Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/5758
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Carência de ação e coisa julgada

análise da relação direta entre a sentença de carência de ação e o mérito da demanda

Carência de ação e coisa julgada: análise da relação direta entre a sentença de carência de ação e o mérito da demanda

Publicado em . Elaborado em .

Não obstante o pensamento dominante segundo o qual o direito de ação é disponível, pouco se analisa no dia-a-dia forense acerca da possibilidade de uma sentença que julgue o processo extinto por carência de ação tornar-se imutável.

1. Considerações iniciais

O presente artigo trata de tema controverso, verdadeira área nebulosa na doutrina processual civil brasileira atual. Não obstante o pensamento dominante segundo o qual o direito de ação é disponível, decorrência direta de sua formulação abstrata, pouco se analisa no dia-a-dia forense acerca da possibilidade de uma sentença que julgue o processo extinto por carência de ação tornar-se imutável, decorrência do manto protetor da coisa julgada material. Com base em ensinamentos doutrinários e, felizmente, também em algumas manifestações jurisprudenciais, procuramos aqui demonstrar a possibilidade de uma sentença que declare o Autor "carecedor de ação" tornar-se, sim, imutável. Outrossim, torna-se necessária a análise conjunta dos institutos da carência de ação e da coisa julgada (o que procura-se fazer em breves tópicos), para o entendimento satisfatório da presente proposição, que já demonstra possuir adeptos de peso na Ciência do Direito Processual Civil.

Bem se sabe que a carência de ação é um fenômeno que somente passou a existir, positivamente, com o advento do Código de Processo Civil de 1973, diploma legal que sofreu, diretamente, as influências então recentes do italiano Enrico Tullio Liebman, eminente processualista peninsular, que passou alguns tempos no Brasil para se resguardar dos horrores da II Guerra Mundial. Liebman, como grande processualista, procurou conciliar a teoria concreta [1] com a teoria abstrata [2] da ação, por meio de uma construção científica que veio a chamar de teoria eclética [3] da ação.

Segundo a teoria eclética, a ação era, de fato, um direito abstrato, incondicionado, passível de exercício por qualquer pessoa, independente da existência efetiva ou não de um direito subjetivo. Era a ação, pois, nas palavras de Couture, "algo inerente à própria condição de cidadão". Entretanto, Liebman argumentava que o direito processual não poderia, nunca, ter uma autonomia tão grande que viesse a desligá-lo do direito material, razão pela qual determinou a exigência de três condições à ação, para que esta pudesse ser, efetiva e legitimamente, exercida. São as três condições da ação, pois, a Possibilidade Jurídica do pedido (rectius da demanda), a Legitimidade ad causam, e o Interesse Processual.

Não obstante as conceituações do mestre italiano, toda doutrina deve ser analisada com base no Ordenamento para a verificação de sua veracidade e coerência. Assim, nada mais lógico do que utilizar a Constituição como ponto de partida da análise da teoria eclética. E é da leitura do texto elaborado pelo legislador constituinte de 1988 que constatamos a presença de um direito constitucional de ação, representado pela garantia de que "A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito"(Art. 5º., XXXVI da CF/88).

Dessa forma, constatamos a existência de um segundo direito de ação: o direito constitucional de demandar, que se contrasta com o chamado direito processual de ação. Este é o que se sujeita às condições da ação, para que haja o julgamento meritório. Considera-se direito condicionado: sofre restrições à análise do mérito, por parte do ordenamento, em contraste com o direito incondicionado de ação (garantia constitucional), que assegura o direito de demandar a qualquer pessoa.

Estando definidas as premissas básicas do presente estudo, passaremos a analisar, mais pormenorizadamente, a carência de ação, a coisa julgada e, posteriormente, a relação que existe entre ambos os institutos.


2. Carência de ação

"Carência" significa "ausência, falta" [4]. Para Liebman, por ser o direito processual de ação o direito de provocar a jurisdição, sempre que houvesse ação, deveria haver, como na lei de Newton, uma reação. Tal reação seria a tutela jurisdicional. Entretanto, para o professor italiano, só há verdadeira tutela jurisdicional quando do julgamento de mérito. Assim, quando não houvesse extinção do processo por julgamento de mérito, haveria "carência", inexistência de ação. Embora o autor, nesse caso, tivesse exercido a ação incondicionada, ou seu também chamado "direito de petição", haveria por não ter exercido seu direito processual de ação. O exercício do direito processual presume o exercício do direito de petição, embora a recíproca não seja necessariamente verdadeira.

Dá-se a carência de ação quando o Autor deduzir pedido que seja, jurídica ou faticamente, impossível, quando for parte ilegítima, ou quando não houver, por sua parte, interesse processual. Passemos a explicar, assim, cada uma destas condições da ação.

2.1 Possibilidade jurídica do pedido (demanda)

Consiste a possibilidade jurídica do pedido, segundo o douto Arruda Alvim, na "verificação se o pedido é, abstrata ou idealmente, contemplado pelo ordenamento, senão vedado pelo mesmo" [5]. Dessa forma, sempre que o autor fizer um pedido que não se encontra vedado, implícita ou explicitamente, pela ordem jurídica, estará preenchida a referida condição da ação. Tal requisito se mostra extremamente polêmico. Liebman, o formulador da teoria eclética da ação, considerava pedido possível como aquele pleito sobre o qual o juiz poderia emitir um julgamento meritório, uma vez que permitido pelo mesmo ordenamento que o investe na função de órgão jurisdicional. Dava ele os seguintes exemplos [6] de pedidos juridicamente impossíveis: divórcio dos cônjuges, prisão por dívidas, anulação de ato administrativo [7].

