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Meios alternativos de resolução de conflitos no contexto da crise da administração da Justiça no Ocidente

Meios alternativos de resolução de conflitos no contexto da crise da administração da Justiça no Ocidente

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A voluntariedade de se estabelecer uma paz entre as partes, pelas próprias partes ou com o emprego de um terceiro, revela a exclusão da hipótese de exercício de poder.

Introdução

O artigo será dedicado a apresentar a crise da administração da justiça no Ocidente a partir da segunda década do século XX, notadamente após o término da Primeira Guerra Mundial e o desaparecimento das monarquias centenárias da Europa central e sua substituição por democracias constitucionais, que, por sua vez, contribuem para o surgimento de uma nova gama de direitos.

Esses direitos, outrora inexistentes, são enunciados de maneira genérica no corpo dos novos textos constitucionais europeus, particularmente os das repúblicas da Alemanha e da Áustria, e, embora constituam uma promessa aos cidadãos, acabaram por não receber tratamento imediato para gerar efeitos concretos em favor da sociedade local. A inação por parte dos Estados, seja pela intencional ausência de propósitos na efetivação dos direitos abaixo indicados, seja pela impossibilidade prática na sua realização, motivou indivíduos e grupos de pessoas a dirigir suas demandas aos órgãos locais do Poder Judiciário. Verificou-se, no entanto, um significativo número de ações voltadas para a efetivação dos referidos direitos propostas por figuras que até então não possuíam tradição de confrontamento. O aumento na demanda por serviços judiciários não fora imediatamente absorvido pelo Poder Público local, instaurando-se, assim, uma crise.

A crise, por sua vez, revela um desequilíbrio no sistema judiciário local, e deverá ser, mediante diligente ação de seu administrador, contornada a partir de uma série de opções/escolhas levadas a efeito segundo padrões de otimização, primando pelo restabelecimento do equilíbrio.

O reconhecimento da crise e como forma de contorná-la e/ou de evitar o seu reaparecimento, certas posturas estruturais são adotadas com a finalidade de anular seus efeitos e preservar o sistema de acordo com sua integridade ideal. Dentre outros mecanismos, verifica-se a adoção de meios alternativos para a solução de conflitos em seara extrajudicial, evitando-se, assim, de maneira estimulada ou obrigatória, o ingresso de novas ações judiciais no sistema judiciário.

A crise na administração da oferta de justiça no Ocidente

Atribui-se uma data, em geral, para o início da crise judiciária no continente Europeu. O marco atribuído pela doutrina coincide com os anos posteriores ao término da Primeira Guerra Mundial[1]. Embora seja possível relacionar, ao menos em perspectiva, a tragédia humanitária representada pelo conflito à necessidade subjacente de amparo de um significativo número de pessoas, com os mais variados tipos de demandas, não se ignora que o estado de crise judiciária instaurado se abateu sobre Velho Continente de maneira ampla, sendo observado entre vencedores e vencidos e, também, em países que se mantiveram neutros durante a grande conflagração.

Pode-se afirmar, todavia, que os países vencidos foram aqueles que suportaram essa nova realidade imediatamente após o término do conflito. Em verdade, Áustria e Alemanha observaram e suportaram um desequilíbrio entre a procura e a oferta de justiça em momento imediatamente posterior ao final da Primeira Guerra Mundial. Pode-se, ainda, afirmar que a crise foi verificada, também, em momento imediatamente posterior à promulgação de Textos Constitucionais de perfil republicano-democrático.

A drástica alteração dos sistemas políticos locais observada após a queda de monarquias centenárias, substituídas por Repúblicas democráticas, não ocorreu sem consequências. Essas permearam toda a estrutura social os países em questão e, num primeiro momento, após a enunciação de uma nova gama de direitos de cidadania e de garantias democráticas, causaram, por parte da ação de grupos antagonistas dos regimes democráticos recém instaurados, uma série conflitos e, por conseguinte, ocorrências críticas que abalaram o sistema social, com particular repercussão no direito e na administração da justiça.

Os novos governos demandavam cartas políticas adequadas às novas formas de governo. É o caso da Constituição alemã de 11 de agosto de 1919, mormente conhecida como Constituição de Weimar.

Uma variedade totalmente nova de direitos foi apresentada à população, dentre os quais os econômicos e sociais. Contudo, como a mera atividade legislativa não é suficiente, por si só, para modificar a realidade, mas somente propor uma expectativa ao seu destinatário e um compromisso ao seu emissor, os benefícios enunciados pelas novas leis democráticas não foram percebidos com rapidez pela sociedade local, dando causa, assim, a graves abalos na estrutura social[2].

À vista da ineficiência dos meios políticos ordinários para a efetivação dessas novas classes de direitos, a população local, a qual havia sofrido e continuava a sofrer com os efeitos socioeconômicos do pós-guerra, acorreu-se aos órgãos do Poder Judiciário para que pudessem sorver dos efeitos dos novos direitos. Segundo Boaventura de Souza SANTOS, a crise judiciária se abateu sobre Portugal em momento diverso daquele em que se observou nos países conflagrados, durante a Segunda Guerra Mundial[3]. A situação de crise que se abateu sobre seu sistema de justiça coincide, infere o referido autor, logo em seguida à repercussão na sociedade de um novo grupo de direitos, os quais, por conseguinte, acarretaram a geração de novos atores[4] e, por fim, novos conflitos sociais[5]. Tal ocorrência pode ser equiparada, empiricamente, àquela verificada em Alemanha ao final da Primeira Guerra Mundial.

