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Dos sistemas processuais penais.

Tipos ou formas de processos penais

Dos sistemas processuais penais. Tipos ou formas de processos penais

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1. INTRODUÇÃO

A atividade jurisdicional consiste em aplicar o Direito ao caso concreto. No caso do Direito Penal, essa atividade se torna essencial, pois, sendo ele de coação indireta, sua concretização só pode se dar com o intermédio do Direito Processual Penal. Tal aplicação se deu, historicamente, de várias formas, denominadas sistemas processuais penais: acusatório (público e privado), inquisitivo, antropológico e misto.


2. ANTECEDENTES

Nas sociedades primitivas, em que a organização estatal era ainda incipiente, a resposta se deu por meio da autodefesa, ou seja, "o próprio sujeito do interesse legalmente protegido consegue, por sua atuação pessoal, que a lei seja respeitada" [1]. O crime era, assim, vingado pela vítima, por seus familiares ou, mesmo, por sua tribo.

Porém, a autodefesa tinha sérios problemas. Se o ofendido fosse menos forte que o ofensor, não poderia fazer nada. Por outro lado, se fosse mais forte, a punição tenderia a ser desproporcional, isto é, mais lesiva que a própria ofensa. De qualquer maneira, se o prejudicado não reagisse, nada poderia ser feito. Portanto, se a punição fosse dada, não seria uma decisão imparcial; caso contrário, se não houvesse punição, a conseqüência seria a impunidade.

Como aperfeiçoamento do exercício da pretensão punitiva, surgiu a autocomposição, que consiste em um acordo entre ofendido e ofensor, de modo a decidir pacificamente o conflito de interesses. Sem dúvida alguma, foi uma evolução se compararmos com a autodefesa, pois se passa do uso da força para a busca do consenso. Aliás, considerando também a economia de gastos, seria uma alternativa excelente, porém, a tendência é de que o oponente menos forte cedesse mais; assim, a autocomposição se torna, de fato, uma rendição. Fernando da Costa Tourinho Filho ainda questiona: "e se um dos conflitantes não quisesse a composição?" [2].

Portanto, a autodefesa e a autocomposição não poderiam prevalecer, a primeira por ser luta privada e a segunda por implicar na renúncia a direitos indisponíveis (o direito de punir do Estado e o direito de liberdade do cidadão). Assim, com o desenvolvimento das sociedades, o Estado tomou para si a aplicação do direito ao caso concreto. Para evitar arbitrariedades, o Estado passou a "dizer o direito", ou seja, aplicar a jurisdição, que é, para Chiovenda, a "função do estado que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, já no afirmar a existência da vontade da lei, já no torná-la, praticamente, efetiva" [3].


3. SISTEMA (OU PROCESSO) ACUSATÓRIO PRIVADO

3.1 CARACTERÍSTICAS

O sistema acusatório predominou na Antiguidade (principalmente na Índia, em Atenas e na Roma republicana) e deve seu nome ao fato de que alguém somente poderia ser levado a juízo mediante uma acusação. Sua nota essencial é a distribuição das funções de acusar, defender e julgar a pessoas distintas (constituição de uma relação processual penal [4]).

São características do sistema acusatório em sua primeira fase:

Com relação ao procedimento adotado: A acusação é facultada à vítima nos crimes menos graves (ação privada) ou a qualquer um do povo nos crimes mais graves (ação popular). Em Roma, já havia entidades públicas que realizavam a acusação (como os Judices Questionis nos casos de homicídio) [5]. Aliás, a acusação iniciava o processo e, somente depois é feito o inquérito pelo próprio acusador. As partes têm disponibilidade sobre o processo, tendo liberdade para iniciá-lo ou terminá-lo da maneira e no tempo em que acharem conveniente. O processo é "coisa das partes" (princípio dispositivo)

Com relação à produção de provas: A autoridade judicial não atua como sujeito ativo da produção de prova (a verdade alcançada no processo é ficta, pois depende das partes, que têm ampla liberdade probatória). Fatos incontroversos não precisam ser provados. Assim, a confissão do réu implica em sua condenação e põe fim ao processo [6]. O juiz decide de acordo com a livre apreciação das provas, mas deve fundamentar suas decisões (princípio da persuasão racional).

