’. Integra-se no poder judicial. A função do magistrado do Ministério Público é, porém, diferentemente da do Juiz: esta aplica e concretiza, através de inserção de normas de decisão, o direito objetivo a um caso concreto (jurisdictio); aquele colabora no exercício do poder jurisdicional, sobretudo através do exercício da ação penal e da iniciativa de defesa da legalidade democrática. A autonomia de sua ‘magistratura’ radica na sua vinculação a critérios de legalidade e objectividade e pela sua exclusiva sujeição dos magistrados do Ministério Público às directivas, ordens e instruções previstas na lei do Ministério Público (cfr. L. 60/98, de 27-8, art. 2.º/2)."

             Conceito constitucional

             Embora segundo os doutrinadores pátrios não seja correto por parte do legislador conceituar institutos jurídicos, foi isso que acabou por fazer o legislador constituinte originário, que conceitua o Ministério Público como "instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis".

             Resta assim, para o estudioso do direito, a interpretação do que sejam todas as expressões usadas nesse conceito, o que é certo, não é tarefa das mais fáceis, visto que ao longo dos tempos o Ministério Público foi sendo moldado pela evolução da sociedade, fazendo com que se deva considerar dentro desse conceito legislativo todas as atribuições que dele se possam retirar.

             E é assim que entendemos dever ser interpretado o conceito, pelo que veremos cada fragmento deste.

             Por instituição permanente pode-se entender que o Ministério Público deve sempre existir, como corolário da democracia.

             Em que pese não ser um dos três poderes do Estado, é mister a sua existência tanto quanto àqueles, vale dizer, enquanto houver Estado democrático de direito haverá Ministério Público.

             Quando o texto constitucional determina que é essencial à função jurisdicional do Estado não quer dizer que somente haverá a prestação jurisdicional se houver atuação do Ministério Público, pois há feitos em que não oficia, em contrapartida, há atribuições ministeriais fora da seara judicial, desde que atinentes às funções institucionais, mas quando menciona a jurisdicionalidade da atuação da instituição refere-se à sua imprescindibilidade nos feitos nos quais se encontram em litígio matérias constitucionalmente por ela tuteladas.

             Quando o ordenamento jurídico diz caber ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, esta é de ser entendida como a atuação de custus legis do ilustre Parquet, vez que deve sempre zelar pelo efetivo respeito do ordenamento jurídico, obviamente somente dentro da esfera de atuação que a Lei maior lhe confere.

             O Ministério Público deve atuar na defesa do regime democrático. Sabemos que democracia é o governo do povo pelo povo, e é nesse sentido que deve ser entendida a manifestação constitucional, pelo que o Ministério Público deve sempre atuar visando a defesa dos interesses do povo, pois desse é a soberania.

             A tutela dos interesses sociais nada mais é do que a tutela dos interesses da sociedade, vale dizer, difusos e coletivos, sendo estes todos os ligados a uma gama determinada de pessoas, sem que se possa individualizar cada uma delas.

             E aquele, o contrário, ou seja, todos que se referem a uma esfera indeterminada de pessoas, para um melhor entendimento digamos que sejam os direitos que são de todos e ao mesmo tempo de nenhum, como o direito a respirar um ar puro, ou beber uma água livre de impurezas.

             Ou ainda de ter o sigilo de suas informações pessoais respeitado, o que pro rata die vem sendo desrespeitado pela chamada globalização, que cada vez mais faz uso dos chamados "bancos de dados".

             Todo interesse individual indisponível deve ser protegido pelo Ministério Público, sendo exemplo claro, o litígio em que uma das partes seja um incapaz, pois a experiência demonstra veementemente tal necessidade.

             Não é raro, por "imprudência" ocorrer tentativa de disposição dos direitos de um incapaz, restando destarte, somente o Ministério Público para proteger esse que, em regra, ainda nem faz idéia da gama de proteções que a lei lhe confere.

             Antônio Carlos de Araújo Cintra et al ensina que "o Ministério Público é, na sociedade moderna, a instituição destinada à preservação dos valores fundamentais do Estado enquanto comunidade".

             Sem nos imiscuirmos nas funções da instituição, o que será devidamente estudado no momento oportuno, podemos conceituar o Ministério Público como a instituição de previsão constitucional, imprescindível ao Estado democrático de direito, que tem como finalidade precípua a manutenção e tutela da correta observância das leis, principalmente quando haja indisponibilidade ou coletividade dos interesses.

             Princípios institucionais

             O Ministério Público como instituição que é, e com a importância que lhe é atribuída, necessita de instrumentos que assegurem o pleno exercício das suas funções.

             Isto é conseguido por meio da imposição de princípios constitucionais que o regem de forma a guiar seus passos e proteger seus membros.

             Princípio da unidade

             O princípio da unidade determina que o Ministério Público é um só, vale dizer, é uma instituição comandada por um só chefe, o Procurador-geral, isso não significa que o chefe institucional tenha discricionariedade sobre os outros membros, pois há limitadores para a atuação do Procurador-geral, como o princípio do promotor natural e da autonomia funcional, mas administrativamente quem exerce as funções de comando da instituição é o citado cargo.

             E nos referimos dessa maneira porque não é a pessoa, mas a atribuição que lhe é conferida, assim como no Poder Judiciário quem julga é o juízo, e não a pessoa do Juiz.

             O que deve ficar esclarecido é que o Ministério Público é uno, formando um só corpo institucional que atua rigorosamente dentro dos limites que a lei lhe impõe.

             Ressalte-se que essa unidade não torna um só todos os Ministérios Públicos, cada um é uno em si mesmo, não se confundindo, por exemplo, o Ministério Público da União, o Ministério Público Militar, nem os Ministérios Públicos Estaduais.

             Princípio da indivisibilidade

             O princípio da indivisibilidade decorre do próprio princípio da unidade. Quando um promotor atua em um processo, é o próprio Ministério Público que se faz presente no feito, de sorte que caso o promotor tenha que ser substituído, em nada vai prejudicar a atuação da instituição no processo.

             Princípio da autonomia

             O princípio da autonomia abrange várias acepções, quais sejam, independência funcional, autonomia financeira, administrativa, a até a iniciativa legislativa, fazendo com que, dada a sua relativa complexidade, seja estudado mais detalhadamente logo abaixo.

             Princípios infraconstitucionais

             Não obstante os princípios que a Constituição instituiu ao Ministério Público com o propósito de garantir sua plena atuação há outros que ainda que não previstos expressamente pela Lei Maior são de grande importância para o fim colimado pelo legislador constituinte originário, quais sejam, os princípios do promotor natural, da irrecusabilidade, da obrigatoriedade, da indisponibilidade, da irresponsabilidade, da devolução e da substituição. Vejamos, ainda que concisamente, cada um deles.

             Princípio do promotor natural

             O princípio do promotor natural assemelha-se ao do juiz natural, ou seja, o promotor que deve atuar no caso é aquele determinado para esse fim conforme as normas legais e regras de distribuição do serviço, rechaçando totalmente a figura do acusador de exceção, pelo que nenhum promotor poderá ser designado para um determinado caso, o que garante à sociedade uma imparcialidade na atuação ministerial, pois o promotor deve atuar com imparcialidade compreendida como o desligamento de questões pessoais, fazendo prevalecer apenas a sua função institucional.

             Princípio da irrecusabilidade

             O princípio da irrecusabilidade, podemos dizer, decorre do próprio princípio do promotor natural.

             Assim como o promotor que deve atuar no caso é aquele previamente determinado pelas regras já existentes, impedindo designações especiais, esse mesmo promotor deve ser considerado irrecusável.

             Há os que entendem não dever ser chamado de princípio da irrecusabilidade pelo fato de haver exceções, quais sejam, os mesmos casos de impedimento e suspeição do Juiz, sustentando que haveria irrecusabilidade "se não se pudesse argüir suspeição ou impedimento dos membros do Ministério Público".

             Data vênia o entendimento de eminentes juristas, entendemos de maneira diversa, pois não é uma exceção a um princípio que o elimina, de sorte que à vezes as exceções servem, em última análise, para ratificar as asserções que excepcionam.

             Princípio da obrigatoriedade

             O princípio da obrigatoriedade é aquele segundo o qual o membro do Ministério Público é obrigado a agir sempre que verificadas as condições ensejadoras de uma ação ministerial consubstanciada em função institucional.

             Com o advento da lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei n.º 9.099/95), surgiu uma discussão acerca de qual princípio estaria sendo mitigado em suas disposições pois, consoante esta lei, há a possibilidade de o Ministério Público não oferecer a denúncia.

             Discutiu-se, e ainda não é pacífico, se estaria sendo mitigado o princípio da obrigatoriedade ou o princípio da indisponibilidade, o que veremos a seguir, quando tratamos deste.

             Princípio da indisponibilidade

             Por princípio da indisponibilidade pode-se entender a impossibilidade de o Ministério Público dispor da ação uma vez instaurada, ou seja, o Ministério Público, no momento em que oferece a denúncia não poderá mais desistir da ação, até mesmo porque, em que pese ser a instituição que exerça efetivamente o jus puniendi, este é um poder do Estado, e, por conseguinte, da sociedade.

             Aí voltamos àquela discussão acerca de qual princípio estaria sendo mitigado pelas novas disposições da lei 9.099/95.

             O fumus da dúvida é dissipado quando se verificam todas as hipóteses de não ocorrência do processo, e na Lei dos Juizados Especiais Criminais verificam-se três ocorrências distintas desta possibilidade, a saber.

             A primeira delas encontra-se no artigo 74, em que o Juiz deverá esclarecer sobre a possibilidade de composição civil dos danos, e em ocorrendo esta, o Ministério Público não chegará a oferecer a denúncia.

             Temos que neste caso estaria sendo mitigado o princípio da obrigatoriedade, pois o processo nem chega a ser instaurado, deixando o Parquet de oferecer a denúncia.

             A outra possibilidade que se verifica é a imediata aplicação da pena restritiva de direitos, a chamada "transação penal" que inclusive não gera reincidência, salvo para o caso de não concessão do mesmo benefício nos cinco anos seguintes.

             Aí também entendemos se tratar de uma exceção ao princípio da obrigatoriedade e não da indisponibilidade, vez que o Ministério Público também não oferece a denúncia caso o autor do delito aceite a proposta oferecida.

             A última hipótese é a "suspensão condicional do processo", encontrada no art. 89 da lei em comento. Nela, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo por um prazo de dois a quatro anos, desde que preenchidos os requisitos exigidos na lei.

             Aí sim estamos diante de um patente caso de exceção ao princípio da indisponibilidade da ação penal pública. Como se verifica, a denúncia é oferecida, sendo dado início ao processo, mas este não chegará ao final caso o delinqüente aceite e cumpra as condições da suspensão condicional do processo.

             Traçando elemento delineador da incidência de ambos os princípios mencionados, pode-se dizer: Nos casos em que o processo já se instaurou se fala em indisponibilidade da ação (já instaurada), por outro lado, nos casos em que ainda não se estabeleceu a relação jurisdicional, teremos o princípio da obrigatoriedade, segundo o qual o Ministério Público deverá efetuar as diligencias para cumprir seu desiderato constitucional.

             Quando do início da vigência dessa lei houve certa discussão acerca da possibilidade de exceções aos princípios mencionados, o que logo acabou, pois verificou-se ser plenamente aceitável.

             Para nós, dois motivos autorizam essas exceções:

             A de pronto, há que se ter em mente que princípios jurídicos não são dogmas, destarte perfeitamente mutáveis de acordo com a evolução da sociedade.

             Ao depois, os princípios da obrigatoriedade e da indisponibilidade, ainda que essenciais às funções ministeriais, não foram erigidos à Constituição como princípios institucionais do Ministério Público, portanto perfeitamente excepcionáveis por meio de lei ordinária.

             Por oportuno, voltamos à opinião acima defendida, segundo a qual exceções a princípios não o eliminam, ao contrário, às vezes até os ratificam e fortalecem.

             Princípio da irresponsabilidade

             Ao se tratar desse princípio o estudioso do direito deve ter certa cautela, pois há peculiaridades que podem levar a uma interpretação mais extensiva do que se deva dar.

             Essa irresponsabilidade do Ministério Público não é absoluta, nos parece ser o melhor entendimento fazer uma analogia à responsabilidade dos magistrados que respondem por perdas e danos toda vez que procederem nas suas funções com dolo ou fraude, ou ainda quando recusarem, omitirem ou retardarem, sem justo motivo, providência que deva ordenar de oficio ou a requerimento de qualquer das partes.

             Essa restrição do princípio da irresponsabilidade se deve à previsão constitucional de que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviço público respondem pelos atos que seus agentes, nessa qualidade causarem a terceiros

             Destarte, o membro do Ministério Público, ao agir com dolo ou fraude, ou ainda quando recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva tomar de oficio causando perdas e danos a terceiros, responderá.

             Entretanto, assim como no caso dos magistrados, essa via não será direta entre o lesado e o membro do Ministério Público, mas responderá este perante a pessoa jurídica de direito público a que esteja administrativamente vinculado, pois é sabido que o poder público responde objetivamente pelos danos que seus representantes causarem.

             Contudo, ainda resta um grande campo de incidência do princípio da irresponsabilidade, que é o da culpa, pois, ainda que o Estado tenha que ressarcir terceiro lesado por conduta do membro do Ministério Público, este somente sofrerá ação regressiva nas hipóteses de conduta dolosa, fraudulenta ou desidiosa, não respondendo pessoalmente por conduta culposa.

             Aqui encontramos uma celeuma. Há entendimentos que defendem estar crescendo uma corrente no sentido de responsabilizar pessoalmente o membro do Parquet até mesmo em se tratando de conduta culposa.

             Por ora não vamos nos manifestar acerca dessa possibilidade, pois entendemos ser um tema a ser tratado com a mais alta delicadeza, dada a especificidade da hipótese de ocorrência, o que levaria ao desvio da linha de raciocínio do presente momento, mas não deixará de o ser.

             Princípio da devolução e princípio da substituição

             Os dois últimos princípios atinentes ao Ministério Público, destacados pela doutrina em sede de legislação infraconstitucional, são os princípios da devolução e da substituição.

             Ambos os princípios podem ser considerados decorrentes dos princípios constitucionais, especialmente dos princípios da unidade e da indivisibilidade, pois respeitam às hipóteses de um membro administrativamente superior exercer a função do inferior ou designar outro membro da instituição para propor a ação penal.

             Para uma maior elucidação dos princípios, vejamos uma hipótese na legislação ordinária em que se encontram presentes os dois princípios em comento.

             Trata-se do Decreto-Lei n.º 3.689, de 3 de outubro de 1941, também chamado de Código de Processo Penal, que no seu artigo 28 trata do arquivamento de Inquérito Policial:

             "Art. 28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender".

             Determina o citado artigo que, não concordando o magistrado com o pedido de arquivamento de Inquérito Policial pleiteado pelo membro do Ministério Público, deverá remeter o expediente ao Procurador-Geral, chefe administrativo do Ministério Público. Este, entendendo ser o caso de denúncia, poderá oferecê-la.

             Aí encontramos o princípio da devolução, no que podemos fazer uma analogia ao efeito devolutivo dos recursos no direito processual civil. Assim como neste há a devolução da apreciação da matéria recorrida ao Tribunal, no princípio da devolução, temos a devolução ao Procurador-Geral de Justiça, da faculdade de propor a demanda.

             No mesmo artigo é mencionado também que o Procurador-Geral entendendo ser o caso de denúncia, poderá designar outro membro do Ministério Público oferecê-la, o que nos parece ser claramente a incidência do princípio da substituição, uma vez que este significa a possibilidade de designação de outro membro do Parquet para o oferecimento da exordial acusatória.

             Importantíssimo salientar que nunca o Procurador-Geral de Justiça poderá determinar que o membro do Ministério Público que requereu o arquivamento do Inquérito Policial ofereça a denúncia, pois estaria contra o princípio constitucional da independência funcional já estudado.

             Autonomia da instituição

             Como retro mencionado, o princípio da autonomia se subdivide em várias acepções, o que requer um estudo mais detalhado de cada uma delas, o que veremos no presente momento.

             Autonomia funcional da instituição e dos seus agentes

             Quem detém autonomia funcional é livre para atuar da maneira que melhor entender na sua função, e o Ministério Público goza dessa autonomia tanto no âmbito institucional, quanto no âmbito individual de seus membros.

             Quando se diz que o Ministério Público é autônomo se está dizendo que a sua atuação é livre – é claro que dentro dos limites constitucionalmente determinados – de qualquer interferência de outras instituições.

             Tamanha a importância dessa autonomia institucional que a Constituição Federal prevê crime de responsabilidade do Presidente da República a prática de atos atentatórios ao seu livre exercício.

             Mas seria uma hipocrisia falar em autonomia institucional se tal prerrogativa não fosse estendida aos seus membros, que despidos de tal proteção poderiam ter seus atos tolhidos por agentes hierarquicamente superiores, retirando destarte a eficácia da autonomia institucional.

             Por esse motivo, o membro do Ministério Público goza de total autonomia no exercício diário de suas funções, não podendo ser direcionadas por qualquer agente público, ainda que administrativamente superior como o Procurador-Geral, assim, ao atuar em um processo, ou na seara extrajudicial, o membro do Ministério Público deve satisfações apenas à sua consciência.

             Autonomia administrativa e financeira

             A autonomia administrativa e financeira é outra forma de garantir uma plena atuação do Ministério Público, livre de quaisquer pressões de grupos que tenham interesse em litígios em que atue. Administrar autonomamente significa dizer que a instituição é livre para gerir seus negócios, desde que dentro dos limites legalmente estabelecidos.

             E autonomia financeira é a possibilidade de decidir como será usado o dinheiro na sua administração, e em se tratando de instituição pública somente é possível tal desiderato por meio de lei.

             É aí que se manifesta a autonomia financeira do Ministério Público, pois ele detém a iniciativa para elaborar sua proposta orçamentária, a ser votada pelo Legislativo.

             Para um melhor entendimento da extensão dessa autonomia nos valemos do art. 3º da LONMP:

             "Art. 3º Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional, administrativa e financeira, cabendo-lhe, especialmente:

             I - praticar atos próprios de gestão;

             II - praticar atos e decidir sobre a situação funcional e administrativa do pessoal, ativo e inativo, da carreira e dos serviços auxiliares, organizados em quadros próprios;

             III - elaborar suas folhas de pagamento e expedir os competentes demonstrativos;

             IV - adquirir bens e contratar serviços, efetuando a respectiva contabilização;

             V - propor ao Poder Legislativo a criação e a extinção de cargos, bem como a fixação e o reajuste dos vencimentos de seus membros;

             VI - propor ao Poder Legislativo a criação e a extinção dos cargos de seus serviços auxiliares, bem como a fixação e o reajuste dos vencimentos de seus servidores;

             VII - prover os cargos iniciais da carreira e dos serviços auxiliares, bem como nos casos de remoção, promoção e demais formas de provimento derivado;

             VIII - editar atos de aposentadoria, exoneração e outros que importem em vacância de cargos e carreira e dos serviços auxiliares, bem como os de disponibilidade de membros do Ministério Público e de seus servidores;

             IX - organizar suas secretarias e os serviços auxiliares das Procuradorias e Promotorias de Justiça;

             X - compor os seus órgãos de administração;

             XI - elaborar seus regimentos internos;

             XII - exercer outras competências dela decorrentes.

             Parágrafo único. As decisões do Ministério Público fundadas em sua autonomia funcional, administrativa e financeira, obedecidas as formalidades legais, têm eficácia plena e executoriedade imediata, ressalvada a competência constitucional do Poder Judiciário e do Tribunal de Contas.".

             Legitimidade na iniciativa do processo legislativo

             No dizer de Alexandre de Moraes "iniciativa de lei é a faculdade que se atribui a alguém ou a algum órgão para apresentar projetos de lei ao Legislativo" .

             No mesmo sentido é a lição de Manoel Gonçalves Ferreira Filho que ensina que "não é propriamente uma fase do processo legislativo, mas o ato que o desencadeia" .

             É essa a iniciativa de que dispõe o Ministério Público para a apresentação de projetos de lei para a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público.

             Também possui o Procurador-Geral a iniciativa de lei para a majoração dos vencimentos percebidos por todos os servidores do Ministério Público, entendimento que decorre da prerrogativa de elaboração orçamentária da qual dispõe a instituição.

             Essa vasta legitimidade para a iniciativa de lei é mais uma das medidas que visam dar ao Ministério Público toda a independência necessária para a sua livre e total atuação.

             Garantias e prerrogativas de seus membros

             Inócua seria a existência de garantias institucionais se não fossem conferidas prerrogativas que assegurassem aos membros da instituição o pleno exercício de suas funções já buscado com aquelas.

             Nesse sentido foi prevista pela Constituição uma séria de prerrogativas funcionais que nada mais são do que garantias para que os membros do Ministério Público possam desempenhar suas funções institucionais de maneira isenta, é dizer, livre de quaisquer pressões, haja vista que por vezes atua até mesmo contra o Poder Público.

             Independência funcional

             Aqui não nos referimos à independência funcional de que goza a instituição Ministério Público, mas sim àquela atinente aos membros do Parquet de exercerem suas funções sem ter que se reportar a qualquer superior hierárquico, já estudada anteriormente, apenas ora citada por constituir uma das espécies do gênero no momento em cotejo.

             Vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de seus vencimentos

             Também chamadas de garantias de liberdade, essas garantias, também conferidas aos magistrados, são de incomensurável importância, pois dão ao membro do Ministério Público a garantia de que poderão exercer suas atividades com toda liberdade sem que sofram retaliações em sua profissão.

             A primeira delas é a vitaliciedade. Vitalício é aquilo que é para a vida toda, e assim é a função de membro do Ministério Público, para a vida toda.

             A vitaliciedade garantida a eles é mais do que a simples estabilidade conferida aos demais integrantes do funcionalismo público, porquanto estes podem ser demitidos do serviço público através de processo administrativo, já aqueles, somente após o trânsito em julgado de sentença judicial.

             Ressalte-se que a vitaliciedade não é inerente àquele que simplesmente ingressa na carreira, mas àquele que ingressa na carreira e supera o estágio probatório de dois anos.

             As hipóteses de perda da função de membro do Ministério Público estão previstas no art. 38, § 1º da LONMP, quais sejam, a prática de crime incompatível com o exercício do cargo, após decisão transitada em julgado; o exercício da advocacia; o abandono do cargo por prazo superior a trinta dias corridos.

             Além disso, a ação civil para a decretação de perda do cargo deve ser proposta pelo respectivo Procurador-geral perante o Tribunal de Justiça local, com a devida autorização do Colégio de Procuradores, tudo na forma da Lei Orgânica.

             A inamovibilidade garante aos membros do Ministério Público que não serão transferidos dos lugares em que exercem suas funções sem que seja de sua vontade.

             A única exceção encontra-se prevista pela própria CF/1988, qual seja, por motivo de interesse público, mediante decisão do órgão colegiado competente do Ministério Público, por voto de dois terços de seus membros, assegurada ampla defesa o que faz com que seja também chamada de inamovibilidade relativa.

             A irredutibilidade de vencimentos garante aos membros do Ministério Público a impossibilidade de terem sua remuneração reduzida, mas vale salientar que essa irredutibilidade é meramente nominal, ou seja, seus vencimentos não são corrigidos de acordo com a diminuição do seu poder de compra, mas apenas não será permitido que se reduza o valor da remuneração percebida mensalmente.

             Vedações

             No mesmo sentido das garantias, as vedações também visam uma melhor atuação do membro do Ministério Público.

             Fatores pessoais de origem externa poderiam influenciar em sua atuação, com a imposição dessas vedações tem-se a garantia de que o membro do Ministério Público se dedicará integralmente às suas funções, sem que sofra influência de quaisquer fatores.

             Daí serem também chamadas de garantias de imparcialidade.

             Recebimentos de honorários ou custas

             É sabido que todo advogado, quando tem a causa julgada a favor da parte que representa, recebe honorários advocatícios que são arbitrados pelo Juiz e pagos pela parte vencida, através da execução, que se faz na própria execução da quantia principal do processo.

             Tal recebimento é expressamente vedado ao membro do Ministério Público.

             Ainda que atue como uma das partes do processo, nunca poderá receber quaisquer honorários, percentagens ou custas processuais, em analogia às vedações que são impostas aos magistrados.

             Exercício da advocacia

             O membro do Ministério Público é o representante do povo nos casos previstos no ordenamento jurídico, e o exercício da advocacia é diametralmente o contrário deste mister, de sorte que não poderá o membro do Ministério Público exercer advocacia, para esse desiderato já existe a OAB com seu corpo de advogados, sendo inclusive que tal função é prevista na Lei Maior como indispensável à administração da Justiça.

             Participação em sociedade comercial

             Os membros do Ministério Público não podem participar de sociedade comercial, mas determina a CF/1988 que tal vedação será na forma da lei, e a LONMP em seu art. 44, III, prevê que tal impossibilidade de participação em sociedade comercial excetua-se em se tratando do caso de participação como acionista ou cotista.

             Também lhe é vedado, todavia, o exercício de qualquer função administrativa ou gerencial nas sociedades comerciais às quais venha a integrar o corpo de cotista ou acionista.

             Exercício de outra função pública

             É também vedado a qualquer membro do Ministério Público o exercício de outra função pública, salvo uma de magistério, vale dizer, exercer o cargo de professor. Em nosso entender importante foi essa determinação da CF/1988 que permite ao membro do Ministério Público exercer o professorado.

             Não se poderia tolher de profissionais tão competentes a oportunidade de passar à diante seus ensinamentos e suas experiências, e a contrario sensu, retirar dos acadêmicos a oportunidade de contato com experiências tão salutares para a vida acadêmica com aquelas vividas dia-a-dia pelos membros do Parquet.

             Há ainda uma outra exceção a essa regra, qual seja, a hipótese dos membros do Ministério Público que tenham ingressado na carreira antes da promulgação da CF/1988, que no que tange às vedações tem a eles aplicado o regime da época.

             Poderia surgir uma dúvida quando se interpreta o inciso IX do artigo 129 da Constituição Federal, neste caso deve prevalecer a regra da vedação, não podendo ser estendida nem através de lei a interpretação do art. 128, § 5º, II "d" da Carta Magna.

             Atividade político-partidária

             É ainda vedado aos membros do Ministério Público o exercício de atividade político-partidária, consoante preceitua o art. 128, § 5º, II, "e" da Lei Maior, mas há uma ressalva, as exceções previstas em lei.

             Há os que entendem não haver exceções, de sorte que o membro do Ministério Público não poderá exercer em hipótese alguma atividade político-partidária.

             Aduz-se haver necessária e prévia exoneração do cargo e que as vedações teriam sido equiparadas às dos magistrados pela Constituição de 1988, o que data vênia entendemos não ser o entendimento mais sereno a ser adotado, senão vejamos.

             Dentre os que entendem não haver exceção, encontramos o Professor Hugo Nigro Mazzilli, que assim preleciona:

             "Quanto à vedação da atividade político partidária, que para os juízes é absoluta, para os membros do Ministério Público, ao menos desta vez, não o é.

             É evidente que ao juiz e ao promotor, como cidadãos, não se lhes pode vedar tenham opinião político-partidária. Quanto aos agentes do Ministério Público, as atividades político-partidárias lhes serão vedadas, salvo as exceções que a legislação infraconstitucional venha a contemplar. É evidente que esta última não poderá, sob pena de flagrante inconstitucionalidade, inverter regra e exceção".

             Com tal veemência somente encontramos este autor, sendo certo que a doutrina em geral analisa com mais cautela os dispositivos ora em cotejo.

             Manoel Gonçalves Ferreira Filho tece os seguintes comentários:

             "Quanto aos magistrados (v., supra, art. 95, parágrafo único, III), a proibição de atividade político-partidária é absoluta; aqui, é relativa, pois admite exceções, que a lei haverá de formular.

             A previsão destas exceções é criticável, na medida em que o Ministério Público deve ficar alheio às disputas político-partidárias para bem exercer as suas funções de controle, especificamente como está no art. 127, caput, de defensor da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (v. supra). Na verdade, foi para lhe dar esse distanciamento que se asseguraram a seus membros as garantias da magistratura, e a seu chefe, o Procurador-Geral, um mandato, com garantias rigorosas contra sua destituição pelo chefe do Poder Executivo".

             Ainda nessa corrente "temperada" mencionamos Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra da Silva Martins os quais, ainda que concordem com a opinião de Hugo Nigro Mazzilli, reconhecem a possibilidade à qual faz referência a exceção constitucional:

             "Como se vai ver a seguir, não pode um membro do Ministério Público receber, a qualquer título e sobre qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas processuais; exercer advocacia; exercer o comércio ou participar de sociedade comercial, exceto como cotista ou acionista; exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério, e exercer atividade político-partidária, ressalvada a filiação e o direito de afastar-se para exercer cargo eletivo ou a ele concorrer.

             No texto que a seguir transcreveremos Hugo Nigro Mazzilli, notável conhecedor de sua carreira, faz críticas a duas liberdades que a lei estaria praticando. Uma quanto a permitir o afastamento para funções administrativas. Não vemos tal faculdade estampara na Constituição, uma vez que existe a vedação ao exercício de qualquer função pública, salvo uma de magistério. A ressalva existente é perfeitamente razoável, uma vez que, entre outras vantagens, o exercício dessa função proporciona também ao agente um enriquecimento cultural e intelectual que não deixará de ser útil no exercício da profissão ministerial. Quanto a exercer atividade político-partidária, de fato concordamos com o indigitado autor, ainda que se reconheça que a Lei Complementar n. 75 procurou eliminar o exercício amplo da atividade político-partidária. Da redação da lei, no seu art. 237, o que se extrai é a possibilidade de afastamento nas proximidades da eleição, momento em que o candidato poderá filiar-se ao partido político, tornando-se então afastado do cargo do Ministério Público para concorrer a esse pleito ou para exercer mandato que ganhou.

             Em síntese, pois, embora a Constituição tenha deixado algumas brechas que não deveria ter deixado, a lei complementar em questão procurou dar às exceções autorizadas pela Constituição amplitude mínima, tornando, portanto, a vedação bem próxima do que seria um estatuto jurídico rígido e austero em consonância com as garantias dadas ao órgão.

             E seguem os eminentes juristas.

             "A vedação do exercício de atividade político-partidária é mais acentuada com relação aos magistrados do que relativamente aos membros do Ministério Público, uma vez que estes podem beneficiar-se de exceções previstas na lei. Pelo menos uma dessas exceções foi promulgada. Ela vem na Lei n. 8.625, de 12 de fevereiro de 1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), que dispõe sobre normas gerais para a organização do Ministério Público dos Estados e dá outras providências. No seu art. 44, V, reza: ‘Aos membros do Ministério Público se aplicam as seguintes vedações:.. .exercer atividade político-partidária, ressalvada a filiação e as exceções previstas em Lei’.

             A filiação aí referida diz respeito, obviamente, à filiação partidária. Não estando ainda, previstas outras exceções, é de concluir-se que elas existem para os membros dos Ministérios Públicos estaduais.

             Essa proibição de vida política plena – além, portanto, daquela que é exercida pelo direito de votar – não deve mesmo ser aberta aos membros do Ministério Público. Já vimos que a Constituição de 1988 construiu um sensível modelo de proteção para que a instituição e seus membros ajam com toda autonomia. Não há nada mais vinculante e, conseqüentemente, cerceador dessa independência do que os laços oriundos de política. Seria conveniente que a única exceção aberta fique sendo o marco mais avançado dessa exceção, quer dizer, pode o servidor ministerial filiar-se a uma corporação política; contudo, cremos que o termo deve ser interpretado restritivamente, não entendendo nada mais do que a pura e simples filiação, e, conseqüentemente, o prestígio que o seu nome possa conferir à entidade partidária."

             Citam ainda precedente jurisprudencial nesse sentido.

             "Supremo Tribunal Federal

             RECURSO EXTRAORDINÁRIO N. 127246, DF, REL. MIN. MOREIRA ALVES

             ‘Recurso contra diplomação de Prefeito sob a alegação de ocorrência de vedação constitucional (artigos 128. § 5.º. II, ‘e’, e 130 da Carta Magna) por ser o candidato eleito membro do Ministério Público junto ao Tribunal de contas do Estado do Rio de Janeiro. Interpretação do artigo 29, § 3.º, do ADCT da Constituição Federal.

             Ao contrário do que ocorre com os juízes em geral, cujo exercício de atividade político-partidária é vedada absolutamente, por incapacidade ínsita à função mesma de juiz, o mesmo não sucede com os membros do Ministério Público, certo com é que a vedação que o artigo 128, II ‘e’, lhes impõe admite, por força mesma do texto constitucional, que a Lei ordinária lhe abra exceções, o que, evidentemente, só é admissível quando não há incompatibilidade absoluta entre o exercício da função pública e o da atividade político-partidária, mas, apenas, conveniência para o desempenho daquela.

             Em se tratando de membro do Ministério Público, a relatividade dessa incompatibilidade é tão frágil que a Constituição não se limitou a admitir uma vedação excepcionável por Lei, mas a tornou ainda mais tênue com o disposto no § 3.º do artigo 29 ADCT, o qual reza ‘Poderá optar pelo regime anterior no que diz respeito às garantias e vantagens, o membro do Ministério Público admitido antes da promulgação da Constituição, observando-se, quanto às vedações, a situação jurídica na data desta’.

             A única exegese admissível para dar sentido plausível a essa frase final desse parágrafo será a de considerar que, independentemente da opção, quanto às vantagens e às garantias a que alude a parta inicial do dispositivo, as vedações ora criadas, mesmo com relação aos que não optaram por vantagens e garantias anteriores que afastem alguma delas ou todas elas, não se aplicam de imediato, mas se deverá respeitar a situação jurídica existente no momento da promulgação da Constituição enquanto ela não se extinga por força mesmo do ato inicial de que resultou. Recurso extraordinário não conhecido’".

             Em uma linha mais contemporânea, encontramos o ilustre professor Alexandre de Moraes, cuja transcrição da salutar interpretação sistêmica se faz mister para a fundamentação de nossa linha de raciocínio.

             "A Constituição Federal prevê como vedação expressa ao membro do Ministério Público o exercício de atividade político-partidária, salvo exceções previstas na lei.

             Esta norma refere-se aos membros do Ministério Público que tenham ingressado na carreira após a promulgação da Constituição de 1988, ou para os demais, que não tenham feito a opção do art. 29, § 3º, ADCT. Em relação aos demais membros, o legislador constituinte permitiu a realização de opção, prevista no § 3º, do art. 29, ADCT.

             Tal vedação, porém, não constitui criação, por parte do legislador constituinte, de causa absoluta de inelegibilidade, mas espécie de inelegibilidade relativa.

             Dessa forma, o membro do Ministério Público possui, constitucionalmente em tese, elegibilidade absoluta para disputa de qualquer cargo, desde que preenchidos os demais requisitos previstos na própria Constituição Federal, ou os criados em lei complementar (CF, art. 14, § 9º), entre eles a filiação partidária.

             A exigência de prévia filiação partidária obriga que somente possam disputar eleições candidatos registrados por partidos políticos (CF, art. 14, V, e art. 87 do Código Eleitoral). Assim, desde que a filiação partidária esteja dentro do rol de exceções previstas pela Constituição não haverá qualquer impossibilidade do membro do Ministério Público candidatar-se.

             Tanto os arts. 44 e 80 da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei n.º 8.625, de 12-2-1993), quanto o art. 237, V, do Estatuto do Ministério Público da União (Lei Complementar n.º 75/93), prevêem como exceção a possibilidade de filiação partidária.

             Analisando o tema, o Tribunal Superior Eleitoral afirmou a possibilidade de filiação partidária por parte dos membros do Ministério Público, conforme se percebe na Consulta n.º 13.981, publicada no DJU de 28-3-94, p. 6.280, onde se reconheceu a possibilidade de filiação partidária, e conseqüentemente elegibilidade do membro do Ministério Público, desde que preenchidos os requisitos constitucionais do art. 14, § 3º.

             Importante ressaltar que o Supremo Tribunal Federal, julgando parcialmente procedente a ação direta de inconstitucionalidade cujo objeto era a filiação partidária do membro do Ministério Público, decidiu, por maioria de votos, vencido o Ministro Octávio Gallotti, que julgava totalmente improcedente a referida ação direta, da seguinte maneira:

             Dar, ao art. 237, inciso V, da Lei Complementar Federal n.º 75, de 20-5-93, interpretação conforme a Constituição, no sentido de que a filiação partidária de membro do Ministério Público da União somente pode efetivar-se nas hipóteses de afastamento de suas funções institucionais, mediante licença, nos termos da lei;

             Dar, ao art. 80 da Lei n.º 8.625/93, interpretação conforme a Constituição para fixar como única exegese constitucionalmente possível aquela que apenas admite a filiação partidária, se o membro do Ministério Público estiver afastado de suas funções institucionais, devendo cancelar sua filiação partidária antes de reassumir suas funções, quaisquer que sejam, não podendo, ainda, desempenhar funções pertinentes ao Ministério Público Eleitoral senão dois anos após o cancelamento dessa mesma filiação político-partidária.

             Não restando dúvidas de que ao membro do Ministério Público, independentemente do momento de ingresso na carreira, são permitidas a filiação partidária e a candidatura para mandatos eletivos, sendo pois uma exceção prevista em Lei, permitida pela válvula de escape constitucional do art. 128, § 5º, III, e; resta saber se a Constituição prevê, ou ainda, permite que se preveja alguma outra regra de inelegibilidade relacionada ao membro do Ministério Público, por meio de ato normativo diferente de lei complementar.

             As condições de elegibilidade são tratadas no Capítulo IV, do Título II, da Constituição Federal, denominado ‘DOS DIREITOS POLÍTICOS’ e vêm descritas nos §§ 3º a 9º do art. 14.

             A Constituição estabelece as hipóteses mínimas de inelegibilidades em normas de aplicabilidade imediata, cuja eficácia iniciou-se com a própria promulgação do texto maior. Porém, além dessas, permitiu-se a criação de outras hipóteses de inelegibilidades relativas, por meio da edição de uma lei complementar. Existe, portanto, uma autêntica reserva de Lei Complementar e, conseqüentemente, qualquer outra lei, regulamento, regimento, portaria, ou resolução que verse sobre o assunto será inconstitucional, por invasão de matéria própria e exclusiva daquela espécie normativa.

             A Lei Complementar exigida pela Constituição foi editada, sendo a LC n.º 64, de 18-5-1990. Dessa forma, desde que o membro do Ministério Público preenche todas as condições de elegibilidade previstas na Constituição e na referida Lei Complementar n.º 64/90, poderá exercer seus direitos políticos, mais precisamente, sua capacidade eleitoral passiva, candidatando-se a cargos eletivos, pois as restrições prevalecerão somente enquanto fixadas expressamente no Texto Constitucional ou em lei complementar, sem qualquer recurso a métodos ampliativos de interpretação que possam conduzir a alguma hipótese restritiva sem expressa configuração legal ou constitucional.

             Em conclusão, as Leis Orgânicas do Ministério Público e a Lei Complementar n.º 64/90 previram a possibilidade de o membro do Ministério Público, mesmo aquele que tenha ingressado após a promulgação da Constituição Federal de 1988, candidatar-se, desde que preenchido um requisito, qual seja, a desincompatibilização.

             São os seguintes os prazos para a desincompatibilização do membro do Ministério Público, em razão do cargo a ser disputado:

             Presidente e vice-presidente: seis meses anteriores ao pleito (art. 1º, II, j);

             Governador e vice-governador: seis meses anteriores ao pleito (art. 1º, III, a);

             Prefeito e vice-prefeito: quatro meses anteriores ao pleito (art. 1º, IV, b);

             Senador da República: seis meses anteriores ao pleito (art. 1º, V, b);

             Deputado federal, estadual e distrital: seis meses anteriores ao pleito (art. 1º, VI);

             Vereador: seis meses anteriores ao pleito (art. 1º, VII)".

             Como visto, a vedação constitucional comporta as exceções mencionadas em seu texto.

             Primeiramente há que se salientar que a própria Constituição não vedou totalmente a hipótese do exercício político-partidário, todavia delegou à lei a forma pela qual esse exercício seria feito. Nesse sentido, a lei acabou por permitir ao membro do Ministério Público tal exercício.

             Todos os membros do Ministério Público preenchem os requisitos de elegibilidade exigidos pela CF/1988 em seu art. 14, de sorte que caberia à lei instituir as exceções a que se refere o art. 129, § 5º, II, "e".

             A lei que regulamenta o Ministério Público é a LONMP, esta, por sua vez, permite a filiação político-partidária.

             Ocorre que caso o membro do Ministério Público se filiasse partidariamente e fosse eleito para cargo eletivo, este seria incompatível com a função ministerial esbarrando na vedação a que alude o art. 129, § 5º, II, "d", da CF/1988.

             Para a solução desse conflito existe o art. 237, V da LOMPU, aplicável aos Ministérios Públicos Estaduais por força do art. 80 da LONMP, permitindo ao membro do Ministério Público filiar-se e dando-lhe o direito de afastar-se de suas funções para o exercício de cargo eletivo o concurso ao mesmo.

             Ademais, determina o art. 14, § 9º da CF/1988 que lei complementar venha a estabelecer outras hipóteses de inelegibilidade, tal lei é a LC n.º 64, de 18 de maio de 1990, publicada no Diário Oficial da União no dia 21 subseqüente, que realmente veio a prever hipóteses de inelegibilidade em relação aos membros do Ministério Público.

             Essa lei não os impediu de concorrerem e se elegerem, apenas fixando-lhes prazos que deverão ser respeitados entre o afastamento de suas funções e a eleição, quais sejam esses prazos, quatro meses antes da eleição em se tratando de Prefeito e vice-prefeito, e seis meses nos demais casos.

             O que acaba por ratificar a possibilidade do membro do Ministério Público concorrer e se eleger a cargos públicos, como amplamente demonstrado supra e ensinado por Alexandre de Moraes.

             Por derradeiro, não se pode asseverar que a Constituição de 1988 tenha equiparado a vedação de atividade político-partidária dos membros do Ministério Público às dos juízes, e dois motivos nos levam a entender nesse sentido.

             Primeiramente, como não poderia deixar de ser, por todas as fundamentações e interpretações que acima mencionamos.

             Além disso, é princípio geral de interpretação jurídica que nenhuma palavra inserida em um texto normativo o é sem alguma finalidade, e, com isso, dizer-se não há palavras inúteis na lei.

             Isso ratifica o entendimento segundo o qual não são equiparadas as vedações dos membros do Ministério Público às dos juízes, pois com relação a estes determina o texto da Lei Maior: "Art. 95. (...) Parágrafo único. Aos juízes é vedado (...) III – dedicar-se à atividade político partidária".

             Já no que tange aos membros do Ministério Público a vedação do art. 128, § 5º, II, ‘e’, traz a ressalva: "salvo as exceções previstas na lei".

             Não se pode negar a patente diferença textual. Já ensinava Alexandre de Moraes, ao mencionar Canotilho, que um dos princípios de interpretação da Constituição é o "da força normativa da constituição" segundo o qual "entre as interpretações possíveis, deve ser adotada aquela que garanta maior eficácia, aplicabilidade e permanência das normas constitucionais".

             Como se não bastasse, a doutrina mais renomada é uníssona ao ponderar que em se tratando de interpretação, uma lei somente deve ser declarada inconstitucional quando realmente não puder ser interpretada conforme a Lei Maior.

             A contrario sensu sempre que houver possibilidade de interpretação, deve-se preservar a eficácia legislativa. Nesse sentido trazemos à colação o próprio J.J. Gomes Canotilho que assim expõe:

             "No caso de uma lei ter vários sentidos, deve escolher-se aquele que permite a conformidade da lei com as normas constitucionais. Uma norma legal não deve considerar-se inconstitucional enquanto puder ser interpretada de acordo com a constituição".

             No mesmo sentido Karl Larenz:

             "Só o Tribunal Constitucional Federal pode decidir sobre se uma disposição do Direito pós-constitucional contradiz a Constituição. Declarou em muitos acórdãos que uma disposição só é inconstitucional e, portanto, inválida, quando não pode ser interpretada «em conformidade com a Constituição»".