A conclusão, contudo, não se vincula a um eventual desgaste operado por conta do conflito militar, mas em razão do novel modelo político adotado até então de um Estado de perfil liberal para outro, de caráter assistencial na década de 1960[6].

O sociólogo português indica, em linha gerais, que a estrutura convencional de justiça pública de seu país não estava capacitada, relativamente aos recursos materiais e humanos, para suportar o grande número de ações que buscavam tutelar os novos direitos, instaurando-se, assim, verdadeira crise na administração da justiça local, a qual acabou por acarretar, por parte do Poder Público, a execução de reformas tendentes a solver o passivo processual existentes em seus juízos e tribunais. Também se verificou atividade legislativa direcionada a prever novos mecanismos para a limitação de ingresso e de processamento de novas ações contenciosas[7], que demandariam maior atenção e dispêndio de recursos públicos e de tempo para sua solução. Nesse sentido, a institucionalização de uma série de mecanismos de solução de conflitos que evitam o desenvolvimento do curso ordinário de uma ação judicial, abreviando seu trâmite para o limite de uma manifestação judicial, apresentam, ao menos, garantias de efetividade típicas das ações judiciais, pois se apresentam como um título executivo judicial.

Um segundo momento pode ser identificado, ainda, na história portuguesa em que ocorrera crise (ou, ao menos, o agravamento de um estado de crise) da administração da justiça, no início dos anos 1970, momento em que o país atravessou por severa crise financeira[8]. Os novos atores sociais, outrora sem tradição de confrontação jurídica, acostumados com uma situação econômica e insertos em uma realidade cotidiana de consumo mais abrangente e, ainda, munidos de novos direitos sociais não efetivados recorreriam, de maneira mais comum, aos órgãos do Poder Judiciário com a finalidade de fazer com que se realizassem as pretensões descumpridas pelo novel Estado de bem-estar social. O acesso direito ao Poder Judiciário possui um elemento psicológico bastante característico e compreensível, pois a parte que propõe uma demanda perante a justiça pública o faz com o intuito de, além da eventual obtenção do bem da vida, buscar a intervenção de um órgão cujas decisões são imbuídas de autoridade e de representatividade social.

Conclui, o sociólogo, que o verdadeiro fator de repercussão da crise naquela oportunidade, que, em condições análogas, poderia ser vislumbrada em outros pontos do globo, foi a não adequação dos meios até então disponíveis ao Estado para a solução judicial de conflitos à demanda originada pela modificação da legislação material e da insatisfação das novas relações sociais (e dos conflitos) iniciadas com base nesses novos direitos e em relações marginais operadas pela prática e/ou omissão de garantias de sua efetividade.

O equilíbrio, princípio, característica e busca continuamente pinçada pela operação sistêmica, pode sofrer algum abalo em face de ocorrências imprevisíveis ou no atraso da reação do operador que deve geri-lo.

As escolhas levadas a efeito em face da necessidade de reequilibrar o sistema ocorre de acordo com uma série de possibilidade idôneas e exequíveis apresentadas presentemente ao seu administrador. A seleção se dá de acordo com o estado de compreensão presente e com a capacidade do operador de deduzir das compossibilidades a escolha mais adequada ao reequilíbrio sistêmico, com a pretensão de correção da proposta, mas sem a certeza de sua efetividade.

A realidade da crise instaurada, que representa, necessariamente, um desequilíbrio sistêmico, impende a adoção de meios compreendidos como idôneos para a solução dos problemas apresentados e a readequação do necessário equilíbrio. No caso em tela, o administrador do sistema judiciário vislumbra a crise, o risco de seu colapso, a necessidade de readequação e traça a estratégia para seu reequilíbrio. Dentre outros mecanismos, o Ocidente se propõe a solucionar a crise na administração da justiça com posturas e procedimentos tendentes a retirar do Poder Público o custo temporal, material e humano do curso de processos judiciais e desenvolveu meios alternativos para a solução de conflitos, não raramente como etapa necessária para o acesso à justiça estatal.

Meios alternativos de solução de conflitos: breve notícia

Meios de resolução alternativa de litígios[9] podem ser definidos, de maneira sintética, embora suficiente, como o conjunto de práticas de solução de conflitos alternativas aos meios judiciais[10]. A definição é vaga[11], necessariamente, para não excluir aprioristicamente dada prática do âmbito de estudo proposto ainda não prevista ou não expressamente versada por dado doutrinador. Tais práticas se originam e se desenvolvem no contexto social, não necessariamente vinculado ou claramente desvinculado do direito, embora margeiem questões tratadas pelo ordenamento jurídico local.