Com relação às garantias processuais: Assegura a igualdade entre as partes (princípio de equilíbrio de situações ou da paridade de armas). Existe o contraditório [7] ("verdadeira luta entre o acusador e o acusado" [8]). O processo é público e há predominância da forma oral para os atos processuais (mas, eventualmente, pode ser sigiloso e escrito). O juiz era imparcial [9]. A ampla defesa é assegurada (feita a princípio pelo acusado e posteriormente, em Roma, pelos patronos). Devido à presunção de inocência, o réu respondia ao processo sempre em liberdade. Aí está a mais importante vantagem do sistema acusatório: a garantia de direitos ao acusado.

3.2 INCONVENIENTES

O sistema acusatório, por garantir os direitos do acusado, é típico de sociedades mais democráticas, tendo tomado seus contornos na Roma republicana. Porém, tal tipo de processo penal, em sua fase inicial, apresentava graves problemas [10]:

Freqüentemente, criminosos ficavam impunes, pois a acusação era facultativamente exercida por particulares. Assim, poderia simplesmente não haver quem se interessasse em acusar. Quando o suspeito fizesse parte da elite local, ainda havia o risco de suborno e retaliação por parte deste a quem fizesse a acusação. Além disso, mesmo depois de iniciado o processo, o caráter público dos atos processuais sempre expunha o acusador à sanha dos poderosos que se sentissem ameaçados. Por fim, como o acusado sempre respondia livre ao processo, restava sempre a ele fugir, ameaçar testemunhas, destruir provas etc, podendo tornar inexeqüível eventual sentença condenatória.

A verdadeira função do processo penal (a descoberta da verdade dos fatos), freqüentemente não era alcançada, pois o juiz não tinha poderes probatórios e se contentava com aquilo que as partes traziam ao processo. Sobre isso, temos o contundente magistério de Hélio Tornaghi: "Carradas de razão tinha Manzini ao afirmar que ele ‘era apenas inoportuna e insidiosa cópia do processo civil’" [11] (itálico no original). Além disso, a acusação acontecia antes do inquérito, dando margem a processos que se tornavam inviáveis por falta de um suporte probatório mínimo (hoje chamado de justa causa). Tais acusações freqüentemente eram denunciações caluniosas [12] que tinham motivos espúrios como vingança ou desejo de extorsão.

Todos esses problemas decorrentes do sistema acusatório privado (basicamente a impunidade e o prejuízo à busca da verdade dos fatos) fizeram com que, em Roma, ele fosse paulatinamente substituído pelo sistema inquisitivo.


4. SISTEMA INQUISITIVO

O sistema inquisitivo surgiu como uma superação do sistema acusatório [13] e teve como nota essencial a reunião na mesma pessoa as funções de acusar, defender e julgar. São características desse sistema:

Com relação ao procedimento adotado: A acusação torna-se desnecessária, pois o juiz pode agir de ofício. A investigação era dividida [14] em duas fases: a primeira pesquisava a materialidade do fato e a segunda a autoria. "Os juízes eram permanentes e irrecusáveis. Admitia-se apelação contra a sentença" [15]. O procedimento é escrito e formal, sendo que o juiz só pode basear sua sentença naquilo que consta dos autos ("o que não está nos autos não está no mundo"). O procedimento é sigiloso não apenas para o público, mas também para o próprio réu, sendo o sigilo justificado pela "necessidade de proteger os pobres contra a sanha dos fortes" [16]. Possibilidade de denúncias anônimas e secretas (na Espanha medieval, determinadas igrejas contavam com as "bocas da verdade", aberturas nas quais eram depositadas essas acusações).

Com relação à produção de provas: A colheita de provas cabe ao juiz, que tem total liberdade para isso. O objetivo era descobrir-se exatamente o que aconteceu (princípio da verdade real, material ou absoluta). As provas eram tarifadas, isto é, tinham valores determinados, sendo a confissão a "rainha das provas" e o testemunho a "prostituta das provas". A tortura era usada como instrumento para obter a confissão e, durante a Idade Média, para expiar os pecados dos hereges.

Com relação às garantias processuais: O réu é simples objeto da persecução, não contando com garantias [17] no decorrer do procedimento. O embate entre acusação e defesa se dá em desigualdade de poderes ("O direito de defesa é limitado – como regra – e inexistente, em algumas oportunidades" [18]). A prisão preventiva do acusado durante o processo ocorre na maioria dos casos, pois se presumia a culpa do réu. Excepcionalmente se concedia a liberdade provisória mediante caução juratória ou fiança penal.