Entretanto, em 1973, quando da 3.ª edição de seu Manuale, Liebman excluiu a possibilidade jurídica do pedido como condição da ação. Tal se deve à superveniência, na Itália, de lei que autorizava o divórcio. O mestre italiano, então, passou a considerar todas as outras hipóteses de provimento jurisdicional vedado pela lei como ausência de interesse processual [8].

Apesar disso, a doutrina, por expressa disposição do CPC, continua a adotar a exigência de possibilidade no pedido como uma das condições da ação. Prevalece, então, a visão de Liebman acerca do próprio direito positivo brasileiro, com as peculiaridades que a ele são inerentes.

A nosso ver, a denominação da condição da ação em tela como "possibilidade jurídica do pedido" carece de maior rigor lingüístico. Corroboramos com doutrinadores como Cândido Dinamarco [9] e Nelson Nery Jr. [10], que entendem que o termo "pedido" deve ser entendido de forma mais abrangente possível, no sentido de se englobar, também, os outros elementos identificadores da ação, como a causa de pedir e as partes.

Notadamente, a impossibilidade jurídica pode decorrer, diretamente, de qualquer dos elementos identificadores da demanda: das partes (execução contra pessoa jurídica de direito público), do pedido (ação declaratória de existência de mero fato) e da causa de pedir (ação de cobrança de dívida de jogo). Mais apropriado seria, então, denominar tal condição da ação como possibilidade jurídica da demanda.

Tomemos o exemplo mais corriqueiro de impossibilidade jurídica do pedido no ordenamento jurídico: a dívida de jogo. Se X, credor da dívida, demanda Y, devedor, tal demanda não poderá prosperar, por ser impossível. Entretanto, analisando o pedido, nota-se que X pediu, tão somente, a condenação de Y a pagar uma certa quantia em dinheiro. O pedido é perfeitamente possível. Entretanto, nesta demanda específica, a impossibilidade reside na causa de pedir, qual seja, existência de dívida ilícita.

Outros exemplos de demandas juridicamente impossíveis, encontrados na doutrina: ação de mandado de segurança contra ato de particular [11], mandado de segurança contra lei em tese (a lesão deve ser a direito líquido e certo individual, não geral), ação de usucapião de imóvel urbano, havendo a posse por mais de oito anos [12], ação que tenha por objetivo a anulação do ato administrativo com a análise de seu mérito [13], etc.

Questão interessante é a idéia propalada pela doutrina, segundo a qual a vedação do pedido deve ser expressa. Ora, nada mais incorreto. Concordamos que a vedação deva ser expressa somente no sentido de claramente vedada pelo sistema normativo, e não expressa literalmente na norma jurídica. Tome-se o exemplo da Ação Rescisória, cuja causa de pedir deve-se limitar somente aos incisos do artigo 496. Tal artigo, de uma forma lógica, contém duas significações: uma segundo a qual aquelas causas podem ensejar a rescisória, e outra segundo a qual outras causas não preenchem os requisitos legais. Não há regra expressa dizendo isso, mas trata-se de uma interpretação puramente lógica.

2.2 Legitimidade ad causam

Consiste a legitimidade ad causam, ou legitimidade material, na correspondência entre os partícipes da relação jurídica processual e da relação jurídica material. Em outras palavras, sempre se fará presente a legitimidade quando os titulares da relação jurídica discutida em juízo estiverem presentes no transcorrer do processo. Em uma ação revisional de contrato, por exemplo, as partes legitimadas para discutir em juízo aquele ato serão aqueles que a ele aderiram (relação material).

Acerca desta condição da ação, faz-se mister lembrar dos ensinamentos de Francesco Carnelutti [14], o qual faz a diferenciação entre a legitimidade na relação jurídica de direito material (entre credor e devedor, por exemplo) e a legitimidade processual (legitimidade para estar em juízo). Não menciona, porém, a legitimidade para agir em juízo, (ad causam), que difere da legitimidade ad processum. Entretanto, tal omissão se vê corrigida pelas palavras escorreitas de Liebman:

A legitimação para agir é pois, em resumo, a pertinência subjetiva da ação, isto é, a identidade entre quem a propôs e aquele que, relativamente à lesão de um direito próprio (que afirma existente), poderá pretender para si o provimento de tutela jurisdicional pedido com referência àquele que foi chamado em juízo. [15]

Explicitemos, agora, o conceito de legitimidade. Diferentemente da capacidade, a legitimidade é uma qualidade relacional. Um bom exemplo para ilustrar tal assertiva é a ação de investigação de paternidade, proposta por filho havido fora da relação conjugal. A doutrina de direito de família anterior à CF/88 denominava o filho tido fora do casamento como "filho ilegítimo". Nota-se que ele é qualificado como ilegítimo justamente por não dizer respeito àquela relação jurídica de direito material que é o casamento.

A legitimidade, assim, decorre da posição de uma pessoa em relação à outra. Dessa forma, um professor de direito processual civil é legitimado para dar aula de tal matéria para alunos do curso de direito de uma faculdade. Caso, por exemplo, vá a uma sala de alunos do curso de administração da mesma instituição, para dar aula de economia, notadamente não possuirá legitimidade para fazê-lo [16], uma vez que seu contrato de prestação de serviços para a faculdade (relação jurídica de direito material) lhe dá legitimidade para dar aulas de processo civil (e não de economia) aos alunos de direito (e não de administração), e nada mais além das práticas normais de um professor daquela disciplina.

