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Limitação dos juros a 12% ao ano

01/03/1999 às 00:00
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Decisão bem fundamentada decidindo pela aplicabilidade imediata do limite constitucional dos juros a 12%.


JUÍZO DE DIREITO DA COMARCA DE SÃO SEBASTIÃO DO ALTO

Processo 1.456/97 - Embargos de Devedor

SENTENÇA

Vistos etc...

ALFEU DA ROCHA CASCABULHO, ajuizou ação de embargos de devedor contra execução que lhe move o BANCO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO S.A ,sob a fundamentação de que lhe estão sendo cobrados juros superiores ao limite máximo previsto na Constituição Federal.

Citado, o réu impugna os embargos sustentando que os juros aplicados ao empréstimo de dinheiro realizado entre as partes, foram os do mercado, aplicando-se assim a máxima "pacta sunt servanda".

Audiência de conciliação a fls. 19, infrutífera, vindo os autos conclusos em 16 de setembro de 1998.

É O RELATÓRIO.

DECIDO.

Aplicável à espécie o disposto no artigo 331 do Código de Processo Civil, posto que passível de julgamento antecipado, o mérito deste processo, no qual discute-se apenas e tão somente questões de direito, desnecessária assim maior dilação probatória.

O embargante, figura como tomador num Contrato de Crédito Direto ao Consumidor (fls. 10 do apenso), tendo lhe sido emprestado o valor de R$ 18.000,00, para pagamento em 3 parcelas, sendo a primeira em 3 de agosto de 1995, aplicando-se juros pré-fixados de 12,50% ao mês e 310,99% ao ano. Além disso, pretende o embargado a cobrança de correção monetária, multa de 10% e honorários advocatícios de 10% (fls. 11).

Trata-se unicamente de se determinar sobre a auto-aplicabilidade, ou não do disposto no artigo 192 § 3º da Constituição Federal que estabelece o limite máximo de juros reais, à taxa de 12% ao ano.

É sabido que o Supremo Tribunal Federal se pronunciou, por mais de uma vez, asseverando ser a norma simplesmente programática, estando a merecer regulamentação infra-constitucional , para que se possibilite sua aplicabilidade.

Entretanto, enquanto não estamos sujeitos ao propalado efeito vinculante das decisões dos Tribunais Superiores, plena liberdade assiste para acatar a tese contrária, a qual é defendida por este magistrado deste a promulgação da Constituição Federal, acompanhando posicionamento de juristas de renome, como se verá.

Não se pode olvidar, nós que vivenciamos o clima da elaboração da Constituição Federal de 1988, que a regra insculpida no artigo 193 § 3º foi fruto de anseio popular dos mais lídimos e legítimos, constituindo-se séria traição e inversão da ordem a sua não aplicação.

Assim se manifesta ORLANDO GOMES em seus "Comentários à Constituição da República Federativa do Brasil", 8ª ed. Forense, página 634, "verbis":

"A propósito, durante os trabalhos constituintes, a questão da fixação da taxa máxima de juros reais, em doze por cento ao ano, suscitou acirrada polêmica (artigo 193 parágrafo 3º), posto que caiu em desuso a chamada Lei da Usura (Dec. 22.626 de 7.4.1933), que criminalizava a cobrança de taxa de juros, superiores a 8% e 10% ao ano, conforme o negócio realizado.

Malgrado o ordenamento jurídico que rege as instituições financeiras nacionais (lei 4.595 de 31.12.1964 e legislação subsequente), esse campo de negócio tem servido de amplo pasto de exploração da boa-fé pública, causando imensos prejuízos à economia popular, com sucessivos escândalos e fraudes, que permanecem impunes, tendo como agentes protagonistas, os chamados criminosos de colarinho branco...:"

"Atualmente, as práticas financeiras em vigor registram a cobrança de taxas de juros extorsivos, superiores a 50% em determinados negócios, através da utilização de astuciosos meios publicitários, com o emprego das famigeradas técnicas de marketing".
(Sônia Soares, O Globo, 21.10.88)

Ora, ainda que se admita que a norma constitucional está a depender de lei regulamentadora, esta já existe, e não é de hoje, posto que o Decreto 22.616/33, com força de lei complementar, em função do sistema legislativo da época, encontra-se plenamente em vigor, posto que não revogado expressa ou implicitamente.