As questões juridicamente relevantes, que poderiam ser submetidas à análise de um órgão jurisdicional, acabam por ser tratadas em esfera diversa da judicial ou nessa se insere de maneira acidental, haja vista algum dever inscrito no próprio ordenamento jurídico para cometer eficácia à resolução ultimada. Eventualmente, o direito local poderá se apropriar dessas práticas e desenvolvê-las segundo critérios formais[12], embora com menor grau de formalidade se comparados àqueles critérios empregados para caracterizar os procedimentos judiciais.

Geralmente, afirma-se a voluntariedade[13] como uma das características dos meios de resolução alternativa de litígios.

Essa característica se faria presente, inclusive, nos casos em que o conserto entre os envolvidos se forma de maneira obrigatória, nos casos, por exemplo, da arbitragem necessária[14] e do mecanismo adjudicatório da arbitragem[15], prescritas pelo direito português[16]. A vontade, contudo, para além de caracterizar a parte ideal da prática (ou ânimo) conciliatório, inscreve-se como a verdadeira gênese do instituto, na medida em que se verifica a conjunção de interesses em solucionar determinada disputa, pacificando o conflito instaurado à parte da possível intervenção jurídica disponível[17].

Ponto, ademais, fundamental para a compreensão dos institutos cometidos à expressão genérica resolução alternativa de conflitos, aliado à expressão de vontade (consensual), é a busca de pacificação das relações conflituosas que envolvem as partes interessadas. A voluntariedade de se estabelecer uma paz entre as partes, pelas próprias partes ou com o emprego de um terceiro, revela, por conseguinte, a exclusão da hipótese de exercício de poder[18]. A dimensão do vocábulo poder, empregada para significar o contexto da resolução alternativa de conflitos revela uma capacidade de coagir alguém a fazer algo que voluntariamente não faria[19], é afastada pelo reconhecimento, enquanto princípio, da busca pela paz nas relações conflituosas. Essas podem ou não ter contornos jurídicos.

Margear o direito, contudo, não é pré-requisito para reconhecer a existência ou operacionalidade dos meios alternativos em apreço. Litígio comporta definição ofertada pela língua natural, não sendo necessário, portanto, observar a expressão em seu sentido jurídico, como se poderia depreender da redação do artigo 313, § 2º, II, do Código de Processo Civil brasileiro. Em acepção comum, litígio infere qualquer disputa, divergência entre pessoas[20], cuja oportunidade de resolução se dá pela conjunção de vontades das partes, estimulada ou espontaneamente. A importância da caracterização do litígio como jurídico ou não jurídico resta afastada, pois, para a operação dos meios de resolução alternativa de litígios não se requererá o reconhecimento do objeto da disputa como direito. Ao contrário, o objeto da resolução alternativa é compreendido como interesse e para a solução do litígio que envolve as partes em destaque se valerá de instrumentos diversos daqueles empregados para evidenciar o direito em disputa judicial, revelando maior liberdade para a formação e desenvolvimento das práticas colocadas à disposição para a solução do problema, eventualmente algum ganho de tempo e celeridade, pois não se impõem prazos para os atos individuais.

De maneira geral, afastado o apego à formalidade ou à formalização, observa-se um ponto comum entre as diversas práticas alternativas de resolução de litígios, que reporta à finalidade comum de solucionar a questão de maneira pacífica.

Poder-se-ia apor a essa constatação um importante apontamento: não seria paradoxal reconhecer a existência de princípios a nortear a resolução alternativa de litígios se o referido instituto se caracteriza pela informalidade e, por essa razão, pela ausência de regras aprioristicamente definidas? A resposta possível se estabelece epistemologicamente.

O interesse despertado em estudiosos de diversas áreas do conhecimento científico por práticas alternativas de resolução de conflitos justifica a tendência de ilustração de modelos, autonomia dos modelos[21], princípios fundamentais, princípios secundários, pontos em comum às práticas e de sistematização dos mecanismos empregados para, de maneira geral e especificamente a cada mecanismo, a operacionalização da resolução conflitiva.

Contudo, a intencionalidade que envolve a prática de resolução de conflitos e que aproxima as partes em um acerto comum não colima a necessidade de explícito respeito aos princípios acima indicados, objetos de estudos científicos[22], sob pena de se estabelecer indevida instância formal para legitimação de procedimento e de seu resultado útil. Far-se-ia, se se determinasse o cumprimento de determinados requisitos para a consecução do resultado útil, a instituição de limite injustificado à uma prática social salutar, que possui como resultado secundário/previsível desviar o curso dos conflitos tradicionalmente dirigidos ao Poder Judiciário, estabelecendo-se, assim, como uma das respostas possíveis à crise judiciária contemporânea[23].

Nesse sentido, revelou-se particularmente correta a decisão exarada nos autos do recurso administrativo no pedido de providência nº 0004837-35.2017.2.00.0000[24], que tramitou perante o Conselho Nacional de Justiça brasileiro e julgou desnecessária a presença de Advogado ou de Defensor Público perante os CEJUSCs (Centros Judiciários de Solução de Conflitos), nos termos do artigo 11, da Resolução CNJ n. 125/2010, que dedicou padrões de atuação em meios alternativos para solução de conflitos no âmbito do Poder Judiciário brasileiro. A não-obrigação de presença dos referidos profissionais e que, vale dizer, também se repete com outros operadores do direito (Juízes de Direito, Promotores de Justiça), estimula os interessados na resolução do conflito saídas mais informais, menos cerimoniosas e, portanto, com maior tendência a atingir um termo consensual satisfatórios parra os envolvidos.