             Ainda o consagrado Konrad Hesse:

             "(...) uma lei não deve ser declarada nula quando ela pode ser interpretada em consonância com a Constituição. Essa ‘consonância’ existe não só então, quando a lei, sem a consideração de pontos de vista jurídico-constitucionais, admite uma interpretação que é compatível com a Constituição; ela pode também ser produzida por um conteúdo ambíguo ou indeterminado da lei ser determinado por conteúdos da Constituição".

             E segue o renomado autor alemão:

             "A concretização do Direito Constitucional pela jurisdição constitucional decididora autoritariamente serve, nisto, à clareza jurídica e certeza jurídica; ela deve desenvolver efeitos racionalizadores e estabilizadores, o que somente é possível se a jurisprudência do Tribunal Constitucional segue princípios de interpretação firmes e visíveis e evita, no possível, o recurso a princípios de direito gerais e indeterminados".

             Assim se demonstra possível a realização da exceção prevista na Constituição desde é claro, que o membro do Ministério Público se afaste de suas funções nos prazos previstos em lei.

             Por todos os argumentos acima trazidos, sem embargos a opiniões em sentido diverso e abertos a críticas e discussões – sempre contributivas à evolução da ciência do direito – somos signatários do entendimento segundo o qual é possível a atividade político-partidária aos membros do Ministério Público.

             Sanções por descumprimento das vedações

             Em se tratando de sanções por descumprimento das vedações, tanto o texto constitucional quanto as leis orgânicas foram omissas restando às leis locais, é dizer, Estaduais, determinarem o que de direito para os casos de descumprimento das vedações institucionais.

             No caso do Ministério Público do Estado de São Paulo, o exercício da advocacia por membro não vitalício implica na sua demissão, e no caso dos vitalícios é necessário a propositura de ação judicial para a decretação de perda do cargo, por força da garantia da vitaliciedade, o que já foi objeto de estudo. Já no caso de descumprimento das outras vedações constitucionais será aplicada a pena de suspensão.

             Funções da instituição

             As funções a serem exercida pelo Ministério Público estão estabelecidas no art. 129 da Lei Maior, sem, contudo, que haja uma taxatividade desse rol, entendimento que decorre da interpretação do inciso IX do citado artigo.

             Há ainda outras funções previstas em leis, as quais serão paulatinamente analisadas bem como as funções constitucionais.

             Faz a doutrina uma divisão das funções do Ministério Público em funções típicas e funções atípicas, sendo estas todas as que não são essencialmente as funções do Parquet, algumas delas já inexistentes ante sua nova estruturação constitucional, como por exemplo a representação judicial dos interesses patrimonial da União e a consultoria jurídica das entidades públicas, todas vedadas pela Constituição.

             Há também algumas das funções atípicas que ainda são desempenadas pela instituição, como o patrocínio do reclamante trabalhista, a assistência judiciária aos necessitados onde não houver órgãos próprios, a substituição processual das vítimas de crimes nas ações ex delicto dentre outras.

             No rol de funções típicas, temos principalmente aquelas descritas na Constituição Federal, quais sejam a promoção das ações penal e civil públicas, a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

             Bem como o zelo pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados não Constituição, a defesa das populações indígenas, promover ação de inconstitucionalidade e representação interventiva etc., vejamos paulatinamente as mais salutares.

             Promoção da ação penal pública

             Uma das primeiras funções da instituição, a promoção da ação penal pública é ainda hoje a que mais abrange a atuação ministerial, ex vi do art. 129, I, da CF/1988.

             Em todos os crimes de ação penal pública, seja condicionada ou incondicionada, o Ministério Público é o titular exclusivo da ação, não podendo o ofendido ajuizar a respectiva ação penal ainda que o Ministério Público peça o arquivamento e este seja deferido. Vale mencionar que a ação penal privada subsidiária somente é cabível em caso de inércia do Parquet, ou seja, caso a instituição não ofereça denúncia nem peça arquivamento.

             Além disso, a titularidade exclusiva da ação penal pública atribuída ao Ministério Público enterra de vez a teratológica ação penal ex officio, já aplicada outrora em nosso país até em contravenções penais, o que corroborou para com o princípio do nec procedat judex ex officio.

             Zelo pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na constituição federal

             Aqui se encontra a função de defensor do povo do Ministério Público.

             Como já salientado, se a democracia é o governo do povo pelo povo, ainda que este indiretamente crie suas leis, haverá casos em que será necessário alguém para que zele pela correta aplicação e efetivo respeito dessas leis por parte dos governantes.

             E é justamente essa a finalidade buscada pela Constituição neste dispositivo, e para isso a LONMP determinou os meios em seu art. 27, cujo texto, paras uma maior elucidação transcrevemos:

             "Art. 27. Cabe ao Ministério Público exercer a defesa dos direitos assegurados nas Constituições Federal e Estadual, sempre que se cuidar de garantir-lhe o respeito:

             I - pelos poderes estaduais ou municipais;

             II - pelos órgãos da Administração Pública Estadual ou Municipal, direta ou indireta;

             III - pelos concessionários e permissionários de serviço público estadual ou municipal;

             IV - por entidades que exerçam outra função delegada do Estado ou do Município ou executem serviço de relevância pública.

             Parágrafo único. No exercício das atribuições a que se refere este artigo, cabe ao Ministério Público, entre outras providências:

             I - receber notícias de irregularidades, petições ou reclamações de qualquer natureza, promover as apurações cabíveis que lhes sejam próprias e dar-lhes as soluções adequadas;

             II - zelar pela celeridade e racionalização dos procedimentos administrativos;

             III - dar andamento, no prazo de trinta dias, às notícias de irregularidades, petições ou reclamações referidas no inciso I;

             IV - promover audiências públicas e emitir relatórios, anual ou especiais, e recomendações dirigidas aos órgãos e entidades mencionadas no caput deste artigo, requisitando ao destinatário sua divulgação adequada e imediata, assim como resposta por escrito.".

             Promoção do inquérito civil e da ação civil pública

             Já é sabido que a ação penal é em regra pública, mas, ao contrário, em se tratando de ação civil, a regra é a ilegitimidade ad causam do Ministério Público.

             Ocorrem, no entanto, casos em que a conduta praticada foge da seara penal, todavia, não confere a legitimidade da ação a qualquer pessoa. São nesses casos em que se aplica a ação civil pública, a ser intentada pelo Ministério Público, sem embargos a que a lei confira a determinadas pessoas sejam físicas ou jurídicas, a mesma legitimidade, o que decorre inclusive de determinação constitucional.

             Mas não se pode dar início a uma ação sem que haja um arcabouço probatório verossímil, o que se afere com o chamado inquérito civil, que precede à ação civil pública, aquele também de iniciativa do ilustre Parquet.

             Saliente-se o Ministério Público somente poderá agir nas hipóteses que se enquadrem nas suas finalidades, o que se encontra inserido no texto constitucional. Futuramente este tema será trazido a lume mais detalhadamente, por se tratar de assunto de grande importância para o presente trabalho.

             Ação de inconstitucionalidade e representação interventiva

             Também compete ao Ministério Público a promoção da ação de inconstitucionalidade e a representação para a intervenção da União ou Estados, atribuições que lhe são afetadas pelo art. 129, IV da Lei Maior, que determina o exercício dessas atribuições somente nos casos por ela previstos.

             Anote-se que a legitimidade ministerial para tais desideratos não exclui a de outras entidades, todavia estas não serão analisadas por não se tratar do escopo do presente trabalho.

             Vejamos primeiramente a ação de inconstitucionalidade, a qual determina a CF/1988, em seu art. 103, VI, e o art. 2º, VI, da Lei n.º 9.868/99, ter legitimidade o Procurador-geral da República, sendo ratificada essa imprescindibilidade ministerial pelo próprio § 1º do art. 103, da Lei Maior, e art. 8º, da Lei n.º 9.868/99, que preceituam ser necessária a manifestação do chefe do Ministério Público da União em todas as ações de inconstitucionalidade.

             Cabe ainda ao Ministério Público a propositura de ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, consoante art. 103, § 4º da CF/1988, e art. 13, IV, da Lei n.º 9.868/99.

             Em que pese constar somente a propositura da ação de inconstitucionalidade no rol de funções institucionais do Ministério Público, a própria CF/1988 reservou-lhe a função de promover a ação declaratória de constitucionalidade vista acima, bem como zelar pelo efetivo cumprimento dos preceitos fundamentais, vejamos esta última atribuição.

             Conforme determina o § 1º, do art. 10, da CF/1988, a argüição de descumprimento de seus preceitos fundamentais será apreciada pelo STF na forma da Lei.

             Isto importa dizer que se trata de norma constitucional de eficácia limitada, ou seja, depende de lei para que seja possível a sua aplicabilidade, e essa Lei já existe.

             Trata-se da Lei n.º 9.882 de 3 de dezembro de 1999, publicada no DOU do dia 6 subseqüente, que em seu art. 2º, I, determina que todos os legitimados para propor ação direta de inconstitucionalidade podem propor argüição de descumprimento de preceito fundamental. Por conseguinte, o Ministério Público na pessoa do Procurador-Geral da República, nos termos do art. 103, VI da CF/1988.

             Além disso, a par da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade, nas quais é obrigatória a manifestação ministerial, quando não se tratar do pólo ativo da ação, na argüição de descumprimento dos preceitos constitucionais fundamentais, também imprescinde a manifestação da instituição.

             Todavia há uma diferença. Enquanto na ação direta de inconstitucionalidade e na ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal a Constituição e as respectivas leis ordinárias mencionam a obrigatoriedade de manifestação ministerial quando não for o pólo ativo da ação, ser atribuição do Procurador-geral da República, na argüição de descumprimento dos preceitos constitucionais fundamentais a manifestação ministerial só é obrigatoriamente efetuada pelo Procurador-Geral da República em caso de concessão pelo relator, de liminar ad referendum do Tribunal Pleno.

             Ainda assim somente se requisitada pelo relator, pois trata-se de uma faculdade que se lhe atribui.

             Nas demais hipóteses de manifestação ministerial nos procedimentos dessa natureza em que não for o proponente, a Lei é omissa, determinando apenas que o Ministério Público terá vista do processo, mas por analogia a todos os outros procedimentos dessa natureza, entendemos ser também do chefe da instituição a atribuição de oficiar neste caso.

             Da mesma maneira que no âmbito federal, nos Estados, cabe ao Procurador-Geral de Justiça local a representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual.

             É certo, não se encontra prevista a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo municipal em face da Constituição Federal, omissão legislativa que entendemos abrir duas hipóteses.

             Primeiramente o Ministério Público estadual poderia deflagrar tal procedimento, uma vez que não existe Ministério Público municipal, o que se trataria de uma atribuição residual, já que o Estado-membro é a pessoa jurídica de direito público interno mais próxima do município em se tratando de uma hierarquia administrativa, sem, no entanto, negar a autonomia política entre as pessoas jurídicas de direito público interno.

             Outra hipótese é o controle de constitucionalidade através da via difusa, esta plenamente cabível e praticável, até mesmo em vista do princípio da inafastabilidade da jurisdição, já que a via concentrada em sendo deflagrada pelo Ministério Público estadual certamente suscitaria discussões.

             Entendemos, todavia, aplicável desde que dentro do âmbito de atribuições constitucionalmente previstas para o Ministério Público, encontrando guarida no art. 129, IV, da CF/1988, já que este não menciona os casos em que cabe ação de inconstitucionalidade, de sorte que o limitador "nos casos previstos nesta Constituição" refere-se apenas à taxatividade do rol de hipóteses de intervenção.

             Vejamos agora as hipóteses de representação para fins de intervenção da União e dos Estados, lembrando mais uma vez que essas hipóteses somente poderão ser definidas pela própria Constituição.

             Alexandre de Moraes nos traz um bom conceito de intervenção o qual transcrevemos in verbis:

             "A intervenção consiste na medida excepcional de supressão temporária da autonomia de um determinado ente federativo, fundada em hipóteses taxativamente previstas no texto constitucional, e que visa à unidade e preservação da soberania do Estado Federal e das autonomias da união, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.".

             Esse conceito traz a gravidade que sempre precede o procedimento interventivo, de sorte que caberá somente ao Presidente da República decretar a intervenção, mas há procedimentos a serem efetuados antes dessa decretação presidencial, alguns deles somente podem ser deflagrados pelo Ministério Público, os quais tornarão a decretação presidencial obrigatória, sendo chamada de intervenção provocada vinculada, na qual há o provimento da representação ministerial.

             Para um melhor entendimento da matéria trazemos à colação a lição do professor Hugo Nigro Mazzilli:

             "Há dois tipos de intervenção, a espontânea, em que o presidente da República age de ofício, e a provocada, quando o presidente agirá, conforme o caso, de forma discricionária ou vinculada. Será discricionária quando de solicitação do Poder Legislativo ou do Poder Executivo coacto ou impedido, porque se aterá o presidente da República a critérios de oportunidade e conveniência, não estando obrigado a decretá-la se entender que não é o caso. Por último, a intervenção vinculada ocorre em duas hipóteses: a) quando de requisição de um dos tribunais superiores indicados na Constituição, b) ou quando de provimento de representação interventiva.

             Será obrigatória a intervenção, se precedida de requisição do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do Tribunal superior eleitoral; será, igualmente, indeclinável a expedição do decreto de intervenção quando resultar de provimento de representação interventiva do Procurador-geral da República, ou quando resultar de provimento de representação interventiva do interessado, para prover a execução de ordem ou decisão judicial".

             Como visto, nas hipóteses em que deve o Ministério Público representar pela intervenção não poderá o presidente da República agir ex officio.

             Em contrapartida, representando o Parquet e sendo dado a essa representação o provimento pelos tribunais superiores previstos na CF/1988, tornar-se-á obrigatório o decreto interventivo.

             No âmbito estadual também se aplica a regra da taxatividade no rol de hipóteses de cabimento de intervenção, sendo que caberá ao Governador do Estado decretar a intervenção do município, pois trata-se de ato privativo do chefe do executivo.

             Ademais a União não poderá intervir nos municípios, pois a regra é que somente intervirá em uma pessoa jurídica de direito público interno a pessoa jurídica de direito público interno imediatamente superior, é dizer, somente poderá intervir no município o Estado-membro do qual faça parte.

             O rol de hipóteses de intervenção Estadual previsto na Constituição Federal, que como já mencionado é taxativo, encontra-se previsto no art. 35 da Lei Maior.

             Tal artigo especifica o caso de representação em seu inciso IV. Ocorre que diferentemente dos casos de representação no âmbito Federal, em que está expresso dever ser o Procurador-Geral da República, na seara Estadual não há tal previsão, o que nos leva a entender que além do Ministério Público, outros interessados poderiam representar pela intervenção nos municípios.

             Defesa dos interesses das populações indígenas

             A Constituição também determina que o Ministério Público deve zelar pelos direitos e interesses das populações indígenas, e esse zelo deve ser judicialmente.

             Esses direitos e interesses têm sua maior regulamentação na própria Constituição Federal, nos artigos 210, § 2º, 231 e 232, não obstando que demais leis infraconstitucionais o façam, desde que compatíveis com a Lei Maior.

             A disputa sobre direitos indígenas é de competência dos juízes federais, como determina a Constituição Federal em seu art. 109, XI, de sorte que o Ministério Público atuante no caso seria o Ministério Público Federal.

             Porém haverá casos em que a urgência poderá fazer com que não dê tempo para a intervenção de um órgão do Ministério Público Federal, casos em que entendemos plenamente cabível a intervenção do Ministério Público Estadual, notadamente perante a Justiça Estadual.

             Expedir notificações e requisitar documentos

             Seria improdutivo tolher do Ministério Público essas funções, pois ele é o dominus litis, e necessita primeiramente convencer-se de que é realmente necessária a propositura da ação, o que somente é possível através de um arcabouço probatório plausível e verossímil, o que às vezes não se apresenta nos fatos a ele trazidos, necessitando diligências e providências, para uma plena convicção daquele que vai propor a ação.

             Daí ser conferida tal força ao Ministério Público, que pode requisitar informações. Ademais quem requisita não pede, quem requisita manda, o fazendo sob o manto protetivo da lei.

             E ressalte-se que esse poder de requisição e notificação se dá tanto em matéria criminal, como na seara civil, sem prejuízo da atribuição do controle da atividade policial que será vista a seguir.

             Quando se fala na indicação dos fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais há um paradoxo, qual seja, a impossibilidade de o Ministério Público fundamentar suas manifestações processuais no caso dessas notificações requisições de informações, pois nestes nem ainda há um processo em sentido estrito, mas sim apenas um procedimento de natureza administrativa, que visa dar respaldo ao futuro processo judicial.

             Nesse sentido tem ensinado ao doutrina que não se deve interpretar de forma demasiadamente restritiva tal dispositivo constitucional, de sorte que essas "manifestações processuais" a que se referiu o legislador constitucional devem ser entendidas como manifestações em processos e em procedimentos, nestes sim compreendidos os procedimentos administrativos necessários a um bom embasamento da exordial ministerial.

             Contudo, é salutar que não estenda sobremaneira a interpretação para dar guarida a absurdos como a necessidade de fundamentação em uma simples cota de ciência.

             Controle externo da atividade policial

             O Ministério Público segundo a Constituição tem como função o exercício do controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar de cada Ministério Público, as quais pouco regulamentaram tal matéria, o fazendo apenas a LOMPU.

             É necessário dizer que esse controle não é ilimitado, muito pelo contrário, tem sérias restrições, começando pela necessária regulamentação por lei complementar para o seu efetivo exercício.

             Como se sabe, a lei complementar requer quorum qualificado, de sorte que se trata de uma matéria de grande importância. Como se não bastasse, esse controle deve se ater somente naquilo em que a atividade policial se vincula à atividade ministerial, vale dizer, essencialmente às funções investigativas da polícia, ou seja, a polícia judiciária.

             Isto importa dizer que o Ministério Público em nenhum momento tem funções hierarquicamente administrativas sobre a polícia civil, no que respeita às funções. A polícia deve somente satisfações a seus superiores hierárquicos, é dizer, caso o membro do Ministério Público verifique faltas no exercício da função que devam ser apenadas administrativamente deverá comunicar ao superior do funcionário faltoso, para que este tome as providencias cabíveis

             A LOMPU nos arts. 3º, 9º e 10 define este exercício de controle externo da atividade policial.

             Em que pese sua aplicabilidade a todos os Ministérios Públicos, por força do art. 80 da LONMP, esta regra do Ministério Público da União não se aplica, pois o art. 129, VII da CF/1988 menciona que a lei complementar tem de ser a de cada Ministério Público, consoante o art. 128, § 5º da Lei Maior.

             Exemplificatividade das funções dentro do conceito de compatibilidade

             O rol de funções institucionais do Ministério Público determinado na Constituição Federal não é de ser considerado taxativo, mas exemplificativo, por disposição própria, quando determina que a instituição poderá "exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade" .

             Diante de tal regra nos parece necessário fazer duas considerações.

             Inicialmente há que se determinar o conceito de compatibilidade com as finalidades do Ministério Público, o que em nosso entender é feito através da observância de principalmente dois artigos da Constituição, o artigo 127, que traça as linhas gerais das finalidades institucionais, e o artigo 129, que pormenoriza as funções institucionais, guardadas as devidas proporções de se tratar de um texto constitucional.

             Também se faz necessário ressaltar que não poderão os membros do Ministério Público agir aleatoriamente toda vez que entenderem estarem dentro dessa regra de exemplificatividade, pois a própria Lei Maior determina que essas "outras funções" deverão ser conferidas, e a única maneira de ser atingido tal objetivo é através de lei complementar, como determina o próprio artigo 128, § 5º da CF/1988.

             Vedações à representação estatal

             Com a Constituição de 1988, ficou expressamente vedado ao Ministério Público a "representação judicial e a consultoria jurídica das entidades públicas" .

             Tal determinação diferia do que ocorria antes, pois figurava como uma das principais funções institucionais.

             Em que pese ser considerada um avanço institucional essa separação das funções ministeriais da defesa as pessoas jurídicas de direito público, não se aplica em todos os países do mundo.

             Em nosso irmão Portugal ainda cabe ao Parquet a representação do Estado, consoante o art. 221º, 1 da Constituição da República Portuguesa, atribuição sobre a qual J. J. Gomes Canotilho tece alguns comentários que entendemos elucidativos, pois menciona inclusive, que às vezes poderá haver incompatibilidade gerada por tais atribuições:

             "São diversas as funções do MP (n.º1), que se analisam em quatro áreas; (a) representar o Estado, nomeadamente nos tribunais, nas causas em que ele seja parte, funcionando com uma espécie de advogado do Estado; (b) exercer a ação penal, sendo todavia problemático se ele detém o exclusivo nessa matéria e se trata de um poder vinculado ou se dispõe de alguma margem de liberdade; (c) defender a legalidade democrática, intervindo, ente outras coisas, no contencioso administrativo e fiscal e na fiscalização da constitucionalidade; (d) defender os interesses de determinadas pessoas mais carecidas de proteção, designadamente, verificados certos requisitos, os menores, os ausentes, os trabalhadores, etc.

             O exercício simultâneo destas várias funções pode não ser isento de conflitos e incompatibilidades, pois nem sempre a defesa dos interesses privados do Estado pode ser harmonizável com, por exemplo, a defesa da legalidade democrática". (grifo nosso).

             E em outra obra, o constitucionalista critica mais uma vez a representação Estatal exercida pela instituição:

             "Globalmente consideradas, as funções do Ministério Público têm, em geral, como denominador comum, o serem exercidas no interesse do ‘Estado-comunidade’ e não do ‘Estado-pessoa’ (Pizzorusso). Isto, em termos tendenciais, porque em Portugal o Ministério Público continua a ser ‘advogado do Estado’, tarefa que noutros países é desempenhada por operadores jurídicos diferentes (‘advogados do Estado’ ou ‘advogados contratados’)".

             A participação da instituição na composição dos tribunais

             O Ministério Público também participa da composição dos Tribunais, trata-se do "quinto constitucional", assim chamado pelo fato de ser previsão constitucional que um quinto dos Tribunais será composto por membros do Ministério Público.

             Sempre que for o caso de ingresso de um membro do Parquet nos tribunais, será elaborada pelo Conselho Superior do Ministério Público uma lista sêxtupla.

             Essa lista é encaminhada para o Tribunal que selecionará três dentre os indicados.

             Ato contínuo será encaminhada esta lista agora tríplice, ao Poder Executivo ao qual caberá, no prazo de vinte dias, a escolha de um dos candidatos.

             No momento em que o representante do Ministério Público ingressa no Tribunal ele deixa de fazer parte do Ministério Público para ser parte do Poder Judiciário.

             Não mais atua como parte processual ou em qualquer outra função ministerial, mas sim como julgador, ou seja, Juiz de alçada nos Tribunais de Alçada, Desembargador nos Tribunais de Justiça, ou Ministro no caso dos Tribunais Superiores.

O Ministério Público segundo a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público

             É sabido que o Ministério Público Estadual é regulamentado por Lei Complementar Estadual de iniciativa do respectivo Procurador-Geral de Justiça.

             Entendeu por bem o legislador constitucional, em determinar a criação de uma lei que estabelecesse normas gerais a serem seguidas pelos estados-membros ao estruturarem os seus Ministérios Públicos, para que houvesse um padrão, uma harmonia nacional das instituições.

             Com esse desiderato foi instituída a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, de n.º 8.2625 de 12 de fevereiro de 1993, que será agora sucintamente abordada.

             Em que pese uma análise do Ministério Público não ser o escopo precípuo desse trabalho, entendemos de salutar importância uma pequena abordagem do tema sob o prisma da lei que institui suas linhas gerais, assim como o fez a Constituição Federal.

             A natureza jurídica da LONMP

             Estudar a natureza jurídica da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público importa estabelecer o seu âmbito de eficácia, posto que na realidade opera os efeitos de uma lei complementar sendo, contudo, ordinária.

             Como o próprio nome diz, lei complementar serve para complementar as regras constitucionais, que necessitam de tal regulamentação, de sorte a obrigar todas as demais leis e pessoas jurídicas de direito público interno a respeitarem suas disposições.

             A doutrina debate a existência de hierarquia entre lei complementar e lei ordinária.

             Entendendo que há hierarquia legislativa mencionamos importantes juristas como Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Haroldo Valadão, Pontes de Miranda, Wilson Accioli, Nelson Sampaio, Geraldo Ataliba entre outros.

             Já em sentido contrário, entendendo não haver hierarquia legislativa encontram-se Celso Ribeiro Bastos, Michel Temer, et al.

             Como se observa, eminentes são os juristas a seguirem em sentido diverso em se tratando deste assunto, aumentando mais ainda a controvérsia.

             Michel Temer entende não ser o caso de hierarquia, pois ambas retiram validade da Constituição.

             Assim somente se poderia falar em hierarquia caso a lei ordinária retirasse sua validade da lei complementar, o que não ocorre, expõe textualmente o renomado professor: "Não há hierarquia alguma entre a lei complementar e a lei ordinária. O que há são âmbitos materiais diversos atribuídos pela Constituição a cada qual dessas espécies normativas".

             No mesmo sentido é a lição de Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior, que entendem que ambas se encontram no mesmo patamar hierárquico.

             Entendem estes que cada uma delas tem o seu campo de incidência específico, além de que, a lei complementar somente existe quando expressamente determinada pela Constituição.

             Diametralmente em sentido contrário, defendendo a absoluta existência de hierarquia legislativa Manoel Gonçalves Ferreira Filho:

             "é de se sustentar, portanto, que a lei complementar é um tertium genus interposto, na hierarquia dos atos normativos, ente a lei ordinária (e os atos que têm a mesma força que esta – a lei delegada e o decreto lei) e a Constituição (e suas emendas). Não é só, porém, o argumento de autoridade que apóia essa tese; a própria lógica o faz. A lei complementar só pode ser aprovada por maioria absoluta, para que não seja, nunca, o fruto da vontade de uma minoria ocasionalmente em condições de fazer prevalecer sua voz. Essa maioria é assim um sinal certo da maior ponderação que o constituinte quis ver associada ao seu estabelecimento. Paralelamente, deve-se convir, não quis o constituinte deixar ao sabor de uma decisão ocasional a desconstituição daquilo para cujo estabelecimento exigiu ponderação especial. Aliás, é princípio geral de Direito que, ordinariamente, um ato só possa ser desfeito por outro que tenha obedecido à mesma forma"

             Em uma primeira análise duas são as diferenças que se verificam entre lei complementar e lei ordinária, a material e a formal.

             Esta diz respeito ao processo legislativo, que em se tratando de lei complementar é mais rigoroso, exigindo-se quorum qualificado para sua aprovação, diferentemente daquela, em que é necessário apenas maioria simples.

             Já a diferença material é atinente às matérias que serão objeto de uma ou outra espécie normativa, de modo que somente será objeto de lei complementar aquelas matérias assim expressamente determinadas pela Constituição restando destarte, os casos omissos na Lei Maior para a regulamentação via ordinária. Outro ponto relevante é o caráter complementar da lei complementar, o que faz com que deva ser seguida pelas demais espécies normativas.

             Nos filiamos a esta última, entendendo que de certa maneira há uma hierarquia legislativa, pois lei ordinária não poderá dispor sobre determinada matéria divergindo de lei complementar, nesse sentido é patente a presença de hierarquia, que em vernáculo quer dizer "ordem, graduação, categoria existente numa classe social".

             Ora, se lei ordinária não pode contrariar lei complementar, como não se admitir a existência de hierarquia entre elas? Ademais, frágil nos parece a alegação de que não haveria hierarquia visto que ambas as espécies normativas retiram validade da Constituição, e porque somente se falaria em hierarquia caso a lei ordinária retirasse validade da lei complementar.

             Isso pelo simples fato de que todas as espécies normativas retiram validade da Lei Maior, que juridicamente falando inaugura um novo Estado.

             Como se não bastasse, há ainda dois argumentos que ratificam nosso entendimento.

             Primeiramente há que se ter em mente o já mencionado caráter complementar das leis complementares, que são editadas para a complementação das normas constitucionais.

             Estas sim não há que se discutir, hierarquicamente superiores.

             Além disso, o legislador constituinte originário exigiu para a aprovação de lei complementar, um quorum qualificado, por maioria absoluta, certamente pela importância das matérias a serem regulamentadas pela mesma, o que também é identificado pela necessidade de determinação expressa para a sua edição.

             Desta sorte não poderia se conceber que leis ordinárias, aprovadas com maioria simples, fossem capazes de derrogar leis complementares. E como lei nova revoga lei anterior, em existindo uma vedação para isso, clara se nos afigura a tão rechaçada hierarquia.

             Diante de tais explicações, emerge um sério problema. Como uma lei ordinária, como a LONMP, pode conter tamanha eficácia e importância que a faz ser seguida pelo poder constituinte derivado decorrente e sua respectiva legislação complementar?

             A resposta é bem simples, trata-se de uma anomalia legislativa.

             Todavia inevitável, senão vejamos.

             A Constituição Federal determina que Leis Complementares da União e dos Estados estabelecerão o estatuto de cada Ministério Público.

             A mesma Constituição em seu art. 61, § 1º, II, "d", estabelece que lei de iniciativa privativa do Presidente da República disporá sobre normas gerais para a organização do Ministério Público dos Estados, mas não é expressa quanto a serem essas leis complementares ou ordinárias, visto que seu caput refere-se a leis complementares e ordinárias.

             E por essa falta de previsão constitucional expressa, seguindo a regra geral, acabou por ser editada e publicada uma lei ordinária que deveria ser seguida pelas constituições estaduais, respectivas leis complementares, vale dizer, com força de lei complementar.

             Forte são os argumentos em sentido contrário, entendendo que a LONMP não tem força de lei complementar, não vinculando as constituições estaduais e suas respectivas leis complementares.

             Nesse sentido trazemos à colação a lição do ilustre membro do Parquet, Hugo Nigro Mazzilli que entende não ter a LONMP natureza de lei complementar pedindo vênia para transcrevê-la in verbis:

             "Discutindo a natureza e o objeto das leis complementares, a doutrina acabou por distinguir entre leis complementares chamadas fundamentais e leis complementares ditas orgânicas. As primeiras seriam ‘toda regulação orgânica de competência e procedimento para as atividades estatais politicamente importantes; e também, em uma Federação, a delimitação dos direitos desta em respeito aos Estados-membros’, bem como ‘toda limitação normada das faculdades ou atividades estatais’. As segundas, para utilizarmos a terminologia de Georges Bordeau, seriam as que disciplinam as instituições constitucionais, ou, conforme José Afonso da Silva, referindo-se à Carta anterior, ‘são aquelas que dão forma e regulamentação aos órgãos do Estado e aos antes menores, instituições e serviços estatais. Exemplo: a Lei Orgânica da Magistratura (art. 112, parágrafo único); estruturação e organização das Juntas Eleitorais; organização do Ministério Público’.

             Ora, qual a natureza da lei que deve fixar normas gerais de organização do Ministério Público? Por serem essas normas gerais de observância obrigatória pelos Estados-membros da Federação, a par dos princípios diretamente fixados na própria Constituição, não só por versar a organização de uma instituição com especial assento constitucional, mas sim e principalmente porque se trata de limitar os direitos da Federação com relação aos seus Estados-membros e vice-versa, o que só pode ser feito no Estatuto Político máximo ou em lei complementar a ele.

             (...)

             Não há negar, faltou técnica à Constituição de 1988, que não foi expressa quanto à necessidade de lei complementar para fixar as mesmas normas gerais para organização do Ministério Público dos Estados.

             (...)

             De tal importância entendeu a Constituição serem as normas de organização do Ministério Público, que até mesmo vedou às expressas a delegação legislativa nessa matéria.

             Incurial que uma lei ordinária, posto que federal, pudesse impor limites às leis complementares da normatividade constitucional, editadas nos Estados, e que se destinam, às expressas, a integrar a eficácia limitada (condicionada ou potencial) de normas da Constituição da República.

             (...)

             Obviamente essas normas restringirão a autonomia das unidades federadas, pois a elas estão sujeitas quando se trata de organizar os próprios Ministérios Públicos – não fosse assim, não seriam normas gerais. Não há negar que essa lei integra, com características de legislação complementar à Constituição da República, as limitações constitucionais à autonomia dos Estados-membros.

             Também por aí, é caso típico de lei complementar, pois essa lei deve impor limitações ao poder de cada Estado-membro de organizar um de seus órgãos primários – seus Ministérios Públicos –, poder este a cada uma das unidades federadas expressamente conferido pela Constituição, em matéria que mereceu qualidade de índole complementar a legislação constitucional.

             Admitir o contrário seria o mesmo que afirmar que uma lei ordinária poderia limitar o princípio federativo, restringir a autonomia dos Estados na sua auto-organização política, alterar a relação de equilíbrio ente a União e as unidades federadas, ou destas ente si.

             (...)

             Concluindo, somente uma lei formal e materialmente de natureza complementar à própria Constituição da República poderia restringir a autonomia dos Estados na organização de seus respectivos Ministérios Públicos. E, por limitar tão seriamente a autonomia dos Estados, posto se trate até mesmo de lei complementar à Constituição da República, mesmo assim é essa lei considerada em doutrina como uma anomalia.".

             E continua o raciocínio, o eminente jurista, estabelecendo as conseqüências de ser uma lei ordinária e não complementar.

             "Importa perquirir quais as conseqüências jurídicas de ter natureza ordinária a Lei n. 8.625/93, e não complementar, como teria sido devido.

             1º) Desde que se considere como opção correta o advento da lei complementar para a hipótese, a primeira conseqüência inarredável será a de ser defeso ao legislador ordinário dispor sobre normas gerais de organização e estatuto do Ministério Público dos Estados.

             Assim, a Lei n. 8.625/93, que é ordinária, não terá foros de validade em qualquer matéria referente à organização e estatuto da instituição; por isso, não terá revogado dispositivos dessa índole, contidos na Lei Complementar n. 40, de 14 de dezembro de 1981, que, colidam ou não com os da primeira, continuam válidos desde que tenham sido recepcionados pela Constituição de 1988.

             (...)

             2º) Em matéria de organização e estatuto do Ministério Público dos Estados, não pode a lei ordinária contrariar a normatividade complementar dos Estados-membros, que prevalece sobre a primeira.

             (...)

             4º) Em tudo quanto não se refira à organização ou estatuto dos Ministérios Públicos estaduais, valem as normas da Lei n. 8.625/93, como em matéria de atribuições conferidas ao Ministério Público dos Estados, pois nada impede que lei ordinária confira atribuições ao Ministério Público, observadas apenas as restrições contidas no inc. IX e § 1º do art. 129 da Constituição.

             (...)

             Colidindo os dispositivos da Lei n. 8.625/93 e os da Lei Complementar n. 40/81 ou ente os primeiros e a legislação constitucional dos Estados, ainda que apenas complementar, a colisão resolve-se contra o dispositivo da Lei n. 8.625/93.

             Prevalece, contudo, o dispositivo da Lei Complementar n. 40/81 que, recepcionado pela nova ordem constitucional, colida com a norma da Constituição estadual ou de lei complementar estadual, em matéria referente à organização e estatuto do Ministério Público local.

             Quanto aos dispositivos da Lei n. 8.625/93 que não se refiram à organização ou ao estatuto do Ministério Público, valerão como lei ordinária. Em matéria que não seja reservada à lei complementar, a Lei n. 8.625/93, como diploma legislativo mais novo, poderia revogar dispositivos da Lei Complementar n. 40/81 que com ela conflitassem. Valem, pois, os dispositivos da Lei n. 8.625/93 que fixem atribuições ou confiram instrumentos de atuação para os Ministérios Públicos estaduais (como também o fazem o CC, o CPC, o CPP, a LACP, o ECA etc.). Mas nesse caso, podem ser alterados ou revogados também por lei ordinária.

             Por aí se vê que, mais argumentos não houvesse, até mesmo por segurança jurídica, deveria ter sido observada a natureza complementar para a lei que fixou as normas gerais de organização do Ministério Público.".

             Data vênia o entendimento ressalte-se, muito bem fundamentado, do ilustre jurista, entendemos em sentido diverso, tratando-se, para nós, a LONMP, de uma lei ordinária com natureza de lei complementar, senão vejamos.

             A Constituição determinou em seu art. 61, § 1º, II, "d", que lei deveria ditar as normas gerais para a organização dos Ministérios Públicos estaduais, todavia não expressou a necessidade de ser essa lei complementar, o que redundou na edição de uma lei ordinária em que pese o escopo almejado pela Lei Maior.

             Pelo sistema legislativo vigente em nosso país para que a lei ora citada tivesse a força e abrangência pretendida, certamente teria de ser complementar, interpretação que decorre do próprio dispositivo.

             Tal entendimento não fora observado pelo legislador infraconstitucional, que erroneamente acabou por perpetrar a feitura de uma lei ordinária.

             Todavia um erro de interpretação de dispositivo constitucional, atinente à formalidade a ser seguida no processo legislativo não deve restringir a eficácia de uma lei a um campo menor do que o pretendido pelo legislador constituinte originário.

             Assim, deve ser a LONMP considerada para todos os efeitos uma lei complementar, se não sob o prisma formal, apenas no aspecto material, pois somente desta forma se estaria atendendo à determinação constitucional.

             Ademais, não é a primeira vez que uma lei ordinária adquire força de lei complementar em nosso país.

             Saliente-se que o Código Tributário Nacional, Lei n.º 5.172/66, foi votado e aprovado como lei ordinária, mas com a necessidade de regulamentação da matéria através de lei complementar, prevista a partir da Constituição de 1967, o CTN adquiriu tal força, de sorte que no atual ordenamento jurídico vigente segue-se o mesmo entendimento, figurando na norma do art. 146 da CF/1988 o CTN.

             Diante desta situação nos afigura como única saída para este problema a edição de uma lei complementar que venha a substituir a vigente lei n.º 8.625/93, tornando-se assim verdadeira LONMP.

             No entanto, enquanto não sobrevenha tal legislação formalmente correta, é nosso entendimento que a atual continue plenamente vigente, eficaz e aplicável.

             Órgãos do Ministério Público

             Como já analisado, o Ministério Público é uma instituição totalmente independente, e organizada de modo a poder exercer plenamente essa independência sob todos os aspectos.

             As espécies de órgãos do Ministério Público são previstas pela LONMP, que as elenca em "órgãos de administração superior"; "órgãos de administração"; "órgãos de execução"; "órgãos auxiliares".

             Nesta cadeia organizacional distinguem-se realmente pelas funções desempenhadas os "órgãos de administração superior" e os "órgãos de execução", e destes fazem parte os promotores e procuradores de justiça.

             Mas não se deve confundir promotores e procuradores de justiça, com promotorias e procuradorias de justiça.

             Estas últimas são unidades administrativas, e a elas encontram-se ligados os estagiários do Ministério Público que são auxiliares das promotorias de justiça.

             A importância dos promotores e procuradores de justiça no Ministério Público é análoga à dos magistrados no exercício de sua função, é dizer, da mesma forma que estes são o Poder Judiciário, os promotores e procuradores de justiça, ao exercerem as funções constitucionalmente a eles atribuídas são parte do Ministério Público.

             Órgãos de administração

             A LONMP divide os órgãos de administração do Ministério Público, em órgãos de administração superiores e órgãos de administração da seguinte maneira:

             São órgãos de administração superior do Ministério Público "as procuradoria-geral de justiça"; "o Colégio de Procuradores"; "o Conselho Superior do Ministério Público".

             São órgãos de administração do Ministério Público "as Procuradorias de Justiça" e "as Promotorias de Justiça". Vejamos agora paulatinamente cada uma delas.

             A Procuradoria-Geral de Justiça

             Embora a fronteira entre o Procurador-Geral de Justiça e a Procuradoria-Geral de Justiça seja deveras tênue, não hão que serem confundidos. Esta é órgão de administração superior do Ministério Público, e aquele, o agente que desempenha funções que podem ou não, ser administrativas, o que será estudado no momento oportuno.

             A Procuradoria-Geral de Justiça tem a atribuição de exercer administrativamente o posto mais elevado de cada Ministério Público, o que é feito pelo Procurador-Geral de Justiça, eleito através de lista tríplice, elaborada através de eleição, por meio de voto plurinominal, em que votarão todos os integrantes da carreira ministerial.

             A lista tríplice é encaminhada ao chefe do respectivo poder Executivo para que este escolha o Procurador-Geral de Justiça, escolha que deve ser feita em quinze dias, sob pena de ser nomeado e empossado para o cargo o membro do Parquet mais votado pelos seus pares.

             A destituição do Procurador-Geral de Justiça somente pode ser feita através de deliberação da maioria absoluta do Poder Legislativo, sem prejuízo, é claro, das demais hipóteses previstas em lei de perda de cargo.

             Como a Procuradoria-Geral de Justiça é órgão de administração do Ministério Público, trataremos neste tópico, somente das atribuições administrativas do Procurador-Geral de Justiça, que como já mencionado, é o agente que atua neste órgão de administração.

             O poder de designação do Procurador-Geral de Justiça é estritamente limitado pela lei, que somente o autoriza a designar membros do Ministério Público para: a) exercer as atribuições de dirigente dos Centros de Apoio Operacional; b) ocupar cargo de confiança junto aos órgãos da Administração Superior; c) integrar organismos estatais afetos a sua área de atuação; d) oferecer denúncia ou propor ação civil pública nas hipóteses de não confirmação de arquivamento de inquérito policial ou civil, bem como de quaisquer peças de informações; e) acompanhar inquérito policial ou diligência investigatória, devendo recair a escolha sobre o membro do Ministério Público com atribuição para, em tese, oficiar no feito, segundo as regras ordinárias de distribuição de serviços; f) assegurar a continuidade dos serviços, em caso de vacância, afastamento temporário, ausência, impedimento ou suspeição de titular de cargo, ou com consentimento deste; g) por ato excepcional e fundamentado, exercer as funções processuais afetas a outro membro da instituição, submetendo sua decisão previamente ao Conselho Superior do Ministério Público; h) oficiar perante a Justiça Eleitoral de primeira instância, ou junto ao Procurador-Regional Eleitoral, quando por este solicitado.

             Além de ser sua a atribuição de propor ao Colégio de Procuradores de Justiça as atribuições dos das Promotorias e Procuradorias de Justiça.

             Como já mencionado, a incidência do princípio do promotor natural, impede qualquer designação arbitrária, de sorte que qualquer afastamento de um promotor das atribuições previamente determinadas por lei somente possa ocorrer excepcionalmente e de forma muito bem fundamentada.

             E para isto não basta um ato do Procurador-Geral de Justiça, mas a submissão de sua providência ao Conselho superior do Ministério Público que aprovará ou não a sua realização.

             Há ainda outra hipótese em que é possível a suspensão do exercício funcional de um membro do Ministério Público, qual seja, em caso de impugnação e vitaliciamento.

             Em que pese não constar da LONMP, no Ministério Público do Estado de São Paulo há a possibilidade de ser afastado cautelarmente o membro contra o qual esteja sub judice ação civil para a decretação de perda do cargo, ou ainda no curso de processo administrativo disciplinar.

             Por fim vale lembrar que todos os poderes acima mencionados do Procurador-Geral de Justiça são de ordem estritamente administrativa, uma vez que os detém tão-somente por ser o agente atuante do órgão de administração superior que é a Procuradoria-Geral de Justiça, isso importa dizer que suas determinações nessa seara não podem em momento algum influir o âmbito funcional de cada membro do Ministério Público, pois todos os membros gozam de autonomia funcional, sendo obrigatória a observância somente de decisões administrativas.

             O Colégio dos Procuradores de Justiça

             O Colégio de Procuradores de Justiça é mais um órgão de administração superior do Ministério Público.

             Composto pelo Corregedor-Geral do Ministério Público e em regra pela totalidade dos Procuradores, salvo quando houver mais de quarenta agentes exercendo tal função, caso em que poderá ser criado um órgão especial para desempenhar as funções de colégio dos Procuradores de Justiça.