Ao contrário do sistema acusatório, o inquisitivo é típico de sociedades de perfil autoritário, tendo surgido na Roma imperial e se desenvolvido na Idade Média por influência do Direito Canônico. De acordo com Fernando Tourinho, "passou a dominar toda ou quase toda Europa a partir do Concílio Lateranense, de 1215" [19]. Entrou em decadência na Europa a partir do século XVIII por influência do Iluminismo e, com a democratização da América Latina a partir da década de 1980, também vem sendo gradualmente substituído em nosso subcontinente.

Porém, elementos do sistema inquisitivo podem se fortalecer mesmo em sociedades de perfil mais democrático quando ocorrem situações de grande turbulência social ou de aumento da criminalidade (como é o caso do Brasil de hoje em dia, em que o aumento vertiginoso da violência tem levado a manifestações favoráveis à supressão de garantias e ao endurecimento do sistema). Tal situação nos alerta para o fato de que não basta que nossa Constituição seja democrática, é preciso que o mesmo se dê com a sociedade brasileira. Nesse sentido, a advertência de Rusconi, "o processo penal de um Estado é um adequado termômetro do conteúdo autoritário ou democrático de sua organização social" [20].

4.1 INCONVENIENTES

O sistema inquisitivo também padeceu de sérios problemas que causaram a sua gradual substituição:

A falta de denúncia impossibilitava que o réu se defendesse devidamente. A mistura de funções na pessoa do juiz (julgar, acusar e defender) impedia que fosse feito um julgamento imparcial. O uso da tortura, procedimento comum e aceito na Idade Média, passou a ser considerado, com o Iluminismo, um atentado aos direitos humanos. As "provas tarifadas" se mostraram um critério meramente matemático e inadequado para a realidade de cada caso. A prisão preventiva obrigatória fazia com que vários réus (posteriormente considerados inocentes) padecessem injustamente e desnecessariamente (não havia, como hoje, o requisito da estrita necessidade [21] para a prisão preventiva).


5. SISTEMA MISTO, REFORMADO, NAPOLEÔNICO OU ACUSATÓRIO FORMAL

O sistema misto situa-se entre o sistema acusatório e o inquisitivo [22] e se caracteriza por contar com o processo dividido em três fases: a) investigação preliminar; b) instrução preparatória e inicial (inquisitiva, portanto, secreta e escrita), na qual se procede a uma investigação preliminar e a uma instrução preparatória a cargo do juiz [23]; e c) final – procede-se ao julgamento com todas as garantias do sistema acusatório.

No Brasil, o sistema misto foi instituído pelo Código do Processo Criminal do Império (Lei 127/1832). Atualmente, porém, o fato de aqui existir um procedimento administrativo com caracteres inquisitivos (por isso mesmo denominado inquérito policial), não nos inclui nessa categoria, pois a investigação conduzida pela polícia [24] é apartada do processo penal.

O sistema misto contou com o grave defeito de, em suas duas primeiras fases, manter características do inquisitivo (sigilo, ausência de garantias para o acusado e parcialidade do juiz, que procedia como acusador). A ideologia liberal da época fez severas críticas a essas características inquisitivas, "exigindo que fossem aumentadas as garantias" [25]. Assim, ao final do século XIX, são adicionadas garantias ao sistema misto (principalmente a ampla defesa), marcando a transição para um sistema puramente acusatório.


6. SISTEMA ANTROPOLÓGICO

O positivismo foi uma corrente filosófica cujo mentor e iniciador principal foi Augusto Comte, no século XIX. Apareceu como reação ao idealismo, opondo ao primado da razão, o primado da experiência sensível (e dos dados positivos). Propõe a idéia de uma ciência sem teologia ou metafísica, baseada apenas no mundo físico/material. Na Itália, foi formada uma escola positivista criminológica que contou com grandes nomes, como Lombroso, Ferri e Garofalo. A idéia central do movimento é a explicação científica do crime como fenômeno biológico, psicológico, antropológico e sociológico.

Nesse sentido, os positivistas italianos propuseram um "sistema antropológico", profundamente diverso dos sistemas anteriores, e, talvez, por isso, nunca foi aplicado. As principais características desse sistema seriam: a) ausência de magistrados juristas no processo, os juízes deveriam ter diploma de sociologia, psicologia e antropologia criminal, para poder fixar a natureza do delito e do criminoso [26]; b) não há ação penal exclusivamente privada, pois a pena é uma necessidade social; c) só há contraditório com relação ao valor das provas do fato, aos antecedentes pessoais e hereditários e aos "sinais antropológicos" do acusado; d) a principal fase do processo é o exame antropológico, que determinará se o condenado é criminoso nato ou um doente mental. No primeiro caso será apenado com a morte e, no segundo, internado em manicômio [27].