O fato de a lei ter caído em desuso, não é suficiente para lhe determinar a extirpação do sistema legal vigente.

Já desde a promulgação da Constituição, se tinha certeza da séria e ferrenha resistência que se ria imposta pelos setores econômica e politicamente influentes.

Na interpretação da Constituição, documento jurídico fruto da vontade soberana do Poder Constituinte, já não cabe opor-se argumentos de conveniência e oportunidade fundados em apreciações políticas ou técnico-econômicas. Existe norma, e ao intérprete e aplicador cabe fazê-la atuar. Aliás estas tecnocracias financeiras, é que possibilitaram ao nosso país, sujeito passivo numa dívida interna de 60 bilhões de dólares, vê-la convertida hoje em mais de 300 bilhões.

"O Brasil caminha para uma pole position inédita na história econômica mundial: será o primeiro país a gastar tudo o que arrecada em impostos, no pagamento dos juros da sua dívida. As contas mostram que essa glória não tarda a chegar. Nossos ilustrados gestores conseguiram passar a dívida interna de US$ 60 para mais de US$ 300 bilhões em menos de quatro anos e, com os aumentos de juros já juntaram mais uns 25 bilhões. Esses fenomenais resultados foram conseguidos, superando um obstáculo de porte: o aumento da arrecadação. Em 1994, a Receita Federal arrecadava 64 bilhões por ano. Hoje a arrecadação é de 122 bilhões. Quase dobrou."
(Jornal "O Globo", de 20/09/98 - página 4, coluna de MARCIO MOREIRA ALVES.)

Este é o sistema econômico contra o qual a força de uma Assembléia Nacional Constituinte se voltou com todas suas armas. A aprovação do texto constitucional já foi uma vitória árdua, uma vez que a resistência dos setores abastados financeiramente foi das mais ferrenhas. Cabe a nós, agora, intérpretes e aplicadores do Direito, não deixar que tal conquista caia no esquecimento, nos acomodando com a penosa e vexatória situação de extrema exploração do trabalho pelo capital.

Não há também que se falar em que o conceito de juros seja desconhecido ou controvertido, posto que vigente desde antes da existência do próprio Código Civil Brasileiro. Trata-se de rendimento do capital em cujo conteúdo se integra duas idéias: a de remuneração pelo uso da quantia pelo devedor e a de cobertura do risco que recai sobre o credor.

O argumento usado pelas Instituições Financeiras, de que a taxa de juros máxima, prevista no Decreto 22.616/33 foi válida até a vigência da Constituição de 1988, foi acatado em determinado momento pela Corte Suprema, como já se pronunciou o STF, na Súmula 596, verbis:

"As disposições do Decreto 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o Sistema Financeiro Nacional"

No entanto, logo após a promulgação da Constituição, decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

"JUROS. PERCENTUAL ACIMA DO TETO LEGAL. ILEGALIDADE. A circunstância de o título ter sido emitido pelo devedor, voluntariamente, com os seus requisitos formais, não elide a ilegalidade da cobrança abusiva de juros, sendo irrelevante a instabilidade da economia nacional. O sistema jurídico nacional veda a cobrança de juros acima da taxa legal."

Sem embargo de a referida norma constitucional ser dirigida, em especial às Instituições Financeiras, é certo, contudo, que o Decreto 22.626/33 – Lei da Usura – está em perfeita sintonia com aquele preceito, pois só assim serão respeitados os princípios fundamentais insertos no artigo 1º, III e IV da Carta Magna.

O Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em ação movida contra o BANERJ, que cobrava, em suas operações de crédito, juros acima do limite constitucional, assentou igualmente que:

"O parágrafo 3º do artigo 192 assentou expressa e induvidosamente que as taxas de juros não poderão ser superiores a doze por cento ao ano. Qualquer que seja a orientação que se venha a adotar na lei complementar a que alude o caput do artigo 192, a taxa de juros não será, em hipótese alguma, superior ao limite fixado no texto constitucional."