             Em sendo criado tal órgão especial, a este não poderá ser cometido o conhecimento de algumas matérias, quais sejam: a) opinar, por solicitação do Procurador-Geral de Justiça ou de um quarto de seus integrantes, sobre matéria relativa à autonomia do Ministério Público, bem como sobre outras de interesse institucional; b) propor ao Poder Legislativo a destituição do Procurador-Geral de Justiça, pelo voto de dois terços de seus membros e por iniciativa da maioria absoluta de seus integrantes em caso de abuso de poder, conduta incompatível ou grave omissão nos deveres do cargo, assegurada ampla defesa; c) eleger o Corregedor-Geral do Ministério Público; d) destituir o Corregedor-Geral do Ministério Público, pelo voto de dois terços de seus membros, em caso de abuso de poder, conduta incompatível ou grave omissão nos deveres do cargo, por representação do Procurador-Geral de Justiça ou da maioria de seus integrantes, assegurada ampla defesa; e) todas as demais matérias que por sua importância venham a ser conferidas à totalidade dos Procuradores através da Lei Orgânica de cada Ministério Público.

             Esse poder de análise de decisões ministeriais, conferido ao Colégio de Procuradores, é de cunho estritamente administrativo, sendo a única exceção a essa regra, figurando como função de execução, a possibilidade de o Colégio rever, mediante requerimento de legítimo interessado nos termos da Lei Orgânica, decisão de arquivamento de inquérito policial, ou peças de informação, determinada pelo Procurador-Geral de Justiça, nos casos de sua atribuição originária.

             Saliente-se que as deliberações desse órgão têm de ser publicadas para adquirirem eficácia, tendo em vista o princípio da publicidade, inerente a toda e qualquer entidade pública, excepcionando-se somente em caso de extrema necessidade, tendo em vista a lei, a boa instrução procedimental, ou os direitos de intimidade e privacidade de eventuais envolvidos.

             O Conselho Superior do Ministério Público

             O conselho superior do Ministério Público é órgão de administração superior do Ministério Público composto pelo Procurador-Geral de Justiça, pelo Corregedor-Geral do Ministério Público, e pelos demais Procuradores de Justiça que preencham os requisitos a serem exigidos por cada Lei Orgânica.

             Tem funções tipicamente administrativas, excepcionando-se apenas na revisão de arquivamento de inquérito civil. Salvo raras exceções supramencionadas, as decisões do Conselho Superior do Ministério Público, deverão sempre ser publicadas.

             No caso de deliberação por promoção, ou remoção de qualquer membro do Ministério Público, será necessária a previa manifestação escrita do interessado, pois os membros da instituição são inamovíveis, como já estudado.

             A corregedoria-geral do Ministério Público.

             A Corregedoria-Geral do Ministério Público é órgão de fiscalização e correição das atividades funcionais e das condutas dos membros do Ministério Público.

             Seu responsável, o Corregedor-Geral do Ministério Público, é escolhido dentre os Procuradores de Justiça pelo Colégio de Procuradores para um mandato de dois anos, sendo permitida uma recondução pelo mesmo prazo, respeitadas as mesmas formalidades.

             Uma crítica que se faz refere-se ao caso de, nos procedimentos disciplinares de menor gravidade, o Corregedor-Geral do Ministério Público ser o acusador, presidente e julgador, invocando-se para tal, o princípio do devido processo legal e ampla defesa.

             Mas uma importante função do Corregedor-Geral do Ministério Público, decorrente dessa atividade fiscalizadora é a organização e manutenção do prontuário dos membros do Parquet para fins de promoção ou remoção voluntária.

             As Procuradorias e as Promotorias de justiça

             As Procuradorias e Promotorias de Justiça são também órgãos de administração do Ministério Público, todavia não fazem parte dos órgãos de administração superior e não integram a estrutura organizacional da instituição, isto importa dizer que diferentemente do Colégio de Procuradores e Conselho Superior do Ministério Público, as Procuradorias e Promotorias, enquanto órgãos de administração, nunca terão qualquer função funcional, ainda que extraordinariamente, o que será desempenhado somente pelos procuradores e promotores de Justiça.

             Podemos dizer que suas atribuições administrativas inserem-se na organização de suas atividades internas, mas sem derrogar qualquer regra geral de atribuição, como o princípio do promotor natural.

             Órgãos de execução

             Assim como órgãos de administração, que tem como finalidade administrar a instituição, mantendo sua estrutura organizacional, o Ministério Público tem órgãos de execução, estes sim serão o próprio Ministério Público atuando em cada atividade constitucionalmente a ele atribuída.

             Quase todos os órgãos que desempenham funções de administração ministerial, têm também alguma atribuição de execução, ainda que não seja a sua atividade principal, assim teremos como órgãos de execução "o Procurador-Geral de Justiça", "o Conselho Superior do Ministério Público", "o Colégio dos Procuradores de Justiça", "os Procuradores de Justiça", e "os Promotores de Justiça".

             O procurador-geral de justiça

             O Procurador-Geral de Justiça é o cargo mais elevado da instituição, de sorte a ser sua a atribuição para as causas de maior relevância, como as ações de inconstitucionalidade, a representação interventiva etc, bem como dar prosseguimento ao inquérito para a apuração de infração penal praticada por membro do Ministério Público.

             Aqui entendemos caber uma ressalva que pode à primeira vista passar despercebida, trata-se da atribuição do Procurador-Geral de Justiça poder delegar a membro do Ministério Público suas funções de órgão de execução, prevista pelo art. 29, IX da LONMP.

             Na esfera federal tal determinação sofre restrições constitucionais, vale dizer, nas hipóteses representação interventiva, de ação declaratória de constitucionalidade, de ação direta de inconstitucionalidade somente pode atuar o Procurador-Geral da República, por disposição constitucional expressa.

             Tal restrição não ocorre na esfera estadual, como se pode depreender do artigo 125, § 2º, o que faz presumir plenamente aplicável a possibilidade de delegação das funções do Procurador-Geral de Justiça aos demais Procuradores de Justiça.

             O Colégio dos Procuradores de Justiça

             Não obstante a LONMP não ter previsto expressamente o Colégio dos Procuradores de Justiça como órgão de execução da instituição, acabou por conferi-lo tal função quando previu a possibilidade desse órgão rever, mediante requerimento de legítimo interessado, decisão de arquivamento de inquérito policial ou pecas de informação, determinada pelo Procurador-Geral de Justiça, nos casos de sua atribuição originária.

             Saliente-se que o Colégio dos Procuradores de Justiça somente poderá atuar dessa maneira nos casos de atribuição originária do chefe da instituição, ou seja, nos outros casos, em que o Procurador-Geral de Justiça recebeu o processo por determinação judicial discordante de pedido de arquivamento efetuado por membro do Ministério Público, a última palavra será do chefe ministerial, que vinculará a decisão judicial.

             O Conselho Superior do Ministério Público

             Ao Conselho Superior do Ministério Público caberá rever o arquivamento de inquérito civil, trata-se da função de órgão de execução atribuída ao colegiado.

             Diferentemente do Colégio dos Procuradores de Justiça, em que a necessidade de requerimento de interessado e de ter sido o processo de competência originária do Procurador-Geral de Justiça restringem a aplicabilidade de revisão de arquivamento de inquérito policial, no inquérito civil isso não ocorre.

             A lei prevê que cabe ao Conselho Superior do Ministério Público rever o arquivamento o que torna uma imposição tal revisão.

             Como se não bastasse, não há as delimitações acima citadas, o que aumenta a atuação do Conselho, fazendo com que mais arquivamentos de inquérito civil sejam revistos e desfeitos do que ocorre no âmbito criminal.

             Os Procuradores de Justiça

             Precipuamente cabe aos Procuradores de Justiça oficiar junto aos tribunais, desde que não seja função cometida ao Procurador-Geral de Justiça.

             Ocorre que esta última regra é mitigada pela possibilidade de delegação das funções do chefe do Parquet previstas pelo próprio art. 31 da LONMP.

             Não se deve mencionar que aos Procuradores de Justiça caberá atuar em segunda instância pelo fato de que, em certos casos, haverá competência originária dos tribunais.

             A LONMP não prevê um rol de atribuições cometidas aos Procuradores de Justiça, mas podemos tomar por parâmetro as atribuições do Procurador-Geral de Justiça, que poderá delegar suas funções aos Procuradores de Justiça, além de todos os feitos em que a instituição deva atuar e que tramitarem nos tribunais.

             Os Promotores de Justiça

             Os Promotores de Justiça são os agentes que atuam em primeira instância, mas nada os impede de atuar junto aos tribunais, o que, geralmente ocorre devido ao excesso de serviço.

             Outra peculiaridade é o caso de competência originária dos tribunais, caso em que não será o Promotor de Justiça que atuará, mas sim o Procurador de Justiça, ainda que se cuide de primeira instância.

             Havia uma discussão acerca da possibilidade de o Promotor de Justiça requerer correição parcial, impetrar mandado de segurança, e hábeas corpus diretamente no tribunal caso não se tratasse de substituição de Procurador de Justiça, discussão que já não mais existe tendo em vista a determinação do art. 32, I, da LONMP.


Segunda parte

Da Probidade Administrativa

intróito

             A Administração Pública encontra-se erigida a status constitucional. O texto da Lei Maior dedica um capítulo inteiro a ela (Cap. VII, do Título III), onde são tratadas as diretrizes básicas de seu funcionamento.

             As duas primeiras seções do Capítulo específico são destinadas ao delineamento dos princípios norteadores da Administração Pública e seu funcionalismo.

             E é no inicio que encontramos o cerne de todo o presente trabalho. Nos princípios constitucionais da Administração Pública. Clássica é a especificação dos cinco princípios que regem a Administração Pública, a saber. Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência.

             Ocorre, todavia, que anteriormente à legislação, ainda que em sede de direito constitucional desses princípios, os mesmos já se encontravam vinculados à Administração Pública. Isso se verifica principalmente pela determinação dos princípios implícitos que a própria doutrina coloca.

             Probo significa moral, honrado de caráter íntegro, e assim deve ser a conduta do administrador público ao cuidar da coisa pública, pois não são bens seus, mas de toda a sociedade.

             Daí a edição da lei de improbidade administrativa, que tipifica e pune formas de conduta que firam o dever de probidade, vale dizer, dever de ser íntegro, correto, honrado no trato da coisa pública, lei que passaremos a analisar sucintamente em momento oportuno.

Princípios jurídicos

             Estudar os princípios jurídicos é de salutar importância, não só para o presente trabalho, mas para todo aquele que pretenda uma visão orgânica do arcabouço legislativo de um dado país.

             Uma das espécies de atos de improbidade administrativa é a inobservância dos princípios da Administração Pública. E quanto a esta, estabelece a lei os atos de inobservância dos referidos princípios.

             Ademais, o estudo se faz mister justamente pelo fato de que probidade significa, em ultima análise, moralidade, sendo também esta um princípio da Administração Pública, de observância compulsória.

             Desse modo vejamos as peculiaridades atinentes aos princípios jurídicos.Não nos aprofundarmos demasiadamente no tema, na medida em que não se trata do escopo do trabalho, porém faremos uma explanação no que entendemos necessária.

             Assim dissecaremos o tema desde uma visão do que sejam princípios, os princípios constitucionais e enfim os princípios constitucionais expressos e implícitos da Administração Pública até sua natureza jurídica, extensão, eficácia e dever de observância.

             Conceito de princípio jurídico

             A terminologia princípio é de grande conteúdo semântico, estendendo-se, podemos dizer, por todos os ramos das ciências em geral. Não é diferente na ciência do direito, que tem nos princípios um norte para uma plena eficácia e constante evolução.

             Salutar é a lição do professor Paulo Bonavides que tece comentários acerca do presente tema desde a sua concepção mais elementar:

             "A idéia de princípio, segundo Luis Diez Picazo, deriva da linguagem da geometria, ‘onde designa as verdades primeiras’. Logo acrescenta o mesmo jurista que exatamente por isso são ‘princípios’, ou seja, ‘porque esta ao princípio’, sendo ‘as premissas de todo um sistema que se desenvolve more geometrico’.

             Declara, a seguir, invocando o pensamento do jurista espanhol F. de Castro, que os princípios são verdades objetivas, nem sempre pertencentes ao mundo do ser, senão do dever ser, na qualidade de normas jurídicas, dotadas de vigência, validez e obrigatoriedade.

             Como princípios de um determinado Direito Positivo, prossegue Picazo, têm os princípios, dum lado, ‘servido de critério de inspiração às leis ou normas concretas desse Direito Positivo’ e, doutro, de normas obtidas ‘mediante um processo de generalização e decantação dessas leis’.

             Na época em que os princípios ainda se achavam embebidos numa concepção civilista, a saber, em meados da segunda década desse século, por volta de 1916, F. de clemente fazia essa ponderação elementar: assim como quem nasce na vida física, esteja ou não inscrito no Registro Civil, também os princípios ‘gozam de vida própria e valor substantivo pelo mero fato de serem princípios’, figurem ou não nos códigos; afirmação feita na mesma linha de inspiração anipositivista daquela de Mucius Scaevola, por ele referido, ao asseverar que o princípio exprime ‘uma verdade jurídica universal’.

             Depois de tecer considerações expositivas em que assinala a equivalência essencial dos princípios à equidade dos romanos como ‘a razão intrínseca do Direiro’, F. de Clemente chega, inspirado em vários juristas, entre os quais Unger, a essa formulação: ‘Princípio de direito é o pensamento diretivo que domina e serve de base à formulação das disposições singulares de Direito de uma instituição jurídica, de um Código ou de todo um Direito Positivo’.

             Outro conceito de princípio é aquele formulado pela Corte Constitucional italiana, numa de suas primeiras sentenças, de 1956, vazada nos seguintes termos: ‘Faz-se mister assinalar que se devem considerar como princípios do ordenamento jurídico aquelas orientações e aquelas diretivas de caráter geral e fundamental que se possam deduzir da conexão sistemática, da coordenação e da íntima racionalidade das normas, que concorrem para formar assim, num dado momento histórico, o tecido do ordenamento jurídico’.".

             Também Karl Larenz, em vários momentos pontua a respeito dos princípios:

             "(...) o «princípio», ao invés do «conceito», deve ser entendido como uma pauta «aberta», carecida de concretização – e só plenamente apreensível nas suas concretizações. Enquanto que o conceito (jurídico) contém valoração só de modo indirecto, como que «em cifra», «o princípio torna a valoração explícita» e é por isso «mais apropriado para reflectir a unidade de valoração do Direito.

             (...)

             Os princípios éticos-jurídicos são pautas orientadoras da normação jurídica que, em virtude da sua própria força de convicção, podem «justificar» decisões jurídicas. Distinguem-se dos princípios técnico-jurídicos, que se fundam em razoes de oportunidade, pelo seu conteúdo material de justiça; por esse motivo, podem ser entendidos como manifestações e especificações especiais da idéia de Direito, tal como esta se revela na «consciência jurídica geral», neste estádio de evolução histórica. Enquanto «princípios» não são regras imediatamente aplicáveis aos casos concretos, mas ideias directrizes, cuja transformação em regras que possibilitem uma resolução tem lugar em parte da legislação, em parte pela jurisprudência, segundo o processo anteriormente descrito da concretização e do aperfeiçoamento dos princípios mais especiais mediante a formação de grupos de casos. Alguns deles têm, como vimos, o escalão de normas constitucionais; outros, como o princípio da «boa-fé», estão expressos na lei ou inferem-se delas, recorrendo à ratio legis, o fundamento justificante de uma regulação legal".

             Herbert L. A. Hart traz importante contribuição para a ciência do direito ao asseverar:

             "Dworkin tem sustentado que os princípios jurídicos não podem identificar-se por critérios atribuídos por uma regra de conhecimento manifestada na prática dos tribunais e que, uma vez que os princípios são elementos essenciais do direito, deve abandonar-se a doutrina da regra de conhecimento. Segundo ele, os princípios jurídicos só podem identificar-se através de uma interpretação construtiva, como membros de um conjunto único de princípios que não só se ajusta melhor a toda história institucional do direito estabelecido de um sistema jurídico, como também melhor a justifica. Claro que nenhum tribunal inglês ou americano jamais adoptou explicitamente um critério holístico, extensivo a todo o sistema, para identificar o direito, e Dworkin concede que nenhum juiz humano real, distinto de «Hércules», o seu mítico juiz ideal, podia praticar o feito de construir uma interpretação de todo o direito de seu país, de forma imediata. Não obstante, os tribunais são, do seu ponto de vista, compreendidos de forma mais cristalina enquanto tentam «imitar Hércules»de um modo limitado, e encarar os seus julgamentos dessa forma serve, segundo pensa, para trazer à luz «a estrutura escondida».

             O mais famoso exemplo, familiar aos juristas ingleses, de identificação dos princípios através de uma forma limitada de interpretação construtiva é constituído pela formulação de Lorde Atkin, no caso Donoghue vs. Stevenson, do «princípio do vizinho», princípio anteriormente não formulado, o qual subjaz a várias regras diferentes que estabelecem um dever de diligencia em situações diferentes. Não acho plausível o ponto de vista de que, em tais exercícios limitados de interpretação construtiva, os juízes sejam susceptíveis de ser mais bem compreendidos como estando a tentar imitar a aproximação holística do tipo de Hércules, extensiva a todo o sistema. Mas a minha crítica presente reside em que a preocupação com a interpretação construtiva tem levado Dworkin a ignorar o fato de que muitos princípios jurídicos devem o seu estatuto não ao conteúdo que serve como interpretação do direito estabelecido, mas antes àquilo a que ele chama seu pedigree; tal é o modo da sua criação ou adopção por uma fonte dotada de autoridade reconhecida. Esta preocupação levou-o, de facto, segundo penso, a um duplo erro: em primeiro lugar, à crença de que os princípios jurídicos não podem identificar-se pelo seu pedigree, e, em segundo lugar, à crença de que a regra de conhecimento só pode fornecer critérios de pedigree. Ambas estas crenças são erradas: a primeira é-o porque não há nada no carácter não-conclusivo dos princípios, nem nos seus outros aspectos, que impeça sua identificação por critérios de pedigree. Isto, simplesmente, porque uma disposição de uma constituição escrita ou de um aditamento constitucional ou de um acto legislativo pode ser considerada enquanto pretende actuar pelo modo não conclusivo característico dos princípios, conferindo razões para a decisão, as quais podem ser superadas nos casos em que qualquer outra regra ou princípio apresente razões mais fortes para uma decisão alternativa. O próprio Dworkin admitiu que o Primeiro Aditamento à Constituição dos Estados Unidos, que estatui que o Congresso não restringirá a liberdade de palavra, deve interpretar-se precisamente desse modo. Também certos princípios jurídicos, incluindo alguns ptincípios básicos da Common Law, por exemplo o de que ninguém pode aproveitar-se do seu próprio acto ilícito, são identificados como direito pelo teste do pedigree, na medida em que têm sido invocados de forma coerente pelos tribunais, em séries de casos diferentes, como conferindo razoes para decisão, as quais devem ser levadas em conta, embora susceptíveis de ser afastadas em alguns casos por razoes que apontem em sentido oposto. Perante tais exemplos de princípios jurídicos identificados por critérios de pedigree, não poderá ter êxito qualquer argumento geral no sentido de que a inclusão dos princípios como parte do direito acarreta o abandono da doutrina de uma regra de conhecimento. De facto, como mostrarei abaixo, a sua inclusão não só é coerente com tal doutrina, como realmente exige a aceitação dessa doutrina.

             Se se conceder, como seguramente se deve fazer, que há, pelo menos, alguns princípios jurídicos que podem ser «capturados» ou identificados como direito por critérios de pedigree que uma regra de conhecimento lhes confere então a crítica de Dworkin deve reduzir-se à pretensão mais modesta de que há muitos princípios jurídicos que não podem ser capturados assim, porque são demasiado numerosos, demasiado fugazes, ou demasiado susceptíveis de alteração ou modificação, ou não têm uma característica que permita a sua identificação como princípios de direito por referencia a qualquer outro teste diverso do de pertencerem a esse esquema coerente de princípios que não só melhor se ajusta à história institucional e às práticas do sistema, como também melhor as justifica. À primeira vista, este teste interpretativista parece não constituir uma alternativa a um critério fornecido por uma regra de conhecimento, mas apenas, como certos críticos advertiram, uma forma complexa positivista moderada, de um tal critério que identifica os princípios pelo seu conteúdo e não pelo seu pedigree.

             É verdade que uma regra de conhecimento contendo tal critério interpretativo não podia assegurar, pelas razões discutidas a págs. 312 e segs. Supra, o grau de certeza na identificação do direito que, segundo Dworkin, seria desejado por um positivista. Não obstante, a demonstração de que o critério do teste interpretativo fazia parte de uma característica convencional de reconhecimento do direito ainda será uma boa explanação teórica do seu estatuto jurídico. Por isso, não há, com certeza, incompatibilidade, tal como Dworkin pretende, entre a admissão de princípios enquanto fazendo parte do direito, e a doutrina da regra de conhecimento.

             O argumento dos dois últimos parágrafos é suficiente para mostrar que, contrariamente à posição de Dworkin, a aceitação dos princípios como parte do direito é coerente com a doutrina de uma regra de conhecimento, ainda que o teste interpretativo de Dworkin fosse, como ele pretende, o único critério para os identificar. Mas, de facto, justifica-se uma conclusão mais forte: a saber, que é necessária uma regra de conhecimento, se os princípios jurídicos tiverem d ser identificados por um tal critério. Isto é assim, porque o ponto de partida para a identificação de qualquer princípio jurídico, que seja trazido à luz pelo teste interpretativo de Dworkin, radica-se em alguma área específica do direito constituído a que o princípio se ajusta e que ajuda a justificar. O uso desse critério pressupõe, por isso, a identificação do direito constituído, e, para tal ser possível, é necessária uma regra de conhecimento que especifique as fontes de direito e das relações de superioridade e de subordinação que se estabelecem entre elas. Na terminologia de Law’s Empire, as regras e práticas jurídicas que constituem os pontos de partida para a tarefa interpretativa de identificação de princípios subjacentes ou juridicamente implícitos constituem «direito pré-interpretativo» e muito do que Dworkin diz acerca dessa matéria parece apoiar o ponto de vista de que, para a sua identificação, é necessário algo muito semelhante a uma regra de conhecimento que identifique as fontes de direito de forma autorizada, como se descreveu nesse livro. A principal diferença, nesta matéria, entre o meu ponto de vista e o de Dworkin reside em que, enquanto eu atribuo o acordo geral existente entre os juízes quanto aos critérios de identificação das fontes do direito à sua aceitação partilhada das regras que atribuem tais critérios, Dworkin prefere falar, não de regras, mas de «consensos», de «paradigmas» e de «pré-compreensões» que os membros da mesma comunidade interpretativa partilham. É claro que, como Dworkin tornou nítido, há uma importante distinção entre um consenso de convicções independentes, em que o concurso de outros não faz parte da razão que cada parte do consenso tem para nele convergir, e um consenso de convenção, em que a pessoa participa desse concurso. É certo que a regra de conhecimento é tratada no meu livro como estando baseada numa forma de consenso judicial. Que nela se baseia efectivamente nessa forma parece bastante claro, pelo menos no direito inglês e no americano, porque, seguramente, a razão de um juiz inglês para tratar a legislação do Parlamento (ou a razão de um juiz americano para tratar a Constituição) como fonte de direito que detém spremacia sobre outras fontes inclui o facto de os seus colegas de judicatura convergirem nesse entendimento, como o fizeram os seus predecessores. Na verdade, o próprio Dworkin fala da doutrina da supremacia legislativa como um facto em um estado bruto da história jurídica, que limita o papel que a convicção do juiz pode desempenhar e afirma que «a atitude interpretativa não pode sbreviver, a menos que os membros dessa mesma comunidade interpretativa partilhem, pelo menos de modo aproximado, das mesmas pré-compreensões» acerca «daquilo que vale como parte da prática». Concluo, por isso, que, sejam quais forem as diferenças que permaneçam entre as regras e as «pré-compreensões», «consensos» e «paradigmas» de que fala Dworkin, a sua explicação da identificação judicial das fontes do direito é substancialmente a mesma que a minha.

             Todavia, continuam a existir grandes diferenças teóricas entre o meu ponto de vista e o de Dworkin. Porque Dworkin rejeitaria, seguramente, o meu tratamento de seu teste interpretativo para os princípios jurídicos como, simplesmente, uma forma específica tomada, em alguns sistemas jurídicos, por uma regra de conhecimento convencional, cuja existência e autoridade dependem da sua aceitação pelos tribunais. Isso desvirtua completamente, do seu ponto de vista, e aviltaria o projecto de uma interpretação «construtiva», destinado a mostrar o direito sob uma melhor iluminação moral, a qual está envolvida, do ponto de vista de Dworkin, na identificação do direito. Porque este estilo de interpretação não é concebido por ele como um método de reconhecimento de direito exigido por uma mera regra convencional aceite por juízes e juristas de sistemas jurídicos concretos. Em vez disso, ele apresenta-o como uma característica central de muito pensamento e prática sociais para além do direito, enquanto demonstra «uma profunda conexão entre todas as formas de interpretação», incluindo a interpretação tal como é entendida na crítica literária e mesmo e mesmo das ciências naturais. Contudo, mesmo que esse critério interpretativo não seja apenas um esquema de reconhecimento do direito exigido por uma regra convencional, e tenha afinidades e conexões com a interpretação, tal como é entendida noutras disciplinas, permanece o facto de que, se houver quaisquer sistemas jurídicos em que o critério interpretativo holístico de Dworkin seja efectivamente usado para identificar princípios jurídicos, poderá perfeitamente suceder que, em tais sistemas, o critério seja conferido por uma regra convencional de reconhecimento. Mas uma vez que não há sistemas jurídicos reais em que seja usado esse critério plenamente holístico, mas apenas sistemas, como o direito inglês e o direito americano, em que são levados a cabo exercícios mais modestos de interpretação construtiva, em casos como o de Donoghue vs. Stevenson, para identificar princípios jurídicos latentes, a única questão a considerar é a de saber se tais exercícios devem ser entendidos como a aplicação de u critério fornecido por qualquer regra convencional de reconhecimento ou de outra qualquer forma, e, se tal assim suceder, qual o seu estatuto jurídico".

             Ainda discorrendo sobre a amplitude da expressão princípios gerais do direito colacionamos entendimento de Paulo Nader:

             "A expressão princípios gerais de Direito, por ser demasiadamente ampla, não oferece ao aplicador do direito uma orientação segura quanto aos critérios a serem admitidos na sua aplicação. Para Lino Rodriguez-Arias Bustamante, ‘o importante é que os princípios gerais de Direito sejam concebidos dentro do âmbito de critérios objetivos...’. Na opinião de Del Vecchio, que os identifica com os princípios do Direito Natural, ‘se bem se observa, o Direito só estabelece um requisito, quanto ao que deve ser existir entre os princípios gerais e as normas particulares do Direito: que entre uns e outros não haja nenhuma desarmonia ou incoerência...’.

             Pelo que se observa, ao escolher uma fórmula tão abstrata e indefinida, o legislador, já ciente das divergências doutrinárias que a expressão apresentava, pretendeu oferecer ao aplicador do Direito um critério bem amplo, para a busca dos princípios aplicáveis aos casos concretos. A expressão adotada, atualmente, já constava no art. 7º da Lei Preliminar que, em 1916, acompanhou o nosso Código Civil.

             Mans Puigarnau, com o objetivo de clarear o entendimento da expressão, submeteu-a à interpretação semântica destacando, como notas dominantes, a principialidade, generalidade e juridicidade:

             Princípios: idéia de fundamento, origem, começo, razão, condição e causa;

             Gerais: a idéia de distinção entre o gênero e a espécie e a oposição entre a pluralidade e a singularidade;

             Direito: caráter de juridicidade; o que está conforme a reta; o que dá a cada um o que lhe pertence.

             No vasto campo do Direito há uma gradação de amplitude entre os princípios, que varia desde os mais específicos aos absolutamente gerais, inspirados em toda a árvore jurídica. Entendemos que, não obstante a fórmula indique princípios gerais, a expressão abrange tanto os efetivamente gerais quanto os específicos, destinados apenas a um ramo do Direito. De acordo com a classificação que a doutrina apresenta quanto às categorias dos princípios, os de Direito são monovalentes, porque se aplicam apenas à Ciência do Direito; os princípios plurivalentes aplicam-se a vários campos do conhecimento e os onivalentes são válidos em todas as áreas científicas, como o princípio de casusa eficiente".

             Para José Cretella Júnior: "Denomina-se princípio toda proposição, pressuposto de um sistema, que lhe garante a validade, legitimando-o".

             Como se pode observar, quando tratamos da expressão princípios em sede de ciência jurídica – o que nos leva à expressão princípios jurídicos ou princípios do direito – grande é a gama de informações e entendimentos trazidos pela mais variada doutrina.

             Isto torna extremamente difícil uma conceituação de princípios jurídicos. Tal dificuldade leva a doutrina a preferir estudar outras peculiaridades dos princípios a ater-se à conceituação dos mesmos.

             As peculiaridades variam de autor para autor, que analisam diferentes pontos dos princípios, cada um sob o prisma que entende ser mais proveitoso.

             Seguindo essa linha de raciocínio, passaremos, a partir de agora, a analisar aspectos dos princípios jurídicos que mais são relevantes para o presente trabalho.

             Assim veremos sucintamente a diferença entre princípios constitucionais e infraconstitucionais.

             Nos princípios constitucionais, trataremos dos princípios da Administração Pública, passando pelos expressos e implícitos.

             Também serão analisadas as questões atinentes à necessidade ou não de positividade dos princípios, sua normatividade, dever de observância, natureza jurídica, extensão e eficácia.

             Em que pese não se tratar do escopo precípuo do presente trabalho, será trata de forma sucinta a questão do chamado conflito de princípios.

             Natureza jurídica dos princípios

             Estudar a natureza jurídica dos princípios do direito importa uma tarefa quase que tão difícil ou mais do que sua conceituação.

             Primeiramente há que se estabelecer se os princípios jurídicos são ou não normas jurídicas.

             Ao depois, em sendo ou não normas, há que se identificar qual a extensão da incidência que irradia sobre o ordenamento jurídico.

             Em um primeiro momento parece fácil a solução, mas ao se adentrar no tema percebe-se desde logo a dificuldade na solução, na medida em que há que se saber o que é norma e o que é princípio dentre outras peculiaridades.

             Vejamos como se procede tal solução.

             Na doutrina nacional, Paulo Bonavides, um dos maiores expoentes do Direito Constitucional, trata a quaestio:

             "A normatividade dos princípios, afirmada categórica e precursoramente, nós vamos encontrá-la já nessa excelente e sólida conceituação formulada em 1952 por Crisafulli: ‘Princípio é, como efeito, toda norma jurídica, enquanto considerada como determinante de uma ou de muitas outras subordinadas, que a pressupõem, desenvolvendo e especificando ulteriormente o preceito em direções mais particulares (menos gerais), das quais determinam, e portanto, resumem, potencialmente, o conteúdo: sejam, pois, estas efetivamente postas, seja, ao contrário, apenas dedutíveis do respectivo princípio geral que as contém’.

             Deveras útil é a investigação doutrinária feita por Ricardo Guastini, que recolheu da jurisprudência e de juristas diversos seis distintos conceitos de ‘princípios’, todos vinculados a disposições normativas e assim enunciados:

             Em primeiro lugar, o vocábulo ‘princípio’, diz textualmente aquele jurista, se refere a normas (ou disposições legislativas que exprimem normas) providas de um alto grau de generalidade.

             Em segundo lugar, prossegue Guastini, os juristas usam o vocábulo ‘princípio’ para referir-se a normas (ou a disposições legislativas que exprimem normas) providas de um alto grau de indeterminação e que por isso requerem concretização por via interpretativa, sem a qual no seriam suscetíveis de aplicação a casos concretos.

             Em terceiro lugar, afirma ainda o mesmo autor, os juristas empregam a palavra ‘princípio’ para referir-se a normas (ou disposições normativas) de caráter ‘programático’.

             Em quarto lugar, continua aquele pensador, o uso que os juristas às vezes fazem do termo ‘princípio’ é para referir-se a normas (ou a dispositivos que exprimem normas) cuja posição na hierarquia das fontes do Direito é muito elevada.

             Em quinto lugar – novamente Guastini – ‘os juristas usam o vocábulo princípio para designar normas (ou disposições normativas) que desempenham uma função ‘importante’ e ‘fundamental’ no sistema jurídico ou político unitariamente considerado, o num ou noutro subsistema do sistema jurídico conjunto (o Direito Civil, o Direito do Trabalho, o Direito das Obrigações)’.

             Em sexto lugar, finalmente, elucida Guastini, os juristas se valem da expressão ‘princípio’ para designar normas (ou disposições que exprimem normas) dirigidas aos órgãos de aplicação cuja específica função é fazer a escolha dos dispositivos ou das normas aplicáveis nos diversos casos.

             O texto acima, extraído, conforme se assinalou, da exposição de Ricargo Guastini, compreende todas aquelas variantes do conceito de princípio, considerado à luz de sólidas reflexões feitas ultimamente acerca desse tema. A importância do assunto é fundamental, ocupando cada vez mais a atenção e o interesse dos juristas. Sem aprofundar a investigação acerca da função dos princípios nos ordenamentos jurídicos não é possível compreender a natureza, a essência e s rumos do constitucionalismo contemporâneo.

             A normatividade dos princípios representa, conforme vimos, o traço comum a todas aquelas acepções, sendo, por conseguinte, o vínculo unificador das seis formulações enunciadas.

             Caminhada teórica dos princípios gerais, até a conversão em princípios constitucionais, constitui a matéria das inquirições subseqüentes. Os princípios, uma vez constitucionalizados, se fazem a chave de todo o sistema normativo".

             J. J. Gomes Canotilho estuda profundamente o problema:

             "A distinção estrutural e material entre princípios e normas constitucionais (Norm-Prinzip, Verfassungsgrundsätzen-Verfassungssätzen, Principles-Rules) tem oscilado entre a diferença entre grau de abstração («tese moderada» da separação entre as duas categorias), a necessidade ou não de concretização (grau de determinabilidade de aplicação), a diversidade de conteúdo de informação (princípios «abertos» ou «informativos» e «princípios-norma» ou «normativos»), e a diversidade radical de estrutura lógica ou de intencionalidade normativa (tese da separação radical). No plano constitucional, interessa sobretudo saber: (1) de que princípios se trata; (2) quais as conseqüências metódicas da diversidade estrutural ou material entre normas e princípios; (3) qual a relação dos princípios com as normas-fim e normas-tarefa.

             Relativamente ao primeiro problema, e como vai ver-se em seguida, englobam-se aqui vários princípios doutrinalmente «tipificados»: (1) os princípios político-constitucionais; (2) os princípios jurídicos gerais e constitucionais.

             Quanto ao segundo problema, embora se possa discutir a diversidade de estrutura lógica entre normas e princípios ou a separação qualitativa das duas categorias (os princípios como «justo superior» em relação às normas), a posição que vai fundamentalmente ser adoptada é a de que, sob o ponto de vista da metódica constitucional, há muitos problemas comuns a normas e princípios. Assim, desde logo, formulam-se reticências quando, sem qualificações ulteriores, se insiste na diferenciação entre normas e princípios com base no facto de as primeiras conterem uma directiva imediata para determinado círculo de questões, e os segundos exigem uma «concretização normativa» para serem susceptíveis de aplicação. A distinção, sem quaisquer outras precisões, é inconseqüente em numerosas questões constitucionais, pois muitas normas, (normas programáticas, normas-fim), carecem também de «concretização», sendo precisamente esse u dos problemas fundamentais da Constituição dirigente. Em segundo lugar, a distinção entre princípios e normas, claramente estabelecida como reflexo de uma posição metodológica antipositivista, acaba, segundo nos parece, por poder reconduzir a aplicação das «normas» aos esquemas subsuntivos, típicos do positivismo. Ao atribuir-se-lhes um caráter de «programa condicional» ou ao insistir-se nu modo de aplicação «tudo ou nada», insiste-se num esquema inadequado ao direito, em geral, e manifestamente impróprio no que respeita as normas constitucionais, em especial. Acresce que, considerando-se os princípios como simples fundamentos de uma decisão, mesmo nos casos em que são inequívocos os pressupostos do Tatbestand e os respectivos resultados jurídicos, esvazia-se, em muitos deles, o carácter de determinante heterónoma, vinculativa da função legislativa (ex: princípio da proibição do excesso, princípio da igualdade, princípio da legalidade, etc.). em toda a sua extensão, esta tese equivaleria, pr fim, a negar a densidade de norma jurídica aos princípios-garantia (ex: nullum crimen sine lege). Por isso de compreende que LARENZ tenha tido necessidade de distinguir entre princípios abertos e princípios normativos. Sendo uma diferenciação tendencial e gradativa, ela põe em destaque que, se em alguns casos, a mediação semântica é intensa, noutros já a densidade sémica dos princípios é suficiente para os considerar estruturados em «forma de norma jurídica»".

             Karl Larenz há pouco citado por Canotilho, também tece seus comentários acerca dos princípios jurídicos.

             "Ocupámo-nos dos «princípios éticos-jurídicos» como critérios teleológico-objectivos da interpretação e em conexão com o desenvolvimento do Direito, atendendo a um tal princípio. Qualificámo-los de «pautas directivas de normação jurídica que, em virtude de sua própria força de convicção, podem justificar resoluções jurídicas». Enquanto «ideias jurídicas materiais» são manifestações especiais da ideia de Direito, tal como esta se apresenta no seu grau de evolução histórica. Alguns deles estão expressamente declarados na Constituição ou noutras leis; outros podem ser deduzidos da regulação legal, da sua cadeia de sentido, por via de uma «analogia geral» ou do retorno à ratio legis; alguns foram «descobertos» e declarados pela primeira vez pela doutrina ou pela jurisprudência, as mais das vezes atendendo a casos determinados, não solucionáveis de outro modo, e que logo se impuseram na «consciência jurídica geral», graças à força de convicção a eles inerente. Decisiva permanece a sua referência de sentido à ideia de Direito. Tudo isto discutimo-lo na sede indicada. Trata-se agora da idoneidade de tais princípios para a formação do sistema.

             Os princípios jurídicos não têm o carácter de regras concebidas de forma muito geral, às quais se pudessem subsumir situações de facto, igualmente de índole muito geral. Carecem antes, sem excepção, de ser concretizadas. Mas cabe a esse respeito distinguir vários graus de concretização. No grau mais elevado, o princípio ainda não contém ainda nenhuma especificação de previsão e conseqüência jurídica, mas só uma «ideia jurídica geral», pela qual se orienta a concretização ulterior como por um fio condutor. Dessa espécie são, por exemplo, o princípio do Estado de Direito, o princípio do Estado Social, o princípio do respeito da dignidade da pessoa humana, da autodeterminação e da responsabilidade pessoal. Os primeiros indícios de uma especificação de previsão e conseqüência jurídica e, portanto, do começo da formação de regras, mostra-nos princípios tais como o preceito de igual tratamento jurídico de situações de facto idênticas, o princípio da confiança, nas suas diversas vertentes, como, por exemplo, enquanto proibição de retroactividade de leis desvantajosas ou como base de uma «responsabilidade por confiança» no Direito privado, o preceito da salvaguarda da «boa-fé» em todas as relações jurídicas especiais, op princípio da culpa, o princípio da responsabilidade pelo risco e o de uma imputação daqueles riscos que alguém há-de suoprtar «mais directamente» que outrem, enquanto critérios de uma responsabilidade por danos. Mas tais «subprincípios» estão também ainda longe, todavia, de representar regras de que pudesse resultar directamente a resolução de um caso particular. Ao invés disso, são aqui precisas concretizações ulteriores, que, em primeiro lugar, já o legislador levou a cabo".

             Emerson Garcia procura estabelecer parâmetros para a solução da questão da normatividade dos princípios:

             "Em sua gênese, conforme a doutrina tradicional, as normas se confundem com as regras de condutas que veiculavam, sendo os princípios utilizados, primordialmente, como instrumentos de interpretação e integração daqueles.

             Hodiernamente, tem-se um período pós-positivista, em que os princípios deixaram de ser meros complementos das regras, passando a ser vistos como formas de expressão da própria norma, a qual é subdividida em regras e princípios. Na lição de Jorge Miranda, ‘os princípios não se colocam, pois, além ou acima do Direito (ou do próprio Direito positivo); também eles – numa visão ampla, superadora de concepções positivistas, literalistas e absolutizantes das fontes legais – fazem do complexo ordenamental. Não se contrapõem às normas, contrapõem-se tão-somente aos preceitos; as normas jurídicas é que se dividem em normas-princípios e normas-disposições’.

             Aqueles que se opõem ao caráter normativo dos princípios normalmente acenam com sua maior abstração e com a ausência de pressupostos fáticos que delimitarão sua aplicação, o que denotaria uma diferença substancial em relação às normas, as quais veiculam prescrições dotadas de maior determinabilidade, permitindo a imediata identificação das situações, fáticas ou jurídicas, por ela reguladas.

             Em nosso entender, tais elementos não são aptos a estabelecer uma distinção profunda o suficiente para dissolver a relação de continência existente entre normas e princípios, figurando estes como espécies daquelas. Inicialmente, deve-se dizer que o maior ou menor grau de generalidade existente em duas normas, a exemplo do maior ou menor campo de aplicação, é parâmetro incapaz de diferenças de ordem ontológica entre elas.

             Os princípios, a exemplo das regras, carregam consigo acentuado grau de imperatividade, exigindo a necessária conformação de qualquer conduta aos seus ditames, o que denota seu caráter normativo (dever ser). Sendo cogente a observância dos princípios, qualquer ato que deles destoe será inválido, conseqüência esta que representa a sanção para a inobservância de um padrão normativo cuja reverência é obrigatória.

             Em razão de seu maior grau de generalidade, os princípios veiculam diretivas comportamentais que devem ser aplicadas em conjunto com as regras sempre que for identificada uma hipótese que o exija, o que, a um só tempo, acarreta um dever positivo para o agente – o qual deve ter seu atuar direcionado à consecução dos valores que integram o princípio – e um dever negativo, consistente na interdição da prática de qualquer ato que se afaste de tais valores. Constatada a inexistência de regra específica, maior importância assumirão os princípios, os quais servirão de norte à resolução do caso apreciado.

             Discorrendo sobre o tema, Norberto Bobbio afirma que ‘os princípios são apenas, a meu ver, normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas mais gerais. A palavra princípios leva a engano, tanto que é velha a questão entre os juristas se os princípios gerais são normas. Para mim, não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as outras. E esta também é a tese sustentada Crisafulli. Para sustentar que os princípios gerais são normas, os argumentos são dois, e ambos válidos: antes de mais nada, se são normas aquelas das quais os princípios são extraídos, através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê porque não devam ser normas também eles: se abstraio da espécie animal obtenho sempre animais, e não flores ou estrelas. Em segundo lugar, a função para qual são extraídos e empregados é a mesma cumprida por todas as normas, isto é, a função de regular um caso. E com que finalidades são extraídos em caso de lacuna? Para regular um comportamento não-regulamentado: mas então servem ao mesmo escopo a que se devem as normas expressas. E por que não deveriam ser normas’.".

             A par dos ensinamentos trazidos à colação, nos parece que a primeira indagação cuja resposta se faz mister é acerca de se os princípios são ou não normas jurídicas.

             Como já visto, grandes são os argumentos nos mais variados sentidos. Para que não haja desvio da finalidade do presente texto, tentaremos estabelecer da maneira mais sucinta possível o nosso entendimento.

             A resposta à indagação a respeito de serem os princípios jurídicos, normas jurídicas nos parece estar atrelada a questões de abstração, generalidade e falta de cominação expressa de sanção por parte daqueles.

             Como visto, uma das características dos princípios é a abstração e generalidade, impossíveis de serem retiradas dos mesmos dada a sua finalidade no ordenamento jurídico.

             Argumenta-se que uma conseqüência dessa abstração e generalidade seria a impossibilidade de aplicação in casu.