7. SISTEMA (OU PROCESSO) ACUSATÓRIO PÚBLICO

Tem características bastante semelhantes ao sistema acusatório da primeira fase, mas conta com um diferencial importantíssimo: a criação de um órgão que tem a função exclusiva de realizar a acusação – o Ministério Público, que, no Brasil, tem a obrigação de agir quando se deparar com indícios de crime de ação penal pública e não pode desistir da ação interposta. É o princípio da legalidade ou da obrigatoriedade, originado da Alemanha.

Em contraponto, nos Estados Unidos, a acusação é uma faculdade do Ministério Público (princípio da oportunidade). De acordo com Edinaldo de Holanda Borges, "Esse juízo de conveniência criou naquele país o denominado plea bargaining, através do qual o Ministério Público negocia com o acusado condições mais favoráveis, à conta do reconhecimento de culpabilidade (quilty plea)", op. cit. [28].

Tal qual em seu primeiro estágio, continua a existir a ação penal privada e a ação penal popular, mas apenas por exceção, nos casos expressamente previstos em lei. No Brasil, a ação penal popular só existe em dois casos: a) nos crimes de responsabilidade [29] de certos agentes políticos a acusação pode ser feita por qualquer cidadão perante a Câmara do Deputados ou o Senado Federal (Lei 1079/50, arts. 14 e 41); b) o habeas corpus pode ser ajuizado por qualquer pessoa (CPP, art. 654). Durante a constituinte de 1987/1988 foi discutida a adoção dessa espécie de ação, mas a sugestão foi rejeitada [30]. Hoje, existe proposta de emenda constitucional que cria a ação penal popular subsidiária (PEC 373/1996).

Além disso: a investigação do crime passou a ocorrer em uma fase anterior ao processo penal, o inquérito policial; a prisão provisória continua sendo admitida, mas apenas excepcionalmente; o processo é, em regra, público sendo o sigilo admitido em situações excepcionais; a acusação deve provar todos os fatos, mesmo aqueles que forem incontroversos (a confissão é apenas mais um elemento de prova).


8. O SISTEMA ACUSATÓRIO E A CONSTITUIÇÃO

O sistema acusatório não é previsto explicitamente na Constituição Federal, mas encontra-se implicitamente reconhecido em vários de seus dispositivos:

A acusação é facultada à vítima ou a seus familiares (ação penal privada), mas se torna obrigatória ao Ministério Público quando houver indícios do cometimento de crime: Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; (...) art. 5º LIX – será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal.

Assegura a igualdade entre as partes (princípio de equilíbrio de situações ou da paridade de armas):

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (grifo nosso)

Existe o contraditório e a ampla defesa: art. 5º LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusado em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. A defesa é assegurada inclusive àqueles que não puderem pagar: LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.

O processo é público:

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

(...)

IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

Existe a presunção de inocência: Art. 5º LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

O inquérito é uma fase anterior ao processo e feito por um órgão específico, a polícia:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

(...)

§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:" (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;

(...)

§ 4º - às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

A CF, como visto, exige o sistema acusatório público. Porém, boa parte da legislação brasileira adota, de forma claramente inconstitucional, elementos do sistema inquisitivo. Tais elementos têm sido eliminados gradativamente, mostrando uma transição entre um sistema misto (acusatório e inquisitório) e um sistema acusatório puro.

Tais normas podem ser divididas em duas categorias: as anteriores e as posteriores à Constituição de 1988. No primeiro caso, acontece a não-recepção (espécie de revogação) dessas normas pela nova ordem constitucional. Para que sua extinção deve-se usar a ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) perante o Supremo Tribunal Federal (STF). Com relação às normas posteriores à Constituição ocorre a inconstitucionalidade (espécie de invalidade ou nulidade). Para que sejam extintas devem ser interpostas: a ação direta de inconstitucionalidade (Adin) e mesmo a ADPF, quando for o caso de normas municipais.


8. RESQUÍCIOS INQUISITIVOS NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

De acordo com Vanessa Curti Perenha Guasques:

"O Código de Processo Penal deve ser interpretado à luz da Constituição, pois esta prevê todo um sistema de garantia individual que permite concluir pela adoção do modelo acusatório de processo. Já o Código de 1941, inspirado na legislação processual penal italiana produzida na década de 30, do século passado, de cunho político-ideológico fascista, propunha medidas em que se visualizava o tratamento de presunção de culpa do investigado/acusado e, na ponderação entre a tutela da segurança jurídica e a tutela da liberdade individual, prevalece a preocupação quase sempre da primeira, sempre legitimada pela "busca da verdade real". [31]

8.1 DO INQUÉRITO POLICIAL (ARTS. 4° a 23)

O inquérito policial é um procedimento administrativo que antecede o processo penal e tem por objetivo a coleta de provas para subsidiar a acusação. Tem características do sistema inquisitivo: é sigiloso e sem contraditório. O juiz deve se abster de participar dessa fase sob pena de estar psicologicamente vinculado aos argumentos que servirão de base para a acusação.