Conclusões

  1. A crise da administração da justiça no Ocidente se verificou a partir da segunda década do século XX, notadamente ao final da Primeira Grande Guerra e o conseguinte desaparecimento das monarquias centenárias da Europa central e sua substituição por Estados Democracias Constitucionais de Direito;
  2. A modificação do sistema político contribuíra para o surgimento de uma nova gama de direitos;
  3. Os direitos outrora inexistentes são enunciados de maneira genérica no corpo dos novos Textos Constitucionais europeus, e, embora constituam uma promessa aos cidadãos, acabaram por não receber tratamento imediato para gerar efeitos concretos em favor da sociedade à qual se dirigem;
  4. A omissão dos Estados na efetivação dos novos direitos motivou indivíduos e grupos de pessoas a dirigir suas demandas aos órgãos locais do Poder Judiciário;
  5. A demanda por serviços judiciários não fora imediatamente absorvida pelo Poder Judiciário local, instaurando-se, assim, uma crise na administração da oferta de justiça;
  6. A crise instaurada e não reparada imediatamente constitui um desequilíbrio no sistema judiciário local, o qual deve ser contornado mediante opções/escolhas levadas a efeito segundo padrões de otimização, primando pelo restabelecimento do equilíbrio sistêmico;
  7. Embora esteja posicionada em momento imediatamente posterior ao término da Primeira Guerra Mundial, a crise não se originou necessariamente pela tragédia humana instaurada, mas, principalmente, pela geração de uma nova gama de direitos, a qual não restou socialmente efetivada;
  8. A mera atividade legislativa não é suficiente, por si só, para modificar a realidade. Faz-se necessário o cumprimento do compromisso firmando entre o emissor da norma e os seus benefícios evitando-se, assim, a graves abalos na estrutura social;
  9. Meios de resolução alternativa de litígios, podem ser definidos como o conjunto de práticas de solução de conflitos alternativas aos meios judiciais;
  10. Tais práticas se originam e se desenvolvem no âmbito das relações sociais, não necessariamente vinculado ou claramente desvinculado do direito, embora margeiem questões tratadas pelo ordenamento jurídico local;
  11. A voluntariedade é uma das características dos meios de resolução alternativa de litígios;
  12. Ponto fundamental para a compreensão dos institutos cometidos à expressão genérica resolução alternativa de conflitos é a busca de pacificação das relações conflituosas que envolvem as partes interessadas;
  13. O afastamento da formalidade é um ponto comum entre as diversas práticas alternativas de resolução de litígios, que reporta à finalidade comum de solucionar a questão de maneira pacífica.
  14. Nesse sentido, por fim, é de relevo a recente decisão exarada pelo Conselho Nacional de Justiça de afastar a necessidade de presença de jurista para auxiliar as partes durante os colóquios para solução alternativa de conflitos, pois, assim, permite-se uma autêntica atividade de solução entre as partes envolvidas, maiores interessadas na resolução benéfica do interesse em destaque.


Bibliografia

BASTOS, Susana Filipa Pereira: Arbitragem necessária. Dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra para obtenção do grau de Mestre em Direito na Especialidade em Ciências Jurídico-Forenses. 2016.

FRANÇA, Mariana Gouvêa de: Resolução Alternativa de Litígios. 2.ed. Porto. Almedina. 2012.

HOBSBAWM, Eric: Era dos Extremos. São Paulo. Companhia das Letras. 2005.

SANTOS, Boaventura de Sousa: Introdução à sociologia da administração da justiça, in: Revista de Processo, n. 37. São Paulo. Revista dos Tribunais. 1985.

Ury, William, Jeanne Brett e Steohen Goldberg: Resolução de Conflitos Concepção de Sistemas para Reduzir os Custos dos Conflitos. Lisboa. Actual Editora. 2009.