             De fato, concordamos que a abstração e generalidade são inseparáveis da principiologia jurídica o que não os desabona, na medida em que, nas palavras de Celso Ribeiro Bastos: "Pode-se afirmar que os princípios, embora percam em concretitude, ganham em abrangência".

             Raúl Canosa Usera já falava: "todo principio por su propria naturaleza pretende abarcar um número, cuanto más alto mejor, de cuestiones de hecho".

             Isso não quer dizer, todavia, que não se possa aplicar princípios jurídicos a casos em concreto.

             Dois são os argumentos que fundamentam esse entendimento.

             Em primeiro lugar, como já salientado por Norberto Bobbio, na lição acima transcrita, em caso de lacuna de lei aplicar-se-ão os princípios de direito, que ao regularem o caso desempenham nada mais do que a função de norma jurídica.

             E em segundo lugar, ainda que não se trate de um processo de aplicação principiológica em conseqüência de lacuna de lei, haverá sua incidência direta nos casos de nulidade gerada pela inobservância de algum princípio do direito.

             Outra questão também ligada à normatividade dos princípios jurídicos é a falta de cominação expressa de sanções. Tal argumento não deve prosperar. Ao contrário, merece ser rejeitado de pronto, vez que a nulidade de ato que atente contra princípio do direito é – notadamente no Direito Administrativo e Processual – sem sombra de dúvidas, sanção.

             Ademais, como será visto a diante, a própria lei de improbidade administrativa prevê expressamente a possibilidade de sanção aos agentes públicos que atentarem contra os princípios da Administração Pública.

             O que se pode argumentar é a ausência de sanção pessoal ou direta, ou ainda que gere conseqüências mais diretas e palpáveis no caso concreto. Esta sim ficaria a cargo da especificação e determinação, típicas da legislação. Mas em nenhum momento tais argumentos poderiam retirar dos princípios jurídicos o seu caráter normativo.

             Como se não bastasse, pelo próprio exame da terminologia "norma", já poderíamos concluir que princípio jurídico é norma, pois esta nada mais é do que "Regra; modelo; preceito".

             Princípios constitucionais e infraconstitucionais

             Pacífico que princípios jurídicos são normas, vejamos as diferenças, atinentes a serem esses princípios oriundos da Constituição ou da legislação infraconstitucional.

             Topograficamente podemos citar dois exemplos onde encontramos na legislação pátria a aplicação de princípios de direito.

             O primeiro deles, não poderia deixar de ser a própria Constituição Federal, que é extremamente carregada de princípios de direito. Isto se pode inferir da obrigatoriedade de observância inerente à Constituição para com o ordenamento jurídico e aqueles que dele fazem uso, vale dizer, toda a sociedade.

             São os chamados princípios constitucionais, que encontram especial menção em se tratando de Direito Administrativo, qual seja, a previsão expressa de cinco princípios que regem a Administração Pública, a saber: legalidade; impessoalidade; moralidade; publicidade e eficiência.

             Outro ponto em que se encontra presente expressamente a aplicação dos princípios jurídicos é a Lei de Introdução ao Código Civil que em seu art. 4.º expõe textualmente: "Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito". (grifo nosso).

             Com isso temos os princípios constitucionais – que derivam diretamente da Constituição. E os infraconstitucionais – decorrentes da legislação infraconstitucional.

             Em um primeiro momento salientamos que a expressão princípios gerais de direito deve ser entendida como gênero do qual são espécies os princípios constitucionais e os infraconstitucionais.

             Isso se deduz pela possibilidade de o burgomestre poder aplicar perfeitamente os princípios constitucionais pela faculdade que lhe é conferida pelo art. 4.º da LICC.

             Assim, apenas mencionamos como exemplo as legislações acima pelo fato de que a Constituição só impõe a observância de seus princípios, enquanto a LICC permite o uso de quaisquer princípios de direito, sejam eles constitucionais ou não.

             Celso Ribeiro Bastos ensina que "(...) os princípios gerais de Direito se identificam e se diferenciam dos demais princípios constitucionais pelo fato de apresentarem como nota característica a generalidade absoluta de sua incidência".

             A Constituição é o mais alto grau em se tratando de ordenamento jurídico em um Estado, assim já ensinava Hans Kelsen:

             "A estrutura hierárquica da ordem jurídica de um Estado é, grosso modo, a seguinte: pressupondo-se a norma fundamental, a constituição é o nível mais alto dentro do Direito nacional. A constituição é aqui compreendida não num sentido formal, mas material. A constituição num sentido formal é certo documento solene, um conjunto de normas jurídicas que pode ser modificado apenas com a observância de prescrições especiais, cujo propósito é tornar mais difícil a modificação dessas normas. A constituição no sentido material consiste nas regras que regulam a criação das normas jurídicas gerais, em particular a criação de estatutos".

             Ainda nesse sentido Kelsen:

             "Já nas páginas precedentes por várias vezes se fez notar a particularidade que possui o Direito de regular a sua própria criação. Isso pode operar-se de forma a que uma norma apenas determine o processo por que outra norma é produzida. Mas também é possível que seja determinado ainda – em certa medida – o conteúdo da norma a produzir. Como, dado o caráter dinâmico do Direito, uma norma somente é válida porque e na medida em que foi produzida por uma determinada maneira, isto é, pela maneira determinada por uma outra norma, esta outra norma representa o fundamento imediato de validade daquela. A relação entre a norma que regula a produção de uma outra e a norma assim regularmente produzida pode ser figurada pela imagem espacial da supra-infra-ordenação. A norma que regula a produção é a norma superior, a norma produzida segundo as determinações daquela é a norma inferior. A ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas ordenadas no mesmo plano, situadas umas ao lado das outras, mas é uma construção escalonada de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas. A sua unidade é produto da conexão de dependência que resulta do fato de a validade de uma norma, que foi produzida de acordo com outra norma, se apoiar sobre essa outra norma, cuja produção, por sua vez, é determinada por outra; e assim por diante, até abicar finalmente na norma fundamental – pressuposta. A norma fundamental – hipotética, nestes termos – é, portanto, o fundamento de validade último que constitui a unidade dessa interconexão criadora.

             Se começarmos levando em conta apenas a ordem jurídica estadual, a Constituição representa o escalão de Direito positivo mais elevado. A Constituição é aqui entendida num sentido material, quer dizer: com esta palavra significa-se a norma positiva ou as normas positivas através das quais é regulada a produção das normas jurídicas gerais. Esta Constituição pode ser produzida por via consuetudinária ou através de um ato de um ou vários indivíduos a tal fim dirigido, isto é, através de um ato legislativo. Como, nesse segundo caso, ela é sempre condensada num documento, fala-se de uma Constituição ‘escrita’ para a distinguir de uma Constituição não escrita, criada por via consuetudinária. A Constituição material pode consistir, em parte, de normas escritas, noutra parte, de normas não escritas, de Direito criado consuetudinariamente. As normas não escritas da Constituição, cridas consuetudinariamente, podem ser codificadas; e, então, quando esta codificação é realizada por um órgão legislativo e, portanto, tem caráter vinculante, elas transformam-se em Constituição escrita.

             Da Constituição em sentido material deve distinguir-se a Constituição em sentido formal, isto é, um documento designado como ‘Constituição’ que – como Constituição escrita – não só contém normas que regulam a produção de normas gerais, isto é, a legislação, mas também normas que se referem a outros assuntos politicamente importantes e, além disso, preceitos por força dos quais as normas contidas neste documento, a lei constitucional, não podem ser revogadas o alteradas pela mesma forma que as leis simples,mas somente através de processo especial submetido a requisitos mais severos. Estas determinações representam a forma da Constituição que, como forma, pode assumir qualquer conteúdo que, em primeira linha, serve para a estabilização das normas que aqui são designadas como Constituição material e que soa o fundamento de Direito positivo de qualquer ordem jurídica estadual.

             A produção de normas jurídicas gerais, regulada pela Constituição em sentido material, tem, dentro da ordem jurídica estadual moderna, o caráter de legislação. A sua regulamentação pela Constituição compreende a determinação do órgão ou dos órgãos que são dotados de competência para a produção de normas jurídicas gerais – leis e decretos. Quando os tribunais também são considerados competentes para aplicar Direito consuetudinário, eles têm de receber da Constituição poder para isso – tal como o recebem para a aplicação das leis. Quer dizer: é preciso que a Constituição institua o costume, que é constituído pela conduta habitual dos indivíduos submetidos à ordem jurídica estadual – os súditos do Estado –, como fato gerador de Direito. Se a aplicação do Direito consuetudinário pelos tribunais é considerada como legal, embora na Constituição escrita não exista uma tal atribuição de poder ou autorização, essa autorização não pode – como mais tarde veremos – ser dada numa norma da Constituição não escrita, produzida consuetudinariamente, mas tem de ser pressuposta, como tem de ser pressuposto que a Constituição escrita tem o caráter de norma objetivamente vinculante sempre que se consideram como normas jurídicas vinculativas as leis e os decretos de conformidade com ela editados. Nesse caso, a norma fundamental – como Constituição em sentido lógico-jurídico – institui como fato produtor de Direito não apenas o ato do autor da Constituição, mas também o costume constituído pela conduta dos indivíduos sujeitos à ordem jurídica constitucionalmente criada.

             A Constituição estadual pode – como Constituição escrita – aparecer na específica forma constitucional, isto é, em normas que não podem ser revogadas ou alteradas como as leis normais mas somente sob condições mais rigorosas. Mas não tem de ser necessariamente assim; e não é assim quando sequer existia Constituição escrita, quando a Constituição surgiu por via da consuetudinária, quer dizer: através da conduta costumeira dos indivíduos submetidos à ordem jurídica estadual, e não foi codificada. Nesse caso, também as normas que t^m o caráter de Constituição material podem ser revogadas ou alteradas por leis simples ou pelo Direito consuetudinário.

             É possível que o órgão que é competente para estabelecer, revogar e modificar leis constitucionais no sentido formal específico, seja diferente do órgão que é competente para estabelecer, revogar ou modificar as leis normais. Para a primeira função pode ser chamado, por exemplo, um órgão especial, diferente do órgão competente para a segunda função, quanto à sua composição e quanto ao processo de eleição: v. g., um parlamento constituinte (melhor: um parlamento legislador da Constituição). No entanto, geralmente as duas funções são desempenhadas pelo mesmo órgão.

             A Constituição, que regula a produção de normas gerais, pode também determinar conteúdo das futuras leis. E as Constituições positivas não raramente assim procedem ao prescrever ou excluir determinados conteúdos. No primeiro caso, geralmente apenas existe uma promessa de leis a fixar e não qualquer obrigação de estabelecer tais leis, pois, já mesmo por razoes de técnica jurídica, não pode facilmente ligar-se uma sanção ao não-estabelecimento de leis com o conteúdo prescrito. Com mais eficácia, porém, podem ser excluídas pela Constituição leis de determinado conteúdo. O catálogo de direitos e liberdades fundamentais, que forma uma parte substancial das modernas constituições, não é, na sua essência, outra coisa senão uma tentativa de impedir que tais leis venham a existir. É eficaz quando pelo estabelecimento de tais leis – v. g., leis que violem a chamada liberdade da pessoa ou de consciência, ou a igualdade – se responsabiliza pessoalmente determinado órgão que participa da criação dessas leis – chefe do Estado, ministros – ou existe a possibilidade as atacar e anular. Tudo isto sobre o pressuposto de que a simples lei não tenha força para derrogar a lei constitucional que determina sua produção e o seu conteúdo, de que esta lei somente possa ser modificada ou revogada sob condições mais rigorosas, como sejam uma maioria qualificada ou um quorum mais amplo. Isto quer dizer que a Constituição prescreve para sua modificação ou supressão um processo mais exigente, diferente do processo legislativo usual; que, além da forma legislativa, existe uma específica forma constitucional".

             Sobre a importância da Constituição ensina Konrad Hesse:

             "Nem de um Estado determinado, independente de atividade humana, nem de um direito encontrado pode, por conseguinte, ser partido, senão somente das tarefas expostas. Para poder satisfazê-las, é necessária uma ordem constituinte: a Constituição.

             A Constituição é a ordem fundamental jurídica da coletividade. Ela determina os princípios diretivos, segundo os quais deve formar-se unidade política e tarefas estatais ser exercidas. Ela regula procedimentos de vencimento de conflitos no interior da coletividade. Ela ordena a organização e o procedimento da formação da unidade política e da atividade estatal. Ela cria bases e normaliza traços fundamentais da ordem total jurídica. Em tudo, ela é ‘o plano estrutural fundamental, orientado por determinados princípios de sentido, para a configuração jurídica de uma coletividade’. Como ordem fundamental jurídica da coletividade, a Constituição não está restringida a uma ordem da vida estatal. Suas regulações compreendem – especialmente claro em garantias como aquelas do matrimonio e da família, da propriedade, da formação e da atividade de grupos sociais ou da liberdade de arte e ciência – também bases da ordem da vida não-estatal. Por causa disso por um lado, Direito ‘Constitucional’ estende-se mais que Direito ‘Estatal’ que, conforme o significado da palavra em objeto, indica somente direito do estado; por outro lado, ele está limitado mais estreitamente, pelo fato que o Direito Estatal também pode compreender o direito do estado, que não deve ser incluído na ordem fundamental da coletividade. Os conceitos são, portanto, idênticos somente em uma parte. Como a Constituição produz os pressupostos da criação, validez e realização das normas da ordem jurídica restante e determina, em grande parte, seu conteúdo, ela converte-se em um elemento de unidade da ordem jurídica total da coletividade, no interior da qual ela exclui um isolamento entre Direito Constitucional e outros setores jurídicos, em especial, do direito privado, do mesmo modo como uma coexistência não-unida daqueles setores jurídicos mesmos".

             Não se pode negar a supremacia da Constituição enquanto ordenamento jurídico vigente.

             Sobre a supremacia e imperatividade das disposições constitucionais Agustín Gordillo tece os seguintes comentários:

             "Esa supremacía que la Constitución comparte con normas superiores no es por supueno moral o ética: se trata de una supremacía jurídica, lo que explica por qué una ley o un acto administrativo, que son expresiones de la voluntad coactiva del Estado, puedan perder validez e imperatividad en algún caso.

             Decir que una ley o un acto administrativo puedan perder juricidad e imperatividad en algún caso, importa a su vez afirmar que aquello que destruye dicha juricidad, es forzosamente algo de más imperatividad que la ley o el acto administrativo: de otra manera la hipótesis resultaría absurda.

             Y bien, a pesar de que ela supremacía jurídica va enlazada a la suprema imperatividad o fuerza coactiva, no siempre se admite con seguridad lo segundo. Que la Constitución o los tratados de derechos humanos o derecho comunitario sean supremos, nadie lo discute; pero que sean imperativos, es decir, normas vigentes y obligatoriamente aplicables en todo momento, a toda circunstancia, y por todo tribunal del país, es objeto de frecuentes dudas expresas o implícitas.

             Sin embargo, el razonamiento básico es elemental: si la Constitución y normas superiores de rango supranacional tienen la virtud de dejar sin fuerza coactiva a una ley o a un acto administrativo – expresiones ambas de la potestad pública – ello tiene que ser debidom inexorablemente, a que ellas mismas tiene la suficiente imperatividad para inhibir la que a su vez tienen aquéllos.

             Si la Constitución y el orden jurídico internacional son un conjunto de reglas imperativas de conducta humana, y si son supremos, constituyen un orden jurídico rudimentario, pero orden al fin, y carente de lagunas: lo que conceden con su imperatividad suprema (derechos individuales, poderes públicos) se tiene el derecho de hacerlo, haya o no ley al respecto: en ausencia de ley, corresponde al juez hacer la aplicación directa de la Constitución o de las normas jurídicas supranacionales.

             Del mismo modo, todo lo que ese orden supremo exige, se tiene el deber de cumplirlo; es así un sistema normativo completo, con valor autónomo propio, inmediato y directo.

             Algunos sostuvieron que las disposiciones constitucionales no eran normas jurídicas porque carecen de sanción. Ello es inexacto: las sanciones no son siempre penas (privación de la liberdad, la vida o la propriedad, a título no de reparación sino de castigo), puesto que pueden consistir en el establecimiento de una relación jurídica nueva, la extinción de una relación jurídica preexistente, o la ejecución coactiva del deber jurídico violado.

             Si se quiere, en todos estos hay un aliquid de castigo, pero debe apreciarse que salvo en el caso del derecho penal, lo más importante en la sanción o "específica reacción del derecho ante la violación de un deber jurídico", no es el castigo, sino la a aplicación forzada del objeto del derecho, es decir, el cumplimiento o ejecución coactiva del deber no cumplido.

             En el ejemplo de la norma "si no pagas, entonces debe ser embargo y remate", ¿qué es el embargo y remate sino la ejecución forzada del deber de pagar? Por eso, y precisamente porque no nos hallamos en el campo del derecho penal, es evidente que si una norma constitucional establece en forma imperativa un deber jurídico, no es extraño a ella interpretar que ante el incumplimiento de éste debe realizarse su ejecución forzada; como la norma imperativa establece con esa particularidad un deber jurídico determinado, la existencia y la medida de la sanción para la violación del mismo no necesitan ser declarados especialmente por otro artículo, desde que dicha existencia y dicha medida están comprendidas en la existencia y medida del deber mismo. Al aplicar como sanción la ejecución forzada del objetivo del derecho (el deber jurídico violado), nada se está realizando que la primera norma no haya previsto; que existía el deber jurídico de realizar tal o cual acción u omisión. Como ya la norma jurídica que establece el primer deber jurídico tiene por su contenido imperativo la característica de latente coactividad, no es extraño a ella el que ese deber jurídico se realice por la fuerza: esa es una sanción de la norma jurídica, y todas las normas jurídicas constitucionales la tienen".

             Ocorre, todavia, que quando falamos em princípios jurídicos, estamos falando em algo acima do próprio ordenamento jurídico no qual se insere a Constituição, como texto normativo que é.

             Deste modo, entendemos não haver hierarquia entre princípios constitucionais e demais princípios de direito, até porque, a Constituição é a consagração legislativa de muitos princípios de direito que se forjaram durante a história.

             Sobre esse aspecto vislumbramos apenas uma hipótese na qual se poderia falar em superioridade hierárquica de princípios constitucionais. Estamos falando das hipóteses de princípios presentes no ordenamento jurídico infraconstitucional, que pela própria hierarquia das leis, não poderiam ir contra a Lei Maior.

             Ainda assim, em ultima análise, não se encontrariam na exceção mencionada, aqueles princípios presentes na legislação infraconstitucional em conseqüência de processo legislativo, mas que derivam de diretivas principiológicas supralegais, como exemplo os deveres de honestidade e imparcialidade presentes no art. 11 da lei de improbidade administrativa.

             Esses princípios não se encontram hierarquicamente abaixo dos princípios constitucionais, justamente pelo fato de o corroborarem.

             O entendimento segundo o qual não há hierarquia entre princípios constitucionais e infraconstitucionais é justamente a supralegalidade dos princípios de direito. O que se poderá verificar a seguir, quando tratamos da questão da desnecessidade de positivação dos princípios.

             Desnecessidade de positivação dos princípios jurídicos

             Há uma discussão acerca da necessidade ou não da positivação, vale dizer, consagração legislativa dos princípios jurídicos.

             A esse respeito, em conclusão da linha de raciocínio que traçamos até o presente momento, bem como do próprio título que demos ao presente tópico, já se depreende nossa inclinação à desnecessidade de positivação dos princípios jurídicos.

             O professor Wallace Paiva Martins Júnior consegue, em sintética análise, realizar ampla explanação da questão:

             "Considerada a natureza prescritiva derivada da sua condição de valor jurídico da comunidade, os princípios não necessitam de posterior consagração legislativa (normalização) para adquirir eficácia, pois a obrigatoriedade deles tem explicação em sua integração com a consciência coletiva. Sendo fonte do direito e derivando sua condição jurídica da própria existência independente de positivação, o problema de sua natureza jurídica não se finca em torno do caráter prescritivo e da correlata força de obrigar, averba Margarita Beladiez Rojo.

             Karl Larenz demonstra a diferença entre positivação (ou consagração legislativa) e regulamentação de princípios jurídicos. Estes não passam a integrar o ordenamento jurídico a ser vigentes, com força jurídica pela positivação. Positivação e regulamentação são diferentes, pois na regulamentação jurídica o princípio adquire concretização, é inflado de pressuposto de fato do qual é deficiente ou carente, mas isso é apenas o exercício de sua função positiva. O princípio jurídico é, mesmo sem regulamentação, integrante do direito positivo. A conexão das indicações do pensamento diretor como uma explicação da regulamentação em que o princípio se encontra, concretizado no direito positivo demonstra que ele penetrou neste, assevera Larenz, e, portanto, não é uma fórmula vazia. Entretanto, nessa parte, o próprio autor confunde a positivação (isto é, o ato de pertencer ou integrar o direito positivo) com a regulamentação (a adoção pelo direito positivo através de norma jurídica, dos valores consagrados pelo princípio, ou seja, o incremento da sua função positiva), certamente porque dá mais importância aos princípios do direito justo (causas de justificação de todas as regulamentações jurídicas, ligadas ao fim último do direito, traduzidas na expressão de um ideal de direito) em contraposição aos do direito positivo.

             Segundo Esser, citado por Karl Lrenz, existem princípios subjacentes à regulação legal e reconhecidos na jurisprudência (boa-fé, confiança, proporcionalidade, responsabilidade etc.), mas distingue princípio e norma, porque princípio não é mandamento, mas base, critério ou justificação do mandamento jurídico. Positivado o princípio, é direito positivo não como mandamento independente ou separado e sim como condição imanente da função do particular. Dessa maneira, é a autonomia da vontade no direito privado e a divisão dos Poderes no direito público, sem abdicar de seu caráter de princípio e sem se converter em mandamento. Na regulamentação jurídica, o princípio adquire concretização, anota Larenz.

             Jesus Gonzalez Perez ressalta que o fato de o art. 7º do Código Civil espanhol prever a boa-fé como norma jurídica não minimiza a importância a natureza jurídica do princípio, pois ‘el hecho de su consacración em una norma legal no supone que con anterioridad no existiera, ni que por tal consagración legislativa haya perdido su carácter. Pues si los principios generales del Derecho, por su propria naturaleza, existen con independencia de su consagración em una norma jurídica positiva, como tales subsistirán cuando en un Ordenamiento jurídico se recogen en un precepto positivo, con objeto de que no queda duda su pleno reconocimiento’, observando que a consagração legislativa rende bons frutos, de modo que, se o princípio não perde seu caráter como tal (notadamente como informador do ordenamento jurídico), no entanto, adquire aplicabilidade imediata.

             Assim, como sucedido com a Constituição brasileira de 1988, a Carta Espanhola incorporou diversos princípios jurídicos, consagrando-os legislativamente. E na Espanha essa consagração legislativa irradiou-se para a legislação infraconstitucional e, com menos freqüência, para os regulamentos. Porém, observa Jesus Gonzalez Perez, o princípio jurídico não perde a principal característica de informador de um ordenamento jurídico com sua consagração legislativa, senão é solenemente submetido a uma confirmação. Não perde, portanto, posição de destaque no ordenamento jurídico e tampouco sua função informadora, embora exista e tenha eficácia, independentemente de sua consagração legislativa.

             Desse modo, conclui Jesus Gonzalez Perez que ‘los principios jurídicos constituen la base del Ordenamiento jurídico, ‘la parte permanente y eterna del Derechoy también l cambiante y mudable que determina la evolución jurídica’; son las ideas fundamentales e informadoras de la organización jurídica de la Nación’, de tal sorte integrantes do ordenamento jurídico que sua violação é sancionada com a mesma energia reservada às normas jurídicas. A consagração legislativa dos princípios jurídicos não cessa sua característica principal e ‘no se produce una transformación de esencia normativa que transforma un principio general en parte de la Ley; seguirá siendo pincipio general del Derecho y también norma jurídica de aplicación inmediata’. Por fim, sua revogação (como norma jurídica) não implicará na caducidade do princípio jurídico, que continuará existindo (independência do princípio) com força suficiente (como se fosse norma juridica superior) para invalidar norma jurídica superveniente ou não recepcionar alguma precedente.

             Explica Guido Falzone que, na Itália, a boa administração, tida como diretiva do poder discricionário, é um princípio jurídico elementar ao ordenamento jurídico, pouco importando se formulado legislativamente ou implícito, porque sempre constituirá norma aplicável, e sua consagração em norma jurídica constitucional tem o efeito de eliminar qualquer eventual questionamento sobre sua existência ou validade jurídica.

             Os princípios de direito são positivos, e tanto faz serem explícitos ou implícitos, pois, em verdade, são eles enunciados basilares de um ordenamento jurídico que age, reage e interage, inclusive com suas normas, pela perfeita compreensão de seus alicerces fundamentais (os princípios jurídicos). No necessitam, por isso, consagração legislativa, como alguns textos constitucionais fizeram. Nesse passo, a Constituição de 1988 foi pródiga, positivando alguns (não todos, frise-se) princípios, especialmente os que orientam as atividades da Administração Pública. Essa consagração legislativa, que pode conduzir à banalização dos princípios jurídicos, tem explicação na tímida postura da jurisprudência, fortemente influenciada por um positivismo exagerado – o que é um erro porque os princípios (explícitos ou implícitos) são positivados elementarmente por sustentarem a própria ordenação jurídica positiva. Porém. Essa característica do direito brasileiro, muito assemelhado ao português, gera uma conseqüência, bem observada por Carmem Lúcia Antunes que adota a postura de J. J. Gomes Canotilho, salientando que, sendo a Constituição uma lei, não se pode deixar de concluir que todos os princípios que nela se incluem, expressa ou implicitamente, são leis, normas jurídicas postas à observância insuperável e incontornável à atividade estatal".

             A questão da positivação dos princípios resta superada pela doutrina contemporânea, mais ainda pela jurisprudência, que tem aplicado cotidianamente tais normas que nada mais fazem senão permitir uma adequação do ordenamento jurídico ao fenômeno social.

             Conflito de Princípios. A ponderação de bens

             Ainda que não se trate do escopo principal do presente trabalho, entendemos importante a ressalva de uma questão atinente aos princípios constitucionais que se levanta na doutrina contemporânea.

             Dada a incidentalidade, o tema não será abordado em profundidade. Será destarte, tratado sob um prisma de sujeição à discussão, levantando o tema para possíveis e frutíferos debates.

             A questão aqui mencionada diz respeito aos princípios fundamentais consagrados na Lei Maior.

             Contudo não deixa de incidir sobre o presente tema, na medida em que a lei de improbidade administrativa dá salutar importância aos princípios de direito, mormente os da Administração Pública.

             Nos referimos à questão de otimização dos princípios constitucionais, o que por vezes gera conflitos de princípios, solucionáveis através da teoria da ponderação de bens no caso concreto.

             Prevê a Constituição em seu art. 5º uma série de princípios fundamentais da pessoa humana. Ocorre que, às vezes, em casos concretos tais princípios possam colidir entre si.

             Melhor dizendo, não se trata exatamente de colisão de princípios, mas sim de situações em que haja pessoas com garantias fundamentais de um lado e de outro, outra pessoa ou ainda a sociedade com seus princípios norteadores.

             Diante de tal celeuma, qual princípio deveria preponderar? O correto seria a aplicação de um em detrimento do outro?

             Nos parece que dois pontos dão a melhor solução para a indagação.

             Em primeiro lugar deve-se ter em mente que não há princípios mais importantes que outros. Nesse sentido, há que se buscar uma maneira pela qual todos os princípios tenham uma eficácia maior possível sem interferir no âmbito de incidência do outro.

             Em segundo lugar, mister se faz que seja analisado, de maneira concentrada, caso a caso, na medida em que somente assim se poderá definir qual seria o mais correto âmbito de eficácia de cada princípio naquele caso.

             E essas duas linhas que culminam numa pacífica solução são encontradas na teoria da ponderação de bens no caso concreto. Trata-se de método de otimização constitucional, ou seja, um meio pelo qual a Constituição logrará regular todas as matérias da maneira mais completa possível.

             Em se tratando dessa linha de raciocínio não há como não mencionar a doutrina alemã e portuguesa, ambas muito avançadas nesses estudos.

             Karl Larenz, um dos maiores expoentes do direito alemão pondera que para que se possa fazer uma correta ponderação de bens mister se faz elucidar a possibilidade de, segundo a ordem de valores dos bens constitucionalmente protegidos, estabelecer uma ordem de valores, entre os bens no caso concreto.

             Para tal estabelece um critério segundo o qual "haverá que se dizer, sem vacilar, que à vida humana e, do mesmo modo, à dignidade humana, corresponde um escalão superior ao de outros bens, em especial os bens materiais", pondera ainda :

             "Finalmente, têm validade os princípios da proporcionalidade, do meio mais idôneo, ou da menor restrição possível. Nestes termos, a lesão de um bem não deve ir além do que é necessário, ou, pelo menos, é «defensável», em virtude de outro bem ou de um objectivo jurídico material, que se converte em fio condutor metodológico da concretização judicial da norma. É evidente que, mesmo observando esses princípios, fica ainda uma margem livre muito ampla para uma valoração judicial pessoal (...). Mas, por outro lado, também se torna manifesto que a «ponderação de bens» não é simplesmente matéria do sentimento jurídico, é um processo racional que não há-de fazer-se, em absoluto, unilateralmente, mas que, pelo menos até um certo grau, segue princípios identificáveis e, nessa medida, é também comprovável.

             (...)

             "A «ponderação de bens no caso concreto» é um método de desenvolvimento do Direito, pois que serve para solucionar colisões de normas – para as quais falta uma regra expressa na lei –, para delimitar umas das outras as esferas de aplicação das normas que se entrecruzam e, com isso, concretizar os direitos cujo âmbito, como o direito geral de personalidade, ficou em aberto. Do mesmo modo que a concretização paulatina pela jurisprudência de pautas de valoração carecem de ser preenchidas de conteúdo, também aqui é de se esperar que, com o acréscimo de sentenças de tribunais superiores, se hão-de criar possibilidades de comparação, mediante as quais serão tornadas mais estreitas as margens residuais da livre apreciação. Mas, posto que cada vez se requererá a consideração de todas as circunstancias do caso concreto, que nunca são iguais em tudo, não se deve esperar que, com o tempo, se venham a formar regras fixas que possibilitem uma subsunção simples do caso concreto. A comparação de casos possibilita analogias e porventura uma certa tipificação dos casos; a «ponderação » de bens será desse modo aliviada, mas não se tornará supérflua".

             Em sentido diverso, Konrad Hesse, não concorda com a aplicação da ponderação de bens, tecendo os seguintes comentários:

             "Onde nascem colizões (sic) não deve, em ‘ponderação de bens’ precipitada ou até ‘ponderação de valor’ abstrata, um ser realizado à custa do outro. Antes, o princípio da unidade da Constituição põe a tarefa de uma otimização: a ambos os bens devem ser traçados limites, para que ambos possam chegar a eficácia ótima. Os traçamentos dos limites devem, por conseguinte, no respectivo caso concreto ser proporcionais; eles não devem ir mais além do que é necessário para produzir a concordância de ambos os bens jurídicos. ‘Proporcionalidade’ expressa, nessa conexão, uma relação de duas grandezas variáveis e precisamente esta que satizfaz (sic) o melhor aquela tarefa de otimização, não uma relação entre uma ‘finalidade’ constante e um ‘meio’ variável ou vários. Ela fica clara, por exemplo, na ‘ação recíproca’ (equivocadamente assim indicada) entre liberdade de opinião e lei geral limitadora no artigo 5º da Lei Fundamental: trata-se de concordância prática pela coordenação ‘proporcional’ na liberdade de opinião por um lado, dos bens jurídicos protegidos por ‘leis gerais’, por outro. Sobre isto, que é proporcional em cada caso particular o princípio não diz nada; ele indica, todavia, como diretiva contida na Constituição e, por causa disso, obrigatória, a direção e ele determina o procedimento no qual uma resolução constitucional somente deve ser procurada. – ‘Ponderação de bens’ carece, para suas valorações, de uma tal diretiva; a ela falta não só o apoio sustentador, mas ela cai também sempre no perigo de abandonar a unidade da Constituição. O mesmo vale, quando a relação entre concessões e restrições de liberdade jurídico-constitucionais é determinada no sentido de uma presunção inicial a favor da liberdade (in dubio pro libertate), motivo pelo qual não é possível ver nessa presunção um princípio de interpretação constitucional." (negritamos)

             J. J. Gomes Canotilho também não concorda com o modelo da ponderação de bens, fundamentando seu entendimento da seguinte maneira:

             "Muitas das conseqüências que pretendem extrair da separação lógica entre normas e princípios, com base na ideia de «peso» ou «espessura» dos princípios (especialmente relevante em caso de colisão de princípios) também ficam, dentro da posição metódico-metodológica deste trabalho, substancialmente esbatidas. A dimension of weight, que permitiria gradação valorativa e a solução de conflitos sem afectar a validade de princípios eventualmente colidentes, aponta para o conhecido modelo de ponderação de bens, que não é acolhido aqui por várias razões. A primeira é a de que, ao utilizar-se o modelo de ponderação de bens constitucionais na tarefa de interpretação dos princípios e normas, o sentido que se lhe dá não é o de medida e comparação do «peso» dos princípios (com os conhecidos resquícios da «hierarquia de valores» e da «ordem de valores») mas o de discussão das valorações de bens constitucionais igualmente valiosos. É um problema de meios e fins, de ponderação de resultados, de necessidade da adequabilidade de soluções, de garantia de posições constitucionais. Em segundo lugar, não se acolhe a ideia dos «princípios» como um «justo superior» que, em caso de necessidade, justificará a invalidade de normas constitucionais em conflito irremediável com os princípios axiológico-normativos superiores («normas constitucionais inconstitucionais»). A eventual tarefa de optimização constitucional alicerça-se mais racionalmente num princípio da concordância prática do que numa escala ordinal ou cardinal de «valores» constitucionais".

             Já em outro momento Canotilho acaba pr concordar com a teoria que dá valores aos bens constitucionalmente protegidos. Nesse sentido pontua o eminente constitucionalista lusitano:

             "As ideias de ponderação (Abwägung) ou de balanceamento (Balancing) surge em todo o lado onde haja necessidade de ‘encontrar o direito’ para resolver ‘casos de tensão’ (Ossenbühl) entre bens juridicamente protegidos. O método da ponderação de interesses é conhecido há muito tempo pela ciência jurídica. Nos últimos tempos, porém, a sua relevância tem sido sobretudo reconhecida no direito constitucional e no direito do planejamento urbanístico.

             O relevo da ponderação do direito constitucional

             A agitação metódica e teórica em torno do método de balanceamento ou ponderação do direito constitucional não é uma ‘moda’ ou um capricho dos cultores de direito constitucional. Várias razões existem para esta viragem metodológica: (1) inexistência de uma ordenação abstracta de bens constitucionais o que torna indispensável uma operação de balanceamento desses bens de modo a obter uma norma de decisão situativa, isto é, uma norma de decisão adoptada às circunstâncias do caso; (2) formatação principal de muitas das normas do direito constitucional (sobretudo das normas consagradoras de direitos fundamentais) o que implica, em caso de colisão, tarefas de ‘concordância’, ‘balanceamento’, ‘pesagem’, ‘ponderação’ típicas dos modos de solução de conflitos entre princípios (que não se reconduzem, como já se frisou, a alternativas radicais de ‘tudo ou nada’); (3) fractura da unidade de valores de uma comunidade que obriga a leituras várias dos conflitos de bens, impondo uma cuidadosa análise dos bens em presença e uma fundamentação rigorosa do balanceamento efectuado para a solução dos conflitos.

             Interpretação e ponderação

             Em muitas propostas metodológicas a ponderação é apenas um elemento do procedimento da interpretação/aplicação de normas conducente à atribuição de um significado normativo e à elaboração de uma norma de decisão. Aqui o balancing process vai recortar-se em termos autónomos para dar relevo à ideia de que no momento de ponderação está em causa não tanto atribuir um significado normativo ao texto da norma, mas sim equilibrar e ordenar bens conflituantes (ou, pelo menos, em relação de tensão) num determinado caso. Neste sentido, o balanceamento de bens situa-se a jusante da interpretação. A actividade interpretativa começa por uma reconstrução e qualificação dos interesses ou bens conflituantes procurando, em seguida, atribuir um sentido aos textos normativos e aplicar. Por sua vez, a ponderação visa elaborar critérios de ordenação para, em face dos dados normativos e factuais, obter a solução justa para o conflito de bens.

             A topografia do conflito ou da relação de tensão entre bens constitucionais

             A ponderação é um modelo de verificação e tipicização da ordenação de bens em concreto. Não é, de modo algum, um modelo de abertura para uma justiça ‘casuística’, ‘impressionística’ ou de ‘sentimentos’. Precisamente por isso, é que o método de balancing não dispensa uma cuidadosa topografia do conflito nem uma justificação da solução do conflito através da ponderação.

             Em termos tendenciais, designa-se por topografia de conflitos a descrição das modalidades segundo as quais a norma que regula um determinado direito ou interesse incide, num caso específico, no âmbito (área, esfera) de direitos ou bens conflituantes. A análise de topografia do conflito exige, assim, que se esclareçam dois pontos: (1) se e em que medida a área ou esfera de um direito (âmbito normativo) se sobrepõe à esfera de um outro direito também normativamente protegido; (2) qual o espaço que ‘resta’ aos dois bens conflituantes para além da zona de sobreposição.

             A ponderação dos bens

             Quando é que, afinal, se impõe a ponderação ou o balanceamento ad hoc para obter uma solução dos conflitos de bens constitucionais? Os pressupostos metódicos básicos são os seguintes. Em primeiro lugar, a existência, pelo menos, de dois bens ou direitos reentrantes no âmbito de protecção de duas normas jurídicas que, tendo em conta as circunstancias do caso, não podem ser ‘realizadas’ ou ‘optimizadas’ em todas as suas potencialidades. Concomitantemente, pressupõe a inexistência de regras abstractas de prevalência, pois neste caso o conflito deve ser resolvido segundo o balanceamento abstracto feito pela norma constitucional (ex.: art. 38.º/2/a da CRP que faz prevalecer os direitos dos jornalistas sobre o poder de orientação da direcção da empresa jornalística). Excluem-se, por conseguinte, relações de preferência prima facie, pois nenhum bem é, prima facie, que excluído porque se afigura excessivamente débil, quer privilegiado porque, prima facie, se afigura com valor ‘reforçado’ ou até absoluto. Isto implica a verificação e ordenação, em cada caso ou grupos de casos específicos, de esquemas de prevalência parciais ou relativos, porque, nuns casos, a prevalência pode pender para um lado e noutros para outro segundo as ponderações ou balanceamentos efectuados ad hoc. Finalmente, é indispensável a justificação e motivação da regra de prevalência parcial assente na ponderação, devendo ter-se em conta sobretudo os princípios constitucionais da igualdade, da justiça, da segurança jurídica. Registre-se ainda a observância das regras constitucionais de competência, pois o método de balancing não pode dissolver os esquemas de competência constitucionalmente definidos.

             As ‘ponderações’ subjacentes ao balanceamento ad hoc estão já presentes noutros esquemas hermenêuticos anteriormente referidos. É o caso, por exemplo, da concordância prática e da observância do princípio da proporcionalidade em sentido estrito. A importância que ultimamente é atribuída à ponderação de bens constitucionais radica, como se disse, na natureza tendencialmente principal de muitas normas jurídico-constitucionais. O apelo à metódica de ponderação é, afinal, uma exigência de solução justa de conflitos entre princípios. Neste sentido se pôde afirmar recentemente que a ponderação ou o balancing ad hoc é a forma característica de aplicação do direito sempre que estejam em causa normas que revistam a natureza de princípios. A dimensão de ponderabilidade dos princípios justifica a ponderação como método de solução de conflito de princípios".

             Como visto muitas são as teorias que pretendem uma otimização das normas constitucionais, principalmente no que respeita os princípios fundamentais. A nós cabe, no presente momento, procurar demonstrar as variadas correntes. Consignamos apenas a opinião de que, em se tratando de direito constitucional, não há que se medir esforços para que suas disposições tenham a maior eficácia possível.

             Assim, entendemos proveitosas quaisquer das teorias de otimização e plenitude de eficácia das normas constitucionais.

             Ainda que o sistema de ponderação de bens, sob o aspecto da sujeição à subjetividade do burgomestre, não seja o mais indicado, não vislumbramos a impossibilidade de uso desse sistema, vez que, haverá momentos em que terá que se decidir entre duas partes em que ambas estejam amparadas por direitos fundamentais constitucionalmente previstos.

Princípios reguladores da Administração Pública

             A Administração Pública tem sua principal regulação na Constituição Federal, que logo no caput do primeiro artigo a tratar dessa matéria estabelece os cinco princípios norteadores de toda a sua atividade.

             Cuida-se dos princípios da Legalidade, Impessoalidade, Moralidade e Eficiência. Ocorre, todavia, que a doutrina acabou por verificar que além desses, haveria a existência de outros, não expressos, mas implícitos.

             Como retro tratado, a não ocorrência expressa desses princípios ditos implícitos não lhes retira a validade, nem tampouco o dever de observância, na medida em que não há a necessidade de que um princípio de direito esteja positivado para que haja dever de observância.

             Assim temos os seguintes princípios: supremacia do interesse público, finalidade, razoabilidade, proporcionalidade, e motivação.

             Vejamos agora cada um desses princípios.

             Princípios constitucionais expressos

             Como o presente trabalho tem como norte as normas constitucionais reguladoras da Administração Pública trataremos, no presente tópico, daqueles princípios expressamente previstos como reguladores da Administração Pública, previstos no caput do art. 37 da Constituição, a saber, Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência.

             Legalidade

             Trata-se do primeiro princípio elencado para a Administração Pública. Ainda que não se diga que por isso é o mais importante, certamente por outros fatores o será.

             Enquanto qualquer pessoa pode fazer tudo que a lei não lhe proíbe, para o administrador a regra é interpretada a contrario sensu, na medida em que este somente pode fazer o que a lei autorizar.

             Daí dizer-se que o Poder Executivo executa as leis.

             Rafael Munhoz de Melo traz importante lição acerca da importância do princípio da legalidade:

             "Como foi acima afirmado, ínsita à idéia de Estado de Direito é a de submissão dos entes estatais à lei. Com efeito, o Estado de Direito surge justamente no momento em que a observância da ordem jurídica torna-se obrigatória ao próprio Estado. Daí afirmarem os doutrinadores que o princípio da legalidade é a mais importante característica do Estado de Direito, ‘que o qualifica e que lhe dá identidade própria’. Trata-se, nas palavras de Brewer-Carías, da ‘construcción jurídica más importante Del Estado de derecho’.

             Sendo assim, a importância do princípio da legalidade para o direito administrativo é imensurável, pois tal ramo jurídico é, também, conseqüência do advento do Estado de Direito. De fato, antes da submissão do ente estatal à legalidade não havia que se falar em direito administrativo, ao menos no modo como a expressão é hoje entendida. Pode-se afirmar, assim, que o direito administrativo é fruto da Revolução Francesa, marco histórico que identifica o surgimento do Estado de Direito. Bem por isso anota o mestre português Sérvulo Correia. ‘Nos Estados cuja matriz emerge das idéias e instituições consagradas pela Revolução Francesa, a limitação do poder inspira, como categoria filosófica-juridica, os poderes constituintes, determinando a afirmação – expressa ou implícita – da legalidade nos textos constitucionais, como princípio regulador da conduta dos órgãos do mando’.

             Reza o princípio da legalidade que todos os órgãos estatais estão subordinados ao ordenamento jurídico. Legalidade não se confunde com lei, devendo ser entendida em sentido amplo, como ordem jurídica. De fato, há atividades estatais que se sujeitam tão-somente à Constituição, como a de governo; por outro lado, os órgãos administrativos devem observar também as normas infralegais, vedada que é a revogação singular dos regulamentos.

             No âmbito do direito administrativo o princípio da legalidade tem um sentido especial. De fato, significa não só que Administração Pública está submetida ao ordenamento jurídico, mas também que toda atividade administrativa deve estar autorizada por lei. Vale dizer, a atividade dos órgãos administrativos é infralegal, como já ensinava Otto Mayer no final do século XIX: ‘La Administración, desde su comienzo, ha sido contemplada como una actividad del Estado que se ejerce bajo la autoridad del orden jurídico que él debe establecer’.