Porém, o CPP, já em seu art. 5° enuncia que "nos crimes de ação penal pública o inquérito policial será iniciado: II – mediante requisição da autoridade judiciária..." Mesmo antes do processo, o magistrado já se arvora em acusador e, vendo a possibilidade de cometimento de crime, requer (ou seja, exige) a instauração de inquérito policial. É improvável que o juiz rejeite a denúncia por falta de justa causa ou mesmo que absolva o réu quando ele mesmo dá início à persecução penal. Obviamente, desaparece sua imparcialidade e retorna-se, mutatis mutandis, ao sistema inquisitivo, em que o juiz age ex officio, independente de demanda da acusação [32].

Além disso, o art. 10, § 1° do CPP determina que, ao final do inquérito, a autoridade policial realize "minucioso relatório do que tiver sido apurado e enviará os autos ao juiz competente". Ora, se o inquérito policial tem por objetivo subsidiar a denúncia ou a queixa, não é o juiz que deve recebê-lo, mas o promotor ou o querelante. Além disso,

"O contato do julgador com a atividade persecutória torna promíscua sua relação com os fatos. Compromete a neutralidade do juiz. E, sem um juiz neutro, toda a atividade jurisdicional resta comprometida... Assim, qualquer contato prévio do juiz com as diligências tomadas no inquérito policial, por comprometer seu envolvimento psicológico com os fatos, além de eticamente reprovável, é inconstitucional". [33]

O juiz não só recebe o inquérito, como também autoriza diligências posteriores a cargo da autoridade policial (art. 10, § 3°). Novamente ressaltamos o óbvio: sendo o inquérito peça necessária para acusação, é o órgão ministerial que deve saber se serão necessárias novas diligências. Novamente, se tem o juiz agindo como acusador! Além de atentatórias ao sistema acusatório as disposições do art. 10 são, na maioria dos casos, de absoluta inocuidade, pois os juízes costumam simplesmente remeter os autos do inquérito ao Ministério Público [34].

De conseqüências mais funestas ainda é o art. 12 do CPP que determina a juntada do inquérito policial aos autos quando este servir de base à denúncia ou à queixa. A esse respeito tem-se

"A objeção de Ada Pellegrini Grinover, segundo a qual, na prática, constata-se uma influência decisiva dos elementos colhidos na primeira fase da persecução penal na forma do livre convencimento do juiz. Tais informações, que deveriam repercutir tão-somente ‘para efeito de provimentos cautelares constritivos ou quanto ao juízo de admissibilidade da acusação’, acabam influindo no ‘próprio juízo de mérito’" [35].

Sem dúvida, assiste razão à autora, pois, na praxe forense, os juízes (togados ou leigos) dão valor quase absoluto às provas coligidas no inquérito policial. Na imensa maioria das vezes, as provas coletadas nesse procedimento são meramente ratificadas durante o processo. Instala-se a confortável "ilusão" de que os policias, como agentes públicos, agem imparcialmente [36]. "Esquece-se" que o inquérito é um instrumento a serviço da acusação! Some-se a isso o fato de as provas serem colhidas sem o amparo do contraditório, e veremos que a isonomia é grandemente prejudicada. A solução preconizada pela doutrina mais moderna é simplesmente retirar o inquérito policial dos autos do processo, possibilitando que exerça sua verdadeira função: fornecer o "suporte probatório mínimo" (justa causa) para que a acusação possa promover a ação penal [37]. Apenas isso. Ressalte-se: o inquérito é o instrumento da acusação, devendo ser utilizado pelo juiz apenas excepcionalmente, como na decretação de prisão provisória [38].

Outro dispositivo de caráter inquisitivo é o art. 28 do código: de acordo com ele, o juiz exerce a função anômala de fiscal da obrigatoriedade da ação penal pública. Assim, o promotor requer ao magistrado o arquivamento do inquérito policial e, se este discordar, remeterá os autos ao Procurador-Geral, que decidirá, em caráter definitivo, sobre a pertinência do arquivamento. Mais uma vez, o juiz se substitui ao acusador ao considerar errôneo o arquivamento. Se o Procurador-Geral decidir por oferecer a denúncia, o juiz da causa já estará automaticamente vinculado à acusação, o que destrói a sua imparcialidade.