Conclui-se, pois, que haverá legitimidade para agir sempre que a pessoa que propuser a demanda e a pessoa que nela for indicada como réu (ou ré) forem os sujeitos que participam da relação jurídico-material deduzida em juízo, objeto da controvérsia. Justifica-se a legitimidade como condição da ação, uma vez que somente quem pratica um ato (ou deixa de praticá-lo), ou sofre uma lesão em seu direito pode demandar ou ser demandado. Caótico seria que o Direito admitisse, como regra, que pessoas completamente estranhas à relação de direito material pudessem dispor sobre direito alheio. Seria o fim do princípio da segurança jurídica. Por isso, salutar é a redação do artigo 6º. do CPC: "Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei"

2.3 Interesse processual

Costuma-se dizer que o interesse processual, ou interesse de agir, é aquele que nasce no momento em que se demonstra impossível realizar, pelas vias extrajudiciais, uma pretensão primária. Deve pressupor, pois, uma lesão de direito.

Tal assertiva, porém, remete a conceitos da teoria civilista da ação, imortalizada no artigo 75 do Código Civil. Na verdade, ao se afirmar que o interesse processual só existe quando da lesão de direito, está sendo afirmado, em outras palavras, que a jurisdição é uma atividade secundária, ou seja, só pode se provocada por quem possui uma pretensão secundária, resistida, ou seja, uma lide. Para aclarar ainda mais a questão, deve-se levar em conta a lição de Dinamarco: "o famoso caráter secundário da jurisdição só constitui realidade quando se trata de seu exercício com relação a pretensões que poderiam ter sido satisfeitas por ato do obrigado (prestação)" [17].

Partindo para uma análise mais condizente com o Ordenamento Jurídico moderno, nota-se que pelo CPC de 1973 e pela Constituição de 1988 a ação é considerada como um direito abstrato de provocar a jurisdição. Assim, sob uma ótica abstratista, ou, segundo a nomenclatura de Liebman, eclética, o interesse processual pode ser considerado como a utilidade da tutela jurisdicional pretendida pela parte.

Costuma-se dividir o interesse processual em interesse-necessidade e interesse-adequação.

O interesse necessidade é o interesse que decorre da própria imprescindibilidade de utilização do aparato estatal da jurisdição. Desde que o estado chamou para si a responsabilidade de resolução dos conflitos sociais, por meio da jurisdição, subtraindo do particular a utilização do manus militari, a jurisdição se mostrou imprescindível para aqueles que não conseguiram ver sua pretensão realizada pela mera observância das normas de direito material.

Explicitando um pouco a assertiva, caso o resultado pleiteado no pedido inicial não venha a trazer alguma utilidade ao Autor, não existe a condição da ação em epígrafe. Tomemos como exemplo uma relação jurídica contratual que origina uma dívida pecuniária, a ser paga, conforme o acordo de vontades, em 10 prestações. Caso a primeira prestação venha a vencer em um ano, e mesmo assim o credor (agora autor) ajuíze demanda de cobrança, não haverá, por sua parte, interesse processual, pela única razão de que eventual sentença condenatória lhe será inútil.

O interesse-adequação consiste na exigência de que a tutela pretendida possa gerar efeitos de forma que resolva o conflito. Tutela inadequada é tutela inócua, e como tal, só tende a desmoralizar o Estado Democrático de Direito. Tome-se por exemplo o caso de X, credor, e Y, devedor. Caso Y tenha dado um cheque a X, no valor de R$ 1.000,00, e X venha a propor uma demanda de conhecimento, com fins de obtenção de um título executivo judicial, X será, sem dúvida, carecedor de ação, por não possuir interesse processual-adequação.

Por não haver distinção de qualidade entre os títulos executivos extra-judiciais (cheque) e judiciais (sentença), seria completamente inútil, por inadequação, para X uma tutela que lhe dê um segundo título executivo, por já possuir um. Deve ele, logo, propor demanda com fins de execução do patrimônio de Y, sendo este o procedimento adequado. No mesmo exemplo, consideremos que Y deva a X a importância de R$ 1.000,00, dívida reconhecida por um contrato de confissão, assinado tão somente pelas partes. Caso X proponha demanda executiva, será carecedor de ação, uma vez que não há execução válida sem título.

Para tal se realizar, deveria o contrato estar assinado por duas testemunhas. Robustecendo o segundo caso, inexiste interesse processual, por inadequação procedimental, quando uma pessoa que mantenha contrato de seguro de automóvel proponha ação de execução em face do ente segurador, tendo em vista que os únicos contratos de seguro "executáveis" são os de seguro de vida e de acidentes pessoais.


3. Coisa julgada material

Para que possamos adquirir um conhecimento satisfatório acerca da coisa julgada, se demonstra imprescindível sua delimitação. Tanto o Código de Processo Civil quanto a Lei de Introdução ao Código Civil incidiram no erro de positivar o conceito do instituto em debate.

A LICC já prescrevia, em seu artigo 6.º parágrafo 3.º que "chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso". Tal definição não se demonstra muito apropriada, pois uma decisão interlocutória, por exemplo, é decisão judicial, igualmente à sentença. Caso tal conceito fosse o correto, não haveria necessidade da existência da ação declaratória incidental, uma vez que todas as decisões de questões prejudiciais se acobertariam sobre o manto da imutabilidade.