             O princípio da legalidade impede que a Administração Pública atue sem que haja expressa permissão legal. Ou seja, não podem os órgãos administrativos agir sem lei prévia que autorize tal atuação; ‘administrar [é] aplicar a lei de ofício’, como bem sintetizou Seabra Fagundes em célebre passagem de sua obra.

             A atividade administrativa é marcada, portanto, pela submissão à lei. Destarte, a função administrativa é subordinada à função legislativa, como muito bem notou Renato Alessi, cuja lição merece transcrição: ‘l’ amministrazione, particolarmente perquanto concerne l’ attività di carattere giuridico, può fare soltando ciò che la legge consente’. No mesmo sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello: ‘Assim, o princípio da legalidade é o da completa submissão da Administração às leis. Esta deve tão-somente obedecê-las, cumpli-las, pô-las em prática. Daí que a atividade de todos os seus agentes, desde o que lhe ocupa a cúspide, isto é, o Presidente da República, até o mais modestos dos servidores, só pode ser a de dóceis, reverentes, obsequiosos cumpridores das disposições gerais fixadas pelo Poder Legislativo, pois esta é a posição que lhes compete no Direito brasileiro’.

             Enfim, a Administração Pública somente pode fazer aquilo que a lei permitir, ao contrário dos particulares, que podem fazer tudo que não lhes seja proibido por lei. Nas palavras de Hely Lopes Meirelles, ‘enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza’".

             Canotilho tece os seguintes comentários acerca do princípio da legalidade da Administração Pública:

             "A idéia da subordinação à lei dos titulares de órgãos, funcionários e agentes do Estado e demais pessoas colectivas públicas soa de um modo familiar ao cidadão comum. O sentido desta subordinação parece estar presente em fórmulas da linguagem corrente, tais como «o nosso governo é um governo de leis e não de homens», «ninguém está acima da lei», os «funcionários devem obedecer e executar a lei», as «leis fazem-se para se cumprirem». Estes enunciados nem sempre exprimem com rigor o significado da proeminência da lei no Estado de direito. Impõe-se, por isso, um breve aceno ao princípio da legalidade como princípio básico do Estado de direito.

             Comecemos por uma advertência. Não faremos uma digressão aprofundada em torno deste princípio, limitando-nos a salientar as dimensões básicas que ainda hoje se nos afiguram importantes. Por outro lado, também aqui o princípio da legalidade já não é o que era. A lei perdeu prestígio e importância. As razões são várias. Como atrás se salientou, as leis transportaram, por vezes, elas próprias os lenhos da injustiça e do não direito. Noutros casos, as leis enredaram-se na solução de casos concretos, perdendo as dimensões mágicas da generalidade e da abstracção. Acresce que, perante as derivas do legalismo estatal, as modernas constituições reivindicam o seu carácter de lei superior, vinculativo de todos os poderes do Estado, inclusivamente dos poderes que fazem as leis. A lei perde ainda proeminência no contexto de comunidades supranacionais e de fórmulas de organização jurídica assentes no princípio da auto-regulação. Numa palavra: a lei deixou de ser o princípio e o fim da ordem jurídica. Sendo assim, pergunta-se: terá sentido hoje falar do princípio da legalidade como um princípio básico do Estado de direito? A resposta é inequivocamente afirmativa. Vejamos porquê.

             A lei ocupa ainda um lugar privilegiado na estrutura do Estado de direito porque ela permanece como expressão da vontade comunitária veiculada através de órgãos representativos dotados de legitimação democrática directa. Por outras palavras: a lei emanada dos órgãos da sociedade – os parlamentos – converte-se ela própria em esquema político revelador das propostas de conformação jurídico-política aprovadas democraticamente por assembleias representativas democráticas. Quem não entender este significado da prevalência da lei pode fazer glosas sobre o Estado de direito, mas não sabe que é um Estado de direito democrático.

             A lei serve de fundamento ao exercício de outros poderes do Estado: «a administração deve obedecer à lei», «os tribunais estão sujeitos à lei». Neste sentido se afirma que o «poder vem da lei» e que não há exercício legítimo do poder público sem fundamento na lei. A refracção desta ideia no que respeita à administração do Estado e dos poderes regionais e locais consubstancia-se vulgarmente no princípio da legalidade da administração. Em termos meramente aproximativos, diz-se que toda a administração deve obedecer à lei, proibindo-se qualquer actividade «livre» ou juridicamente desvinculada. Conseqüentemente quaisquer actividades administrativas contra a lei violam o princípio da legalidade inerente a qualquer Estado de direito. Mas mais do que isso: a lei dá fundamento aos chamados poderes administrativos. Ilustremos esta ideia através do recorte de três poderes administrativos fundamentais: o poder regulamentar, o poder de polícia e o poder expropriatório. Não é qualquer autoridade que tem o poder de fazer regulamentos. Dos regulamentos urbanísticos aos regulamentos de serviço, passando pelos regulamentos de polícia, todo o poder regulamentar tem de estar baseado directamente na lei fundamental (a constituição) ou numa lei editada nos termos constitucionais. Do mesmo modo, não é qualquer órgão da administração que, a pretexto da salvaguarda da ordem e da tranqüilidade públicas, pode arrogar-se o poder de polícia. Este vem da lei que define quem tem poderes de polícia e individualiza as medidas de polícia. Finalmente, o poder de expropriar bens ou requisitar bens ou serviços perfilar-se-á como poder abusivo se não existir uma ou várias leis a regular o poder, a forma e os requisitos da expropriação ou da requisição".

             Impessoalidade

             Deve também o administrador público ser impessoal. Essa impessoalidade deve verificar-se em dois planos, em primeira e terceira pessoas.

             Significa dizer que o administrador, ao cuidar da coisa pública não deve atender aos seus interesses (impessoalidade em primeira pessoa). Também não deve fazer os negócio da máquina administrativa em favor de determinadas pessoas (impessoalidade em terceira pessoa).

             No dizer de Celso Antonio Bandeira de Melo, o princípio da impessoalidade "se traduz na idéia de que a Administração tem que tratar todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentos".Aduz ainda que "o princípio em causa não é senão o próprio princípio da isonomia".

             Moralidade

             No que respeita à improbidade administrativa o princípio da moralidade da Administração Pública tem salutar importância, vez que, como já mencionado, probidade, em última análise significa moralidade.

             Grandes são as digressões acerca desse princípio, vejamos alguns pontos de vista.

             É sabido que ao Judiciário é vedado imiscuir-se no mérito do ato administrativo. Ocorre que a moralidade é principio expresso na Constituição, destarte norma jurídica, cuja não observância dá ao Judiciário o poder de conhecer da questão.

             Nesse sentido, o ato administrativo discricionário que viole a moralidade pode ser objeto de ação do Judiciário, desde, é claro, que provocado para tal. Assim ensina José Augusto Delgado:

             "O controle da moralidade administrativa permite que o Poder Judiciário avalie e julgue o mérito do ato administrativo, com a finalidade de vedar ao administrador o abuso ou o desvio de poder, sob o estudo da discricionariedade e da não obrigação de motivar. É atividade que se identifica com a obrigação constitucional de controlar os limites da edição do ato administrativo. Este deve se apresentar para o administrado, expungido de abuso ou desvio, convergindo para a realização do interesse público. A transparência, a boa motivação, a definição clara, a coerência e a confiabilidade são requisitos indispensáveis com que devem se apresentar os atos administrativos. A não obediência a qualquer um desses requisitos submete-se ao controle da própria administração e ao Poder Judiciário. Este, utilizando-se de critérios que ostentam realidade com as necessidades dos administrados e que se apresentem razoáveis, pode corrigir qualquer fuga a tais requisitos que o agente público tenha cometido. O desempenho dessa tarefa é um poder-dever do Poder Judiciário. Exerce, em toda a sua plenitude, o controle da legalidade e da moralidade do atuar administrativo, extirpando do mérito do ato administrativo o que está o exorbitando ilegal e eticamente.

             Em suma, o Judiciário tem competência constitucional, do que se extrai do atua texto da Carta Magna, especialmente do art. 37, de anular atos administrativos mesmo discricionários, desde que se apresentem viciados por terem sido fundados em objeto desconforme, impossível ou ineficiente no tocante à sua eficácia e efetividade, em relação à finalidade pública. Igual tarefa lhe é exigida quando se deparar com atos administrativos que se sustentem em motivo inexistente, insuficiente, desproporcional, incompatível ou inadequado, se comparado com o conteúdo idôneo que deve possuir para que sejam atendidos os fins que a lei elegeu para a produção dos seus efeitos".

             Ubergue Ribeiro Júnior nos traz um amplo conceito do que seja moralidade administrativa:

             "Por todas essas razões, entendo que moralidade administrativa é o princípio que orienta, dentro de um Estado de Direito, o agente a dirigir suas decisões administrativas de forma legítima ao interesse público, fundando-se impreterivelmente na Lei e na Ética Administrativa, esta sim, extraída dos próprios quadros da administração, sem, contudo, olvidar os valores que estendem da Moral dos homens e tornam-se comuns à Moral Universal e ao Direito Natural, como forma de reconhecer, dentro do serviço público, e como um fator cultural preponderante, o fim maior a ser perseguido de tudo o que é bom e justo".

             Marçal Justen Filho nos traz a seguinte lição sobre o conteúdo jurídico do princípio da moralidade administrativa:

             "O princípio da moralidade pública, como se passa com todos os demais princípios, não tem existência autônoma e desvinculada do todo da Constituição. Mas há peculiaridade que diferencia o princípio da moralidade pública frente à quase totalidade dos demais princípios jurídicos. Trata-se da referência às vivências éticas predominantes na sociedade. O princípio da moralidade pública é, por assim dizer, um princípio jurídico ‘em branco’, o que significa que seu conteúdo não se exaure em comandos concretos e definidos, explícita ou implicitamente previstos no direito legislado. O princípio da moralidade pública contempla a determinação jurídica da observância de preceitos éticos produzidos pela sociedade, variáveis segundo as circunstâncias de cada caso.

             O princípio da moralidade pública não possui conteúdo normativo perfeito e acabado. Porém, isso não caracteriza defeito. Alias, muito pelo contrário. Como todos os princípios jurídicos, a moralidade pública se destina a disciplinar uma série indeterminada de situações, o que seria inviabilizado por uma construção fechada e exaustiva. A apuração do conteúdo jurídico do princípio da moralidade pública envolve, por isso, uma aproximação e uma dinâmica. Há um núcleo axiológico que produz desdobramentos mais ou menos indefinidos.

             A essência do princípio da moralidade pública consiste na invalidade de todos os atos praticados pelo Estado incompatíveis com a interpretação ética do sistema e das normas jurídicas (constitucionais ou não). Ou seja, as normas jurídicas (especialmente aquelas de hierarquia superior) apresentam abstração e generalidade que propicia incerteza quanto a seu conteúdo. Daí deriva a famosa consideração kelseniana, no sentido de que a norma jurídica é uma moldura a ser preenchida no momento de sua aplicação. Essa pluralidade de significados potenciais da norma jurídica encontra limites no sistema jurídico. Entre nós, o sistema jurídico-constitucional incorporou o princípio jurídico da moralidade pública. Por decorrência, o aplicador do Direito está obrigado a considerar também o fator ético – a moralidade pública – ao definir a interpretação cabível para determinado dispositivo normativo. Entre diversas interpretações possíveis – ou, mais precisamente, entre diversas condutas possíveis de ser validadas frente à Constituição –, o aplicador deverá optar por aquela conforme aos princípios jurídicos (inclusive ao princípio da moralidade pública). Enfim, não se conhece, frente à CF/88, uma solução eticamente reprovável, cuja adoção se fundasse em argumentos de técnica jurídica.

             O conteúdo jurídico do princípio da moralidade pública resulta da conjugação de dois conceitos básicos, que são a supremacia do interesse público e a boa-fé. A partir desse núcleo, agregam-se outras vivências consagradas eticamente".

             Sergio de Andréa Ferreira faz uma correlação entre o princípio da moralidade e as questões da improbidade administrativa:

             "No que toca, especificamente, aos agentes do Poder Público, destacam-se: (a) a afirmação do princípio da moralidade, a que está, segundo o art. 37, caput, submetida a Administração Pública; (b) a inserção, da moralidade administrativa, como bem jurídico tutelado através da ação popular, que nos termos do inciso LXXIII do art. 5º, cabe para anulação de ato a ela lesivo; (c) o estabelecimento da probidade na administração, de igual, como bem juridicamente, protegido, caracterizado o ato que atente contra a mesma como crime de responsabilidade do Presidente da República, no art. 85, V; (d) a cominação, no inciso V do art, 15 e no § 4º do art. 37, de sanções políticas, administrativas, civis e penais, para a prática de ‘atos de improbidade administrativa’, (e) a previsão, no art. 14, § 9º, do estabelecimento de casos e prazos de inelegibilidade, ‘a fim de proteger a probidade administrativa’ e ‘a moralidade para o exercício do mandato’; (f) a impugnabilidade, perante a Justiça Eleitoral, nos termos do disposto no § 10 do art. 14, do mesmo mandato eletivo, mediante comprovação de corrupção ou fraude; (g) a enumeração do decoro parlamentar, como valor com o qual o procedimento de Deputados e Senadores não deve, sob pena, segundo o art. 55, III, e § 1º, de perda do mandato, ser incompatível, incompatibilidade essa identificada em casos definidos no Regimento Interno Parlamentar, no abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional; ou na percepção de vantagens indevidas.".

             Para Caio Tácito a moralidade administrativa "tem como diretrizes o dever de boa administração, a preservação dos bons costumes e a noção de eqüidade no confronto entre o interesse público e o dos administrados".

             José Guilherme Giacomuzzi ensina que "a moralidade administrativa veiculada pelo art. 37 significa principalmente, pois, a boa-fé, ou a proteção da confiança, no Direito Público".

             Luiz Manoel Gomes Junior traça os parâmetros do princípio da moralidade:

             "Pelo Princípio da Moralidade Administrativa, deve o administrador guiar-se pela noção de moral, buscando na finalidade do ato administrativo o interesse público, de modo que o seu agir seja sempre guiado pelos parâmetros legais, almejando um resultado o mais satisfatório possível para a coletividade. Toda vez que tal finalidade – interesse público – não estiver sendo objetivada, não se pode ter como respeitado o Princípio da Moralidade Administrativa".

             Não é de hoje que a preocupação com o dever de honestidade permeia o universo jurídico. Já nos idos da década de sessenta tal preocupação se demonstrava nas palavras de Ovídio Bernardi ao salientar que: "A tutela jurídica é estabelecida (...) em prol da honestidade administrativa, e ainda da lícita aplicação dos dinheiros do povo".

             Poder-se-ia divagar por centenas de páginas acerca do princípio da moralidade administrativa, todavia, para que não nos estendamos demasiadamente, cabe apenas ratificar que ao administrador público impõe-se o dever de atuar dentro dos parâmetros da mais alta moralidade entendida esta dentro do conceito mais popular, vale dizer, administrando a res publica como se sua fosse.

             Publicidade

             Mais que um princípio da Administração Pública, a publicidade é um dever que se impõe a todos aqueles que atuam no Poder Público, na medida em que se faz mister o conhecimento dos atos administrativos por parte dos administrados, estes, em última análise, proprietários do patrimônio administrado.

             Seria uma utopia, mas nem deveria ser um dever imposto aos administradores, vez que, aquele que administra com presteza se orgulha do bom trabalho que faz, de maneira que se sentiria honrado em que todos soubessem do bom trabalho que desempenha.

             Mas infelizmente assim não o é. Ao contrário, a publicidade no direito administrativo se apresenta como mais uma das medidas com as quais se busca uma aferição da atuação do administrador para que não pratique atos atentatórios contra o interesse público.

             No dizer de Hely Lopes Meireles "Publicidade é a divulgação oficial do ato para conhecimento público e início de seus efeitos internos". Ressalta-se que tal obrigação não pode ser revertida para fins de promoção do agente público, como continua a ensinar Hely Lopes Meireles: "Como já mencionado, sob pena de lesar os princípios da finalidade e da moralidade, a publicidade não poderá caracterizar a promoção do agente público (CF, art. 37, § 1º)".

             Eficiência

             O princípio da eficiência foi o último a figurar dentre os princípios informadores da Administração Pública, constantes do caput do art. 37 da Constituição, passando a integrar o texto constitucional através da Emenda Constitucional n.º 19 de 4 de abril de 1998.

             Uma das mais importantes conseqüências da inclusão desse princípio foi a possibilidade de dispensa do servidor que negar-lhe observância, na medida em que anteriormente à sua existência, uma vez estável, não poderia ser dispensado a não ser que violasse um dever funcional.

             Isso, com o passar dos anos trouxe um péssimo estigma para o funcionalismo público, que passou a ser sinônimo de ineficiência e má vontade no atendimento do público, pois tais vícios não ensejavam dispensa.

             Com a inclusão do princípio da eficiência no texto constitucional duas conseqüências operaram de imediato na Administração Pública.

             Primeiro a possibilidade de o servidor estável ser dispensado quando não observar o dever de eficiência, ainda que não incorra em falta cominável com tal sanção consoante os ditames do estatuto que reja sua função.

             Ademais, criou-se mais um requisito para a aquisição da estabilidade, qual seja, o dever de eficiência durante o estágio probatório, aferível através de um parecer de comissão própria para tal finalidade. Essa comissão analisará o tempo de serviço do funcionário, que poderá não adquirir a estabilidade em caso de parecer negativo podendo então ser dispensado.

             Paulo Modesto nos traz o seguinte conceito do que seja o princípio da eficiência na Administração Pública, ressaltando que não só os agentes públicos estão sujeitos à sua eficácia:

             "Diante do que vem de ser dito, pode-se definir o princípio da eficiência como a exigência jurídica, imposta à administração pública e àqueles que lhe fazem, as vezes ou simplesmente recebem recursos públicos vinculados de subvenção ou fomento, de atuação idônea, econômica e satisfatória na realização das finalidades públicas que lhe forem confiadas por lei ou por ato ou contrato de direito público".

             Interessantes são os comentários feitos por Joel de Menezes Niebuhr acerca do princípio da eficiência na Administração Pública, os quais passamos a transcrever:

             "A eficiência é uma exigência social intrínseca a tudo o que se faça ou se pretenda fazer. A própria idéia de boa-fé refuta a construção ou a prática de atos concebidos para serem ineficientes.

             E assim o é com referência à atividade administrativa. Como visto, a razão de sua existência é a efetivação do bem comum, respaldando o interesse público. Não se erigiu todo o complexo arcabouço administrativo, com os vultosos ônus que lhe são inerentes, por efeito de capricho político ou para agasalhar vaidades pessoais.

             O que há de se frisar, e este constitui o papel fundamental do princípio da eficiência, é o caráter instrumental da Administração Pública. Ela não é um fim em si mesmo. Toda a sua ação é voltada e imprescindível à realização dos valores sociais que traduzem o bem comum, prestando serviços vinculados ao interesse público.

             O aparato administrativo foi criado como instrumento da coletividade e, para esse propósito, há de ser eficiente. É inaceitável que interesses corporativos se sobreponham ao interesse público. A Administração deve procurar excelência no interesse da Sociedade, que é a sua cliente-mor.

             Hely Lopes Meirelles, em atenção à eficiência, ‘exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional’. Por isso, Maria Sylvia Zanella Di Pietro pondera que o princípio ‘impõe ao agente público um modo de atuar que produza resultados favoráveis à consecução dos fins que cabe ao Estado alcançar’.

             Se a eficiência impõe que se produzam os fins esperados da atividade administrativa, impõe, como corolário, também a criação de meios para obtê-los. Aí reside a grande discussão concernente ao princípio. De nada adianta dizer que a Administração deve cumprir suas finalidades, constituindo-se em instrumento da Sociedade para lograr o bem comum, mas manter-se uma série de obstáculos ao seu bom desempenho. Objetivando alcançar a eficiência, inarredavelmente deve haver o aporte instrumental que propicie ao administrador exercer sua função de forma rápida e com mérito.

             Ademais, a demanda é agrava com a complexidade social contemporânea. São novos atores, novas tecnologias e novos conflitos de interesses que se erguem dia-a-dia em face da Administração. Para ser eficiente, portanto, é forçoso estar em interrupto processo de aperfeiçoamento, renovando-se e atuando com agilidade.

             Em virtude disso, à primeira vista, dessume-se que o princípio da eficiência exige da Administração Pública o abandono de garantias conferidas e conquistadas pelos entes privados e de formalidades delas decorrentes, que regem o manejo da coisa pública. O argumento é que elas (garantias e formalidades) vinculam a atividade administrativa de tal forma, que torna impossível ou inviável obter os resultados práticos que lhes são esperados.

             É claro que, com isso, há tendência a flexibilizar as normas administrativas, alargando o espectro da discricionariedade de seus agentes. Maximizam-se as prerrogativas da Administração, com o propósito de satisfazer os reclames da coletividade.

             No entanto, como acima delineado, os princípios não podem ser aplicados de maneira isolada e incontrastável. Sempre é necessário ponderá-los, tomando-os em conjunto mediante a razoabilidade. E esse método, antes de tudo, deve visualizá-los dentro das peculiaridades do ramo científico em que se enxertam.

             Desta sorte, percebendo a eficiência na dimensão administrativa, transparece que, junto à produção de resultados práticos, deve a Administração tratar todas as pessoas com eqüidade. Eis a própria garantia decorrente da indisponibilidade do interesse público, o que denota variada gama de princípios, como, verbi gratia, a isonomia, a legalidade, a moralidade e tantos outros.

             Em conseqüência, no altiplano da dimensão jurídica, deve a eficiência, na qualidade de princípio, ser ponderada em face de todos os seus pares, cujo conteúdo, salienta-se, expressa a eqüilidade.

             E essa ponderação tão-só será razoável se repelir a sobreposição de um princípio a outro. Em todas as hipóteses, o agente jurídico-administrativo deve equilibrar o conteúdo intelectivo e axiológico da eficiência e das proposições decorrentes da eqüilidade, para que, unidas, forneçam a resposta adequada aos anseios do interesse público. Esta conjunção não é contraditória e revela a pluralidade de valores que legitimam a Administração Pública.

             A verdadeira razão (princípio da razoabilidade) por meio da qual se deve pautar o agente jurídico-administrativo é aferida pela proporção (princípio da proporcionalidade) entre esses dois pólos. Ou seja, em tributo à eficiência, não se autoriza o desrespeito às garantias privadas e o desprezo às formalidades. No mesmo plano, por obséquio à isonomia, à legalidade e à moralidade, não se justificam formalismos despiciendos, que não guardem correlação lógica com o objetivo do ato a ser praticado.

             Inserido nesse contexto, o princípio da eficiência só pode ser conhecido em relação a todos os outros princípios imprescindíveis à configuração do interesse público. Ambos se limitam reciprocamente, ensejando moderação na administração daquilo que a todos pertence.

             Exigem-se resultados, mas que eles se façam acompanhar de uma conduta imparcial, que trate todos os entes privados com igualdade, que obedeça à lei e aos ditames da moral. Na hipótese contrária, a eficiência, em termos práticos, daria azo ao autoritarismo e à corrupção, atirando às calendas o bem comum.

             A percepção isolada e absoluta do princípio da eficiência é extremamente perigosa. Precisa-se reconhecer a variedade de discursos que espraiam pelo debate político e jurídico, cuja remissão à eficiência não passa de um recurso a flexibilizar e enfraquecer o regime jurídico-administrativo".

             Rosimeire Ventura Leite nos traz uma boa idéia dos fundamentos do princípio em cotejo:

             "A questão da eficiência parte da idéia de que há uma relação jurídica entre o Estado e os indivíduos, gerando direitos e obrigações recíprocas, de modo que à Administração cabe o cumprimento de seus deveres da forma mais eficiente possível, afim de atender aos interesses da sociedade e, em última análise, aos fins que justificam a existência do Estado, enquanto modalidade específica de organização social".

             Em síntese pode-se dizer que o princípio da eficiência é aquele segundo o qual o Poder Público tem a obrigação de prestar com máxima eficiência os serviços para os quais foi criado.

             Dessa maneira, não o fazendo estaremos diante de um ato de improbidade administrativa, é certo que somente em havendo outras peculiaridades como vontade em não ser eficiente, o que será tratado em momento oportuno.

             Princípios constitucionais implícitos

             A par dos princípios constantes no caput do art. 37 da Constituição encontram-se os chamados princípios constitucionais implícitos da Administração Pública.

             Se disséssemos que são criação doutrinária estaríamos negando-lhes sua anterior vigência, pelo que podemos dizer que foram elucidados pela doutrina ao estudar as regras constitucionais da Administração Pública como um todo.

             Supremacia do interesse público

             Eis um princípio de salutar importância. Em todos os atos do administrador público deverá ser buscado o interesse público.

             O Estado não é um fim e si mesmo, mas um instrumento para a consecução do bem estar social. Nesse sentido, no momento em que o administrador público retirar do seu norte de atuação o interesse público ele estará indo contra a finalidade para a qual o Estado é concebido.

             Ademais, consoante o princípio da supremacia do interesse público haverá situações em que, princípios serão mitigados em face do interesse público.

             Exemplo claro é a possibilidade de o direito à propriedade, consagrado pelo art. 5º, XXII, ser tolhido mediante interesse público, o que se verifica nos casos de desapropriação.

             De tal entendimento é paritário José Carlos Delgado, cuja lição transcrevemos:

             "A sua substância está na visão de que há de sempre preponderar o interesse público. Toda ação do agente público há de se voltar para a assegurar a ordem pública. Esta deve ser o principal fator de segurança das instituições, mesmo que o Estado tenha, para assegurá-la, de intervir na propriedade privada". (grifo nosso).

             Em síntese o princípio da supremacia do interesse público determina: toda vez que a Administração Pública estiver atuando nenhum interesse deverá se sobrepor ao bem social.

             Finalidade

             Basicamente pode-se dizer que o princípio da finalidade é aquele segundo o qual o administrador tem o dever de conduzir a máquina administrativa para que atinja o fim determinado em lei.

             Daí dizer-se que quando o administrador desvia da finalidade ele foge da legalidade.

             Salutar e sempre tranqüila é a lição de Celso Antônio Bandeira de Melo, cujo trecho transcrevemos:

             "Em rigor, o princípio da finalidade não é uma decorrência do princípio da legalidade. É mais do que isto: é uma inerência dele; está nele contido, pois corresponde à aplicação da lei tal qual é; ou seja, na conformidade de sua razão de ser, do objetivo em vista do qual foi editada. Por isso se pode dizer que tomar uma lei como suporte para a prática de ato desconforme com sua finalidade não é aplicar a lei; é desvirtuá-la; é burlar a lei sob o pretexto de cumpri-la. Daí porque os atos incursos neste vício – denominado ‘desvio de poder’ ou ‘desvio de finalidade’ – são nulos. Quem desatende ao fim legal desatende à própria lei".

             No mesmo sentido entende Adílson Abreu Dallari, que assim ensina:

             "Toda atividade administrativa tem caráter instrumental. O administrador público nunca age gratuitamente, mas, sim, sempre em função de um objetivo, qualificado pela lei como de interesse público, que deve ser atingido. O fim, e não a vontade, impulsiona a atividade administrativa pública.

             Não basta, portanto, demonstrar o fiel cumprimento da lei, no sentido da correção meramente formal do ato praticado. É imperioso demonstrar a aptidão do ato praticado para a realização concreta do valor contido no mandamento legal.

             Quando a autoridade age de maneira aparentemente lícita, exercendo uma competência da qual efetivamente é titular, mas para atingir finalidade diversa daquela apontada pelo sistema normativo, ocorre o que se denomina abuso ou desvio de poder.

             Tais figuras são as formas mais graves de ilegalidade, dado que, além da violação da lei (que poderia decorrer de simples erro de interpretação do texto), existe o embuste, o disfarce, o ânimo de burla, o propósito de cometer fraude".

             Por derradeiro pode-se afirmar que a importância do princípio da finalidade está no fato de que é este o princípio segundo o qual administrador tem de fazer com que o Estado desempenhe o fim para o qual foi criado, qual seja, o bem estar social.

             E isto se atrela à legalidade pelo fato de que é através da lei que o povo determina o que lhe é melhor.

             Razoabilidade

             É um princípio de extrema importância dada a discricionariedade conferida ao administrador público.

             Quando o agente público tem uma margem de decisão deve sempre pautar suas decisões segundo os critérios da razão. Não se trata de qualquer razão, ou de uma razão que se demonstre demasiadamente subjetiva, mas aquele conceito comum do que é racional e razoável.

             É certo que o Judiciário não está dentro da máquina administrativa, de modo que nem sempre poderá saber o que é razoável e racional para o caso concreto.

             Todavia haverá casos de tão patente inobservância do princípio da razoabilidade que poderá o ato ser invalidado com base no princípio sem se estar adentrando no mérito do ato administrativo.

             Sábias são as palavras de Afonso Rodrigues Queiró, citadas por Celso Antônio Bandeira de Melo em lição cujo trecho transcrevemos:

             "Sem embargo, o fato de não se poder saber qual seria a decisão ideal, cuja apreciação compete à esfera administrativa, não significa, entretanto, que não se possa reconhecer quando uma dada providência, seguramente, sobre não ser a melhor, não é sequer comportada na lei em face de uma dada hipótese. Ainda aqui cabe tirar dos magistrais escritos do mestre português Afonso Rodrigues Queiro a seguinte lição: ‘O fato de não se poder saber que uma coisa é não significa que não se possa saber o que ela não é’. Examinando o tema da discrição administrativa, o insigne administrativista observou que há casos em que ‘só se pode dizer o que no conceito não está abrangido, mas não o que ele compreenda’".

             Proporcionalidade

             O princípio da proporcionalidade impõe ao agente público que sua decisão seja proporcional ao fato ensejador da mesma.

             Hely Lopes Meireles, ao traçar um paralelo com o princípio da razoabilidade assevera:

             "A Lei 9.784/99 também prevê os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Assim, determina nos processos administrativos a observância do critério de ‘adequação entre os meios e fins’, cerne da razoabilidade, e veda a ‘imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público’, traduzindo aí o núcleo da noção de proporcionalidade (cf. art. 2º, parágrafo único, VI)".

             Motivação

             Consoante o princípio da motivação, todo e qualquer ato administrativo deverá ser motivado, sob pena de nulidade, e, por tratar-se de desrespeito a princípio da Administração Pública, caracterizar-se ato de improbidade administrativa, nos termos do art. 11 da lei 8.429/92.

             Maria Sylvia Zanella Di Pietro traz sintética lição sobre o princípio da motivação:

             "O princípio da motivação exige que a Administração Pública indique os fundamentos de fato e de direito de suas decisões. Ele está consagrado pela doutrina e pela jurisprudência, não havendo mais espaço para as velhas doutrinas que discutiam se a sua obrigatoriedade alcançava só os atos vinculados ou só os discricionários, ou se estavam presentes em ambas as categorias. A sua obrigatoriedade se justifica em qualquer tipo de ato, porque se trata de formalidade necessária para permitir o controle de legalidade dos atos administrativos".

             Os atos administrativos devem sempre ser motivados. Tal assertiva que se consubstancia em um princípio não é nada mais do que esperado daquele que administra a máquina (Estado) concebida com a finalidade precípua do bem comum.

             Nesse sentido, sempre que se tome uma decisão há a necessidade de que seja motivado, motivação esta com base no bem estar social.

Análise da Lei Federal n.º 8.429/92

             A Lei Federal n.º 8.429/92, denominada lei da improbidade administrativa é, em verdade, a coluna dorsal do presente trabalho. É graças a ela que o Ministério Público pode, nos dias de hoje, perseguir aqueles que atentam contra a coisa pública.

             Vejamos os traços dessa arma para a busca de um Estado justo e honesto.

             Antecedentes legislativos

             A preocupação com a probidade administrativa vem de séculos no ordenamento jurídico pátrio. Várias foram as tentativas de perseguir aqueles que lesam o patrimônio público.

             Uma das primeiras previsões de sanção àquele que praticasse ato que podemos conceituar domo de improbidade administrativa, foi o Decreto-Lei n.º 3.240/41 que previa o seqüestro de bens daquele que fosse condenado por crime do qual resultasse prejuízo à Fazenda Pública,.

             Em 1º de julho de 1957 surgiu a lei Pitombo-Godói Ilha (Lei n.º 3.164/57), que previa a possibilidade de o Ministério Público ou qualquer do povo ajuizar medidas cabíveis contra qualquer servidor público que tenha enriquecido ilicitamente; instituiu o registro público obrigatório de bens e valores dos servidores.

             Aos 21 de dezembro de 1958 surge Lei Bilac Pinto (Lei n.º 3.502/58) que previu o seqüestro e perdimento de bens daquele que tenha enriquecido ilicitamente por abuso do cargo, emprego ou função pública.

             O Lamentável AI-5 (Ato institucional n.º 5), editado em 13 de dezembro de 1968 deu poderes soberanos ao Presidente da República para suspender direitos políticos, cassar mandatos, e confiscar bens daqueles que tivessem enriquecido ilicitamente, o que, em 17 de dezembro do mesmo ano passou a ser embasado por uma investigação sumária efetuada por uma comissão no âmbito do Ministério da Justiça conforme o Dereto-Lei 359/68.

             O confisco previsto pelo AI-5 foi ampliado pelo Ato Complementar n.º 42 de 27 de janeiro de 1969, que passou a tipificar as atos de enriquecimento ilícito.

             O AI-14 (Ato Institucional n.º 14), de 5 de setembro de 1969 alterou o art. 150, § 11 da Constituição de 1967, passando a prever que o confisco e perdimento de bens somente ocorreriam nos casos previstos em lei, mantendo todas as demais normas estatuídas.

             Em 17 de outubro de 1969 foi editada a Emenda Constitucional n.º 1 que alterou novamente o art. 150, § 11 da Constituição de 1967 restringindo a possibilidade de confisco somente aos casos de guerra, não mais prevendo para a hipótese de enriquecimento ilícito.

             Finalmente em 13 de outubro de 1969 foram retirados do texto constitucional todas as previsões de confisco através da Emenda Constitucional n.º 11 que alterou novamente o art. 150, § 11 da Constituição de 1967.

             A lei da ação popular (Lei n.º 4.717/65) também prevê possibilidades de ação para a anulação ou declaração de nulidade de todos os atos atentatórios contra o patrimônio público.

             Por fim, em 2 de junho de 1992 surge a lei n.º 8.429, intitulada lei de improbidade administrativa, que passou a prever de forma sistemática os sujeitos dos atos de improbidade administrativa, as espécies de atos, respectivas sanções e procedimento, o que será analisado no decorrer do presente trabalho.

             Previsão constitucional

             Não há dúvidas que a principal previsão constitucional da lei 8.429/92 é o art. 37, § 4º, da Lei Maior, verbis.

             "Art. 37. Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível".

             Todavia não é a única previsão constitucional, na medida em que o dever de probidade pode ser entendido como o dever de todos aqueles que mantêm contato com o patrimônio público, de respeitarem as normas e princípios atinentes à Administração Pública.

             Assim pode-se concluir que a previsão constitucional da persecução da improbidade administrativa deriva de toda e qualquer norma constitucional que imponha princípios – e assim, regras – àqueles que tratam com a coisa pública, sem embargo de ser o art. 37, § 4º, sua previsão nuclear.

             Espécies de improbidade administrativa

             A lei de improbidade administrativa estabelece os atos que se consideram improbidade.

             Para tanto, usa como elemento diferenciador as conseqüências de tais atos, variando assim, as sanções cominadas para cada espécie.

             Os atos de improbidade administrativa dividem-se em atos que importem em enriquecimento ilícito; que causem prejuízo ao erário; e que atentem contra os princípios da Administração Pública.

             Aspecto que ainda não se encontra pacífico na doutrina é a questão da taxatividade ou não das hipóteses de atos de improbidade administrativa mencionadas nos artigos que tratam da matéria.

             José Nilo de Castro entende ser taxativo o rol:

             "A meu sentir, por se tratar de apenação civil – e severa, rigorosa, como se viu –, deverá set taxativo o elenco de atos tidos de improbidade administrativa, até para se satisfazer ao princípio constitucional de que nenhuma punição haverá sem previamente estar definida e prevista na lei, aplicável ao Direito Penal (art. 5º, XXXIX, da CR), que, por analogia, é extensível na esfera civil, quanto político-administrativa e administrativa".

             Outras posições se colocam em sentido contrário, v.g. a do Juiz de Direito Cristiano Álvares Valladares do Lago, para quem em quaisquer das hipóteses de improbidade administrativa o rol previsto em lei é exemplificativo.

             Atos que importem em enriquecimento ilícito

             É sabido que o ordenamento jurídico não corrobora com nenhuma forma de enriquecimento ilícito.

             No tocante à Administração Pública a reprovação é ainda maior, na medida em que não estamos falando em bens da pessoa, mas de coisas públicas.

             O art. 9º da Lei 8.429/92 estabelece os atos de improbidade administrativa que importem enriquecimento ilícito.

             Primeiramente cabe menção à exemplificatividade desse rol, como menciona Cristiano Álvares Valladares Do Lago: "O caráter exemplificativo de mencionadas hipóteses, decorre da interpretação literal, teleológica e sistemática da expressão notadamente que antecede o rol descrito pelo legislador".

             Entendimento com o qual concordamos e defendemos por dois motivos, a saber.

             A de pronto, como mencionado, o próprio caput do art. 9º traz a expressão notadamente, com a qual se infere ser possíveis outros casos de improbidade administrativa que importem em enriquecimento ilícito além daqueles mencionados na lei.

             Ao depois, a própria dicção do artigo mencionado nos leva a essa conclusão, pois menciona que se considera tal modalidade de improbidade administrativa toda conduta em que o agente público "auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida".

             Assim, sempre que houver recebimento de vantagem indevida por parte de qualquer que atue no Poder Público se estará diante de um ato de improbidade administrativa que importe em enriquecimento ilícito.

             Importante salientar que quatro elementos são essenciais para a configuração dessa modalidade de improbidade administrativa, quais sejam o enriquecimento do agente; que se trate de agente público nos termos do art. 1º da lei, ou terceiro que do ato se beneficie consoante arts. 3º e 6º; falta de causa que justifique recebimento da vantagem o recebimento de vantagem indevida; e a relação de causalidade entre a vantagem recebida e o exercício da função.

             Atos que causem prejuízo ao erário

             Não poderia ser diferente. Pode-se dizer que são os mais patentes casos de improbidade administrativa aqueles atos que causem prejuízo ao erário.

             Para essa finalidade pode-se entender erário como qualquer patrimônio, pecuniário ou não, pertencente ao Estado, encontrando-se em poder deste ou de terceiro, ou ainda aqueles valores repassados a terceiros sob qualquer forma de subvenção ou apoio Estatal.

             O caput do art. 10, que traz a previsão dessa modalidade de improbidade administrativa também traz a expressão notadamente pelo que entendemos aplicável todas as considerações retro aduzidas acerca da exemplificatividade do rol de condutas.

             Nesse sentido, toda vez que houver qualquer conduta de agente público causando lesão patrimonial ao Poder Público estaremos diante de um ato de improbidade administrativa.

             Podem ocorrer casos em que não haja efetiva perda patrimonial, mas, como pondera Marcelo Figueiredo, casos em que a conduta do agente "ocasione ‘malbaratamento’ dos haveres públicos, fruto de gestão ruim, agindo culposamente", casos em que haverá, lesão ao erário por conduta comissiva ou omissiva do agente, ainda que o nexo causal seja indireto.

             E segue o autor: "Exatamente por isso, é necessária a análise global do fato, e sua adequada punição, tendo sempre em mente a proporcionalidade das previsões e suas conseqüências".

             Em outro estudo, Marcelo Figueiredo lembra que existem "algumas condutas descritas na Lei de Improbidade que, por sua própria dicção normativa, poderiam ser invocadas na defesa dos valores protegidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal". Onde cita os incisos VI, VII, VIII, X e XI do art. 10 e incisos II e VI do art. 11 da lei 8.429/92.

             A doutrina também estabelece requisitos para a configuração dessa modalidade de ato de improbidade administrativa. Determina que há a necessidade de conduta ilegal do agente público; dano ao erário; conduta funcional dolosa ou culposa; e nexo causal entre o comportamento funcional e o dano patrimonial ao erário.

             Em que pese a lei fala em erário, há entendimentos segundo os quais a expressão não abarcaria toda a dimensão pretendida pelo legislador. Nesse sentido trazemos à colação salutar lição de Emerson Garcia:

             "Em rigor técnico, erário e patrimônio público não designam objetos idênticos, sendo este mais amplo do que aquele, abrangendo-o. Entende-se por erário o conjunto de bens e interesses de natureza econômico-financeira pertencentes ao Poder Público (rectius: União, Estados, Distrito Federal, Municípios, entidades da administração indireta e demais destinatários do dinheiro público previstos no art. 1º da Lei nº 8.429/92).

             Patrimônio público, por sua vez, é o conjunto de bens e interesses de natureza moral, econômica, estética, artística, histórica, ambiental e turística pertencentes ao Poder Público, conceito este extraído do art. 1º da Lei nº 4.717/65 e da dogmática contemporânea, que identifica a existência de um patrimônio moral do Poder Público, concepção esta que será melhor analisada no capítulo relativo à reparabilidade do dano moral.

             Uma primeira leitura do art. 10 da Lei nº 8.429/92 poderia conduzir à conclusão de que somente os atos causadores de prejuízo econômico poderiam ser ali enquadrados, pois o dispositivo é claro ao se referir aos atos que causem ‘lesão ao erário’. No entanto, não obstante o aparente êxito da interpretação literal, deve ser ela preterida pela utilização de critérios teleológico-sistemáticos de integração da norma.

             Nesta linha, observa-se que os conceitos de erário e patrimônio público não foram aplicados com rigor técnico pelo legislador, o que exige que seja perquirida a mens legis em razão da utilização indiscriminada de conceitos distintos e que possuem uma relação de continência entre si.

             No art. 1º da Lei nº 8.429/92, o vocábulo ‘erário’ é utilizado como substantivo designador das pessoas jurídicas que compõem a administração direta e indireta, contribuindo para a identificação do sujeito passivo dos atos de improbidade, podendo ser enquadradas sob tal epígrafe as entidade para as quais o ‘erário’ haja concorrido para a formação do patrimônio ou da receita anual, no percentual ali previsto. Assim, o vocábulo é utilizado para estender a possibilidade da aplicação das sanções legai àquele que pratique atos de improbidade em detrimento de pessoas jurídicas que não integram a administração direta ou indireta; o que, longe de excluir a possibilidade de lesão ao ‘patrimônio público’, atua como forma de extensão da proteção legal a situações ordinariamente não abrangidas pela integridade do conceito, já que adstritas ao plano econômico, daí falar-se em ‘contribuição do erário’ (rectius: contribuição das entidades que integram a administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios).

             O art. 5º, por sua vez, é expresso ao estatuir o dever de reparar o dano nas hipóteses de ‘lesão ao patrimônio público’, o que não pode ser restringido ao aspecto meramente econômico deste.

             O art. 7º estabelece o dever de a autoridade administrativa responsável pela condução do inquérito administrativo representar ao Ministério Público para a indisponibilidade dos bens do indiciado sempre que constate ‘lesão ao patrimônio público’.

             O art. 8º estatui a responsabilidade, até o limite do valor da herança, do sucessor ‘daquele que causar lesão ao patrimônio público’.

             O art. 10 fala em ‘lesão ao erário’ ‘que enseje perda patrimonial’, o que denota que não são noções excludentes, mas elementos designativos de noções diversas, versando a primeira sobre o sujeito passivo do ato de improbidade e a segunda a respeito do resultado deste. Não bastante isto, diversos incisos do art. 10 referem-se a patrimônio, noção eminentemente mais ampla do que erário.

             O art. 16 prevê a possibilidade de seqüestro dos bens do ímprobo ou do terceiro que tenha ‘causado dano ao patrimônio público’.