  1. SANTOS, Boaventura de Sousa: Introdução à sociologia da administração da justiça, in: Revista de Processo, n. 37. São Paulo. Revista dos Tribunais. 1985, p. 121/139.
  2. Contudo, a grande zona de derrota e convulsão, da Alemanha no Ocidente à Rússia soviética no Oriente, testemunhou um espetacular colapso do sistema monetário, comparável apenas ao que se deu em parte do mundo pós-comunista depois de 1989. No caso extremo a Alemanha em 1923 a unidade monetária foi reduzida a um milionésimo de milhão de seu valor de 1913, ou seja, na prática o valor da moeda foi reduzido a zero. Mesmo nos casos menos extremos, as consequências foram drásticas. O avô do autor, cuja apólice de seguro venceu durante a inflação austríaca, gostava de contar a história de que sacou essa grande soma em moeda desvalorizada e descobriu que ela dava apenas para tomar um drinque em seu café favorito (HOBSBAWM, Eric: Era dos Extremos. São Paulo. Companhia das Letras. 2005, p. 78).
  3. SANTOS, Boaventura de Sousa: Introdução à sociologia da administração da justiça, in: Revista de Processo, n. 37. São Paulo. Revista dos Tribunais. 1985, p. 121/139.
  4. Essa integração, por sua vez, implicou que os conflitos emergentes dos novos direitos sociais fossem constitutivamente conflitos jurídicos cuja dirimição caberia em princípio aos tribunais (...). Acresce que a integração das classes trabalhadoras nos circuitos de consumo foi acompanhada e em parte causada pela integração da mulher ao mercado de trabalho, tornada possível pela expansão da acumulação que caracterizou esse período. Em consequência ao aumento do pool de rendimentos familiares foi concomitante com mudanças radicais nos padrões do comportamento familiar (entre cônjuges e entre pais e filhos) e nas próprias estratégias matrimoniais, o que veio a constituir a base de uma acrescida conflitualidade familiar tornada socialmente mais visível e até mais aceite através das transformações do direito de família que entretanto se foram verificando. E esta foi mais uma causa do aumento dos litígios judiciais. (Introdução à sociologia da administração da justiça, in: Revista de Processo, n. 37. São Paulo. Revista dos Tribunais. 1985, p. 121/139).
  5. Cabe agora referir brevemente as condições sociais que, juntamente com as condições teóricas, possibilitaram a orientação do interesse sociológico para as dimensões processuais, institucionais e organizacionais do direito. Distingo duas condições principais. A primeira diz respeito às lutas sociais protagonizadas por grupos sociais até então sem tradição histórica de acção colectiva de confrontação, os negros, os estudantes, amplos sectores da pequena burguesia em luta por novos direitos sociais no domínio da segurança social, habitação, educação, transportes, meio ambiente e qualidade de vida, etc., movimentos sociais que em conjunção (por vezes difícil) com o movimento operário procuraram aprofundar o conteúdo democrático dos regimes saídos do pós-guerra. Foi nesse contexto que as desigualdades sociais foram sendo recodificadas no imaginário social e político e passaram a constituir uma ameaça à legitimidade dos regimes políticos assentes na igualdade de direitos. (Introdução à sociologia da administração da justiça, in: Revista de Processo, n. 37. São Paulo. Revista dos Tribunais. 1985, p. 121/139).
  6. A consolidação do Estado-providência significou a expansão dos direitos sociais e, através deles, a integração das classes trabalhadoras nos círculos de consumo anteriormente fora do seu alcance. SANTOS, Boaventura de Sousa: Introdução à sociologia da administração da justiça, in: Revista de Processo, n. 37. São Paulo. Revista dos Tribunais. 1985, p. 121/139.
  7. Nesse ponto vale destacar a existência de um custo econômico empregado pelo Estado ao litigante para limitar o acesso à atividade fim do Poder Judiciário. Trata-se, na lição de Boaventura de Sousa SANTOS de um obstáculo de caráter econômico e infere: (...) a justiça civil é proporcionalmente mais cara para os cidadãos economicamente mais débeis. É que são eles fundamentalmente os protagonistas e os interessados nas acções de menor valor e é nessas acções que a justiça é proporcionalmente mais cara para os cidadãos, o que configura um fenômeno da dupla vitimização das classes populares face à administração da justiça (Introdução à sociologia da administração da justiça, in: Revista de Processo, n. 37. São Paulo. Revista dos Tribunais. 1985, p. 121/139). O problema também foi objeto de análise na obra de Mauro CAPPELLETTI e Bryant GARTH, para os quais: Pessoas ou organizações que possuam recursos financeiros consideráveis a serem utilizados têm vantagens obvias ao propor ou defender demandas. Em primeiro lugar, eles podem pagar para litigar. Podem, além disso, suportar as delongas do litígio. (...) O alto custo para as partes é particularmente obvio sob o Sistema Americano, que não obriga o vencido a reembolsar ao vencedor os honorários despendidos com seu advogado. Mas os altos custos também agem como uma barreira poderosa sob o sistema, mais amplamente difundido, que impõe ao vencido os ônus da sucumbência. Nesse caso, a menos que o litigante em potencial esteja certo de vencer o que é de fato extremamente raro, dadas as normais incertezas do processo ele deve enfrentar um risco ainda maior do que o verificado nos Estados Unidos. A penalidade dos que adotam o princípio da sucumbência é aproximadamente duas vezes maior ele pagará os custos de ambas as partes (...) (in Acesso à justiça. Porto Alegre. Sérgio Fabris Editor. 2002, p. 21 e16/17).