Apesar de diuturnamente usado na praxe forense, o uso literal do dispositivo é de nítida inconstitucionalidade. O professor Paulo Rangel [39] sugere uma interpretação conforme a Constituição: o magistrado poderia exercitar tal função anômala, mas o processo, caso o Procurador-Geral resolva denunciar, deveria ser remetido a outro juiz. Data venia, aquele que receber o processo já estará "contaminado" pela posição anterior, provinda do mesmo órgão. Além disso, tal solução pode ser, por vezes, irrealizável em pequenas localidades, pois cada comarca teria que contar ao menos com dois juízes criminais. A melhor solução, a nosso ver, é transferir a responsabilidade de decidir sobre o arquivamento para o órgão superior do MP, mantendo assim incólume o magistrado (vide a redação dada pelo projeto de lei 4.209/2001 ao art. 28 do CPP).

8.2 DA PROVA (ARTS. 155 a 250)

O CPP determina que o juiz tem ampla liberdade para requisitar a produção de provas (art. 156). Porém, o sistema acusatório requer que as funções de investigar e de julgar sejam dadas a personagens diferentes no processo, pois o magistrado, ao requerer a produção da prova perderá a indispensável imparcialidade. Nesse sentido é o magistério de Geraldo Prado:

"Desconfiado da culpa do acusado, investe o juiz na direção da introdução de meios de prova que sequer foram considerados pelo órgão de acusação, ao qual, nessas circunstâncias, acaba por substituir. Mais do que isso, aqui igualmente se verificará o mesmo tipo de comprometimento psicológico objeto das reservas quanto ao poder do próprio juiz iniciar o processo, na medida em que o juiz fundamentará, normalmente, nos elementos de prova que ele mesmo incorporou ao processo, por considerar importantes para o deslinde da questão. Isso acabará afastando o juiz de sua desejável posição de seguro distanciamento das partes e de seus interesses contrapostos, posição essa apta a permitir a melhor ponderação e conclusão" [40].

Há três questões a serem respondidas no tocante ao posicionamento acima exposto. Em primeiro lugar, argumenta-se que o objetivo do processo penal é obter a "verdade real", ou seja, desvendar os fatos tal qual eles aconteceram na realidade. Esse objetivo é absolutamente inalcançável, pois o processo penal volta-se para o passado e o tempo é, por definição, irrepetível. A verdade alcançada no processo é sempre aproximativa (uma "verdade reconstruída"), nunca "absoluta", "substancial", "material" ou "real" [41]. Aliás, a "verdade real" é uma criação da Inquisição, na qual se consideravam os juízes como representantes de Deus e, portanto, infalíveis. Por isso mesmo, concordamos com Aury Lopes Jr. [42] no sentido de que é impossível se falar, hoje em dia, de verdade ou certeza em ciências humanas, mas apenas em probabilidades (grande plausibilidade de que os fatos tenham ocorrido conforme apurado no processo).

Para que o processo se aproxime cada vez mais dos fatos como eles aconteceram, deve-se preservar a figura do juiz, a fim de ele profira uma decisão verdadeiramente imparcial. Por outro lado, é indispensável que se estruture de modo eficiente: a) o órgão investigativo (a Polícia Civil), fortalecendo a polícia científica (criminalística) [43]; b) o órgão acusador (Ministério Público); c) e, principalmente, o órgão de defesa (Defensoria Pública), dando-lhe recursos materiais e humanos para cumprir a sua função [44].

A segunda questão diz respeito à possibilidade de o juiz ordenar a produção de provas que possam beneficiar a defesa. A resposta é positiva, pois o objetivo do processo é servir de instrumento para a aplicação do Direito Penal dando garantias ao acusado (instrumentalidade garantista) [45]. De acordo com os princípios da presunção de inocência e da ampla defesa, possibilita a intervenção moderada do juiz no processo "para, na implementação de poderes de assistência ao acusado, pesquisar de maneira supletiva provas da inocência, conforme a(s) tese(s) esposada(s) pela defesa" [46].