             O art. 17, § 2º, estabelece que a Fazenda Pública deve diligenciar no sentido de ajuizar ‘as ações necessárias à complementação do ressarcimento do patrimônio público’.

             Por derradeiro, de acordo com o art. 21, I, aplicação das sanções previstas na Lei nº 8.429/92 independe ‘da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público’.

             Como se vê, o sistema instituído pela Lei nº 8.429/92 não visa unicamente a proteger a parcela de natureza econômico-financeira do patrimônio público, sendo ampla e irrestrita a abordagem deste, o que exige uma proteção igualmente ampla e irrestrita, sem exclusões dissonantes do sistema.

             Afora a interpretação sistemática, afigura-se igualmente acolhedor o resultado de uma exegese teleológica. Neste sentido, a ratio do art. 10 da Lei nº 8.429/92 é clara: proteger o patrimônio (de natureza econômica ou não) das entidades mencionadas no art. 1º, sujeitando o agente cuja conduta se subsuma à tipologia legal às sanções do art. 12, II.

             Conseqüentemente, podem ser assentadas as seguintes conclusões: a) ao vocábulo erário, constante do art. 10, caput, da Lei nº 8.429/92, deve-se atribuir a função de elemento designativo dos entes elencados no art. 1º, vale dizer, dos sujeitos passivos dos atos de improbidade; b) a expressão perda patrimonial, também constante do referido dispositivo, alcança qualquer lesão causada ao patrimônio público, concebido este em sua inteireza.

             À guisa de ilustração, poder ser mencionadas is seguintes atos de improbidade praticados em detrimento do patrimônio público e que não têm natureza exclusivamente financeira: a) guarda florestal que permite o ingresso de terceiros em reserva florestal e a captura de animais em extinção (art. 10, I, da Lei nº 8.429/92); b) fiscal do IBAMA que deixa de apreender pássaros silvestres raros mantidos em cativeiro por particular sem a necessária autorização do órgão competente (art. 10, II, da Lei nº 8.429/92); c) Presidente da República que, em viagem ao exterior, doa a Pontífice estátua incorporada ao patrimônio histórico e cultural brasileiro (art. 10, III, da Lei nº 8.429/92); d) agente público que realiza a alienação, para fins de loteamento, de área que abriga sítio detento de reminiscências históricas dos antigos quilombos, afrontado o art. 216, § 5º, da Constituição (art. 10, IV, da Lei nº 8.429/92); e) agente público que permite a deterioração de prédio que abriga repartição pública e que se encontra tombado e incorporado ao patrimônio histórico e cultural (art. 10, X, da Lei nº 8.429/92) etc.

             Nos exemplos formulados, a analise da questão transcende o aspecto meramente financeiro, exigindo a utilização de parâmetros que permitam a correta individualização do dano causado, o que pressupõe a adoção da concepção de proteção ao patrimônio público em sua integridade.

             Em prevalecendo a exegese restritiva do art. 10 da Lei nº 8.429/92, diversas condutas dotadas de grande potencial lesivo ao interesse público ficariam à margem da lei, não sendo possível sequer a aplicação da tipologia prevista no art. 11 da Lei nº 8.429/92. Diversamente daquele, este dispositivo pressupõe um elemento subjetivo de natureza dolosa, não encampando os atos meramente culposos.

             Assim, entendendo-se que o art. 10 da Lei de Improbidade tem sua aplicação restrita à proteção do erário, sempre que a lesão ao patrimônio público resultar de um ato culposo e não apresentar um prejuízo econômico imediato, ter-se-á a manifesta impossibilidade de se aplicar ao agente um dos feixes de sanções cominados no art. 12, restando unicamente a possibilidade de reparação dos danos causados, o que há muito fora albergado pelo art. 159 do Código Civil.

             Ante a incongruência dessa solução, que culminaria com a concessão de um bill of indemnity aos atos de improbidade culposos e que causassem graves danos de natureza estética, artística, histórica, ambiental e turística ao interesse público, entendemos que a tutela legal deve ser ampla, abrangendo o patrimônio público em sua integridade".

             Atos que atentem contra os princípios da Administração Pública

             Também se consideram atos de improbidade administrativa aqueles que atentem contra os princípios da Administração Pública, nos termos do art. 11 da lei de improbidade administrativa.

             Saliente-se que se trata de regra subsidiária àquelas preceituadas nos artigos anteriores, os quais tipificam os atos de improbidade administrativa, na medida em que todos os atos que importem em enriquecimento ilícito e causem dano ao erário em última análise são atos que contrariam os princípios da Administração Pública, todavia serão punidos nos termos dos arts. 9º e 10 da lei 8.429/92 dada sua especialidade.

             Com isso, pode-se afirmar que se aplica o art. 11 da lei nas situações em que haja desrespeito a qualquer dos princípios da Administração Pública sem que ocorra dano ao erário ou enriquecimento ilícito.

             A doutrina é tranqüila em mencionar a exemplificatividade do rol determinado em lei. Primeiro pelo já estudado termo notadamente, que sugere incontestavelmente a exemplificatividade.

             Como se não bastasse, a exegese dos incisos do art. 11 leva ao entendimento de que se tratam de um resumo de todos os princípios informadores da Administração Pública.

             Ressalte-se que, como já salientado nesse trabalho, não há a menor necessidade de que os princípios de direito se encontrem positivados no ordenamento jurídico, pelo que se faz necessário o entendimento de que deverão ser tutelados pelo art. 11 da lei em comento, todos os atos que atentem contra os chamados princípios constitucionais implícitos da Administração Pública.

             Cabe aqui mencionar a questão da incidência do princípio da legalidade. Em que pese a prescrição do art. 11 da lei de improbidade administrativa, nem sempre, em caso de não observância da legalidade, será ensejador de improbidade administrativa, há a necessidade de que o agente público queira descumprir a lei, em que pese a determinação do art. 3º da LICC..

             Nesse sentido Pedro Paulo de Rezende Porto Filho, cujo trecho de salutar lição transcrevemos:

             "Generalizar toda conduta ilegal como improbidade administrativa seria ampliar a hipótese prescrita na Carta Magna, o que é vedado pelas regras de interpretação constitucional.

             Ímproba é a conduta que atenta contra a moralidade.

             A própria Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, não conceituou de modo preciso quais atos podem sr qualificados de ímprobos. O diploma somente institui três classes diferentes de improbidade administrativa, sem, contudo, defini-las. O art. 9º cuidou dos atos administrativos que importam enriquecimento ilícito; o art. 10, dos atos que causam prejuízos ao erário: e, por fim, o art. 11, dos atos que atentem contra os princípios da Administração pública.

             Como, estão, deve proceder o aplicador do direito para identificação do ato ímprobo? Nessa situação, deve-se não só verificar se o ato alcançou os resultados indicados na lei (arts. 9º e 10 da lei nº 8.429/92), mas também se o agente deliberadamente pretendeu violar o direito e alcançar resultados proibidos (art. 37, § 4º, da CF; art. 11 da Lei 8.429/92).

             A Constituição Federal (bem como a legislação infraconstitucional) é clara ao exigir como elemento do tipo improbidade administrativa a intenção de praticar uma ilegalidade. Elemento subjetivo é, portanto, requisito inafastável para tipificação da conduta punível.

             Em outras palavras, a vontade específica de violar a lei é requisito fundamental da imposição das pesadas sanções previstas na lei ora comentada.

             E segue o autor:

             "A intenção de fraudar a lei é indispensável. Fosse diferente, o acolhimento de qualquer mandado de segurança impetrado por particular, que pressupõe a ilegalidade do ato atacado, importaria o automático reconhecimento de existência de ato de improbidade, com sujeição da autoridade responsável pelo ato às sanções previstas na Lei nº 8.429/92.

             Um exemplo mais radical: também seria ato de improbidade, na visão estreita contestada, a ato de servidor que, desrespeito normas de trânsito, colidisse com outro veiculo, causando danos ao erário; a simples inobservância das normas de trânsito, aliás, já representaria ilegalidade, e, portanto, ato de improbidade.

             Interpretação dessa ordem levaria a uma conclusão absurda: o administrador público que se utilizasse de sua competência para anular seus próprios atos, se verificado vício de legalidade, estaria também confessando sua conduta como ímproba.

             É claro que não é esse o objetivo perseguido pela lei de improbidade administrativa, nem dos preceitos constitucionais que disciplinam a matéria.

             O que se quer é evitar prática de atos que atendem contra a moralidade administrativa e punir os agentes que a violem.

             Em resumo, a vontade do agente, o fim por ele almejado, é fundamental para a caracterização de ato de improbidade".

             Outra característica dos atos de improbidade administrativa que atentem contra os princípios da Administração Pública é a desnecessidade de conseqüência material, vale dizer, dano ou enriquecimento ilícito. Dois são os argumentos nesse sentido.

             O primeiro ponto é a já salientada subsidiariedade do dispositivo que em sendo interpretada a contrario sensu leva à conclusão de que somente se aplica quando não houver enriquecimento ilícito ou dano ao erário.

             Ademais, preceitua o art. 21, I que a aplicação das sanções "independe de dano", o que somente pode ser aplicado ao art. 11, vez que em havendo dano será punido na forma do art. 10.

             Sujeitos dos atos de improbidade administrativa

             Como toda conduta ilícita, a improbidade administrativa gera efeitos para dois pólos, quais sejam, os pólos ativo e passivo da conduta.

             Trata-se do estudo da sujeição do ato ilícito, que no caso em tela se faz estritamente necessário, pois, como se verá, várias peculiaridades gravitam em torno desse cerne.

             Uma exegese equivocada desses dispositivos poderia levar a um fim que não aquele buscado pela mens legis.

             Em um primeiro momento demonstra-se fácil a aferição dos sujeitos ativo e passivo dos atos de improbidade administrativa, como se poderia depreender da simples leitura dos arts. 1º a 3º da lei 8.429/92, todavia tal interpretação gramatical levaria a conclusões que certamente não atingiriam os fins colimados pelo legislador.

             No caso em tela, mister se faz uma interpretação sistêmica do conteúdo normativo, só assim se atingindo o objetivo buscado, como se verá.

             Sujeito passivo

             Estudar a sujeição passiva dos atos de improbidade administrativa importa saber quais os entes ou pessoas jurídicas, sejam de direito público ou privado, passíveis de sofrerem tais atos.

             A importância desse estudo se dá pelo fato de que somente estaremos diante de um ato de improbidade administrativa quando o sujeito passivo se encontrar no rol previsto em lei, é dizer, "a identificação do sujeito passivo deve preceder à própria análise da condição do agente, pois somente serão considerados atos de improbidade, para os fins da Lei n.º 8.429/92" aqueles praticados contra as pessoas nela previstas.

             Tal tarefa, por mais que possa parecer simples, não o é, porquanto a lei abre possibilidades que em uma primeira leitura podem passar despercebidas, de modo a estar sendo lesada a probidade administrativa sem que se tenha a cominação de sanções, ou ainda sem o efetivo processamento dos agentes.

             Administração Pública

             O primeiro sujeito passivo que se pode observar não poderia deixar de ser a Administração Pública, direta ou indireta, como preceitua o art. 1º da Lei em comento.

             Aqui cabe uma observação, no que tange à técnica textual da disposição normativa.

             Diz a lei em seu art. 1º que é agente passivo das condutas de improbidade administrativa "a administração direta, indireta ou fundacional".

             A doutrina já se firmou no sentido de serem as fundações mantidas pelo Poder Público, entidades da Administração Pública indireta, ao lado das autarquias e empresas estatais, tema sobre o qual não cabem mais quaisquer discussões depois do advento da Emenda Constitucional n.º 19/98, que retirou do caput do art. 37 da CF/1988 a expressão fundações.

             Vencida a ressalva, passemos a dissecar a disposição em tela, e, quanto a esta, preceitua a lei serão sujeitos passivos dos atos de improbidade administrativa tanto a administração direta, como a indireta.

             Os conceitos de administração direta e indireta nos são dados pelo próprio ordenamento jurídico, que no art. 4º, do Decreto-Lei 200/67, define administração direta como aquela "que se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios".

             Determina o dispositivo que administração indireta é aquela "que compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria: a) Autarquias; b) Empresas Públicas; c) Sociedades de Economia Mista; d) Fundações Públicas", sendo esta última categoria acrescentada pela Lei n.º 7.596/87.

             De insuficiente abrangência seria a conceituação legal do que seja administração direta e indireta, não fosse o complemento trazido na Lei 8.429/92, que estende este conceito, para o fim de caracterização de sujeição passiva dos atos de improbidade administrativa, a qualquer dos Poderes da União, Estados, Distrito Federal, Municípios e Territórios.

             Caso fosse seguida a determinação do Decreto-Lei 200/67 teríamos que somente se enquadraria no conceito de sujeito passivo de ato de improbidade administrativa o Poder Executivo da União.

             Portanto, serão atos de improbidade administrativa quaisquer condutas que se enquadrem nas previstas em lei, sejam essas condutas praticadas em detrimento do Poder Executivo, Legislativo ou Judiciário seja da União dos Estados ou dos Territórios (estes, caso venham a existir), ou dos Poderes Executivo e Legislativo do Distrito Federal e dos Municípios (já que ambos não possuem Poder Judiciário).

             Após a prevenção com relação à Administração Pública em si, a lei protege os recursos oriundos dos cofres públicos transferidos para entidades privadas, quando determina que inclui-se na referida sujeição passiva "empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual".

             A primeira previsão, deriva da natureza jurídica das empresas públicas e sociedades de economia mista, que são submetidas ao regime jurídico de pessoa jurídica de direito privado, ex vi do art. 235 da Lei n.º 6.404/76, que em seu art. 227 prevê a possibilidade de incorporação de sociedades, de sorte a lhe suceder em todos os direitos e obrigações.

             Nesse sentido, todas as condutas previstas pela Lei de Improbidade, praticadas por funcionários da empresa incorporada, serão assim consideradas a partir do momento em que se efetivar a referida incorporação.

             Na mesma esteira encontramos a determinação seguinte que também se refere às sociedades de economia mista, em que o erário público sempre concorre com mais de 50% do patrimônio ou receita anual.

             Disposição que causa divergência é aquela atinente ao parágrafo único do art. 1º, que enquadra como sujeito passivo as entidades que recebam subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como aquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual.

             O problema é de ordem gramatical, pois o parágrafo único do art. 1º poderia levar a duas exegeses, a saber.

             A expressão "nesses casos" contida na parte final do texto mencionado pode pretender determinar que a limitação das sanções se aplica somente aos casos elencados depois da expressão "bem como". Por outro lado pode-se entender que a limitação se aplicaria a todo o parágrafo.

             Nesse ponto parece não haver divergência doutrinária, sendo tranqüilo o entendimento segundo o qual a limitação das sanções realmente se aplica às entidades mencionadas no parágrafo inteiro.

             Em que pese a pacificidade doutrinária entendemos necessária uma breve reflexão sobre a norma.

             A expressão "nesses casos" gramaticalmente falando refere-se somente aos casos mencionados em suas proximidades, o que levaria à conclusão de que a limitação das sanções somente se aplicaria às pessoas elencadas após a expressão "bem como".

             Não fosse pela disposição inicial do parágrafo, que muda toda a interpretação do mesmo, pois ao determinar que os atos de improbidade são os praticados contra "o patrimônio" dessas entidades, nos leva a interpretar de modo a estabelecer a limitação a todas as entidades ali referidas.

             Isso se dá pelo fato de a limitação ser justamente referente "à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos".

             Problema que realmente causa divergência doutrinária não é aquele atinente a quais casos de sujeitos passivos se limitam as sanções, mas justamente a limitação das sanções. Qual sua abrangência, o que pretendeu o legislador?

             Vejamos o problema.

             O parágrafo único do art. 1º da lei de improbidade administrativa determina que nos casos ali elencados a sanção se limita à repercussão da conduta sobre o patrimônio público, o que redunda em dois entendimentos.

             Para Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves:

             "Nesses casos, ainda que a conduta se enquadre na tipologia dos arts. 9º (enriquecimento ilícito) e 11 (violação aos princípios administrativos) da Lei n.º 8.429/92, o agente não estará sujeito às penalidades previstas nessa Lei em não tendo sido o ato praticado contra o patrimônio de tais entes; acrescendo-se que, ocorrendo o dano, a sanção patrimonial será limitada ‘à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos’ (art. 1º, parágrafo único in fine), o que acarretará a necessidade de a pessoa jurídica lesada postular, pela via própria, o integral ressarcimento do dano".

             Tais ensinamentos poderiam levar à conclusão de que somente se aplicaria a sanção patrimonial a esses casos, o que certamente não representa a mens legis, na medida em que a lei vincula a limitação da sanção ao ataque sobre o fomento público, em nenhum momento dizendo que não são aplicáveis as outras sanções previstas na lei.

             Observe-se que nesses casos as demais sanções também deverão ser proporcionais à repercussão da conduta sobre a res publica.

             Paritário desse entendimento é o professor Wallace Paiva Martins Júnior:

             "A disposição contida no parágrafo único do art. 1º, in fine, mostra, todavia, que a incidência da legislação comentada é limitada ao percentual da contribuição emanado dos cofres públicos nas entidades privadas ali tratadas. Não se pense, afoitamente, que, havendo improbidade administrativa nessas entidades, a única penalidade cabível, nos termos da lei, será o ressarcimento do dano. Nada autoriza essa conclusão, pois o que a lei explicita é a limitação da sua incidência à proporcionalidade do fomento público investido, sem embargo da incidência das demais sanções".

             Assim temos que em havendo um ato de improbidade administrativa a essas entidades a sanção será proporcional ao dano ocorrido ao patrimônio público sem, contudo, querer dizer-se que não serão aplicadas outras espécies de sanções cabíveis. Sim o serão, mas sempre tendo como elemento de dosimetria o dano causado à res publica.

             Para resumir transcrevemos salutar lição prolatada em acórdão do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, cuja concisão, objetividade e abrangência são marcas peculiares de pessoas de tão alta sapiência.

             "Nos termos do art. 1º da Lei Federal n.º 8.429, de 1992, onde houver um único centavo em dinheiro público envolvido, a lei terá incidência, independentemente da entidade exercer atividade de natureza pública ou privada"

             Sujeito ativo

             Vejamos agora quem pratica atos de improbidade administrativa.

             Para efeitos da lei de improbidade administrativa poderão ser sujeitos ativos das condutas nela previstas, qualquer agente público e terceiros que induzam ou concorram aos atos de improbidade administrativa bem como dele se beneficiem. Tais disposições se encontram nos arts. 2º e 3º da lei.

             Agentes públicos

             A lei de improbidade administrativa traz no seu art. 2º o que se considera agente público para seus efeitos, determinando que considera-se agente público, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função em qualquer das entidades do art. 1º.

             Sobre esse tema não há que se fazer muitas elucubrações, na medida em que deve-se ser considerado agente público todo aquele que atue no Poder Público.

             Agentes públicos parlamentares e judiciais

             Em relação aos agentes públicos judiciais, bem como aos membros do Ministério Público não há qualquer dúvida que possam ser sujeitos ativos de atos de improbidade administrativa e, com isso, sofrerem as sanções previstas em lei.

             Isto já não ocorre com os agentes políticos, aos quais são conferidas certas prerrogativas, como ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

             "Quanto aos agentes políticos, cabem algumas ressalvas, por gozarem, algumas categorias, de prerrogativas especiais que protegem o exercício do mandato.

             É o caso, em primeiro lugar, dos Parlamentares que têm asseguradas a inviolabilidade por sua opiniões, palavras e votos e a imunidade parlamentar.

             A inviolabilidade está assegurada no artigo 53 da Constituição, segundo o qual ‘os Deputados e Senadores são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos’. A mesma garantia é assegurada aos Deputados estaduais, pelo artigo 24, § 1º, e, ao Vereadores, pelo artigo 29, VIII, este último limitando a inviolabilidade à circunscrição do Município.

             A inviolabilidade, também chamada de imunidade material, impede a responsabilização civil, criminal, administrativa ou política do parlamentar pelos chamados crimes de opinião, de que constituem exemplos os crimes contra a honra. Fala-se em imunidade material, porque, embora ocorra o fato típico descrito na lei penal, a Constituição exclui a ocorrência do crime.

             Assim, se algum parlamentar, de qualquer dos níveis, de governo, praticar, no exercício do mandato, ato que pudesse ser considerado crime de opinião, sua responsabilidade estará afastada, nas áreas criminal, civil e administrativa, não podendo aplicar-se a lei de improbidade administrativa.

             Além disso, os Senadores e Deputados Federais gozam da chamada imunidade parlamentar, que decorre dos §§ 2º e 3º do artigo 53, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001. A mesma prerrogativa é estendida aos Deputados estaduais pelo artigo 27, § 1º, da Constituição Federal, nas apenas em leis orgânicas municipais, o que não é suficiente para impedir a aplicação de normas constitucionais, como as que se referem à improbidade administrativa.

             A imunidade parlamentar, no entanto, somente se refere à responsabilidade criminal. Como a improbidade administrativa não constitui crime, não há impedimento a que a lei seja aplicada aos parlamentares.

             No entanto, não pode ser aplicada a sanção de perda da função pública, que implicaria a perda do mandato, porque essa medida é de competência da Câmara dos Deputados ou do Senado, conforme o caso, tal como previsto no artigo 55 da Constituição. Mas o artigo 15, inciso V, da Constituição inclui ente as hipóteses de perda ou suspensão dos direitos políticos a ‘improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º’. Assim, nada impede que se imponha a pena de suspensão dos direitos políticos ao Deputado Federal ou ao Senador, em ação civil por improbidade administrativa. Nesse caso, a perda do mandato será ‘declarada pela Mesa da Casa respectiva, de oficio ou mediante provocação de qualquer de seus membros ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa’ (conforme art. 55, § 3º, da Constituição).

             A mesma conclusão aplica-se aos Deputados Estaduais, por força do artigo 27, § 1º, da Constituição. Para os Vereadores não existe norma semelhante na Constituição Federal, podendo aplicar-se inclusive pena de perda da função pública.

             Questão bastante tormentosa é a que diz respeito à possibilidade de propositura de ação de improbidade, com aplicação de todas as penalidades, inclusive a de perda do cargo, para as autoridades referidas no artigo 52, I e II, da Constituição. Esse dispositivo outorga competência privativa ao Senado Federal para: ‘I – processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade e os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles; II – processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, o Procurador Geral da República e o Advogado Geral da União nos crimes de responsabilidade’ (redação dada pela Emenda Constitucional nº 23, de 2-9-99).

             Pelo parágrafo único do mesmo dispositivo, ‘nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por 2/3 dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por 8 anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis’.

             Nos crimes comuns, essas autoridades são julgadas pelo STF (art. 102, I).

             O artigo 52 retirou do Poder Judiciário a competência para o julgamento dos crimes de responsabilidade praticados pelas autoridades nele referidas, imprimindo natureza nitidamente política ao julgamento, que poderá resultar em perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública. A conclusão mais simples, que decorre de uma interpretação puramente literal, seria no sentido de que o dispositivo somente se refere aos crimes de responsabilidade. Como os tos de improbidade nem sempre correspondem a ilícitos penais, a competência para processar e julgar referidas autoridades por tais atos estaria inteiramente fora do alcance do artigo 52.

             No entanto, partindo da idéia de que os dispositivos da Constituição têm que ser interpretados de forma harmoniosa, sistemática, de modo que não leve a conclusões contraditórias, é necessário deixar de lado a interpretação puramente literal. O legislador constituinte certamente teve por objetivo impedir que os crimes praticados por autoridades de tão alto nível, podendo levar à perda do cargo, fossem julgados por autoridade outra que não o STF (para os crimes comuns) e o Senado Federal (para os crimes de responsabilidade). Não teria sentido que essa mesma pena de perda do cargo, em caso de improbidade que não caracterize crime, pudesse resultar em perda do cargo imposta por outra autoridade de nível inferior. Seria absurdo que o crime de responsabilidade (que constitui ilícito mais grave) tenha competência privilegiada para julgamento e aplicação da pena de perda do cargo, e o ato de improbidade (que pode ser ilícito menos grave, porque nem sempre constitui crime) pudesse resultar também a perda do cargo imposta por outro órgão que não o Senado Federal.

             Isso não significa que as tais autoridades não se aplique a lei de improbidade administrativa. Ela aplica-se de forma limitada, porque não pode resultar em aplicação de pena de perda do cargo. Essa conclusão resulta muito clara do parágrafo único do artigo 52, que limita a competência do Senado à aplicação da pena de perda do cargo com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, ‘sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis’. Vale dizer: sem prejuízo de sanções outras, como as que decorrem da prática de crime comum ou de ilícitos civis, como ocorre com a improbidade administrativa.

             Na prática, o que ocorre é o seguinte: se o ato de improbidade que ensejar a propositura da ação de improbidade corresponder a crime, caberá a instauração concomitante do processo criminal perante o STF ou o Senado Federal, conforme o caso, para a apuração da responsabilidade criminal. Mas a ação de improbidade poderá ser processada com vista em apuração da responsabilidade e aplicação das demais sanções que não implicam a perda do cargo.

             Note-se que, em relação ao Presidente da República, o artigo 85, V, da Constituição, inclui entre os crimes de responsabilidade os que atentem contra a probidade na administração. E a Lei nº 1.079/50, ao definir os crimes de responsabilidade, utiliza conceitos indeterminados para definir tais crimes; para todas as categorias de agentes abrangidos pela lei, constitui crime de responsabilidade ‘proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo’ (arts. 9º, item 7, 39, item 5, 40, item 4).

             A mesma garantia, para a perda do cargo, não é outorgada, pela Constituição Federal, aos Governadores e ao Prefeitos, razão pela qual a eles se aplica, em sua inteireza, a lei de improbidade administrativa. Ainda que a legislação infraconstitucional ou as Constituições Estaduais prevejam competência do Poder Legislativo para julgamento dos crimes de responsabilidade, tais normas não têm o alcance de afastar a incidência do artigo 37, § 4º, da Constituição Federal".

             Terceiros

             Nos termos do art. 3º da lei de improbidade administrativa aquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta estará sujeito às sanções nela previstas no que couber.

             A expressão no que couber refere-se à impossibilidade de aquele que não é agente público sofrer sanção típica desde, a exemplo, a pena de perda da função pública.

             A responsabilidade por atos de improbidade administrativa

             A teoria da responsabilidade objetiva, largamente utilizada pela lei 8.078/90, em que, para a caracterização do dever de indenizar prescinde-se de dolo ou culpa vem tomando corpo nas últimas décadas. Nesse sentido encontra-se positivada pelo Novo CC (Lei n.º 10.406/2002).

             Com isso, surge a indagação: Tal teoria teria aplicabilidade em de tratando de improbidade administrativa?

             A resposta talvez seja o tema mais tormentoso do presente trabalho. Não temos a pretensão de respondê-la, apenas mencionando opiniões a respeito.

             Para Gianpaolo Poggio Smarino "a responsabilidade será sempre subjetiva, dependendo da existência do dolo ou da culpa na ação do agente público".

             No mesmo diapasão Sérgio Sérvulo da Cunha entendendo que se não há culpa do agente público não se pode responsabilizá-lo pelo ato de improbidade administrativa.

             Com outra visão, destacamos Luiz Fabião Guasque, para quem, essa regra não é tão absoluta assim:

             "A inobservância ao dever, se dolosa ou culposa, determinará tipicidade às hipóteses do art. 10 da lei, para o caso de prejuízo ao erário.

             Mas, outras formas de atuar comissivo ou omissivo fundadas em dever jurídico, de responsabilidade objetiva, e estranhas a análise sobre a vontade do agente, estão discriminadas de forma genérica no art. 9º e no caput do art. 11 e seus incisos.

             No art. 9º, VII, a tipicidade engloba todas as outras, pois a lei determina esta responsabilidade objetiva do agente que, no exercício de função pública, adquire bens de valor desproporcional à sua renda.

             Aqui, como nas demais hipóteses, a responsabilidade é análoga e objetiva do Estado de que trata o § 6º do art. 37 da CR onde, existindo nexo entre o dano e a atuação do Poder Público haverá o dever de indenizar.

             No caso do agente público, há uma presunção de responsabilidade se existir nexo de incompatibilidade entre o patrimônio e a renda auferida no exercício do cargo. O dano é presumido com a constatação da variação patrimonial injustificada. Por via de conseqüência, há inversão no ônus da prova, devendo o agente justificar a origem para escapar à sanção do art. 12, I da lei.

             Note-se, que nesta espécie de responsabilidade, não se fala em dolo ou culpa, ou melhor, não há necessidade de aferição de vontade no ato que dá origem à sanção da lei.

             Nos casos de atuação dolosa ou culposa, a responsabilidade da lei terá nexo subjetivo com o ato de vontade causador do dano. Na de que tratam os arts. 9º e 11, e em especial a do n. VII do primeiro, ela decorre da inobservância de um dever jurídico criado pela Constituição, e independe da vontade de qualquer pessoa. Neste caso, ao agente público é conferido o dever de praticar atos em prol do interesse da maioria sem que esta atividade, comissiva ou omissiva, determine a ampliação de seu patrimônio pessoal, além do limite que lhe possibilita a contraprestação de seu trabalho pelos cofres públicos.

             É tipo de responsabilidade, que por sua natureza objetiva, também se assemelha a contratual. Esta, o estabelecimento de direitos e correspondentes obrigações, determina a simples ocorrência do dever de indenizar pelo descumprimento. Não se perquire dolo ou culpa, apenas a não observância do pactuado. Na de que trata a lei de enriquecimento ilícito, apenas se constata objetivamente se ocorreram qualquer das hipóteses dos incisos dos arts. 9º e 11 e no caso do n. VII, se houve variação patrimonial incompatível com os vencimentos. Evidenciada tal situação, o desvio de finalidade no dever de probidade administrativa é presumido e implica na necessidade de comprovação de origem do patrimônio".

             O tema da responsabilidade objetiva ainda tem que ser largamente debatido para que, movido por uma comoção social, não se pratiquem arbitrariedades ou injustiças. Assim também se demonstra a questão da inversão do ônus da prova, a qual, ainda que uma forte arma para a acusação, tem menos força do que a responsabilidade objetiva.

             Os mais serenos rumos deverão ser traçados pela jurisprudência, de quem esperamos a sempre firme posição.

             A par da espécie a ser futuramente adotada pela doutrina e jurisprudência, deve-se observar a real necessidade de procedimentos persecutórios, na medida em que não se pode punir um ato formalmente ímprobo, mas que não o seja de forma material. Explicamos.

             Haverá casos em que deverá ser observado o princípio da proporcionalidade para que não se movimente a maquina administrativa e judicial para punir com todas as severas sanções que a lei 8.429/92 prevê, aquele agente púbico que utilizou-se de uma folha de papel de sua repartição para fazer anotações particulares.

             Nesse sentido Fábio Medina Osório destaca: "A proporcionalidade é de ser aferida a partir da análise global e contextualizada do comportamento, verificando-se, fundamentalmente, o grau de reprovabilidade incidente à conduta proibida".

             A responsabilidade dos sucessores

             Os sucessores dos agentes ímprobos respondem nos termos do art. 8º da lei de improbidade administrativa.

             À redação falta técnica, na medida em que permite dúvida concernente à espécie de sanção aplicável nesses casos.

             Pela dicção do artigo pode-se entender que o sucessor estaria sujeito a todas as sanções cominadas ao agente ímprobo, tendo como medida o valor da herança. Essa não é a interpretação que deve ser dada.

             Trata-se, não de sujeição às cominações, mas sim responsabilidade patrimonial a qual nem precisaria constar da lei de improbidade administrativa, na medida em que decorre da própria lei civil.

             Consoante o art. 1.792 que trata do direito das sucessões, o herdeiro reponde na medida das forças da herança, pelas dividas deixadas pelo de cujus.

             Nesse diapasão, em havendo uma condenação por ato de improbidade administrativa que importe em enriquecimento ilícito ou prejuízo ao erário, responderá o herdeiro pela reparação dos danos, na media do que herdou.

             Tal interpretação decorre nada mais do que da própria Constituição, que em seu art. 5º, XLV determina que a pena é pessoal, mas a reparação de eventuais danos pode passar para os sucessores, todavia, somente na medida do que estes herdaram.

             A esse respeito disserta com muita propriedade Emerson Garcia:

             "Para que seja afastada qualquer incompatibilidade com o texto constitucional, ao art. 8º da Lei nº 8.429/92 deve ser dispensada interpretação conforme a Constituição, já que sua interpretação literal culminaria em sujeitar o sucessor do ímprobo a todas as cominações da lei, havendo, como único limite, o valor da herança para aquelas de natureza patrimonial. Evidentemente, aquelas sanções que acarretem restrições aos direitos diretamente relacionados à pessoa do ímprobo não poderão ser transmitidas aos seus herdeiros, o que limita a aplicabilidade do dispositivo àquelas de natureza patrimonial, conclusão esta, aliás, em perfeita harmonia com a sua parte final.

             Com efeito, de acordo com o art. 5º, XLV, da CR/88, "nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido". Em que pese não se referir o texto constitucional à multa, tal não tem o condão de excluir sua transmissibilidade aos sucessores quando sua aplicação resultar da prática de um ato de improbidade.

             Se não vejamos: a) a posição topográfica do inciso XLV do art. 5º denota claramente que ele se refere à pena aplicada em virtude da prática de uma infração penal, o que é robustecido pela nomenclatura utilizada (pena e condenado); b) a não-transmissibilidade da multa pena não pode ser utilizada como paradigma, pois as sanções penais, quaisquer que sejam elas, são eminentemente pessoais; c) a multa cominada ao ímprobo tem natureza cível, o que deflui da nomenclatura empregada a da própria natureza jurídica das sanções previstas no art. 12 da Lei nº 8.429/92; d) tendo natureza cível e não sendo consectário de uma infração penal, eventual multa aplicada deve ser adimplida com o patrimônio deixado pelo ímprobo, o que revela-se consentâneo com o princípio de que o patrimônio do devedor responde por sua dívidas (art. 1.518 do CC); e) a sanção aplicada não recairá sobre a pessoa do herdeiro, e sim sobre o patrimônio deixado pelo de cujus; f) o art. 8º da Lei nº 8.429/92 é expresso no sentido de que os sucessores do ímprobo estão sujeitos às cominações da Lei até o limite do valor da herança, o que também denota que somente são transmitidas aquelas de natureza patrimonial; g) guarda grande similitude com a espécie o tratamento legal e doutrinário dispensado às penalidades pecuniárias resultantes do descumprimento da legislação tributária, que também têm natureza sancionatória e às quais é reconhecida a natureza de obrigação tributária principal, sendo transmissíveis aos sucessores do de cujus, e h) no âmbito da legislação civil, as cláusulas penais, verdadeiras penalidades aplicadas ao contratante que deixar de cumprir, ou apenas retardar, a obrigação que assumira, são induvidosamente transmissíveis aos seus herdeiros.

             No que concerne às demais sanções cominadas no art. 12 – perda da função pública, suspensão dos direitos políticos e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais – que atingem a própria pessoa do ímprobo, não serão elas passíveis de transmissão aos sucessores, o que deflui da própria sistemática legal e constitucional.

             Ante a natureza jurídica das sanções pecuniárias, ainda que o ímprobo tenha falecido, será possível a instauração de relação processual para a perquirição dos ilícitos praticados e eventual aplicação das sanções, sendo o pólo passivo composto pelo espólio ou pelos sucessores do ímprobo.

             Como é facilmente verificado, o que fora exposto, em verdade, se refere aos atos praticados pelo ímprobo com reflexos no patrimônio transmitido aos sucessores. No entanto, em determinadas situações, será possível perquirir a responsabilidade pessoal e direta destes pelos ilícitos praticados, conforme autoriza o art. 3º da Lei nº 8.429/92.

             Tal se verificará sempre que o herdeiro tenha participado da ocultação do numerário obtido ilicitamente; quando o ímprobo, ainda em vida, tenha doado ou simulado a venda dos bens adquiridos com o numerário de procedência ilícita, o que poderá acarretar a anulação do negócio jurídico em virtude da simulação (arts. 102 usque 105 do CC) etc. Nestes casos, a responsabilidade do sucessor se identificará com a de terceiros que tenham concorrido para a prática do ato de improbidade, o que, por evidente, pressupõe que seja devidamente provado o elemento subjetivo do agente".

             Sanções cominadas aos atos de improbidade administrativa

             A principal característica da lei de improbidade administrativa é a previsão de uma série de sanções para as pessoas que cometerem as condutas por ela regulamentadas.

             Para cada espécie de ato de improbidade administrativa haverá um ro, específico de sanções, às quais buscou o legislador prever da maneira mais ampla possível para que se tenha uma efetiva reprovabilidade e eficaz ressarcimento dos danos ao Poder Público. Vejamos agora, cada uma das sanções.

             Natureza jurídica das sanções

             Com relação à natureza jurídica das sanções cominadas pela lei de improbidade administrativa primeiramente se faz mister a ressalva de que sua aplicação não gera bis in idem. Explicamos. Não é porque foi aplicada uma das sanções previstas na lei de improbidade administrativa que não se poderá aplicar sanção respectiva para a conduta na seara penal, civil e administrativa. Nesse sentido é expresso o art. 12 caput da lei de improbidade administrativa, e o entendimento jurisprudencial:

             "VEREADOR – Ação civil ordinária – Improbidade administrativa – Enriquecimento ilícito – Edil processado, pelo mesmo fato, pela Câmara municipal e Pela Justiça comum, na área criminal – Circunstancia que não impede sua condenação na seara cível – Inexistência de bis in idem de sanções, eis que as responsabilidades penal, civil e administrativa são tratadas de forma independente". (grifo nosso)

             Vencida a necessária ressalva, vejamos do que se tratam as sanções da lei em cotejo.

             E quanto a estas não se pode atribuir outra natureza senão cível, senão vejamos.

             Não se trata de sanção penal. Primeiramente pelo fato da exemplificatividade do rol de condutas de improbidade administrativa, em sendo punidas com sanção penal implicaria em afronta ao princípio da estrita reserva legal, garantia constitucional nos termos do art. 5º, XXXIX.

             Ademais, a própria lei prevê que suas sanções aplicam-se sem prejuízo da ação penal cabível.

             Como se não bastasse, a ação de improbidade administrativa é ação civil como se verá e nesse sentido nunca poderia uma ação civil ensejar uma reprimenda penal.

             Nesse sentido Fábio Konder Comparato, para quem:

             "Se, por conseguinte, a própria Constituição distingue e separa a ação condenatória do responsável por atos de improbidade administrativa às sanções por ela expressas, da ação penal cabível, e, obviamente, porque aquela demanda não tem natureza penal".

             Também não se tratam de sanções administrativas, na medida em que devem ser aplicadas ao cabo de um procedimento jurisdicional, não havendo hipótese de aplicação das mesmas – pelo menos com base na lei 8.429/92 – por autoridade administrativa.

             Isso não quer dizer que não se possa instaurar competente procedimento administrativo, o que até é previsto pelo caput do art. 12 da lei 8.429/92.

             Por derradeiro, somente nos resta a conclusão de que se tratam de sanções de natureza civil, na medida em que vencidas as sanções de natureza específica.

             Importantíssima a ressalva feita por Emerson Garcia:

             "A questão ora estudada, longe de apresentar importância meramente acadêmica, possui grande relevo para a fixação do rito a ser seguido e para a identificação do órgão jurisdicional competente para processar e julgar a lide, já que parcela considerável dos agentes ímprobos goza de foro por prerrogativa de função nas causas de natureza criminal".

             Marino Pazzaglini Filho enumera de outra maneira a natureza jurídica das sanções:

             "As medidas punitivas arroladas na norma citada são de natureza política, político-administrativa, administrativa e civil:

             ___política:

             - suspensão de direitos políticos;

             ___político-administrativa:

             - perda de função pública;

             ___administrativa:

             - proibição de contratar com o Poder Público e receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios;

             ___civil:

             - multa civil;

             - ressarcimento integral do dano;

             - perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio".

             Salutar é o pormenor traçado pelo renomado autor, todavia, em termos mais práticos ficamos com a opinião anterior, colocando todas as espécies de sanções em um gênero cível.

             Nessa esteira é o entendimento de Fábio Medina Osório que no mesmo sentido preleciona:

             "Exige-se, vale repetir, deliberação expressa do legislador na criação de figuras típicas penais. Não foi o que ocorreu com a Lei número 8.429/92, tanto que suas descrições abrangem tanto fatos tipificados com crimes comuns, quanto fatos previstos como crimes de responsabilidade. De um outro, de qualquer modo, o legislador buscou, através da Lei número 8.429/92, extrair conseqüências extra-penais, ou cíveis lato sensu, vale dizer, no âmbito do direito administrativo, dando tratamento autônomo à matéria. Pensar de modo diverso, ou estender caráter criminal às figuras da lei de improbidade, além daquilo que foi deliberado pelo legislador, equivaleria a desrespeitar o princípio da legalidade penal".

             Dosimetria

             Toda sentença sem motivação é nula. Nesse sentido, mister se faz a fundamentação de todas as sanções aplicadas pelo magistrado ao sentenciar no sentido de reconhecer a prática de ato de improbidade administrativa.

             Assim, para cada uma das espécies de sanção previstas na lei, deverá o Juiz fixar o quantum e fundamentar. Para isso deverá fazer uso das regras contidas no parágrafo único do art. 12 da lei de improbidade administrativa, vale dizer, a extensão do dano causado e o proveito patrimonial do agente.

             Wallace Paiva Martins Júnior, menciona e concorda com a posição de Cláudio Ari Mello, consistente na "necessidade da inserção do grau de reprovabilidade da conduta ilícita pelo juiz na dosimetria da suspensão dos direitos políticos e da multa civil".

             Cumulatividade

             A sentença que reconhece a prática de um ato de improbidade administrativa deve aplicar todas as sanções que a lei prevê, não havendo que se falar em alternatividade ou exclusividade.

             Nesse sentido entende Wallace Paiva Martins Filho, para quem "as sanções da Lei Federal n. 8.429/92 são cumulativas, não cabendo cogitar de alternatividade, porquanto não se estabeleceu critério propício nesse sentido".

             Para Marino Pazzaglini Filho as sanções também são cumulativas, exceto no caso de atos de improbidade administrativa que atentem contra os princípios da Administração Pública, caso em que haverá que se fazer uso do princípio da proporcionalidade para só excepcionalmente aplicar cumulativamente as sanções previstas na lei.

             Fábio Medina Osório também defende a comutatividade das sanções, para ele "a regra, como se sabe, é a imposição cumulativa das sanções, bem como o rigor na proteção da combalida probidade administrativa".

             Pelo sistema da lei, é de se entender pela cumulatividade das sanções, ressaltando-se que, nos casos de atos que atentem contra os princípios da Administração Pública somente se impõe o ressarcimento integral do dano se houver, como determina a lei.

             Espécies de sanções

             A lei de improbidade administrativa foi feliz ao prever várias espécies de sanções de modo a inibir a conduta daqueles que não se importam com o patrimônio do povo.

             As sanções são das mais variadas espécies além de que não prejudicam a aplicação de outras cabíveis, vejamos cada uma dessas espécies.

             Perda de bens e valores

             A perda de bens tem previsão constitucional (art. 5º, XLVI, b), e encontra-se adotada pela lei de improbidade administrativa para todo aquele que acrescer ao seu patrimônio com condutas de improbidade.

             Poder-se-ia alegar que tal regra está contida na hipótese de ressarcimento integral do dano, mas, atentando-se para todas as possibilidades pode-se verificar que assim não o é.

             Suponhamos que um agente condenado por improbidade administrativa seja obrigado ressarcir os danos causados ao Poder Público, mas durante o período compreendido entre a conduta e o momento da restituição ao Poder Público o agente investiu o dinheiro e o multiplicou. Nesse caso, ainda que o Poder Público seja ressarcido dos danos, o agente ímprobo ficaria no lucro, na medida em que ainda sobrou-lhe numerário.