Já o Código de Processo Civil, em seu artigo 467, define a coisa julgada material: "Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário". O CPC incide em erro mais grave que a LICC, uma vez que atribui como sendo qualificadores da coisa julgada material característica próprias da coisa julgada formal. Ainda, demonstra-se equivocado o referido artigo por confundir a eficácia da sentença com a sua imutabilidade, atributos completamente distintos.

Cumpre aqui coroarmos a sábia lição do douto magistrado e processualista capixaba Cleanto Guimarães Siqueira: "No processo civil, enquanto realidade social dinâmica, e por isso mutável, deve prevalecer, em caso de confronto, a concepção teórica sobre a legislativa" [18].

Assim, dada a imprecisão do legislador, coube à doutrina elaborar um conceito que servisse de guia para os operadores do Direito. A respeito do tema, formaram-se duas correntes majoritárias de pensamento. Uma delas considera a coisa julgada como um efeito da sentença, que a torna efetiva e imutável. A outra considera a coisa julgada como uma qualidade de tais efeitos (ou uma qualidade do próprio ato jurisdicional) que lhe confere o dom da imutabilidade [19]. Credita-se a segunda posição, a dominante na doutrina processual brasileira, às análises precisas de Enrico Tullio Liebman, na obra Eficácia e autoridade da sentença.

Os inúmeros doutrinadores pátrios não discordam muito quando da atribuição de um conceito à coisa julgada. Vicente Greco Filho a considera como "a imutabilidade dos efeitos da sentença, ou da própria sentença que decorre de estarem esgotados os recursos eventualmente cabíveis" [20], adotando, visivelmente, posição conciliatória entre as opiniões de Liebman (qualidade dos efeitos da sentença) e Barbosa Moreira [21] (qualidade da própria sentença).

Ovídio Baptista da Silva faz comentário importante, ao lembrar que a coisa julgada é fenômeno exclusivo do Poder Judiciário, já que todos os atos dos demais Poderes da República são passíveis de revisão pelos órgãos jurisdicionais, dado o princípio constitucional da inafastabilidade do Judiciário. Mais adiante, define a coisa julgada como "a virtude própria de certas sentenças judiciais, que as faz imunes às futuras controvérsias impedindo que se modifique, ou discuta, num processo subseqüente, aquilo que o juiz tiver declarado como ‘a lei do caso concreto’". [22] Ressalta, o mestre gaúcho, o caráter normativo negativo da coisa julgada, sendo lei entre as partes, indiscutível em processos futuros.

Marcelo Abelha Rodrigues, em obra publicada [23], acolhe totalmente a definição de Liebman. Entretanto, em crítica ao conceito enumerado no artigo 467 do CPC, manifesta-se no sentido de ser a coisa julgada "a qualidade imutável da parte dispositiva da sentença, não mais sujeita a nada, dada a preclusão máxima" [24]. Quando se fala em "nada", entendemos que esteja-se falando sobre "nenhum recurso". Ressaltamos a precisão do conceito proporcionado pelo jovem professor, que dá uma noção exata sobre o instituto, não comportando tal definição, a nosso ver, qualquer reparo.

Acreditamos que a coisa julgada seja, de fato, um atributo do dispositivo da sentença, e não um efeito seu. Os efeitos da sentença são seus resultados, que variam com o tipos de tutela jurisdicional: declaratória, condenatória ou constitutiva. Por outro lado, uma leitura atenta do artigo 469 e incisos [25] do CPC nos leva a, juntamente com Marcelo Abelha Rodrigues, concluir que não é a sentença inteira que possui a qualidade de ser imutável, mas tão somente a sua parte dispositiva.

Vale aqui ressaltar que não significa que somente aquilo que estiver fisicamente enumerado na parte dispositiva da sentença formará coisa julgada, mas sim toda a parte da decisão que disser respeito ao dispositivo. Entretanto, a grande atribuição da coisa julgada é seu efeito negativo, qual seja, o de impossibilitar à parte que não teve sua pretensão reconhecida ajuizar demanda em face da mesma pessoa e com o mesmo objetivo.

Muito se fala, na doutrina, sobre a necessidade da coisa julgada. Na verdade, o tema nos parece de conclusão lógica, motivo pelo qual procuraremos explicá-lo com uma singelo reflexão.

Imagine-se uma relação jurídica representada por uma dívida lícita. O devedor, após transcorrido o prazo de adimplemento, não paga a dívida. O credor, vendo seu direito de crédito abalado, resolve entrar em juízo para garanti-lo. Ora, se a decisão jurisdicional pudesse ser sempre objeto de recurso, não gerando coisa julgada, nunca seria formado um título executivo. Sem tal título, não se poderia ajuizar demanda executiva, com o exato fim de satisfazer seu crédito. Vendo-se no prejuízo, e descobrindo que nunca recuperará seu investimento, o credor não mais realizaria empréstimos, o que, com certeza, seria prejudicial à economia, pois com menos circulação de moeda, menos riquezas e empregos são gerados.

Deste simples exemplo, nota-se a vital necessidade da existência da coisa julgada, não só como forma de garantir o Estado Democrático de Direito, mas também como forma de trazer certeza às relações jurídicas. Como já ensinava Kelsen, um mínimo de eficácia da ordem jurídica é necessária para que esta possa ser considerada válida. Sem a coisa julgada, as decisões judiciais seriam apenas mais um pedaço ineficaz de papel, dado que seria impossível gerar efeitos no mundo real. Os efeitos da jurisdição estariam adstritos ao mundo jurídico, que não existe de fato. E tal situação iria de encontro com a própria finalidade da jurisdição, que é garantir a paz social do mundo real.