  8. (Introdução à sociologia da administração da justiça, in: Revista de Processo, n. 37. São Paulo. Revista dos Tribunais. 1985, p. 121/139).
  9. Tradução livre adotada em língua portuguesa por, entre outros, Mariana França Gouvea, para se referir à designação inglesa alternative dispute resolution ou ADR. In Curso de Resolução Alternativa de Litígios. 2.ed. Porto. Almedina. 2012, p. 15.
  10. Conceito inspirado na definição de Mariana França Gouvea, para a qual os meios de resolução alternativa de litígios (...) podem definir-se como o conjunto de procedimentos de resolução de conflitos alternativos aos meios judiciais (In Curso de Resolução Alternativa de Litígios. 2.ed. Porto. Almedina. 2012, p. 15). A expressão procedimentos foi substituída por práticas no conceito talhados pelo autor, com a finalidade de sedimentar a maior diferenciação possível entre os meios judiciais, comumente caracterizados como procedimentos, e as práticas sociais amplamente admitidas e empregadas para a resolução alternativa de litígios.
  11. GOUVEA, Mariana França: Curso de Resolução Alternativa de Litígios. 2.ed. Porto. Almedina. 2012, p. 15. E: A resolução alternativa de litígios não se quer fechada em tipologias estritas pelo que esta indicação é a que hoje vale, mas não limita, nem exclui outras formas de resolução de litígios. Há, aliás, alguns mecanismos conhecidos de outras ordens jurídicas que aí são normalmente tipificados (GOUVEA, Mariana França: Curso de Resolução Alternativa de Litígios. 2.ed. Porto. Almedina. 2012, p. 19).
  12. Mariana França Gouvea não concorda, aparentemente, com a presente conclusão, na medida em que afirmar, acerca do artigo 594, 3, do Código de Processo Civil português, que esta distinção não é suficiente para enquadrar como meio de resolução alternativa de litígios a conciliação judicial (...). A tentativa de conciliação aí prevista é, evidentemente, conduzida por um juiz no âmbito de um processo judicial. Não se trata portanto de um meio alternativo de resolução de litígios não judicial, embora se funde ainda no consenso, apartando-se da clássica forma de resolver o litígio através do tribunal. Contudo, ao final, reconhece que: Ainda que decorra em ambiente judicial, faz sentido, no meu entender, estudar a conciliação judicial ao lado dos outros meios de resolução alternativa de litígios, primeiro porque se trata de uma resposta alternativa ainda que em ambiente judicial e, segundo, porque em mais nenhum lado se estuda e o seu exame é importante em termos de oferta de Justiça. A definição de resolução alternativa de litígios deve, assim, ser alargada a todos os meios de resolução de conflitos que sejam diferentes da decisão (...) judicial (In Curso de Resolução Alternativa de Litígios. 2.ed. Porto. Almedina. 2012, p. 15/16). A crítica apresentada se adequa ao regime processual português, o qual, como verificado, determina que a audiência de conciliação seja conduzida por um juiz de direito. O exemplo brasileiro, contudo, indica que tal função não cabe ao juiz togado, mas ao conciliador, que atua em colaboração com o Poder Judiciário sem, todavia, ser um dos seus servidores, conforme se depreende do artigo 167, do Código de Processo Civil.
  13. O artigo 166, do Código de Processo Civil brasileiro, considera como um dos princípios da conciliação e da mediação a autonomia da vontade, que ressalta o contexto de voluntariedade que envolve os meios alternativos de resolução de litígios.
  14. GOUVEA, Mariana França: Curso de Resolução Alternativa de Litígios. 2.ed. Porto. Almedina. 2012, p. 16.
  15. Os mecanismos adjudicatórios, de que a arbitragem é o exemplo típico, são aqueles que atribuem poder de decisão a um terceiro. Os consensuais, por seu turno, visam à solução através da obtenção de um acordo, permanecendo nas partes, portanto, a capacidade de decisão do litígio (Curso de Resolução Alternativa de Litígios. 2.ed. Porto. Almedina. 2012, p. 17).
  16. Fazendo um balanço da história, de acordo com o estudo elaborado por DUARTE NOGUEIRA, as primeiras manifestações da arbitragem necessária remontam ao século XIII, ao conhecimento das querelas de pequeno valor, que subtraem-se da competência dos tribunais comuns, por motivos de poupança de recursos humanos e até financeiros. A tecnicidade inerente que temos destacado deixou marcas no Livro de Leis e Posturas ao sujeitar as relações entre os homens do mar ao regime da arbitragem necessária. É com o Código de Processo Civil de 1939 que aparece regulada a arbitragem necessária, por meros motivos sistemáticos, nomeadamente para justificar a aplicação supletiva do regime da arbitragem voluntária, nos casos omissos da lei especial (BASTOS, Susana Filipa Pereira: Arbitragem necessária. Dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra para obtenção do grau de Mestre em Direito na Especialidade em Ciências Jurídico-Forenses. 2016, p. 10).
  17. Nesse sentido, Mariana França Gouvea: Tem como ponto de vista os interesses das partes, individualmente considerados, desconsiderando o que o direito determina sobre o caso. Tenta conciliar interesses e não direitos, procurando a pacificação do conflito em detrimento da solução juridicamente correcta. A mediação na sua vertente facilitadora é claramente um meio de resolução alternativa de litígios baseado nos interesses (Curso de Resolução Alternativa de Litígios. 2.ed. Porto. Almedina. 2012, p. 16).