             Com a finalidade de evitar tais conseqüências, que estimulariam a prática dessa abjeta conduta, encontra-se prevista a perda de bens e valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio do agente, valores estes que deverão ser destinados à Pessoa Jurídica lesada, nos termos do art. 18 da Lei 8.429/92.

             A sanção de perda de bens e valores pode-se dizer, não se trata exatamente de uma pena, pois nada mais é do que a devolução ao patrimônio do Poder Público, dos bens e valores acrescidos ao patrimônio do ímprobo por suas condutas ilícitas.

             Ressarcimento integral do dano

             No mesmo diapasão da perda de bens e valores, a obrigação de reparar os danos não é, em sua essência uma pena, mas sim recomposição do status quo ante, na medida em que nada mais significa do que a reposição dos prejuízos experimentados pelo Poder Público com a conduta ilícita.

             Podemos dizer que o ressarcimento do dano, em sede patrimonial, complementa a sanção de perda de bens e valores, senão vejamos.

             Foi dito que pode haver hipóteses em que um agente condenado por improbidade administrativa seja obrigado ressarcir os danos causados ao Poder Público, mas durante o período compreendido entre a conduta e o momento da restituição ao Poder Público o agente investiu o dinheiro e o multiplicou, caso em que, ainda que o Poder Público seja ressarcido dos danos, o agente ímprobo ficaria no lucro, na medida em que ainda sobrou-lhe numerário.

             Aqui o exemplo se inverte. Suponhamos que um agente ímprobo seja condenado a perder os bens e valores acrescidos pela conduta ilícita em favor da Pessoa Jurídica lesada.

             Todavia, a lesão do patrimônio público in casu, é maior do que os valore acrescidos ao patrimônio do agente ímprobo, de sorte que a perda desses bens e valores não seria bastante para ressarcir os danos.

             Assim se coloca a obrigação de ressarcimento dos danos. Para as situações em que o agente tenha causado dano patrimonial ao Poder Público, ainda que em nada tenha se beneficiado com a conduta, a exemplo, os atos de improbidade administrativa que importem em inobservância dos princípios norteadores da Administração Pública.

             Dessa maneira pelo menos in thesi, conseguiu a lei de improbidade administrativa resguardar o patrimônio público contra atos de pessoas sem o menor escrúpulo.

             Perda da função pública

             A primeira observação a ser feita acera dessa sanção é sua possibilidade de aplicação somente àqueles que são considerados agentes públicos nos termos do art. 2º da lei 8.429/92.

             E nos referimos dessa maneira pelo fato de que o conceito de agente público trazido pelo indigitado art. 2º é muito mais amplo do que o conceito de função pública.

             Celso Antônio Bandeira de Melo no traz um conceito do que seja função pública:

             "são plexos unitários de atribuições, criados por lei, correspondentes a encargos de direção, chefia ou assessoramento, a serem exercidas por titular de cargo efetivo, da confiança da autoridade que as preenche (art. 37, V, da Constituição, com a redação dada pelo ‘Emendão’). Assemelham-se, quanto à natureza das atribuições e quanto à confiança, que caracteriza seu preenchimento, aos cargos em comissão. Contudo, não se quis prevê-las como tais, possivelmente para evitar que pudessem ser preenchidas por alguém estranho à carreira, já que em cargos em comissão podem ser prepostas pessoas alheias ao serviço público, ressalvado um percentual deles, reservado aos servidores de carreira, cujo mínimo será fixado em lei".

             Dessa maneira quando se falar em perda da função pública leia-se perda da qualidade de agente público em qualquer das modalidades previstas no art. 2º da lei 8.429/92.

             Vale ressaltar que à perda da função pública não está atrelada a suspensão temporária dos direitos políticos, vale dizer, capacidade eleitoral passiva, consoante ensina Emerson Garcia:

             "É importante frisar que, contrariamente aos que pensam alguns, a perda do mandato ou mesmo o afastamento cautelar do agente político não guarda uma relação de identidade com a suspensão dos direitos políticos. Enquanto os primeiros dissolvem, de forma definitiva ou temporária, o vínculo laborativo existente entre o ímprobo e o Poder Público, não representando qualquer óbice à sua requisição, a suspensão dos direitos políticos, como será oportunamente visto, restringe integralmente, durante certo lapso, a cidadania do ímprobo.

             Ainda que por força de provimento cautelar seja o agente afastado do exercício do mandato, manterá ele seus direitos políticos em sua integralidade, podendo votar e ser votado, estando legitimado a exercer a representatividade popular se eleito for. O afastamento cautelar, além de ser provisório, é restrito ao vínculo laborativo, não importando em qualquer restrição à cidadania do ímprobo, que permanece intacta".

             Em sentido diverso entende Fábio Medina Osório, para quem: "Essa sanção deve ser compreendida em conjunto com a sanção da suspensão dos direitos políticos".

             Outra discussão se apresenta refere-se à possibilidade de aplicação da sanção de perda ou suspensão da função pública ao Presidente da República, uns entendendo que se aplica, outros não, vejamos os argumentos.

             Para Marino Pazzaglini Filho não se aplica:

             "Assinale-se que não são aplicáveis as sanções de perda da função pública e de suspensão dos direitos políticos ao Presidente da República que for sujeito passivo de ação civil por improbidade administrativa. Essa conclusão resulta das normas constitucionais que disciplinam a cassação do Presidente da República (arts. 85 e 86).

             Segundo o regramento constitucional, a perda do mandato presidencial (impeachment) só se verifica por crime de responsabilidade definido em lei especial (Lei Federal nº 1.079, de 10-4-1950, que define os delitos de responsabilidade e regula o processo de julgamento respectivo).

             A competência para instaurar o processo é da Câmara dos Deputados e para processá-los e julgá-los é do Senado Federal, cabendo ao Presidente do Supremo Tribunal Federal presidir o julgamento. No caso de condenação (por dois terços dos votos do Senado Federal), a decisão (resolução do Senado Federal) limita-se à perda do cargo (impeachment) com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo de sanção penal por crime comum (art. 2º da lei nº 1.079/50).

             Dessume-se, do exposto, que o Presidente da República poderá responder por ação civil por ato de improbidade administrativa. E, na hipótese de ser condenado, descabe a imposição das sanções de perda da função pública e de suspensão dos direitos políticos, devendo o decreto condenatório limitar-se às demais penas previstas na LIA.

             A mesma conclusão se chega quanto a outras autoridades que o Senado Federal compete privativamente julgar por crime de responsabilidade, ou seja, Vice-presidente da República; Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica quando conexos com os da mesma natureza cometidos pelo Presidente e Vice-presidente da República; Ministros do Supremo Tribunal Federal, Procurador-geral da República e Advogado-geral da União (arts. 52, I e II, da CF), posto que cabe exclusivamente ao Senado Federal a aplicação a essas autoridades da sanção político-administrativa de perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções jurídicas cabíveis (art. 52, parágrafo único, da CF).

             Descabe, também, em decorrência de ação instaurada contra Senador, Deputado Federal e Deputado Estadual por improbidade administrativa, a imposição, na sentença que julgar procedente, da medida punitiva de perda do mandato.

             No entanto, não estão essas autoridades imunes à suspensão temporária de seus direitos políticos (arts. 15, V, e 37, § 4º, da CF), o que poderá acarretar a perda do mandato (art. 55, IV, da CF)".

             No mesmo sentido Fábio Medina Osório:

             "Em relação ao Presidente da República, não está ele sujeito à perda da função pública e dos direitos políticos em decorrência de improbidade administrativa, pela via da ação civil pública da Lei número 8.429/92, pois tais sanções estão diretamente conectadas a uma disciplina constitucional própria, (arts. 85 e 86, ambos da Constituição Federal) diante dos crimes de responsabilidade".

             Já para Emerson Garcia é perfeitamente aplicável:

             "A exemplo dos demais agentes públicos, poderá o Presidente da República praticar atos de improbidade e ser por eles responsabilizado. Revela perquirir, no entanto, se estará ele sujeito a todas as sanções previstas no art. 12 da Lei nº 8.429/92, em especial a perda da função e a suspensão dos direitos políticos.

             Ao dispor sobre a responsabilidade do Presidente da República, estabelece a Constituição que ele pode ser processado pela prática de crimes comuns e de responsabilidade, sendo que, no primeiro caso, não poderá ser processado na vigência do mandato por atos estranhos ao exercício de suas funções (art. 86, § 4º). Especificamente em relação aos crimes de responsabilidade, estão eles previstos no art. 85 da Constituição, verbis:

             Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atendem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

             I – a existência da União;

             II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;

             III – o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;

             IV – a segurança interna do País;

             V – a probidade na administração;

             VI – a lei orçamentária;

             VII – o cumprimento das leis e das decisões judiciais;

             Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento.

             Trata-se de rol exemplificativo que pode ser ampliado pela legislação infraconstitucional, desde que sejam previstas figuras típicas que importem em violação aos ditames da Constituição da República.

             O dispositivo constitucional é integrado pela Lei nº 1.079/50, diploma preexistente à Constituição de 1988 e que foi por ela parcialmente recepcionado. Encontram-se ali tipificados os crimes de responsabilidade e o procedimento a ser seguido, sendo cogente a observância do estatuído no art. 86 da Constituição, o qual estabelece que a acusação deve ser admitida pela Câmara dos Deputados e o julgamento realizado perante o STF, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.

             De acordo com o art. 52, parágrafo único, da Constituição, em caso de condenação pela prática de crime de responsabilidade, se limitará ela à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções jurídicas cabíveis.

             A interpretação do texto constitucional demonstra que qualquer atentado à probidade administrativa (art. 85, V), por parte do Presidente da República, desde que a conduta esteja tipificada na Lei nº 1.079/50, configura crime de responsabilidade, sujeitando-se às duas sanções referidas e às demais penalidades jurídicas. Com base nestes argumentos, há quem defenda a tese de que o Presidente da República não poderá ter seu mandato eletivo cassado ou seus direitos políticos decretados por força de decisão do juízo monocrático.

             Não obstante a linha de coerência de tese exposta, entendemos que o seu acolhimento acarretará a equiparação de institutos diversos, com distintos efeitos jurídicos e cuja aplicação, afora ser da alçada de órgãos que não guardam qualquer similitude entre si, pressupõe julgamentos que possuem natureza jurídica igualmente dissonante.

             Com efeito, os crimes de responsabilidade não podem ser confundidos com os atos de improbidade disciplinados pela Lei nº 8.429/92. Ainda que idêntico seja o fato, distintas serão as conseqüências que dele advirão, o que é próprio do sistema da independência entre as instancias adotado no direito positivo pátrio. Em razão disto, torna-se possível que o Presidente da República seja responsabilizado pela prática do crime de responsabilidade (para alguns, crime comum, para outros infração política ou político-administrativa) e, simultaneamente, pelo ato de improbidade tipificado e sancionado pela Lei nº 8.429/92.

             Acresça-se, ainda, que os crimes de responsabilidade praticados pelo Presidente da República serão objeto de um julgamento político, enquanto que os atos de improbidade, de natureza eminentemente cível, importarão na aplicação de sanções de igual natureza por um órgão jurisdicional, in casu, o juízo monocrático.

             Pelos motivos expostos e por inexistirem normas constitucionais que vedem a decretação de perda do mandato do Presidente da República por órgãos outros que não o Senado Federal, bem como por não haver prerrogativa de foro para o julgamento dos atos de improbidade, essa nos parece ser a solução mais correta.

             Assim sendo, nas hipóteses previstas na Lei nº 8.429/92, cumpre distinguir o seguinte: a) em se tratando de ato de improbidade igualmente previsto na Lei nº 1.079/50, as sanções de perda da função e inabilitação poderão ser aplicadas pelo Senado Federal, enquanto que o rol do art. 12 da Lei de Improbidade poderá sê-lo pelo juízo cível, independentemente da decisão proferida no julgamento político; b) sendo praticados atos de improbidade que não sejam considerados crimes de responsabilidade pela Lei nº 1.079/50, o Presidente da República somente estará sujeito às sanções previstas na Lei nº 8.429/92.

             Do mesmo modo, ante a ausência de preceito constitucional expresso em sentido contrário, o Vice-Presidente da República poderá sofrer todas as sanções previstas no art. 12 da Lei nº 8.429/92. Em relação ao Chefes dos Executivos Estaduais e Municipais, além de estarem sujeitos à Lei de Improbidade em sua totalidade, não poderá o princípio da simetria sequer ser aventado pela legislação infraconstitucional para lhes assegurar prerrogativas outorgadas ao Presidente da República pela Constituição.

             E ainda, não poderia a Constituição Estadual restringir a eficácia da Lei nº 8.429/92, sob pena de usurpar competência privativa da União. Em razão disto, o Governador poderá ter seu mandato cassado sempre que incorrer em crime de responsabilidade (art. 74 da Lei nº 1.070/50) ou praticar atos de improbidade (art. 12 da Lei nº 8.429/92), aplicando-se o mesmo entendimento em relação ao Prefeito Municipal e aos respectivos vices".

             No mesmo sentido Wallace Paiva Martins Júnior:

             "Ainda sobre o tema, devota parcela da doutrina a tese da impossibilidade de sua aplicação ao Presidente da República, argumentando que essa sanção é de natureza político-administrativa. A exceção obrada, entretanto, não tem sustentáculo, pois a Constituição Federal não atribui exclusividade ou privatividade a instância político-administrativa, nem excepciona aquele das sanções da improbidade administrativa".

             Mais uma vez há que se ter em mente em que pese as prerrogativas constitucionais, mister se faz a persecução de todos os agentes ímprobos, para que a lei não seja esvaziada em seu conteúdo, até porque decorre de expressa determinação constitucional (art. 37, § 4º).

             Aqui deixamos ao subjetivo de cada um lembrando uma frase dita pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva em seu discurso de posse perante o Congresso Nacional no dia primeiro de janeiro de 2002: "Vou ser o funcionário público número um desse país".

             Suspensão dos direitos políticos

             A sanção de suspensão dos direitos políticos implica o cancelamento da inscrição eleitoral do condenado.

             Não há que serem confundidas as hipóteses de inelegibilidade com a suspensão dos direitos políticos, esta, sem sombra de dúvidas mais ampla do que aquela.

             A suspensão dos direitos políticos importa na incapacidade eleitoral passiva (ser votado), e ativa (votar). Ocorre, todavia, que, mais que a impossibilidade de votar, a perda da capacidade eleitoral importa em várias restrições, como menciona Emerson Garcia:

             "A capacidade eleitoral ativa é, a um só tempo, requisito básico de elegibilidade, (art. 14, § 3º, II da CR/88); condição para o legítimo exercício da ação popular (art. 5º, LXIII, da CR/88); requisito para a subscrição dos projetos de iniciativa popular (art. 61, § 2º, da CR/88); e para a filiação partidária (art. 16 da Lei 9.096/95)".

             Tudo isto, sem levar em consideração que quase em sua totalidade os editais de concursos públicos exigem que o candidato esteja em regularidade com a Justiça Eleitoral. Por derradeiro ressalte-se que não há a necessidade de procedimento jurisdicional perante a justiça eleitoral, como ocorre em alguns casos v. g. art. 14, § 9º art. 15, V da Constituição Federal c/c art. 1º, I "g", da LC 64/90.

             Pagamento de multa civil

             Além de todas as sanções previstas pela lei 8.429/92, há a possibilidade de que seja imposta ao autor de improbidade administrativa uma multa civil por seus atos.

             Não há que se confundir com as outras espécies de sanção de natureza patrimonial. A multa não tem caráter indenizatório para a Administração Pública, mas sim cunho moral, significando mais uma forma de rechaço à torpeza do ímprobo.

             Para Wallace Paiva Martins Júnior "a multa civil representa uma sanção pecuniária contra o dano moral experimentado pela Administração Pública".

             No mesmo sentido Antonio José de Mattos Neto, para quem "é intuitivo dizer que a recomposição do ilícito deve ser feita por dano patrimonial e extrapatrimonial. A indenização ao Poder Público imbrica reparação civil de dano material e/ou moral".

             No mesmo sentido entende Marino Pazzaglini Filho, para quem "a multa civil não tem natureza indenizatória, mas simplesmente punitiva".

             Ao fato de não ter caráter indenizatório não quer dizer que o quantum não tenha correlação com a conduta perpetrada, como ensina Fábio Medina Osório:

             "O valor da multa deve levar em linha de conta, sempre, a natureza e a gravidade do fato. Não se trata, simplesmente, de equiparar e identificar a multa ao valor do eventual prejuízo ao erário. A gravidade do fato até envolve a análise do montante de prejuízos causados ao erário, mas não se esgota aí sua avaliação. Importante é perceber a conduta do agente como um todo e, inclusive, quais os reflexos de seu comportamento na sociedade.

             Nesse passo, vários e múltiplos fatores podem – e devem – ser considerados quando da fixação da multa civil, v.g., a natureza do cargo e as responsabilidades do agente, o grau de lesividade de sua conduta, a repercussão social do fato, o elemento subjetivo, o modo de atuação, as circunstâncias, e outros elementos informativo disponíveis.

             A capacidade econômico-financeira do agente é fator de grande relevância na fixação da multa. Não pode, todavia, ser analisado isoladamente".

             De qualquer forma, moral ou material, mister se faz a imposição da multa civil, como forma de inibir essa conduta que apodrece o sistema. Nesse sentido é de ser entendida como obrigatória a cominação da sanção por parte do magistrado prolator da sentença que reconhece um ato de improbidade administrativa.

             Proibição de contratar com o Poder Público ou receber incentivos fiscais ou creditícios

             Aquele que é autor de ato de improbidade administrativa também não poderá celebrar contrato com o Poder Público nem receber incentivos fiscais ou creditícios. Nada mais óbvio, na medida em que aquele que lesou o patrimônio público não pode ter oportunidade de fazê-lo novamente.

             Ademais, aqueles que contratam com o Poder Público o fazem visando lucros. Nesse sentido, imoral seria que aquele que lesou o patrimônio público venha a auferir lucros de contrato celebrado com este.

             Ressalte-se que a proibição não tem eficácia somente entre o sujeito ativo e passivo da conduta de improbidade administrativa. O autor ficará impedido de contratar com qualquer dos entes da Federação, seja da administração direta ou indireta. Em relação ao agente ímprobo, ainda que por interposta pessoa, seja física ou jurídica, não poderá celebrar contratos.

             Marino Pazzaglini Filho nos traz um bom exemplo do que seriam esses benefícios fiscais e creditícios mencionados em lei, verbis.

             "A proibição de auferir benefícios ou incentivos de natureza fiscal ou creditícia abrange, v. g., dispensa ou limitação de pagamento de obrigação tributária (isenção de caráter restrito); perdão de sanção tributária (anistia) ou de débito tributário (remissão); subvenções (sociais e econômicas); e subsídios (auxílios financeiros) de entidades públicas. Essa vedação não atinge não só o agente público condenado por ato ímprobo, mas também a pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário".


Terceira Parte – Conclusão

Dos meios através dos quais o Ministério Público tutela a Probidade Administrativa

INTRODUÇÃO

             Feitas breves considerações acerca do Ministério Público e da probidade administrativa, passemos à parte conclusiva do trabalho.

             No presente momento, analisaremos aspectos procedimentais, notadamente o inquérito civil, e processuais, através dos quais o Ministério Público consegue perseguir e punir aqueles que degradam o patrimônio de toda a sociedade.

             Para tanto, ressaltamos que não serão abordados aspectos criminais, nem outras hipóteses que não aquelas previstas na lei de improbidade administrativa, notadamente os casos de crimes de responsabilidade dentre outros.

Legitimidade

             Consoante a lei 8.429/92 não só o Ministério Público tem legitimidade para a propositura de ação para a persecução de improbidade administrativa.

             Ocorre, todavia, que o presente trabalho tem por escopo a atuação ministerial na persecução da conduta em tela, pelo que será analisada somente a legitimidade do Parquet.

             Natureza constitucional

             A legitimidade do Ministério Público para a persecução do agente ímprobo decorre da própria Constituição Federal que determina em seu art. 129, III, que o Ministério Público deverá zelar pelo patrimônio público.

             Nesse sentido, ainda que não houvesse determinação expressa na lei, em existindo a mesma, poderia o Parquet utilizar-se da via processual.

             Paulo Henrique Blasi entende que "o Ministério Público, como guardião constitucional da probidade, deve agir com severidade, porém com prudência e ponderação, a fim de que se preserve sua autoridade e independência".

             No mesmo sentido Pontes de Miranda: "Se há interesse público que baste a intervenção fiscalizante, cabe ao Ministério Público exercer a função que a lei explícita ou implicitamente lhe cometeu".

             Legitimidade infraconstitucional

             Mesmo em sede infraconstitucional não entendemos que não seria necessário previsão expressa para que o Ministério Público tutelasse a probidade administrativa.

             Prevê o art. 129, III, da Constituição Federal que o Ministério Público tem por função institucional a proteção de "outros interesses difusos...".

             Assim sendo, tem-se que o patrimônio público, colocado no mesmo inciso, é um interesse difuso.

             Dessa maneira como se não bastasse a determinação expressa, poderia o Ministério Público, perseguir os agentes de improbidade administrativa na medida em que a defesa do patrimônio público é interesse difuso.

             Para a doutrina: "Na conceituação dos interesses ou direitos ‘difusos’, optou-se pelo critério da indeterminação dos titulares e da inexistência entre eles de relação jurídica-base, no aspecto subjetivo, e pela indivisibilidade do bem jurídico, no aspecto objetivo".

             Para Eduardo Arruda Alvim os direitos difusos "não dizem respeito a uma só pessoa, senão que atinam mais de uma (número indeterminado), daí porque dizem-se transindividuais, pertencendo a uma comunidade composta por pessoas indeterminadas e indetermináveis".

             No mesmo sentido ensina Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, que entende "ser dever do MP promover ação civil pública na defesa de todo e qualquer direito difuso ou coletivo (...) independentemente da existência de lei específica sobre este ou aquele direito difuso".

             No mesmo sentido Hugo Nigro Mazzilli, que entende ser dever do Ministério Público intentar a ação civil pública quando verificados motivos ensejadores.

             Entendendo da mesma maneira, Rogério Pacheco Alves ressalta as vantagens de se reconhecer o patrimônio público como um direito difuso, verbis:

             "A caracterização da tutela do patrimônio público como um direito difuso nos permite aplicar não só toda a sólida base teórica já produzida, no Brasil e fora dele, sobre o tema mas também, e sobretudo, os instrumentos legais já existentes em nosso ordenamento. Nessa linha, a par da aplicabilidade das normas previstas na Lei de Improbidade Administrativa (Lei n.º 8.429/92), tem-se como possível a incidência da Lei da Ação Civil Pública (Lei n.º 7.347/85), da Lei da Ação Popular (Lei n.º 4.717/65) e do próprio CDC (Lei n.º 8.078/90), isto, evidentemente, sem contar com a subsidiária possibilidade de aplicação do CPC e do próprio CPP, este último principalmente no capítulo referente te ao inquérito civil".

             Ainda que não fosse necessário, a lei de improbidade administrativa previu expressamente a possibilidade de o Ministério Público ingressar com a ação.

             Ainda que se fale em possibilidade entendemos tratar-se de um dever, dada a incidência do princípio da obrigatoriedade, pelo que entendemos tratar-se de dever do membro do Ministério Público fazer uso de todos os instrumentos jurídicos ao seu alcance para a plena eficácia das sanções de uma eventual ação de improbidade administrativa.

             Nesse sentido são os ensinamentos de Piero Calamandrei:

             "no processo civil a participação do Ministério Público tem a finalidade de suprir a não iniciativa das partes privadas ou de controlar sua eficiência, sempre que, pela especial natureza das relações controvertidas, possa temer o Estado, que o estímulo do interesse individual, ao qual está normalmente encontrado o ofício de dar impulso à justiça civil, possa ou faltar totalmente ou se dirigir a fins distintos da observância da lei".

             O dever do Ministério Público atuar sempre que estiver em jogo o interesse público não é particularidade do ordenamento jurídico pátrio. No México, como observa Carlos Arelliano García "Se oirá precisamente al Ministerio Público: I. Cuando la solicitud promovida afecte los intereses públicos".

             Assevera ainda Guiseppe Chiovenda: "o Ministério Público vela pela observância das leis, pela pronta e regular administração da justiça (...)".

             Como se pode observar, é unânime o mister do Parquet em zelar pela res publica.


COMPETÊNCIA

             Estudar a competência é de salutar importância para a ação de improbidade administrativa, na medida em que, dependendo de quem vá figurar no pólo passivo da ação, há a necessidade de que o processamento seja em determinados órgãos jurisdicionais, sob pena de nulidade do processo.

             Até 24 de dezembro de 2002 o chamado foro por prerrogativa de função não se aplicava aos casos de improbidade administrativa. É certo que haviam posições em sentido contrário, o que acabava por não preponderar.

             O foro por prerrogativa de função não incidia no que respeitava as questões de improbidade administrativa, na medida em que tal regra se aplicava somente em casos de crimes.

             Anteriormente à lei 10.628 de 24 de dezembro de 2002, havia discussão acerca do foro por prerrogativa de função. Neste aspecto, ainda que a lei tenha terminado com a celeuma cabe uma menção à particularidade que se impunha aos prefeitos.

             Para os prefeitos municipais a Constituição não estabelece o foro por prerrogativa de função somente para os casos de crimes, o que poderia levar à interpretação segundo a qual os atos de improbidade administrativa praticados por eles seriam julgados pelo Tribunal de Justiça.

             Era uma questão de alta indagação que gerava grandes discussões doutrinárias.

             Em trabalho primoroso, Raul de Mello Franco Junior analisava a questão para ao final estabelecer sua opinião no sentido de não se aplicar a regra constitucional aos casos de improbidade administrativa por ser tal processo eminentemente cível.

             De fato, a Constituição somente realça a questão dos crimes para a instituição do foro por prerrogativa de função nos casos do art. 102, I, "b"; 105, I "a"; e 96, III; deixando em aberto a hipótese dos prefeitos municipais elencada no art. 29, X.

             Mas tal questão não mais se coloca, na medida em que a lei 10.628 de 24 de dezembro de 2002 inseriu dois parágrafos no art. 84 do Código de Processo Penal, dispondo o segundo deles: "A ação de improbidade, de que trata a Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992, será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública".

             Assim não cabe mais qualquer discussão acerca da aplicabilidade do foro por prerrogativa de função, aplicando-se a regra a todas as autoridades, vez que doravante o CPP é expresso ao estabelecer o foro por prerrogativa de função aos casos de improbidade administrativa.

             Vencida a questão da competência por prerrogativa de função vejamos os demais casos de competência para o trâmite de processos de improbidade administrativa. Nestes casos a regra geral de competência que estatui o CPC é o domicílio do réu, mas este não é o entendimento da doutrina.

             Wallace Paiva Martins Júnior entende dever ser ajuizada a ação no local do dano, como determinação da lei da ação civil pública.

             No mesmo sentido entende Marino Pazzaglini Filho, para quem "o juízo competente para a proposição da ação civil de improbidade administrativa é o do local onde ocorrer o dano, excepcionando o foro comum, que é do domicilio do réu".

             É cediço que em se tratando de improbidade administrativa perpetrada contra patrimônio público da união competente será a Justiça Federal da Seção Judiciária do local dos fatos.

             Já em se tratando de improbidade administrativa contra patrimônio das Fazendas estadual e municipal caberá ao magistrado estadual a cognição dos fatos.

             Prevenção da competência

             No tocante à prevenção de competência do juízo temos que estar atentos a qual o motivo ensejador da aferição da prevenção, explicamos.

             Quando estivermos diante de uma situação de litispendência, o juízo que continuará a conhecer o processo é aquele em que o réu foi validamente citado, pois a citação válida torna o juízo prevento.

             Por outro lado, quando estivermos falando de conexão ou continência, a prevenção do juízo se dá para o juízo que despachou em primeiro lugar.

             Ocorre, todavia, que em se tratando de ação de improbidade administrativa a própria lei estabelece uma causa de prevenção própria, em seu § 5º do art. 17 que determina "A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir o mesmo objeto".

             A primeira observação é no sentido de que continua válida a determinação do CPC para os casos de litispendência, na medida em que lei somente fala em causa de pedir e objeto.

             Ademais, não será a regra do art. 106 do CPC a ser utilizada, mas sim a da lei, utilizando-se o CPC para sabermos o que se considera a dita propositura da ação.

Inquérito civil

             Ainda que a lei de improbidade administrativa não fale expressamente em inquérito civil para a propositura da ação de improbidade administrativa, entendemos salutar que o mesmo se faça presente.

             O professor Luiz Guilherme da Costa Wagner Junior nos dá um conceito do que seria inquérito civil ao citar Hugo Nigro Mazzilli:

             "Poderia o inquérito civil ser entendido como ‘uma investigação administrativa prévia, presidida pelo Ministério Público, que se destina basicamente a colher elementos de convicção para que o próprio órgão ministerial possa identificar se ocorre circunstância que enseje eventual propositura de ação civil pública".

             A finalidade do inquérito civil é, como ensina Rogério Pacheco Alves, o instrumento para a "coleta de elementos demonstradores da ocorrência do ilícito e de sua autoria".

             Podemos encontrar previsão legal do inquérito civil na lei da ação civil pública (Lei n.º 7.347/85).

             Na lei de improbidade administrativa não se falou em inquérito civil, mas em inquérito policial e procedimento administrativo (art. 22). Tal previsão poderia levar ao entendimento de que não seria possível a instauração de inquérito civil para a apuração de atos de improbidade administrativa.

             Tal não deve ser o entendimento a ser seguido. Deve ser admitido o inquérito civil com seus mais amplos poderes assim como no caso da ação civil pública. Nesse sentido é o entendimento do professor Wallace Paiva Martins Júnior que tece os seguintes comentários:

             "(...) nada impede ao Ministério Público a promoção de inquérito civil com uso dos poderes requisitórios correspondentes (perícias, estudos, dados técnicos, informações, depoimentos, notificações etc.) para a apuração de ato de improbidade administrativa, tendo em vista que a Constituição Federal (art. 129, III e VI), a Lei Federal n. 7.347/85 (arts. 1º, IV, e 8º e parágrafo único) e, posteriormente, a Lei Federal n. 8.625/93 (arts. 25, IV, e 26, I a III) inscrevem essas prerrogativas na instituição da proteção do patrimônio público, da moralidade administrativa e de qualquer outro interesse difuso ou coletivo".

             O inquérito civil deve conferir ao Ministério Público a mais ampla gama de elementos, pois é através dele que se formará a convicção do Parquet para a propositura ou não da ação de improbidade administrativa.

             Obrigatoriedade de realização do inquérito civil

             Questão que se coloca é a obrigatoriedade ou não de instauração de inquérito civil para a posterior propositura da ação de improbidade administrativa.

             A lei 8.429/92 não fala em inquérito civil, mas no já comentado inquérito policial ou procedimento administrativo, o que poderia levar ao entendimento segundo o qual não estaríamos diante da necessidade ou obrigatoriedade de inquérito civil. Esse não é o entendimento que deve prevalecer.

             Os entendimentos acerca da obrigatoriedade de instauração de inquérito civil ou até mesmo o inquérito policial ou procedimento administrativo de que fala a lei caminham em sentidos diversos, senão vejamos.

             Wallace Paiva Martins Júnior entende não se tratar de obrigação, mas sim de mera faculdade:

             "A prerrogativa instituída é mera faculdade conferida ao Ministério Público, pois a lei saliente que o órgão ‘poderá requisitar’. Assim, o Ministério Público recebendo ou conhecendo notícia de improbidade administrativa poderá optar pela solução que lhe for mais conveniente para a apuração do ato de improbidade administrativa e promoção de futura ação civil pública".

             Em seu livro o professor Wallace mantém o entendimento:

             "Entretanto, frise-se que o inquérito civil, o inquérito policial e o procedimento administrativo são meras faculdades, dispensáveis e prescindíveis, se o Ministério Público possuir elementos probatórios da convicção da prática de improbidade administrativa, como depoimentos, documentos, laudos, enfim, provas lícitas. A ação civil pública de improbidade administrativa de modo algum subordina-se à prévia conclusão ou instauração de inquérito civil, policial ou procedimento administrativo".

             No mesmo sentido preleciona Marino Pazzaglini Filho:

             "Importante, inicialmente, enfatizar que a instauração de inquérito civil é facultativa, pois, além de não se constituir em pressuposto ao aforamento de ação civil pública ou de improbidade administrativa, pode ser desnecessária quando o Ministério Público já dispuser de elementos de convicção suficientes para instruir a petição inicial da ação civil, em especial quanto a autoria, ao fato, aos fundamentos jurídicos do pedido, com suas especificações (art. 282, II, III e IV do CPC), tais como pecas de informações remetidas por autoridades judiciárias, administrativas e legislativas extraídas de processos civis e criminais".

             Ainda na mesma esteira Rogério Pacheco Alves:

             "Por derradeiro, é preciso esclarecer que não se deve extrair do princípio da obrigatoriedade a conclusão, equivocada, de que a instauração do inquérito civil é indispensável à propositura da ação civil pública. Obrigatória será para o Ministério Público a apuração dos supostos atos de improbidade, servindo-se para tanto, ordinariamente, do instrumento aqui analisado, pois, como acentuado por Mazzilli, existe para a Instituição antes o dever que o direito de agir. No entanto, já dispondo de elementos suficientes à formatação de sua opinio, evidentemente não há que se exigir, sob pena de exacerbado formalismo, que instaure o inquérito civil no qual, afinal, somente seriam reproduzidos os elementos já existentes. Tem-se, desse modo, que meras peças de informação (representações, relatórios do Tribunal de Contas e de CPI’s etc.) já se mostrarão aptas a embasar a ação civil pública ou qualquer outro tipo de ação no campo da improbidade, não se podendo conceber a instauração do inquérito civil, assim, dada a sua prescindibilidade, como uma condição de procedibilidade".

             Assim também entende o Superior Tribunal de Justiça:

             "A Turma, por maioria, negou provimento ao recurso, entendendo que, para instaurar ação civil pública por ato de improbidade, não é imprescindível o prévio inquérito civil cautelar, porquanto no curso da ação civil é assegurada ao réu a sua ampla defesa com a observância do contraditório. Outrossim, descabe o deferimento da segurança para trancar a ação civil por inexistir defeito insanável no inquérito, uma vez que este, por se destinar apenas ao recolhimento informal e unilateral de provas, pode ou não anteceder a ação civil pública".

             Ainda pela dispensabilidade, João Batista de Almeida:

             "O Ministério Público, no entanto, poderá ajuizar ação civil pública mesmo sem a instauração prévia do inquérito civil, desde que possua elementos de convicção necessários a tal desiderato. Poderá ainda ajuizar a aludida no curso do inquérito civil. Em suma, o órgão ministerial não está obrigado a instaurar ou a concluir inquérito civil como condição para a propositura da respectiva ação".

             Adilson Abreu Dallari entende não ser tão dispensável assim:

             "Aplicando-se tais ensinamentos à competência para a instauração do inquérito civil, fica espantosamente claro que isso não pode ser tomado como uma prerrogativa pura, como mera faculdade, como questão de foro íntimo, com matéria totalmente submetida ao puro arbítrio do membro do Ministério Público.

             Felizmente, já existem insuspeitas e respeitáveis opiniões doutrinárias mais lúcidas a esse respeito.

             ‘O inquérito civil não é em si uma função, e sim um instrumento, que legitima, implicitamente o exercício da função investigatória.

             ‘Note-se que quando prevê o inquérito civil, para, em seguida, tratar de valores essenciais para a sociedade ligando aquele à proteção desses valores, a Constituição Federal deixa claro que o inquérito civil é um instrumento para aquele fim, mesmo porque quem quer os fins quer, explícita ou implicitamente, os meios.

             ‘Então, claro está que a Carta Federal confere ao Ministério Público um poder investigatório voltado para a apuração de lesões ou ameaças de lesões àqueles valores.

             ‘Esse poder investigatório constituiu função exclusiva do Ministério Público, pois a Constituição Federal ressalvou a legitimação concorrente apenas para a ação civil pública (art. 129, § 1º), não o fazendo relativamente ao inquérito civil. Além disso, a própria Lei 7.347/85, estabelece, como visto, inicialmente, a exclusividade do inquérito civil para o Ministério Público, reafirmando a possibilidade de competência concorrente para a função investigatória na matéria, por meio do inquérito civil.

             ‘Como todo poder, é um poder-dever e assim não pode deixar de ser exercido. Todavia, como é óbvio em nome e na defesa desses mesmos valores, esse poder não deve transformar-se em instrumento de devassa, porém em instrumento para a investigação e apuração de elementos e fatos necessários para a apuração de ação pública, civil ou penal, para a proteção do patrimônio público e social e de interesses difusos e coletivos’ (José Emmanuel Burle Filho, ‘Principais aspetos do inquérito civil, como função institucional do Ministério Público’, in Ação Civil Pública, coord. Edis Milaré, Ed. RT, 1995, pp. 321 e 322).

             Hely Lopes Meirelles, ao discorrer sobre a prioritária legitimação do Ministério Público para a propositura da Ação Civil, Faz uma importantíssima ressalva: ‘Mas esses poderes atribuídos ao Ministério Público para, a propositura da ação civil pública não justificam o ajuizamento de lide temerária ou sem base legal, nem autorizam a concessão de liminar suspensiva de obras e serviços públicos ou particulares regularmente aprovados pelos órgãos técnicos e administrativos competentes, sob a simples alegação de dano ao meio ambiente’ (Hely Lopes Meirelles, Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção e ‘Habeas Data’, 16ª ed., Ed. RT, p. 126).

             Em abono de sua posição Hely Lopes Meirelles reproduz esta expressiva manifestação do hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal, José Celso de Melo Filho emitida quando no exercício do cargo de Assessor do Gabinete Civil da Presidência da República: ‘O inquérito civil, em suma, configura um procedimento preparatório, destinado a viabilizar o exercício responsável da ação civil pública. Com ele, frustra-se a possibilidade, sempre eventual, de instauração de lides temerárias’ (apud, Hely Lopes Meirelles, Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção e ‘Habeas Data’, 16ª ed., Ed. RT, p. 125, nota 3).

             Não se pretende sustentar que a realização do inquérito civil seja condição indispensável para a propositura de toda e qualquer ação civil pública. O bom-senso não briga com o direito. Quando houver informações firmes e seguras no sentido da provável ocorrência de determinado dano a interesse supra-individual (coletivo ou difuso), é de admitir-se a direta propositura de ação judicial.

             Quando, porém, as informações forem insuficientes para indicar a ocorrência de determinado dano ou de sua autoria, é de rigor a instauração de inquérito civil.

             Fazendo-se uma comparação, no campo do direito administrativo, pode-se dizer que o inquérito civil está para a ação civil pública, assim como a sindicância está para o processo administrativo. Não é possível instaurar-se um processo administrativo disciplinar genérico, para que, no seu curso se apure se, eventualmente, alguém cometeu alguma falta funcional.

             Não é dado à Administração Pública, nem ao Ministério Público, simplesmente molestar gratuitamente e imotivadamente qualquer cidadão, por alguma suposta eventual infração da qual ele, talvez, tenha participado.

             Vale também aqui o princípio da proporcionalidade inerente ao poder de polícia, segundo o qual só é legítimo o constrangimento absolutamente necessário e na medida do necessário.

             Repugna a consciência jurídica aceitar que alguém possa ser constrangido a figurar como réu numa ação civil pública perfeitamente evitável. Configurava abuso de poder a propositura de ação civil temerária, despropositada, não precedida de cuidados mínimos quanto à sua viabilidade.

             Não há razão alguma para que se deixe de aplicar, em relação ao Ministério Público, o preceito contido no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, que estabelece a responsabilidade patrimonial da Administração Pública por danos causados por seus agentes. Da mesma forma, conforme já tem reconhecido (timidamente) a jurisprudência, o Ministério Público enquanto atuar como parte na relação processual civil, deve suportar os ônus da sucumbência, pois o sistema republicano (conforme a magnífica lição de Geraldo Ataliba) é incompatível com a irresponsabilidade de quem exerce prerrogativas públicas.

             A realização ou não do inquérito civil, como providencia preliminar à promoção da ação civil pública, pode ser um importantíssimo indicador do nível de correção da conduta do agente do Ministério Público, da sua maior ou menor diligência no exercício de suas funções.

             A experiência prática tem relevado a ocorrência desagradavelmente freqüente de ações civis públicas totalmente despropositadas, que poderiam ter sido perfeitamente evitadas se o promotor público tivesse tido a mais mínima e elementar das cautelas, que é simplesmente ouvir o suposto infrator.

             Por outro lado, é fora de qualquer dúvida que um inquérito civil pode fornecer elementos concretos e sólidos, levando à propositura de uma ação civil pública cuidadosamente estruturada e rigorosamente fundamentada, assegurando a efetiva punição dos causadores de danos a interesses difusos e coletivos.

             Fundamentos constitucionais

             A interpretação constitucional não pode ser avarenta. Não é correto extrair-se, especialmente das garantias constitucionais, apenas aquilo que aflora à superfície.

             Por exemplo, quando a Constituição assegura o direito de petição, isso não pode ser entendido apenas como o direito de protocolar um pedido em uma repartição pública. Evidentemente, o direito de petição abrange, também, necessariamente, o direito a uma resposta conclusiva emitida em tempo razoável, devidamente fundamentada e motivada.

             Da mesma forma, a garantia do decido processo legal deve ser entendida como protetora da liberdade em seu sentido mais amplo e dos bens não apenas materiais, mas também do patrimônio jurídico e do patrimônio moral das pessoas, que inclui o seu bem estar, sua tranqüilidade. Constranger alguém a afigurar como réu em uma ação civil pública, sem um mínimo de plausibilidade, sem a menor preocupação em verificar se existe ou não motivo para tanto, sem se valer de cautela constitucionalmente prevista para evitar que isso ocorra, ofende, sim, a garantia do devido processo legal.

             De maneira alguma se pode entender que qualquer pessoa pode ser acusada sem qualquer motivo ou propósito, desde que se lhe assegure o direito à ampla defesa. Ter que invocar, em juízo, essa garantia, imotivadamente, como resultado de uma acusação gratuita e desprovida de plausibilidade já é um constrangimento ilícito.

             São coisas totalmente distintas uma acusação plausível, com relação à qual o acusado se revele, ao final, inocente, e uma acusação despropositada, fruto do puro descuido, da simples negligência no exercício de função pública, para não falar até mesmo de dolo.

             O simples fato de figurar como réu em uma ação civil pública já produz efeitos deletérios para o acusado, podendo até mesmo corroer e destruir uma boa reputação, ofendendo seu direito à inviolabilidade da honra e da imagem, prescrita pelo inc. X, do art. 5º da Constituição Federal.

             Desgraçadamente, é um dado da realidade o desvirtuamento da Ação Popular, que tem servido, acima de tudo, para alimentar desavenças políticas. O mesmo pode acontecer com a ação civil pública, se não se estabelecer uma diferença entre seu uso e seu abuso.

             Não está expresso, mas está implícito no preceito contido no referido art. 129, III, da Constituição Federal, ao mencionar o inquérito civil e ação civil pública, que o Ministério Público deve valer-se do meio menos gravoso para atingir seu objetivo de proteger o patrimônio da coletividade.

             Convém não esquecer que o § 2º do art. 5º da Constituição Federal afirma que a enumeração de determinados direitos e garantias não significa a exclusão de outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados.

             Entre esses princípios, figuram, com o qualificativo de fundamentais, o da cidadania e o da dignidade da pessoa humana. Tais princípios não podem ser espezinhados, para sustentar a existência de uma prerrogativa absurda, incompatível com o próprio conceito de direito e com características elementares do exercício da função pública.

             Pode-se, portanto, afirmar, com segurança, que, em princípio, é obrigatória a realização de inquérito civil como procedimento preliminar à propositura de ação civil pública de responsabilidade. A instauração do inquérito civil pode ser dispensada se e quando da existência de elementos probatórios que indiquem, com segurança, a efetiva ocorrência de atos deletérios a interesses difusos ou coletivos, assim como de sua autoria, permitindo o exercício responsável do poder/dever de promover a ação civil pública".