4. Coisa julgada formal

Coisa julgada formal é a imutabilidade e estabilidade da relação jurídica processual. Em nossa opinião, difere-se da preclusão máxima, que é a impossibilidade total de se praticarem atos processuais com o intuito de se modificar a decisão jurisdicional dada naquele processo específico. A coisa julgada formal é conseqüência direta da preclusão máxima, uma vez que a estabilidade da relação processual, ou seja, o trancamento do processo, gera a inimpugnabilidade da decisão jurisdicional dentro do mesmo aparato instrumental.

Neste mesmo sentido, impecáveis, a nosso ver, são as palavras de Ada Pellegrini Grinover:

Na verdade, porém, coisa julgada formal e preclusão são dois fenômenos diversos, na perspectiva da decisão irrecorrível. A preclusão é, subjetivamente, a perda de uma faculdade processual, e, objetivamente, um fato impeditivo; a coisa julgada formal é a qualidade da decisão, ou seja, sua imutabilidade, dentro do processo. Trata-se, assim, de institutos diversos, embora ligados entre si por uma relação lógica antecedente-conseqüente. [26]


5. Coisa julgada material x Coisa julgada formal

A coisa julgada material é a imutabilidade do dispositivo da sentença, aplicado para fora do processo, qual seja, à relação material. Não coincide, pois, com a coisa julgada formal. Pelo contrário, para que haja aquela, pressupõe-se esta. Certo é que, para que a decisão do juiz possa gerar efeitos no que diz respeito ao direito material, tal provimento deve, primeiro, estar coberto pelo manto da inimpugnabilidade dentro do processo, ou seja, pela coisa julgada formal. Prejuízos enormes poderiam ser provocados à parte, se fosse admitida, como regra geral, a execução de uma sentença que estivesse passível de revisão.

O próprio nome dos institutos já passa uma idéia de sua abrangência. Enquanto a coisa julgada formal, via de regra, gera efeitos tão somente no processo em que se formou, a coisa julgada material se faz eficaz também no direito material, ou seja, seus efeitos, além de incidirem no processo, incidem também na relação jurídica de direito material, impedindo que a decisão seja reapreciada inclusive em processo posterior. A esta impossibilidade pode-se determinar de efeito vinculante negativo da coisa julgada.

Da presente maneira, a coisa julgada material se diferencia da coisa julgada formal pela abrangência de seus efeitos. Enquanto o campo de incidência da coisa julgada formal é restrito à relação jurídica formal (processual), ou seja, ao processo em que se formou, gerando uma inimpugnabilidade relativa, a coisa julgada material cria uma inimpugnabilidade absoluta, uma verdadeira imutabilidade. Uma vez trânsita em julgado a sentença de mérito, ela é, via de regra, imutável.


6. Carência de ação e coisa julgada

Segundo a corrente majoritária na doutrina processual brasileira [27], a sentença proferida com fulcro no artigo 267, VI do CPC formaria, após a incidência do fenômeno da preclusão máxima, coisa julgada meramente formal, não atingindo o plano de direito material. Não haveria, pois, vinculação alguma entre a sentença proferida e a propositura da mesma demanda.

A corrente de pensamento exposta se fundamenta, basicamente, no comando do artigo 268 do CPC. Entretanto, em todos os ramos do Direito, deve-se evitar a interpretação literal e isolada da norma, e privilegiar a interpretação sistemática, com base em todos os dispositivos do diploma legal, como um todo. Logo, importantíssima se demonstra a leitura do artigo 468 do diploma processual brasileiro: "a sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas". Conforme há de se ver mais adiante, tal artigo dá margem à interpretação de que a sentença de carência de ação pode, perfeitamente, formar coisa julgada material. Tal afirmação não se demonstra de todo impertinente, vez que a conclusão semelhante chegou o Colendo Superior Tribunal de Justiça.

Cumpre aqui, explicitamente, expor o ponto principal e a finalidade primeira deste trabalho: responder à seguinte indagação: afinal, a sentença que extingue o processo por carência de ação faz coisa julgada material? Conjuguemos, pois, a análise dos artigos 268 e 468 do diploma processual pátrio.


7. O artigo 268 do CPC

Assim preleciona o artigo 268 do CPC: "Salvo o disposto no artigo 267, n. V, a extinção do processo não obsta a que o autor intente de novo a ação. A petição inicial, todavia, não será despachada sem a prova do pagamento ou do depósito das custas e dos honorários de advogado". A uma primeira leitura de tal artigo, o operador do Direito pensa logo na absurda hipótese de, tendo havido extinção do processo sem julgamento do mérito, poder ajuizar a mesma demanda, ou seja, contendo as mesmas partes, o mesmo pedido, e a mesma causa de pedir.

Caso assim fosse, o advogado só precisaria ir a seu computador, mudar a data da elaboração da petição inicial (ou nem isso!), e imprimi-la novamente, provocando novamente a jurisdição a se manifestar sobre questão já decidida. Devemos lembrar que a atividade do juiz, quando da extinção específica por carência de ação, que é o ponto que nos interessa, configura-se como atividade jurisdicional. E o que caracteriza a atividade jurisdicional, diferenciando-a de demais atividades cognitivas do Estado, é o seu caráter de imutabilidade das decisões proferidas.

Concordamos com Nelson Nery Jr e Rosa Maria Andrade Nery, quando afirmam que, para a "repropositura" [28] da ação faz-se necessária a correção do vício que ensejou sua extinção prévia [29]. Procuramos, também, esclarecer um pouco a questão. Imagine-se um caso de extinção do processo por indeferimento da petição inicial, hipótese elencada no inciso I do artigo 267.