Por fim, deve-se lembrar que a segurança é direito fundamental (CF, art. 5°, caput) e condenar aqueles que são considerados criminosos tem por fim exatamente prover a segurança necessária à população, incitando a obediência às normas por meio da prevenção geral e especial. Assim, já que apenas o MP tem poderes investigatórios, o que se deve fazer quando este atua com desídia ou incúria, possibilitando a absolvição (no mais das vezes por falta de provas) de um réu que efetivamente tenha cometido o crime? Com relação ao réu, se não for interposto recurso pela acusação, nada mais poderá ser feito, pois não existe a revisão criminal ex officio e o cidadão não pode ficar a mercê da ineficiência estatal. Já em se tratando do órgão ministerial, é possível reclamação para a corregedoria do MP e, inclusive, para o recém-criado Conselho Nacional do Ministério Público (CF, art. 103-A, § 2°). O membro do parquet, acaso condenado, sofrerá as pertinentes sanções disciplinares, que vão desde a advertência até a demissão.

8.3 DO PROCESSO SUMÁRIO (arts. 531 a 540)

O arts. 26 e 531 do Código de Processo Penal permite que o processo sumário (das contravenções [47]) se inicie por portaria do juiz. Delegar o poder de iniciativa processual ao juiz faz com que ele se torne parcial, imiscuindo as funções de acusar e julgar. De acordo com a unanimidade da doutrina, tal preceito foi implicitamente revogado pelo art. 129, I da CF que dá competência exclusiva ao MP para promover a ação penal pública.


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Notas

1 MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. Volume 1, p. 8.

2 Processo Penal, vol. 1, p. 5.

3 Instituições de Direito Processual Civil, vol. I, p. 3 apud CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, vol. II, p. 66.

4 A relação processual penal é a relação jurídica que se estabelece entre os sujeitos no processo penal.

5 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. Volume I, p. 89.

6 Nesse sentido é o atual Código de Processo Civil, art. 302: "Presumem-se verdadeiros os fatos não impugnados".

7 O contraditório, decorrência do princípio da igualdade no processo, permite a ciência bilateral dos atos e termos do processo e a possibilidade de contrariá-los.

8 TORNAGHI, Hélio. Curso de processo penal, p. 11.

9 Imparcialidade é eqüidistância do juiz com relação às partes, isto é, não há interesse do magistrado na vitória da acusação ou da defesa. Não se confunde com neutralidade, pois o juiz sempre tem dentro de si determinada carga ideológica que aparece, de maneira mais ou menos explícita, em suas decisões.

10 TORNAGHI, Hélio, op. cit, pp. 11-14.

11 Idem, p. 13.

12 Hoje, no Brasil, a denunciação caluniosa é crime definido no art. 339 do Código Penal.

13 Hélio Tornaghi (op. cit, p. 15) ressalta que "Sem qualquer sombra de dúvida, esse tipo de procedimento foi-se formando aos poucos como corretivo para os defeitos do acusatório. Não surgiu de jato, não foi uma criação da prepotência, não visou à opressão nem ao aviltamento. Ao contrário, foi ditado pela conveniência, pelo bem comum".

14 De acordo com Ada Pelegrini Grinover, "Onde aparece o sistema inquisitório poderá haver investigação policial, ainda que dirigida por alguém chamado juiz, mas nunca verdadeiro processo" in A iniciativa instrutória do juiz no processo penal acusatório.

15 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, op. cit, p. 91.

16 Hélio Tornaghi (op. cit, p. 9). O autor ressalta, ainda, que o próprio Código de Processo Penal permite o sigilo (arts. 486, 561, VI e 745).

17 Dentre elas, o contraditório. Como o processo é definido como "procedimento realizado em contraditório", não há que se falar em processo inquisitivo, mas em "procedimento administrativo em que o Estado se autodefende" (Hélio Tornaghi, op. cit, p. 17).

18 DEMERCIAN, Pedro Henrique; MALULY, Jorge Assaf. Curso de Processo Penal, p. 58. Como exemplo temos o julgamento de Joana D’arc em que ela só poderia escolher seu defensor entre os acusadores. (RANGEL, Paulo, op. cit, p. 48).

19 Processo Penal. Volume I, p. 90.

20 BORGES, Edinaldo de Holanda. O sistema processual acusatório e o juizado de instrução.

21 Cf. art. 312 do Código de Processo Penal.

22 "É a encruzilhada entre as necessidades de repressão e as garantias individuais. O processo tem de ser ‘suficientemente enérgico para evitar a impunidade dos criminosos e bastante dúctil para impedir a perseguição e condenação dos inocentes’". (Hélio Tornaghi, op. cit, p. 17). É chamado também de napoleônico porque foi adotado pela primeira vez no Código de Instrução Criminal francês de 1808.