             Acompanhando o entendimento do professor Dallari, trazemos à colação salutar estudo feito pelo professor Luiz Guilherme da Costa Vagner Junior:

             "Tema tormentoso quanto ao inquérito civil refere-se à dispensabilidade ou não da sua instauração pelo Ministério Público antes do ajuizamento de uma ação civil pública.

             Os dispositivos legais que regulam a matéria parecem levar a conclusões distintas.

             Enquanto que o parágrafo primeiro do artigo 8º. da Lei 7.347/85 fala que ‘o ministério público ‘poderá’ instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer organismos públicos ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis’, o artigo 129 da Constituição Federal aponta ser função institucional do Ministério Público ‘‘promover o inquérito civil’ e a ação civil pública, para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos’.

             A grande maioria dos doutrinadores curva-se a apontar a facultatividade da instauração do inquérito civil, entendendo não ser o mesmo pressuposto processual para o ingresso de uma ação civil pública.

             Hugo Nigro Mazzilli sustenta que ‘o inquérito civil pode e até mesmo deve ser dispensado quando o Promotor de Justiça já tenha em mãos todos os elementos necessários para propor a ação principal ou cautelar. Da mesma forma, em caso de urgência, será possível dispensar o prévio inquérito civil (como no requerimento de medida cautelar)’.

             Paulo Márcio da Silva, ao tratar do inquérito civil defende não ser este condição nem pressuposto processual obrigatório e indispensável a legitimar o manejo da ação civil pública, trazendo, nesse sentido, jurisprudências do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

             Também José Marcelo Menezes Vigliar observa que ‘a exemplo do que ocorre com o inquérito policial, o inquérito civil é dispensável, desde que por outros meios de convicção já se tenha coligido elementos suficientes para a propositura da ação civil pública’.

             José Luiz Mônaco da Silva vai buscar fundamento para a facultatividade da instauração do inquérito civil na própria redação do artigo 8º., parágrafo 1º., da Lei 7.347/85, pois segundo o autor, ‘tal dispositivo legal, ao empregar o verbo ‘poderá’, não deixa margem a dúvidas acerca de seu caráter facultativo’.

             Por fim, vale citar, ainda, as considerações de Luis Roberto Proença que, ao defender ser o inquérito civil útil, mas não indispensável a propositura da ação civil pública, argumenta que renomados doutrinadores, como Galeno Lacerda, Rodolfo de Camargo Mancuso, Nelson Nery Junior, José Emmanuel Burle Filho e Édis Milaré, conceituam o inquérito civil de forma semelhante, ou seja, apontado como aspectos relevantes do instituto, a exclusividade de sua titularidade, a facultatividade de sua instauração, a formalidade restrita, a inquisitividade, a publicidade mitigada e a auto executoriedade.

             Em que pese à respeitabilidade dessas opiniões, nos parece que razão assiste ao Prof. Adilson Dallari que foi absolutamente feliz ao comentar o assunto.

             ‘São coisas totalmente distintas uma acusação plausível, com relação à qual o acusado se revele, ao final, inocente, e uma acusação despropositada, fruto de puro descuido, da simples negligência no exercício de função pública, para não falar até mesmo de dolo’.

             Hugo Nigro Mazzilli, reconhece que ‘sob o aspecto estritamente jurídico, ninguém se presume culpado só pelo fato de estar sendo apurada sua eventual participação em fatos potencialmente ilícitos; entretanto, na esfera prática, uma investigação descabida não raro provoca danos de difíceis mensuração e reparação para quem é investigado, seja uma pessoa física ou até mesmo uma empresa’.

             Segundo o Prof. Dallari, a regra geral deveria ser a obrigatoriedade da prévia instauração do inquérito civil.

             Para fundamentar sua opinião, invoca os magistérios do Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello, para quem ‘as prerrogativas da Administração não devem ser vistas ou denominadas como ‘poderes’ ou ‘poderes-deveres’. Antes se qualificam e melhor se designam como ‘deveres-deveres’, pois nisto se ressalta sua índole própria e se atrai atenção para o aspecto subordinado do poder em relação ao dever, sobressaindo, então, o aspecto finalístico que as informa, do que decorrerão sua inerentes limitações’.

             Ainda conforme Bandeira de Mello, ‘o interesse público, fixado por via legal, não está à disposição da vontade do administrador, sujeito à vontade deste; pelo contrário, apresenta-se para ele sob a forma de um comando. Por isso mesmo a prossecução das finalidades assinaladas, longe de ser um ‘problema pessoal’ da Administração, impõe-se como obrigação indiscutível’.

             A partir dessas considerações, Prof. Dallari concluiu que, ‘aplicando tais ensinamentos à competência para a instauração de inquérito civil, fica espantosamente claro que isso não pode ser tomado como uma prerrogativa pura, como mera faculdade, como questão de foro íntimo, como matéria totalmente submetida ao puro arbítrio do membro do Ministério Público’.

             Por fim, vale observar que, segundo o autor, ‘fazendo-se uma comparação, no campo do direito administrativo, pode-se dizer que o inquérito civil está para a ação civil pública assim como a sindicância está para o processo administrativo’.

             Nada a reparar nos comentários acima. Acrescentamos, apenas, nosso posicionamento de que no mínimo deve ser entendido como um relevante elemento para a apuração da responsabilidade funcional do membro do Ministério Público o fato do mesmo ter ou não adotado a cautela de instaurar um inquérito civil antes de ajuizar uma ação civil pública.

             Aliás, o próprio Hugo Nigro Mazzilli, que já foi integrante do Conselho Superior do Ministério Público do Estado de S. Paulo e Presidente da Associação Paulista do Ministério Público aponta ser ‘natural, porém, que, quando haja exercício irregular das funções, o membro do Ministério Público poderá ser responsabilizado pessoalmente’.

             Nessa esteira de raciocínio, o Prof. Adilson Abreu Dallari que observa que ‘não há razão alguma para que se deixe de aplicar em relação ao Ministério Público o preceito contido no art. 37, parágrafo 6º., da Constituição Federal, que estabelece a responsabilidade patrimonial da Administração Pública por danos causados por seus agentes’.

             Não obstante o dispositivo constitucional acima apontado, Paulo Márcio da Silva acrescenta que o órgão do Ministério Público que se portar com desvio quando da presidência do inquérito civil estará sujeito à responsabilidade civil, conforme dicção do art. 85 do Código de Processo Civil, sem prejuízo de eventuais implicações de ordem penal.

             Nos parece que beira às raias da negligencia o fato do promotor resolver ingressar com a demanda que, posteriormente, acaba sendo rejeitada pelo judiciário justamente por não conter elementos mínimos que concluíssem pela infração, fato esse que, de certo, poderia ser evitado caso houvesse sido instaurado prévio inquérito civil.

             Novamente é Hugo Nigro Mazzilli quem admite que com a instauração do inquérito civil ‘se combate o mau vezo, às vezes encontrado, de um representante do Ministério Público investigar fatos de relevância pública, sem método nem critério, como se fosse um trabalho pessoal, dele próprio, e que não terá nenhuma continuidade quando de seus afastamentos, impedimento, substituição ou sucessão, nem terá controle algum por parte da própria instituição ou da coletividade. Nesses casos, estará clara a burla ao sistema da lei’.

             No mesmo sentido, José Celso de Mello Filho observou que ‘o inquérito civil, em suma, configura um procedimento preparatório, destinado a viabilizar o exercício responsável da ação civil pública. Com ele, frustra-se a possibilidade, sempre eventual, de instauração de lides temerárias’.

             É bem verdade que, para nos mantermos fiéis ao posicionamento do autor, convém observar que o Min. Celso de Mello defende não ser obrigatória à instauração do inquérito civil. Entende o autor que possuindo o Ministério Público elementos de convicção para o ajuizamento imediato da ação judicial, obtidos por outro meio qualquer (por representação de terceiros, através de outros procedimentos administrativos próprios ou de terceiros, de inquéritos policiais etc), poderá fazê-lo, prescindindo da instauração do inquérito civil".

             Nelson Nery e Rosa Maria de Andrade Nery ensinam que "possuindo elementos necessários, poderá desde logo ajuizar a ação, não estando o MP obrigado a instaurá-lo", todavia ressaltam que "trata-se de procedimento administrativo destinado à colheita de elementos para eventual e futura propositura responsável da ACP, evitando-se o ajuizamento de ação temerária".

             Como verificado convincentes são os argumentos em ambos os sentidos de modo que ficamos até sem bagagem para opinar a respeito, pelo que nos reservaremos apenas à demonstração dos entendimentos supra.

             Apenas ressaltamos que não pode o membro do Parquet agir desenfreadamente sob o manto protetivo das prerrogativas que o ordenamento jurídico lhe confere.

             Ao contrário, deve guardar cautela para que não acabe por prejudicar terceiros que ao depois se saiba inocentes.

             Ainda que se entenda facultativa a instauração de inquérito civil para o ajuizamento de ação civil de improbidade administrativa, é importante que o membro do Ministério Público aja com cautela, na medida em que poderá ser responsabilizado por isso.

             Importante lembrar que Rui Stoco entende que em certas hipóteses é de se admitir a responsabilização do membro do Parquet:

             "Segundo ensinamento de José Frederico Marques, ‘ao contrário do que entendem alguns, o Ministério Público não é órgão do Poder Judiciário. E, tampouco, um quarto poder da soberania nacional. Enquadra-se entre os órgãos da Administração Pública, embora em posição especial, resultante de suas magnas funções na tutela do interesse público’ (Manual de direito processual civil, São Paulo, Saraiva, 1974, 1º vol., p. 291-292).

             Nesse sentido, Cretella Júnior diz que ‘os agentes do Ministério Público não são considerados órgãos judiciários, não exercem jurisdição, nem são auxiliares do Poder Judiciário, acrescentando que a corporação é histórica e constitucionalmente formada de agentes do Poder Executivo, reconhecendo que os atos danosos que porventura pratiquem, emprenham a responsabilidade civil do estado, que arcará com a reparação’ (O Estado e a obrigação de indenizar, n. 209, p. 303).

             Na área penal o Ministério Público é o dominus litis, com prerrogativa exclusiva para dar inicio à ação penal.

             No plano do processo civil, como evidencia Yussef Said Cahali, o Ministério Público desempenha uma tarefa híbrida, de agente equiparado às partes, ou de interveniente necessário nas causas, nos casos previstos em lei.

             O legislador irroga-lhe assim inumeráveis atividades que se vinculam à prestação do serviço judiciário pelo Estado, fazendo dele um instrumento de intermediação do interesse público na administração da Justiça (ob. cit., p. 220).

             Sua responsabilidade funcional, sob o aspecto civil, está prevista no art. 85 do Código de Processo Civil, dispondo que ‘o órgão do Ministério Público será civilmente responsável quando, no exercício das funções, proceder com dolo ou fraude’, sustentando o autor por ultimo citado que, ‘no desempenho dessa atividade junto ao Poder Judiciário, os membros do Ministério Público atuam, dentro de sua especialização, como funcionários públicos, ainda que como agentes da Justiça’ (idem, p. 221).

             Nessa linha de raciocínio tem-se que os membros do Ministério Público podem ser responsabilizados pessoalmente pelos atos que pratiquem no exercício de seu munus ou funções típicas, quando procedam com dolo ou fraude, sendo certo que a fraude constitui uma conduta dolosa, e também por culpa em sentido estrito, embora Pontes de Miranda tenha obtemperado que, inobstante o art. 85 do CPC não tenha falado, como o fez o art. 133, I, com relação aos juízes, da ‘recusa, omissão ou retardamento’, sem justo motivo, de providencia que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte (art. 133, II), a interpretação desse art. 85 não deve dar oportunidade a que se reduza a pouquíssimos casos os de responsabilidade civil dos órgãos dessa instituição (Comentários ao código de Processo Civil, vol. II, p. 147-148).

             Nada impede, contudo, que a ação seja dirigida contra a Fazenda Pública, posto que esses membros do Ministério Público são agentes públicos, incidindo a regra do art. 37, § 6º, da Constituição Federal, cuja responsabilidade é objetiva.

             Aliás, como o responsável imediato por ato de seus agentes é o Estado, representado pela Fazenda Pública, com direito de regresso contra estes, nos termos do dispositivo mencionado da Carta Magna, a ação deve primeiramente ser dirigida ao ente público, que, se condenado, deverá, obrigatoriamente, voltar, em ação regressiva, contra o agente causador do dano, impondo-lhe provar a culpa deste.

             Não se nega que o interessado que tenha sofrido dano ingresse contra um ou outro, ou mesmo contra ambos, sendo certo, contudo, que a responsabilidade objetiva somente atinge o Estado.

             Reformulando nosso entendimento anterior, evoluímos no sentido de admitir a responsabilidade pessoal do membro do Ministério Público por dolo ou culpa, em qualquer das suas modalidade e graus, na consideração de que sua obrigação decorrente dos princípios que informam o dever de reparar e do preceito constitucional que emprenha obrigação ressarcitória dos agentes públicos, nos casos de dolo ou culpa, quando nessa condição causem danos a terceiros.

             Assim, mostra-se despiciendo que o art. 85 do Código de processo Civil ou as Leis Orgânicas do Ministério Público, no âmbito federal ou estadual, tenham eventualmente se omitido acerca desse aspecto".

             No mesmo diapasão Carlos Roberto Gonçalves ao mencionar Lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro segundo a qual até seria admitida a responsabilidade do magistrado em caso de culpa, pondera que os membros do Ministério Público receberam o mesmo tratamento destes pelo CPC.

             Em sentido oposto, Mauro Roberto Gomes de Mattos ressalta que "(...) o magistrado, quando exara opiniões ou profere decisões judiciais, está imune à improbidade administrativa".

             Contudo, ao exercer atribuições administrativas poderá cometer improbidade administrativa, devendo destarte, ser julgado pelo Tribunal, por incidência do foro por prerrogativa de função ex vi da lei 10.628/02.

Ação civil pública ou Ação civil de improbidade administrativa?

             Convicto de que ocorreu ato de improbidade administrativa, cabe ao Ministério Público a promoção da respectiva ação para que sejam punidos os responsáveis e recomposto o patrimônio público.

             Em relação a esta questão a primeira indagação que e faz é acerca do correto procedimento jurisdicional a ser intentado.

             Tal estudo se faz mister, na medida em que adequação é uma das espécies da condição da ação interesse de agir, sem a qual o processo é extinto sem conhecimento de mérito.

             Não obstante dever ser intentada a ação pela via correta, como ainda não se chegou a uma certeza em relação a essa quaestio, os Tribunais têm admitido as duas modalidades, quais sejam, ação civil pública, e ação civil de improbidade administrativa ou ação de improbidade administrativa.

             O Superior Tribunal de Justiça parece entender se tratar de ação civil pública ao determinar procedência de medida cautelar com base na lei 7.347/85. Encontrando-se ainda, no mesmo acórdão: "Se a ação civil pública é o instrumento apropriado, não há como negar a possibilidade de adotarem-se medidas cautelares, nos próprios autos do processo principal. O art. 12 da Lei n. 7.357/85 é muito claro nesse sentido".

             Entendendo não necessitar ser a ação da Lei 7.357/85 o TJMG:

             "VEREADOR – Ação civil ordinária – Improbidade administrativa – Enriquecimento ilícito – Edil processado, pelo mesmo fato, pela Câmara municipal e Pela Justiça comum, na área criminal – Circunstancia que não impede sua condenação na seara cível – Inexistência de bis in idem de sanções, eis que as responsabilidades penal, civil e administrativa são tratadas de forma independente". (grifo nosso)

             Rogério Pacheco Alves entende não haver discordância entre as duas modalidades de actio:

             "Como visto, é cabível o manejo da ação civil pública no campo da improbidade, incidindo as regras processuais previstas na Lei n.º 7.347/85 por ser tutela do patrimônio público um interesse difuso, constatação que serve de pólo metodológico à solução de intrincadas questões processuais no campo de que ora nos ocupamos. Sem prejuízo, evidentemente, da aplicação das regras processuais contidas na própria Lei n.º 8.429/92 que, a nosso juízo, em momento algum se põem em choque com a normativa contida na Lei da Ação Civil Pública".

             No mesmo sentido Wallace Paiva Martins Júnior:

             "Alhures alega-se a incompatibilidade de ritos entre as ações de que tratam as Leis Federais n. 7.347/85 e 8.492/92 (sic) (como se fossem coisas distintas). A ação de responsabilidade por ato de improbidade administrativa segue o procedimento ordinário, conforme expressa ser art. 17. E a ação civil pública, diz Hely Lopes Meirelles que, ‘quanto ao processo dessa ação, é o ordinário, comum, do Código de Processo Civil, com a peculiaridade de admitir medida liminar suspensiva da atividade do réu’. Fábio Medina Osório mostra com muita lucidez que a adoção do rito ordinário (art. 17) não afasta os mecanismos processuais previstos na Lei Federal n. 7.347/85, que se destina também, e por vocação constitucional, à defesa do patrimônio público em sentido amplo, aí incluída a probidade administrativa. Logo, não há incompatibilidade de ritos, o que torna possível a cumulação das duas ações. A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já se pronunciou a respeito, asseverando, diante de recurso que pretendia a impossibilidade jurídica de concessão de liminar em ação civil pública fundada na Lei Federal n. 8.429/92, que o argumento não procedia porque esta constitui uma ‘espécie de gênero ação civil pública’, bem como acentuando o cabimento de liminar na própria ação civil, sob o pálio de que ‘é certo que a providência, com o cunho preventivo e independentemente da desnecessária propositura de outras cautelares nominadas autônomas, encontra previsão na legislação especial invocada, podendo até mesmo atingir a quem, não sendo agente público, veio concorrer para a prática do ato de improbidade danoso ao erário (Lei n. 8.429, de 2.6.92, arts. 3º, 5º, 7º e seu parágrafo único, 10 e 12). E cabia, ademais, ser requerida como liminar da própria ação principal, na forma autorizada pela Lei n. 7.347 de 29 de junho de 1985 (art. 12)’, acrescentando por fim que, em face de improbidade administrativa, além de o Ministério Público possuir legitimidade ativa, pode ‘propor ação civil pública visando a reposição de quantias aos cofres públicos, posto não ser vedada pela lei a utilização desta ação para tal fim’. Isso mostra, por óbvio, que prevalece o sistema de interação referido por Rodolfo de Camargo Mancuso, sedimentado no art. 21 da Lei Federal n. 7.347/85, ‘para a apreciação e julgamento dos conflitos metaindividuais, e que já se vai ramificando, como é exemplo a ação civil pública em matéria de atos de improbidade (Lei n. 8.429/92, arts. 17 e 18) e a ação civil pública em matéria de aplicações no mercado financeiro (Lei n. 7.913/89)’".

             Marino Pazzaglini Filho tem um entendimento mais isolado:

             "Há controvérsia e, muitas vezes, preocupação doutrinária em atribuir nome ou qualificativo a ação civil que tem por objetivo (imediato) a declaração de ocorrência de ato de improbidade administrativa que importa enriquecimento ilícito (art. 9º), ou causa prejuízo ao Erário (art. 10), ou atenta contra os princípios da Administração Pública (art. 11) e, comprovada sua existência, a condenação dos sujeitos passivos (agentes público e terceiros) às sanções de ordem política, administrativa civil previstas no art. 12 da LIA (objeto mediato).

             Em geral, é intitulada ação civil pública (qualificação majoritária), ação de responsabilidade civil ou, simplesmente, ação civil de improbidade administrativa.

             Parece-me menos adequada a denominação ação civil pública, pois tradicionalmente designa a ação, disciplinada pela Lei nº 7.347/85, de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados ao meio ambiente; ao consumidor; a bens e direitos de valor artístico, histórico, turístico e paisagístico; a qualquer outro interesse difuso ou coletivo (v.g., defesa das pessoas portadoras de deficiência, das crianças e adolescentes, dos investidores no mercado de valores mobiliários); e por infração da ordem econômica e da economia popular, enquanto a tutela do interesse difuso da probidade administrativa é regida pela LIA, que apresenta procedimento especial e objetivo diverso daquela.

             (...)

             Para cada categoria de processo, com o intuito de alcançar de maneira mais justa, idônea e útil seu fim, há forma própria de procedimento.

             Assim, quanto ao processo de conhecimento, no qual se insere a ação civil de improbidade administrativa, o diploma processual civil prevê dois tipos de procedimento comum: ordinário e sumário (art. 272). E várias espécies de procedimento especial (art. 271), de jurisdição contenciosa (arts. 890 a 1.102) e de jurisdição voluntária (arts. 1.103 a 1.210). Além disso, leis extravagantes contemplam também procedimentos especiais de uma outra jurisdição.

             Os procedimentos sumários e especiais são utilizados nas hipóteses de lesões ou situações específicas de direito material previstas no CPC ou em legislação especial.

             Decorre dessa regra que, em todas as demais matérias não contempladas expressamente com procedimento sumário ou especial, aplica-se o procedimento e conhecimento ordinário ou comum (arts. 1º a 565 do CPC).

             A LIA impropriamente afirma que a ação civil de improbidade administrativa terá o rito ordinário. Ora, o art. 17, em sua redação original, já contém norma procedimental diversa da prevista no procedimento ordinário, ou seja, a proibição de transação, acordo ou conciliação (art. 17, § 1º). Ao depois, com a nova redação dada ao § 3º do mesmo dispositivo, estabeleceu-se outra régua procedimental própria, distinta da prevista no procedimento ordinário, no que tange à participação das pessoas jurídicas interessadas na relação processual quando a ação de improbidade administrativa for proposta pelo Ministério Público.

             Atualmente, com as profundas alterações feitas no procedimento referente à ação de improbidade, mediante as atuais Medidas Provisórias nº 2.180-35, de 24-8-2001 (§ 5º), e nº 2.225-4, de 4-9-2001 (§§ 6º a 12º), é induvidoso que o processo civil de conhecimento referente à improbidade administrativa concretiza-se ou exterioriza-se por meio de procedimento especial de jurisdição contenciosa.

             Portanto, a ação civil de improbidade administrativa caracteriza-se pela especialidade de seu rito processual".

             Luiz Fabião Guasque tem uma visão constitucional da problemática:

             "(...) o legislador constituinte ampliou os instrumentos de ação pública. (...) Ampliou o campo da ação civil pública que agora protege não apenas o meio ambiente, o consumidor e bens de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, mas o patrimônio público e social e outros interesses difusos e coletivos em sua concepção mais ampla (art. 129, inc. III).

             Note-se que a ação civil tem objeto tão amplo quanto a popular, que se refere à moralidade administrativa com o controle da legalidade a que nos referimos, tendo aquelas por escopo proteger o patrimônio público e social e outros interesses difusos e coletivos. Legitimação mas ampla creio ser impossível, inclusive por vir deferida em nível constitucional".

             Não se pode, contudo, falar em obrigatoriedade de rito, consoante o próprio Luiz Fabião Guasque nos ensina em outra oportunidade:

             "É importante notar, que embora o artigo fale em ‘ação civil’, não há a obrigatoriedade de utilização da ação civil pública de que trata a Lei 7.347/85, que é de rito especial.

             Isto porque, como defendido anteriormente, a legitimação do MP é de natureza constitucional, não podendo ser limitada pela legislação infraconstitucional.

             Dentro desta linha de raciocínio é que o art. 17 determina o procedimento ordinário para a ação que visa à aplicabilidade da sanção da lei, indicando apenas que a mesma é de conhecimento, declarando a responsabilidade e aplicando a penalidade correspondente".

             Marcelo Figueiredo entende que não se trataria da ação civil pública da lei 7.347/85 na medida em que "o objeto da ação civil de improbidade é mais amplo do que o da ação civil pública", ponderando ainda:

             "Cremos ainda, que não se mostra viável naquelas ações (popular ou civil pública) veicular pedido de ressarcimento do dano por ato de improbidade que cause dano ao erário público (art. 10), diante da previsão específica da presente lei, que contempla e inaugura uma nova ação, a á ação civil de reparação de dano’ causado pela improbidade. Deveras, essa ação tem objeto mais amplo do que aquelas, inclusive com penalidades mais graves, seria um contra-senso poder-se ‘optar’ por essa ou aquela via em detrimento da própria punição que se pretende garantir. É dizer, estar-se-ia obstaculizando de uma forma reflexa e impedindo o p Poder Judiciário de soberanamente atender aos pedidos das sanções aplicáveis".

             Como visto, vários as os entendimentos acerca de qual seria o correto procedimento jurisdicional a ser adotado.

             O processo, sempre que intentado pelo Ministério Público será público como já dizia Francesco Carnelutti: "se no processo penal a ação é sempre pública, não cabe decidir, pelo contrário, que no processo civil tenha de ser sempre privada".

             Sábias são as palavras de Pontes de Miranda sempre norteadoras: "As ações coletivas e civis públicas, v. g. populares, são de direito público e, desde que o direito material as tenha, não se lhes poderia negar o ingresso em juízo, através dos remédios jurídicos processuais, próprios ou gerais".

             Rodolfo de Camargo Mancuso ressalta que "em essência toda ação judicial é publica", mas adverte: "cremos que por esse critério não se consegue explicar satisfatoriamente a razão pela qual se deu o nome de ‘ação civil pública’ àquela objeto da Lei 7.347/85".

             De fato, não se pode calcar a atribuição do nomen juris da indigitada actio no fato de toda ação ser pública porquanto público é o processo. Tais argumentos seriam demasiadamente superficiais e não resistiriam a reflexões pouco mais detidas.

             Não se diga, outrossim, que a ação civil pública assim é denominada pelo fato de poder figurar no pólo ativo uma instituição pública v.g. Ministério Público. Não é a linha de raciocínio mais tranqüila.

             Em regra, toda ação civil envolve direito privado. Ocorre, todavia, que nas ultimas décadas vêm sendo ampliada a possibilidade de ações de natureza civil com a finalidade de tutelar interesses não privados.

             É nessa linha que entendemos ser a correta maneira de se atribuir a nomenclatura ação civil pública. Explicamos.

             A ação, ainda que civil, deverá ser considerada pública quando tiver por objeto a tutela de interesses dessa natureza v.g. aqueles elencados na lei 7.347/85 bem como na lei 8.429/92 dentre outras hipóteses.

             A natureza pública da ação civil restringirá a legitimidade ativa permitindo o ingresso em juízo somente daqueles determinados em lei como o caso da lei da ação popular (Lei n.º 4.717/65), lei da ação civil pública (Lei n.º 7.347/85) e lei de improbidade administrativa (Lei n.º 8.429/92).

             Nesse sentido preleciona Rodolfo de Camargo Mancuso

             "Então, parece que se deve desfocar o critério que permite caracterizar essa ação como ‘pública’: passando do aspecto concernente à legitimação ativa (já que o Ministério Público, parte pública, não é o legitimado exclusivo), para o aspecto respeitante ao seu objeto".

             Ainda que o Ministério Público fosse a parte exclusivamente legítima, sem qualquer possibilidade de outra pessoa, seja física ou jurídica, ingressar com ação, não seria tal detalhe que tornaria a ação pública, mas sim a natureza do objeto da ação.

             Em se tratando de ação civil cujo objeto tenha natureza pública poder-se-ia falar em ação civil pública sendo este detalhe que permitiria a legitimidade ativa a entidades como o Ministério Público.

             Seja ação civil pública da lei 7.347/85, seja ação civil de improbidade administrativa, o importante é que o Ministério Público busque, de todas as maneiras, dar total eficácia às disposições da lei 8.429/92. Nesse sentido, entendemos salutar o uso dos instrumentos conferidos pela lei da ação civil pública, bem como quaisquer outros instrumentos jurídicos cabíveis ao procedimento ordinário, em decorrência do art. 17 da lei em comento.

             Medida cautelar na ação de improbidade administrativa

             O CPC trata das medidas cautelares em seu Livro III. Tal previsão torna desnecessária a previsão de cautelares pela lei de improbidade administrativa, na medida em que, ex vi do art. 17 da indigitada lei, as cautelares do CPC são aplicáveis ao processo de improbidade administrativa.

             Ainda assim, previu a lei 8.429/92 ser possível a indisponibilidade de bens e seqüestro dos mesmos, bem como o afastamento do agente público.

             O primeiro ponto a ser ressaltado é a plena e tranqüila possibilidade de serem utilizadas todas as cautelares previstas no Código de Processo Civil para os casos de improbidade administrativa, como entende Wallace Paiva Martins Júnior e Rogério Pacheco Alves.

             No mesmo sentido Marino Pazzaglini Filho:

             "De se ver, outrossim, que, para a proteção de providencia jurisdicional pleiteada em ação de improbidade administrativa, o Promotor de Justiça não está limitado às medidas cautelares nomeadas na LIA, podendo, perante a real necessidade, utilizar-se do poder cautelar amplo específico ou inominado previsto no CPC (arts. 796 a 889)".

             Com relação à possibilidade de utilização de qualquer cautelar em de tratando de improbidade administrativa não há dúvidas.

             Deve, todavia, ater-se o magistrado aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade no tocante à medida a ser utilizada bem como em quais circunstancias.

             Nesse sentido pondera Marcelo Figueiredo:

             "Desnecessário encarecer que a jurisprudência brasileira consagrou o princípio da proporcionalidade como uma das várias idéias jurídicas que fundamentam o exercício dos direitos, bem como a atuação do Poder Judiciário. Qualquer atuação do Poder Judiciário, e sobretudo em suas manifestações concessivas de medidas restritivas (como é o caso da consulta), exige necessidade, de forma adequada e na justa medida, objetivando a máxima eficácia da atuação dos direitos fundamentais".

             Requisitos

             A concessão de medida cautelar em sede de improbidade administrativa submete-se a todos os requisitos necessários para a concessão de qualquer medida cautelar.

             O fumus boni juris (fumo do bom direito), significa a probabilidade de que a pretensão ministerial vá lograr êxito.

             A medida cautelar se presta a garantir que um futuro provimento jurisdicional tenha eficácia.

             Nesse sentido, se não há possibilidade de que ao pedido venha a ser dada procedência não há porque ser concedida a cautelar.

             O periculum in mora (perigo na demora), também se faz mister, na medida em que ainda que presente a probabilidade de que ao pedido venha a ser dada procedência, não há porque ser deferida a medida sem que demonstrada a extrema urgência.

             Medidas cautelares nos próprios autos da ação de improbidade administrativa

             As medidas cautelares podem ser preparatórias, ou incidentais. Quando preparatórias, requerem autuação e tramitação própria para que, em prazo determinado em lei, seja proposta a ação principal.

             Já nos casos de cautelares incidentais, a medida se faz necessária durante o trâmite processual, pelo que dever ser feito pedido ao juízo que esteja conhecendo do processo.

             Nos casos de improbidade administrativa, tais medidas ficaram de fácil acesso e admissibilidade, na medida em que o art. 12 da lei 7.347/85 prevê expressamente tal possibilidade.

             Assim já se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça;

             "A teor da Lei n. 7.347/1985 (art. 12), o arresto de bens pertencentes a pessoas acusadas de improbidade administrativa, pode ser ordenado nos autos do processo principal.

             (...)

             Se a ação civil pública é o instrumento apropriado, não há como negar a possibilidade de adotarem-se medidas cautelares, nos próprios autos do processo principal. O art. 12 da Lei n. 7.357/85 é muito claro nesse sentido".

             Não nos restam dúvidas que impeçam de afirmar a real possibilidade de ser pleiteada qualquer medida cautelar prevista pelo direito processual civil, incluindo as inominadas, nos próprios autos do processo.

             Cautelares em espécie

             Em que pese termos dito que se aplicam todas as espécies de cautelares aos casos de improbidade administrativa, veremos somente aquelas previstas na lei 8.429/92, na medida em que o presente trabalho se concentra na mencionada lei.

             Com isso, prevê a lei de improbidade administrativa três espécies de medidas cautelares tendentes a garantir a eficácia de seu provimento jurisdicional, a saber. Afastamento do agente público; Indisponibilidade de bens; Seqüestro de bens.

             Afastamento do agente público

             O agente público poderá ser afastado cautelarmente de suas atividades como medida que assegure uma tranqüila instrução do processo. Tal medida se encontra no parágrafo único do art. 20 da lei 8.429/92.

             Ressalte-se que como a lei é expressa no sentido de ser medida atinente à correta instrução do processo, tal necessidade deve ser demonstrada, constituindo assim um dos elementos do seu fumus boni juris.

             Não há que se falar em inconstitucionalidade pelo fato de que tal providencia encontra-se expressamente prevista no art. 37, § 4º da própria Constituição Federal, além de que não se trata de perda de função, mas sim de simples afastamento temporário e sem prejuízo dos subsídios percebidos pelo agente público.

             Interessante lição que traz Rogério Pacheco Alves acerca da finalidade e alcance da medida:

             "Busca-se, enfim, propiciar um clima de franco e irrestrito acesso ao material probatório, afastando possíveis óbices que a continuidade do agente no exercício do cargo, emprego, função ou mandato eletivo poderia proporcionar. Por evidente, a medida cautelar vai alcançar qualquer cargo ou função que diga respeito ao objetivo da instrução processual, não aqueles totalmente estranhos ao fato apurado (v.g., o agente, além de Secretário Estadual da Fazenda, leciona na Universidade do Estado, verificando-se que a conduta apurada verificou-se no exercício da função de Secretário)".

             Indisponibilidade de bens

             Ainda que a Constituição preveja a indisponibilidade de bens como uma sanção para os casos de improbidade administrativa, em verdade trata-se de medida cautelar, e não sanção.

             A lei não fala no montante a ser indisponibilizado para o agente, mas dois fatores devem nortear o juízo ao determinar o quantum.

             Em primeiro lugar não deve o magistrado se ater a eventuais valores que se demonstrem inicialmente, na medida em que pode com o desenrolar das investigações se descobrir dano maior do que o inicialmente mensurado.

             Além disso, os efeitos patrimoniais do ato de improbidade administrativa não se restringirão somente ao ressarcimento dos bens e valores, mas também ao pagamento de uma multa civil.

             Com isso, tem-se que o julgador deve superdimensionar o montante a ser indisponibilizado para que ao final não se torne inócua a medida por ter sido a mesma insuficiente.

             A indisponibilidade de bens que vise tão-somente os casos de enriquecimento ilícito, não pode alcançar bens adquiridos antes da prática do ato de improbidade administrativa. E em qualquer caso, não pode alcançar bens adquiridos antes da vigência da lei.

             Nesse sentido Marino Pazzaglini Filho:

             "De se ver que indisponibilidade de bens, na hipótese de enriquecimento ilícito, sem cogitação de lesão ao Erário, somente pode alcançar bens adquiridos posteriormente ao ato de improbidade administrativa imputado ao agente público ou terceiro. Contudo, na hipótese de lesão ao Erário, inexiste essa restrição, devendo a cautelar de indisponibilidade incidir sobre os bens (adquiridos anterior ou posteriormente à prática da improbidade) necessários para garantia a reparação integra dos prejuízos sofridos pelos cofres públicos. Há, nesse caso, apenas um impedimento, ou seja, não pode recair em bens adquiridos antes da vigência da LIA".

             E cita o renomado autor, precedente jurisprudencial do STJ:

             "AÇÃO CIVIL PÚBLICA – MINISTÉRIO PÚBLICO – Legitimidade – Ressarcimento de dano ao erário – Seqüestro de bem adquirido antes do ato ilícito – Impossibilidade. Tem o Ministério Público legitimidade para propor ação civil pública visando ao ressarcimento de dano ao erário.

             A Lei nº 8.429/92, que tem caráter geral, não pode ser aplicada retroativamente para alcançar bens adquiridos antes de sua vigência, e a indisponibilidade dos bens só pode atingir os bens adquiridos após o ato tido como criminoso. Recurso parcialmente provido’ (Resp. nº 196.932/SP, Rel. Min. Garcia Vieira, DJU, 10-5-1999, p. 119)".

             Em sentido contrário entende Wallace Paiva Martins Júnior, para quem a indisponibilidade de bens pode recair "não somente sobre os bens ou valores incorporados ilicitamente ou expressivos da lesão patrimonial, mas também sobre bens ou valores do patrimônio do réu que sirvam para a satisfação da sentença condenatória".

             Outra questão que se coloca é em relação à possibilidade ou não de alegação da impenhorabilidade do bem de família.

             Rogério Pacheco Alves entende que não se aplicará somente em casos de atos de improbidade administrativa que caracterizem-se como crime:

             "A medida de indisponibilidade de bens não poderá alcançar aqueles considerados impenhoráveis pelo legislador ordinário, sob pena de aniquilamento da dignidade da pessoa alcançada pela responsabilização. No entanto, quando a conduta causadora de dano ao patrimônio público também caracterizar crime – hipótese bastante provável – e desde que haja sentença condenatória penal com trânsito em julgado, incabível será a oposição de impenhorabilidade do bem de família, aplicando-se o art. 3º, VI, da Lei nº 8.009, de 29 de março de 1990".

             Wallace Paiva Martins Júnior entende que em nenhuma hipótese pode ser alegada a impenhorabilidade, pois "o art. 3º, VI, exclui do seu âmbito, processos em que sejam proferidas sentenças de indenização ou perdimento de bens cuja aquisição seja ilícita".

             Data venia a opinião do professor Wallace, ficamos com a anterior, vez que a regra do art. 3º, VI, da lei 8.009/90 é regra que impõe restrição de direitos, devendo destarte ser interpretada restritivamente.

             Diz a lei que não se pode opor a impenhorabilidade nos casos de o bem "ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens".

             A exegese do texto normativo nos leva à conclusão de que o ressarcimento, indenização ou perdimento de bens mencionados referem-se somente aos casos de sentença penal.

             A sentença que reconhece ato de improbidade administrativa é sentença cível, na mesma esteira as decisões interlocutórias.

             Por tais motivos comungamos do entendimento do professor Rogério Pacheco Alves, segundo o qual somente não se pode opor a impenhorabilidade nos casos de sentença de atos de improbidade administrativa que se configurem crime, e mais, desde que haja sentença penal condenatória transitada em julgado, tendo em vista o princípio da presunção de não culpabilidade.

             Seqüestro

             Além da medida cautelar de indisponibilidade de bens, cabe também, por disposição expressa da lei 8.429/92, o seqüestro dos bens daquele que tenha enriquecido ilicitamente ou causado danos ao erário.

             Como já salientado tal cautelar não precisaria estar expressamente prevista na lei de improbidade administrativa, na medida em que são cabíveis todas as cautelares em caso de improbidade administrativa.

             Não foi assim o entendimento do legislador, que preferiu inserir expressamente a cautelar de seqüestro na lei de improbidade administrativa, e, data venia o fez equivocadamente.

             O instituto do seqüestro, como concebido no CPC, tem por escopo a eficácia de uma futura execução de obrigação de dar coisa certa.

             O art. 16 da lei 8.429/92 determina que o seqüestro pode ser decretado nos casos de atos de improbidade administrativa que importem em dano ao erário.

             Ora se houve dano ao erário, haverá o respectivo ressarcimento, pelo que, a medida cautelar correta seria o arresto, este sim com a finalidade de garantir a eficácia de uma futura execução por quantia certa.

             Nesse sentido Luiz Fabião Guasque:

             "É interessante notar que a lei mais uma vez foi pouco técnica ao falar em ‘seqüestro’ e referir-se ao procedimento do CPC (arts. 822 e 825).

             Em primeiro lugar porque este, seguindo o modelo italiano, distinguiu o seqüestro do arresto. Aquele é para quando há dúvida sobre a propriedade do bem, e este para a garantia da execução, como é o caso de que trata a lei.

             Em segundo, porque como a lei trata de enriquecimento ilícito, deveria referir-se ao seqüestro de que trata o CPP (arts. 125 e ss.), este sim, sem a distinção técnica referida e mais próprio à hipótese".

             Em que pese a falha legislativa, o texto é válido e eficaz, pelo que não se poderá "seqüestrar" mais bens do que os acrescidos ilicitamente.

             Assim ensina Rogério Pacheco Alves: "Em razão de tais peculiaridades, é correto entender, aqui sim, que a constrição patrimonial se limitará aos bens adquiridos durante o exercício da função pública, mais precisamente àqueles adquiridos a partir e em razão do ato de improbidade".

             Antecipação dos efeitos da tutela

             Como a ação de improbidade administrativa tem rito ordinário, pode se valer de todos os institutos de direito processual civil para a consecução do escopo almejado.

             Nesse sentido é de se admitir a aplicação do instituto da antecipação dos efeitos da tutela (CPC art. 273) para os casos de improbidade administrativa.

             Nesse sentido Rodolfo de Camargo Mancuso:

             "A antecipação dos efeitos da tutela (CPC, art. 273, conforme Lei 8.952/94) é de ser aplicada à ação civil pública, já que esta tramita pelo procedimento comum, sobretudo ordinário, sendo-lhe subsidiário o Código de Processo Civil (art. 19 da Lei 7.347/85)".

             No mesmo sentido Lúcia Valle Figueiredo:

             "Em trabalho anterior já abordamos a possibilidade de concessão de tutela antecipada em ação civil pública. Reproduzimos parcialmente o que já averbamos:

             ‘Note-se que a tutela antecipatória pode ser deferida pelo magistrado singular como também pelo Tribunal, quando for o caso".

             Nos parece salutar a aplicabilidade da antecipação dos efeitos da tutela em sede de ação de improbidade administrativa, na medida em que se configura como mais um instrumento à disposição do Ministério Público para a tutela da probidade administrativa.

             Em que pese a antecipação dos efeitos da tutela restringir-se aos termos do pedido final, haverá exceção no caso em tela, pois não será a antecipação dos efeitos condenatórios da tutela, mas sim àqueles mandamentais v.g. suspensão qualquer contratação com o Poder Público.

             A par dessa particular eficácia da antecipação de tutela nos casos de improbidade administrativa encontram-se aquelas hipóteses em que não se poderá peticionar a medida, visto que há efeitos que se operam somente com o transito em julgado da sentença em virtude da presunção de não-culpabildade.


CONSIDERAÇÕES finais: a atuação ministerial no combate da improbidade administrativa

             No tocante à atuação ministerial no combate da improbidade administrativa duas peculiaridades se fazem mister ressaltar. A eficácia da atuação e sua eficiência, vejamos as diferenças.

             No tocante à eficácia deve-se entender a real produção de efeitos in casu das ações do Parquet.

             Isso se verifica pela aplicação das sanções previstas na respectiva lei nos casos em concreto.

             Tal ocorre com a procedência das ações intentadas pela instituição, na medida em que, conforme transitam em julgado impõem as sanções que somente com a coisa julgada de podem operar, v.g. aquelas previstas no art. 12 da lei 8.429/92, salvo as medidas cautelares e as antecipações dos efeitos da tutela, ambas já estudadas.

             Outro ponto de destaque é aquele que aqui denominamos eficiência, é dizer, o impacto que as ações ministeriais provocam na sociedade.

             Neste aspecto de grande valia tem sido a persecução da improbidade administrativa, vez que com o conhecimento de que há um órgão em constante vigia das ações administrativas, os administradores redobram os cuidados no trato com a coisa pública.

             Como se não bastasse, na medida em que o Ministério Público ingressa com inquéritos civis e respectivas ações, a publicidade faz com que os cidadãos possam saber quem são os seus administradores, destarte podendo escolhê-los melhor.

             Imprescindível a atuação do Ministério Público no zelo pelo patrimônio que, em última análise, é de todos.

             Nesse sentido as palavras de Rita Andréa Rehem Almeida Tourinho com as quais encerramos nosso trabalho:

             "Apesar de, infelizmente, não se ter uma resposta rápida do judiciário na punição daqueles administradores que atentam contra o interesse público, cujas razões não interessam neste trabalho, não podemos deixar de afirmar que a Lei de Improbidade Administrativa – desacreditada por muitos – manuseada por um Ministério Público diligente, preocupado em exercer suas atribuições constitucionais, tem trazido significativas modificações no trato da coisa pública, com também na conscientização do povo brasileiro. Caso a justiça não se encarregue de punir os maus gestores, certamente, a sociedade se encarregara de fazê-lo".


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANCHES JUNIOR, Antonio Roberto. O Ministério Público e a tutela da probidade administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 361, 3 jul. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5390. Acesso em: 24 abr. 2024.