Some-se, a isto, que o motivo de indeferimento da petição inicial tenha sido a sua inépcia, por ausência de correlação lógica entre causa de pedir e pedido. Em homenagem ao princípio da economia processual, tão necessário nos dias de hoje, em que nota-se o fenômeno da multiplicação das lides e da divisão das comarcas, não se pode conceber que, após tal indeferimento, a parte possa ajuizar novamente a mesma demanda, contendo os mesmo vícios. Obviamente que a petição inicial deverá ser alterada, ou seja, o vício deve ser consertado, para que o pedido possa ser apreciado.

Da mesma forma que a correção do vício é necessária para que se possa ajuizar demanda após a extinção com fulcro no artigo 267, I, a extinção por carência de ação deve seguir o mesmo procedimento. Obviamente que em comarcas onde haja mais de uma vara, que trabalham com o regime de distribuição, caso a demanda viciada caia em vara diferente da que extinguira o processo anteriormente, a constatação de violação ao princípio da economia processual, se torna mais difícil. Entretanto, cabe ao Poder Judiciário se organizar para coibir tais tipos de abusos, e cabe também à parte contrária alertar o magistrado de tal procedimento antiético.

Ademais, há uma certa contradição nas palavras da doutrina quando ensina que, para a repropositura da ação deve-se, primeiramente, corrigir o vício prévio. Lembremos que os elementos identificadores de uma demanda são três: as partes, a causa de pedir e o pedido. Atentamos, ainda, para o fato de que "repetir" significa fazer a mesma coisa por mais vezes. Quando todos pedem para que o cantor, ao final do show, repita a música preferida, a platéia pede para que toque a mesma música, e não uma música parecida com aquela.

Dessa forma, uma ação, ou seja, uma demanda será repetida somente se for igual a uma demanda anterior. E a demanda atual será igual à posterior na medida em que as partes, a causa de pedir e os pedidos sejam idênticos. Embora tal pensamento se demonstre perfeitamente lógico, muita confusão é feita pela doutrina quando se fala em "ajuizar, novamente, a mesma ação". Confunde-se, com freqüência, ações (demandas) idênticas com ações (demandas) semelhantes.

Ora, se há necessidade de uma mudança, não sendo possível ajuizar a mesma ação, presente está o aludido efeito vinculante negativo da coisa julgada material. Desde longa data, processualistas da estirpe de Liebman [30], Dinamarco [31] e Bedaque [32] já anteviam tal possibilidade.


8. O artigo 468 do CPC

Passemos, agora, à análise do artigo 468 do CPC: "a sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas". Faz-se necessário, para o entendimento da disposição legal, definir o conceito de lide, o qual se encontra na própria exposição de motivos do CPC:

O projeto só usa a palavra ‘lide’ para determinar o mérito da causa. Lide é, consoante a lição de Carnelutti, o conflito de interesses qualificados pela pretensão de um dos litigantes e pela resistência do outro. O julgamento desse conflito de pretensões, mediante o qual o juiz, acolhendo ou rejeitando o pedido, dá razão a uma das partes e nega-a à outra, constitui uma sentença definitiva de mérito. A lide é, portanto, o objeto principal do processo e nela se exprimem as aspirações em conflito de ambos os litigantes [33].

Sendo o vocábulo lide portador da mesma significação que mérito, nota-se que o artigo 468 se inclina para uma hipótese de julgamento parcial do mérito, capaz de se tornar imutável fora do processo. Mas que haveria de ser o aludido julgamento parcial do mérito?

Podemos afirmar, sem titubear, que o julgamento parcial do mérito nada mais é do que a carência de ação, que, como se viu, é decretada quando não concorrem, na demanda, as três condições da ação: legitimidade, possibilidade jurídica da demanda e interesse processual. A análise das condições da ação deve ser anterior ao julgamento do mérito, por economia processual.

No entanto, é psicologicamente impossível analisar tais condições sem adentrar o mérito, uma vez que, para determinar se estão presentes as condições da ação, deve o juiz analisar a relação material. Uma vez que o CPC adota os termos "lide" e "mérito" como sinônimos, e o julgamento de carência de ação acaba por penetrar no mérito, a sentença que julga o autor carecedor de ação estará julgando parcialmente a lide, ou seja, o mérito, formando, de acordo com o artigo 468 do CPC, coisa julgada material.

Por meio de uma interpretação sistemática, o problema encontra fácil e óbvio deslinde, embora possa surpreender aqueles mais conservadores. O CPC adota, conforme já demonstrado, as palavras "lide" e "mérito" como sinônimos. A própria exposição de motivos do CPC, em seu capítulo III, subseção II, determina que o objeto do processo é a lide. Ora, se a lide é o objeto do processo, e a finalidade da jurisdição é pacificar o conflito social, por meio da análise do mérito, daí já se pode concluir que ambos são sinônimos, conforme demonstrado no item anterior.