23 São os denominados "juizados de instrução", criticados pelo fato de o juiz, ao participar da colheita de provas, ter sua imparcialidade afetada. É uma espécie de retorno ao sistema inquisitivo e tem entrado em decadência em vários países, como Colômbia e Itália.

24 Ressalte-se que o procedimento investigativo preliminar ao processo penal é, na maioria dos outros países, encargo do magistrado (juizado de instrução) ou do órgão do Ministério Público.

25 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, op. cit, p. 92.

26 Tal determinação é, sem dúvida, exagerada, mas ressalte-se que as ciências auxiliares ao processo penal (como criminalística, sociologia e psicologia forense) têm importância extraordinária na justa aplicação da lei.

27 ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. O Processo Criminal Brazileiro (sic), pp. 252-253.

28 Ressalte-se que, no Brasil, o princípio da indisponibilidade da ação penal pública condenatória foi mitigado pela criação do instituto da suspensão condicional do processo (Lei 9.099/1995, art. 89).

29 "Crimes de responsabilidade" não são crimes no sentido exato da palavra, mas infrações político-administrativas cometidas por certos agentes políticos.

30 Em países como os Estados Unidos e a Inglaterra, há numerosas hipóteses de ação penal popular, considerada como um modo de exercício da cidadania.

31 In Determinação de interceptação telefônica ex officio – ofensa ao sistema acusatório.

32 O projeto de lei 4209/2001 (art. 4°) exclui a possibilidade da ação penal pública ser iniciada pelo juiz.

33 Nesse sentido, é louvável a iniciativa de determinados tribunais, como os TRFs da 1ª e da 2ª Região, de editar provimentos determinando que o trâmite dos inquérito se dê diretamente entre a Polícia Judiciária e o Ministério Público. Aliás, esse é o teor do projeto de lei 4209/2001 que, em seu art. 9°, § 1° determina que "os autos serão encaminhados ao Ministério Público".

34 O supracitado projeto de lei (art. 9°, § 2°, d) determina que apenas o MP pode requisitar "a realização de diligências complementares".

35 DEMERCIAN, Pedro Henrique; MALULY, Jorge Assaf. Curso de Processo Penal, p. 57.

36 Outra "ilusão" extremamente comum é considerar o membro do MP como "parte imparcial". Além de ser contraditória em seus próprios termos (é impossível a existência de uma parte imparcial), é falaciosa, pois coloca o MP como um órgão "acima do bem e do mal". Juntando-se a isso o simbolismo das vestes talares e do fato de o parquet se sentar ao lado do juiz no Tribunal do Júri, tem-se uma amostra da disparidade de armas no processo penal.

37 É o que dispõe o art. 7° do projeto de lei 4.209/2001.

38 O projeto de lei 4.205/2001 resolve em parte esse problema na nova redação dada ao art. 155.

39 Em curso proferido na Fundação Escola Superior do Ministério Público (Fesmpdft) no dia 6.4.2004.

40 Sistema acusatório. A Conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais, p. 137.

41 Por isso existem os recursos e, principalmente, a revisão criminal (ação autônoma de impugnação que tem por objetivo desconstituir a sentença condenatória transitada em julgado), admitindo a lei, implicitamente, que nem a sentença penal transitada em julgado reveste-se de certeza absoluta.

42 Introdução Crítica ao Direito Processual Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista), p. 267.

43 O quadro atual da polícia é desolador: por total carência de recursos humanos, técnicos e científicos, a criminalística é pouquíssimo usada. Os meios de prova mais comuns são frágeis (basicamente testemunhos e confissão) e, por vezes, obtidos por meios ilícitos (como interceptação clandestina de dados e tortura).

44 A estruturação da Defensoria Pública é hoje o maior desafio para a efetivação do princípio da isonomia no processo penal. Em alguns estados, como São Paulo, tal órgão nem existe e, em quase todos os estados que atua, conta com uma carga enorme de trabalho para poucos defensores mal remunerados.

45 Ressalte-se que a finalidade da persecução penal é, em todas as fases, proteger o mais fraco: na prisão em flagrante protege-se a vítima, durante o processo protege-se o acusado e durante a execução penal protege-se a sociedade.

46 PRADO, Geraldo. Op. cit., p. 137.

47 A ação penal nas contravenções é sempre pública (Decreto-Lei 3.688/1941, art. 17).


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AGUIAR, Alexandre Magno Fernandes Moreira. Dos sistemas processuais penais. Tipos ou formas de processos penais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 727, 2 jul. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6948. Acesso em: 26 abr. 2024.