  18. Curso de Resolução Alternativa de Litígios. 2.ed. Porto. Almedina. 2012, p. 17.
  19. URY, William, Jeanne Brett e Steohen Goldberg: Resolução de Conflitos Concepção de Sistemas para Reduzir os Custos dos Conflitos. Lisboa. Actual Editora. 2009, apud Curso de Resolução Alternativa de Litígios. 2.ed. Porto. Almedina. 2012, p. 17.
  20. Verbete consultado no dicionário Caldas Aulete, edição virtual, no sítio: http://www.aulete.com.br/lit%C3%ADgio
  21. A autonomização da negociação como um meio de resolução alternativa de litígios não é pacífica. Há quem entenda que a negociação não é meio de resolução alternativa de litígios, mas antes uma componente de um qualquer dos processos de resolução. Entendo, porém, que a negociação deve ser autonomizada enquanto meio extrajudicial de resolução de conflitos sem intervenção de terceiros. Trata-se de um modelo de resolver conflitos ainda interno, entre as partes. É realmente um instrumento importante inserido em outros métodos de resolução, em especial a mediação. O modelo cooperativo de negociação, desenvolvido pela Escola de Harvard, teve uma grande influência no nascimento e na teorização da mediação facilitadora. (...) Deve ser encarada como um método de resolução de conflitos extrajudicial que pode ser utilizado na sua forma simples, sem terceiros, ou em conjunto com outros métodos de resolução de litígios. A mera constatação do vasto desenvolvimento teórico sobre o tema é já justificação suficiente para se explicar, ainda que brevemente, os seus pontos essenciais Curso de (França, Mariana Gouvêa de: Resolução Alternativa de Litígios. 2.ed. Porto. Almedina. 2012, p. 19/20).
  22. Além da apuração de princípios que, em geral, observam-se na gênese e durante o desenvolvimento dos meios alternativos de resolução de litígios, à Ciência é cominada outras formas de reconhecimento, de análise e de dimensão dos referidos mecanismos. Interessante vertente de estudos busca revelar, conforme lição de Mariana Gouvêa de França: a) o lugar da negociação na resolução alternativa de litígios; b) a distinção entre mediação e conciliação; c) a diferenciação da arbitragem dos demais mecanismos de solução de litígios; d) a inserção de Julgados de Paz no âmbito dos meios de resolução alternativa de conflitos (in Curso de Resolução Alternativa de Litígios. 2.ed. Porto. Almedina. 2012, p. 21).
  23. Curso de Resolução Alternativa de Litígios. 2.ed. Porto. Almedina. 2012, p. 22.
  24. A questão versa sobre a necessidade de alteração da redação do artigo 11da Resolução n.º 125/2010 que dispensa a assistência jurídica de advogados ou defensores públicos nas audiências realizadas nos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania CEJUSCs. Este Conselho, considerando a necessidade de se consolidar uma política pública permanente de incentivo e aperfeiçoamento dos mecanismos consensuais de solução de litígios, editou a Resolução CNJ nº 125/2010, que dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário. A supramencionada norma orientou os tribunais a criarem Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos, que, por sua vez, teriam como atribuição a instalação dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, com o objetivo da realização das sessões de conciliação e mediação que estivessem a cargo de conciliadores e mediadores, bem como do atendimento e da orientação ao cidadão (artigos 7º, IV e 8º). O artigo 8º, §1º, da Resolução CNJ nº 125/2010 estabelece dois tipos de sessões de conciliação e mediação: as pré-processuais e as processuais. O artigo 10 ainda determina que cada Centro Judiciário deve abranger setor de solução de conflitos de cidadania. A referida norma expressamente estipulou que Nos Centros poderão atuar membros do Ministério Público, defensores públicos, procuradores e/ou advogados (artigo 11), em atenção ao espírito da solução de conflitos (conciliação e mediação) e à própria essência dos referidos centros, que foram criados no intuito de estarem disponíveis e acessíveis a todos. Os CEJUSCScontarão, conforme acima relatado, com setor de cidadania, que realizará o primeiro contato do cidadão, dando a este acesso a informações sobre os locais onde poderá resolver seu problema, caso não seja no CEJUSCS e sobre formas rápidas e satisfatórias de resolvê-lo: conciliação ou medição. Nesses termos, o usuário, informará sua necessidade/demanda, sendo informado sobre as características, vantagens e desvantagens da conciliação e da mediação, com audiências designadas nos moldes da fase pré-processual se assim desejado for pela parte, ou, caso não seja esta a alternativa, orientado a procurar outros órgãos competentes para a solução de seu conflito. No setor processual são realizadas as audiências de conciliação e mediação de processos em trâmite na justiça e no setor pré-processual são feitas as sessões antes da judicialização, sendo os conflitos resolvidos de modo informal. Não se discute quanto à indispensabilidade da presença de advogado nas atividades de conciliação e mediação de conflitos judiciais, excepcionada no caso dos Juizados Especiais, por expressa previsão legal, hipótese diversa com o que ocorre nos procedimentos