9. O acolhimento da tese pela jurisprudência do STJ

Compartilhando da opinião que a mera repetição da ação, com os mesmos elementos, constituía agressão aos princípios informadores do Processo Civil, assim decidiu o Colendo Superior Tribunal de Justiça:

EXTINÇÃO DO PROCESSO. FALTA DE INTERESSE. Se o Juiz extinguiu o processo sem julgamento do mérito – o que não resulta coisa julgada material -, apontando a falta de interesse processual do autor em face da inadequação da ação civil pública ao caso, não é permitida a renovação da mesma causa ipsis litteris. (STJ – 4.ª Turma, em 21/9/2000, no Resp 191.934-SP, Rel. Min. Barros Monteiro – In Informativo 71 do STJ, de 18 a 22.09.2000) (grifos nossos)

Apesar de haver uma aparente contradição no acórdão, por dizer expressamente que não há coisa julgada material, mas tão somente seus efeitos, o mesmo consistiu grande avanço para a difusão da idéia aqui proposta, a qual foi mais bem delimitada em acórdão posterior do mesmo STJ:

ILEGITIMIDADE. TRÂNSITO EM JULGADO. A Turma entendeu, por maioria, que, indeferida a inicial, com a extinção do processo sem julgamento do mérito por falta de legitimidade passiva para a causa, sem que a parte recorra, dá-se o trânsito em julgado material, impossibilitando novo ajuizamento de idêntica ação (art. 301, § 2º, do CPC). Precedente citado: REsp 191.934-SP. REsp 160.850-SP, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, julgado em 17/10/2000.

Nas razões de voto, proclamou o Relator, Ministro Cesar Asfor Rocha, que:

"No entanto, in casu, a autora deixou passar em branco o prazo para o recurso contra o indeferimento da petição inicial e, logo em seguida, ajuizou ação idêntica, com as mesmas partes, pedido e causa de pedir, mas que, por falha ou deficiência no sistema de distribuição, foi aleatoriamente distribuída a outro juízo da mesma comarca, desta feita, talvez por mera sorte da parte autora, sendo proferida sentença por magistrado que comunga de entendimento oposto àquele já objeto de pronunciamento judicial no primeiro processo, para admitir, agora, a instituição financeira no pólo passivo da relação processual.

"Ressalvo, entretanto, que somente se afigura admissível o ajuizamento de nova ação, nos termos do art. 267 do Código de Processo Civil, se a parte proceder à devida correção da deficiência anteriormente verificada, correção esta que conduz, em verdade, a que a segunda ação seja apenas semelhante à anterior, com possibilidade de trazer as mesmas partes, pedido ou causa de pedir, mas nunca idêntica à anteriormente ajuizada, ou seja, com igualdade concomitante de partes, pedido e causa de pedir, sob pena de flagrante litispendência, caso não extinto o primeiro processo, ou de ofensa à coisa materialmente julgada se já extinto aquele, como ocorreu na espécie" (grifos e negrito no original).

Como pode-se notar, os argumentos utilizados pelo Exmo. Ministro Relator são exatamente os mesmos aduzidos no presente artigo, razão pela qual podemos crer que o mesmo tenha a validade científica que dele se espera.

Não obstante os acórdãos acima, em que se pronunciaram os Ministros Relatores Ruy Rosado de Aguiar e César Asfor Rocha, também o Ministro Nilson Naves já veio dar sua contribuição ao desenvolvimento do assunto, no REsp 45935-4-SP, cuja ementa levou a seguinte redação: "Intentar de novo a ação. Não é lícito que o autor intente de novo a ação, quando lhe tenha faltado interesse processual para a anterior. Identidade de ações. Hipótese em que não houve ofensa ao artigo 268 do Código de Processo Civil. Recurso Especial não conhecido."

Assim, podemos concluir que há, definitivamente, suporte lógico, jurídico, doutrinário e, agora, jurisprudencial para a situação que aqui se propõe. Sendo as condições da ação atinentes, mesmo que em parte, ao mérito, e como o artigo 468 prescreve que um "julgamento parcial do mérito" deva formar coisa julgada material, infere-se que o sistema caminha para a aceitação da possibilidade aqui aventada.

Não se deve nunca olvidar, outrossim, que a carência de ação foi um instituto criado com o único intuito de prestigiar a economia processual e acelerar a prestação jurisdicional, motivo pelo qual a adoção da tese aqui proposta importará, sem dúvida alguma, em uma coerção à prática pouco ética de advogados que, tendo sua demanda extinta por ausência de condição da ação, não recorrem de tal decisão a se limitam a reproduzir a ação ora proposta, agora em outro juízo.

Não obstante as conclusões acima transcritas, deve-se, também, demonstrar suas utilidades, sobretudo da última. Uma vez que as condições da ação existem para garantir a economia processual, a sentença que decrete carência de ação e forme coisa julgada material, conforme o artigo 468, estará também primando pelo princípio da boa-fé, evitando que o advogado simplesmente imprima novamente a petição inicial, alterando a data, e repita, literalmente, a demanda viciada por carência de ação. Tal procedimento é eticamente repreensível, pois sabe-se, desde logo, que a ação não poderá proceder.

De fato, tudo o que foi dito no presente artigo já é aceito na doutrina. Quando se fala em necessidade de alterar uma demanda para a sua "repropositura", com base no artigo 268 do CPC, conclui-se que a sentença de carência de ação está gerando um efeito vinculante negativo no plano material. E este efeito é a maior e principal característica da coisa julgada material, garantindo a certeza nas relações jurídicas.


REFERÊNCIAS

AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 2. ed. Rio de Janeiro : Renovar.

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: a influência do direito material sobre o processo. 2. ed. São Paulo : Malheiros. 1999.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução civil. 7. ed. São Paulo : Malheiros. 2000.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Hollanda. Novo dicionário aurélio da língua portuguesa. 2. Ed. Rio de Janeiro : Nova Fronteira.

GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 12. ed. São Paulo : Saraiva, 1997

LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. Tradução e notas de Cândido Rangel Dinamarco. 2. Ed. Rio de Janeiro : Forense. 1984

NERY Jr., Nelson e NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. 4. ed. São Paulo : RT. 1999.

RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de direito processual civil. 2. ed. Vol. I São Paulo : RT. 2000.

RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de direito processual civil.. Vol. II. São Paulo : RT. 2000.

SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de processo civil. 4. ed. Vol. I. São Paulo : RT. 1998.

SIQUEIRA, Cleanto Guimarães. A defesa no processo civil. 2. ed. Belo Horizonte : Del Rey. 1997.


Notas

1 Segundo a escola concretista, somente haveria exercício do direito de ação se houvesse efetivamente, direito subjetivo. Se o autor, logo, tivesse sua demanda julgada improcedente, nunca teria exercido ação.

2 Pela teoria abstrata, a ação era um direito completamente desligado do direito material. Como pode-se notar, tal escola era a completa antítese da teoria concretista.

3 O adjetivo "eclética" vem tão somente demonstrar a intenção conciliatória de Liebman, ou seja, ‘nem tanto ao mar, nem tanto à terra’.

4 FERREIRA, Aurélio Buarque de Hollanda. Novo dicionário aurélio da língua portuguesa. 2. Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. p. 352

5apud RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de direito processual civil. 2. ed. Vol. I. São Paulo : RT. 2000.p. 184

6 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. Tradução e notas de Cândido Rangel Dinamarco. 2. Ed. Rio de Janeiro : Forense. 1984. p. 161.

7 Tal se deve à adoção, pela Itália, do regime jurídico dual (ou francês), no qual os atos administrativos são analisados por órgão específico, que não o Poder Judiciário, a exemplo do Conselho de Estado da França.

8 LIEBMAN, 1984, p. 160-161. Nota 106 de Cândido R. Dinamarco.

9 DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução civil. 7. ed. São Paulo : Malheiros. 2000. p. 57

10 NERY JUNIOR, Nelson. As condições da ação, in RePro 64/37, apud RODRIGUES, 2000, Vol. I p. 184.

11 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de processo civil. 4. ed. São Paulo: RT. 1998. Vol. I. p. 104

12 CALMON DE PASSOS, J.J. Revista de direito processual civil, Saraiva, vol. 4, pág. 61, apud SILVA, 1998, p. 104.

13 DINAMARCO, Execução Civil, 2000, p. 383.

14 Apud AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 2. ed. Rio de Janeiro : Renovar. p. 217.

15 LIEBMAN, 1984, p.159.

16 RODRIGUES, 2000, Vol. I, p. 188.

17 DINAMARCO, Execução civil,2000. p. 397

18 SIQUEIRA, Cleanto Guimarães. A defesa no processo civil. 2. ed. Belo Horizonte : Del Rey. 1997., p. 421.

19 GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 12. ed. São Paulo : Saraiva, 1997. p. 246.

20 GRECO FILHO, 1997, p. 246.

21 apud GRECO FILHO, 1997, p. 257

22 SILVA, 2000, p. 486-487.

23 RODRIGUES, 2000, Vol. II, p. 273

24 Aula sobre "Aspectos polêmicos do direito de ação" proferida em 15/09/2000, na sede da Escola Superior de Advocacia da OAB-ES.

25 "Não fazem coisa julgada: I – os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença; II – a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença; III – a apreciação de questão prejudicial, decidida incidentemente no processo".

26 GRINOVER, Ada Pellegrini, notas ao livro Eficácia e autoridade da sentença, de Enrico Tullio Liebman, p. 68 apud RODRIGUES, 2000, Vol. II, p. 274.

27 SIQUEIRA, 1997, p. 97.

28 O vocábulo se encontra entre aspas porque repropor significa propor novamente. E só se propõe novamente uma demanda que já tenha sido proposta. Uma vez que a demanda com vício de ilegitimidade, por exemplo, tenha tal vício corrigido, será nova demanda, o que torna errado se falar em repropositura.

29 NERY Jr., Nelson e NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. 4. ed. São Paulo : RT. 1999, p. 739.

30 LIEBMAN, 1984, p. 175.

31 LIEBMAN, 1984, p 175, comentário n.º 111 à obra do mestre italiano. V. também, DINAMARCO, Execução civil, 2000, p. 391.

32 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: a influência do direito material sobre o processo. 2. ed. São Paulo : Malheiros. 1999. p. 321. Além de manifestações sobre o tema na obra citada, o referido doutrinador proferiu palestra sobre o tema Condições da ação e mérito, ventilando tese semelhante à deste artigo durante o I Encontro de Direito Processual Civil de Vitória, organizado pela FDV, e realizado entre 15 e 17/06/2000.

33 Exposição de motivos do Código de Processo Civil, Capítulo III, subseção II, item 6.


Autor

  • Cláudio de Oliveira Santos Colnago

    Cláudio de Oliveira Santos Colnago

    Advogado. Sócio da Bergi Advocacia em Vitória - ES. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário (ABDT). Professor de Direito Tributário e Direito Constitucional nos cursos de graduação e pós-graduação da Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET). Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Cursando LLM em Direito Corporativo pelo IBMEC

    Textos publicados pelo autor

    Fale com o autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COLNAGO, Cláudio de Oliveira Santos. Carência de ação e coisa julgada: análise da relação direta entre a sentença de carência de ação e o mérito da demanda. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 456, 6 out. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5758. Acesso em: 24 abr. 2024.