extrajudiciais. É o que se depreende da leitura dos dispositivos da Lei nº 13.140/2015, que dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública: Art. 9º Poderá funcionar como mediador extrajudicial qualquer pessoa capaz que tenha a confiança das partes e seja capacitada para fazer mediação, independentemente de integrar qualquer tipo de conselho, entidade de classe ou associação, ou nele inscrever-se. Art. 10. As partes poderão ser assistidas por advogados ou defensores públicos. (...) Art. 25. Na mediação judicial, os mediadores não estarão sujeitos à prévia aceitação das partes, observado o disposto no art. 5o desta Lei. Art. 26. As partes deverão ser assistidas por advogados ou defensores públicos, ressalvadas as hipóteses previstas nas Leis nos 9.099, de 26 de setembro de 1995, e 10.259, de 12 de julho de 2001. (...) (grifos nossos) Não foi outro entendimento da Presidente da Comissão de Acesso à Justiça e Cidadania, a E. Conselheira Daldice Santana, consubstanciado no parecer abaixo transcrito: A Resolução CNJ n. 125/2010 contempla dimensões distintas de acesso à ordem jurídica justa e, por essa perspectiva ampliada de acesso à justiça, prevê a possibilidade, e não a obrigatoriedade, de atuação de membros do Ministério Público, de defensores públicos, de procuradores e/ou de advogados nas demandas apresentadas aos CEJUSCs. Conforme já citado, os Centros atendem tanto as partes em conflito, nas fases pré-processual e processual, quanto cidadãos, nos serviços que compreendem auxílio prestado por meio de informações, esclarecimentos e orientações, conforme o caso. A possibilidade de acompanhamento do cidadão ou do jurisdicionado por advogado ou defensor público, conforme consta do artigo 11 da Resolução, submete-se rigorosamente às leis de regência (Lei de Mediação, Código de Processo Civil e Constituição Federal). Não há de cogitar-se exorbitância, desconformidade, tampouco incongruência do quanto disciplinado na Resolução relativamente às disposições processuais que preveem a necessária participação de advogado ou de defensor público no processo judicial, bem como a possibilidade de participação desses atores na fase pré-processual (assegurada quando apenas uma das partes está assistida, reparando-se, dessa forma, o equilíbrio jurídico da negociação). Quanto à presença de procuradores nos CEJUSCs, para acompanhamento dos cidadãos em suas demandas por serviços de cidadania, não há razoabilidade em torná-la obrigatória. Nesses casos, o cidadão é diretamente informado ou orientado por servidor público devidamente capacitado (artigo 2º, inciso II, e artigo 9º, §§ 2º e 3º, da resolução CNJ n. 125/2010) e sem formalidades processuais. Esses serviços não são acionados para solucionar um conflito jurídico específico, mas sim para obter, por exemplo, documentos públicos ou para realizar casamento coletivo. Impende consignar, ademais, que o exercício da cidadania, praticado sem a assistência jurídica de advogado ou de defensor público não mitiga, nem reduz a realização do próprio direito. Aliás, a possibilidade de ajuizamento de ações nos Juizados Especiais Cíveis, sem a compulsória assistência de advogado ou de defensor público, é admitida na legislação brasileira desde 1984 e, não obstante os argumentos do douto CFOAB em sentido contrário, o Colendo Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a constitucionalidade do exercício direto desse direito postulatório. (grifos nossos). Além dos argumentos expostos, vê-se que o questionamento ora em análise já foi objeto de apreciação anterior pelo Plenário deste Conselho (Consulta n.º 0001702-54.2013.2.00.0000) que, apesar de não ter expressamente consignado o artigo 11 da Resolução CNJ nº 125/2010, versou sobre o tema aqui exposto. A consulta, que tem caráter normativo geral (artigo 89, §2º, RICNJ), por ter sido respondida, por unanimidade, foi exarada nos seguintes termos: Os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania não se destinam, exclusivamente, a realização de atos processuais. A conciliação ou mediação pré-processual é dessas atividades que pode ser realizada sem a necessária participação dos advogados, porque objetiva apenas facilitar a transação, ato de autonomia privada reservado a toda pessoa capaz, de prevenir ou terminar litígios. (Ids nº 1305178 e 1305179). Por todo o exposto, e com fundamento no artigo 25, inciso X, do Regimento Interno deste Conselho, julgo improcedente o pedido constante da inicial, por considerar que o artigo 11 da Resolução CNJ nº 125/2010 está em conformidade com a legislação regente sobre o tema (voto exarado pelo Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça Dr. Carlos Levenhagen, nos autos n. 0004837-35.2017.2.00.0000. DJe CNJ, 9 de novembro de 2018).

Autor

  • Ricardo Cesar Franco

    Defensor Público do Estado de São Paulo, nível IV, que atua perante o E. Tribunal de Justiça Militar de São Paulo. Pós-graduado em Direito Processual Coletivo. Mestre em Filosofia do Direito pela PUC/SP. Professor de Filosofia do Direito Penal e de Direito Processual Penal.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRANCO, Ricardo Cesar. Meios alternativos de resolução de conflitos no contexto da crise da administração da Justiça no Ocidente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6790, 2 fev. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/96188. Acesso em: 2 maio 2024.