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Se é possível admitir que o crime de usura, a que se refere a segunda parte do parágrafo terceiro, e as respectivas penas, dependem de lei ordinária, sob o aspecto civil dúvida não pode haver de que a concessão de crédito tem a sua taxa de juros limitada a doze por cento ao ano.

E, trazendo a lição atualizada do eminente Professor LUIS ROBERTO BARROSO, Procurador deste Estado, em seu "Direito Constitucional e a efetividade de suas normas", Ed. Renovar, 2ª ed. Página 225, conclui com o DESEMBARGADOR JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, que após notar que a todo momento, em literatura especializada e leiga, se emprega o conceito de juros reais assinalou que:

"Só na hora de interpretar a Constituição é que não se sabe o que é; não se sabe porque não se quer saber. É claro que a taxa de juros reais é tudo aquilo que se cobra, menos a correção monetária. Se sabemos o que é boa fé, conceito muito mais vago; se sabemos o que são costumes, o que á vaguíssimo, se sabemos o que é mulher honesta, para aplicarmos o dispositivo legal que define o crime de estupro, por que é que não podemos saber o que são taxa de juros reais? Isso faz parte da tarefa quotidiana do juiz: interpretar textos legais e definir conceitos jurídicos indeterminados. Acho que é bastante determinado."

Pelos fundamentos deduzidos, afirma-se aqui, a posição de que o parágrafo terceiro do artigo 192 da Constituição Federal, não é norma programática, nem tem sua eficácia condicionada por regra infraconstitucional. Ele define uma situação jurídica prontamente efetivável, e permite que as pessoas invoquem a tutela jurisdicional para ver declarada a invalidade de qualquer obrigação que não reverencie o postulado constitucional.

No mesmo diapasão, concluindo pela aplicabilidade imediata da norma constitucional, e portanto pela não possibilidade de cobrança de juros além da taxa máxima de 12% ao ano, o eminente Juiz NAGIB SLAIBI FILHO, em suas "Anotações à Constituição de 1988 – aspectos fundamentais" – Editora Forense, página 405, assevera que:

"Imaginar o contrário, seria instituir um delimitador à eficácia da norma constitucional que representaria, em última análise, em atentado à soberania do poder constituinte.

...

É da tradição da Economia que um prédio tenha um rendimento de 1% ao mês, quando não se adota renda inferior, dependendo das circunstâncias (falando sobre a rentabilidade do imóvel na locação).

Ora, a moeda, por si só, não vale a não ser como símbolo de troca – seria despropositado atribuir ao bem de raiz uma renda menor que a coisa essencialmente fungível, a moeda, que representa tal valor.

...

A Constituição privilegia o trabalho e não o capital; favorece a produtividade em detrimento da obtenção de frutos civis.

...

Conclusão:

  1. é auto-aplicável o disposto no artigo 192 parágrafo 3º da nova Constituição, ao fixar a taxa de juros de 12 ao ano;
  2. a expressão juros reais tem a abrangência determinada pelo próprio texto constitucional: "comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito;"
  3. O dispositivo constitucional simplesmente repete proposições legais já tradicionais em nosso país."

Também, de nenhuma consistência as razões trazidas pelo embargado quanto à aplicação do princípio "pacta sunt servanda", uma vez que a relação jurídica que originou o débito excutido é regulamentada pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor, sendo portanto consideradas como cláusulas nulas aquelas lesivas aos direitos do consumidor. Este instituto vem sofrendo uma revisão de seu conceito, à luz da moderna doutrina privatística, sendo possível assim, encarar-se a autonomia da vontade como um poder-função, no sentido de ser direcional a fins de interesse geral, como que se minora a força da vontade individual em prol da comunidade, alcançando-se um parâmetro de justiça comutativa.

"Como corolário dessa modificação no modo de ver a autonomia da vontade, passa a ter uma minoração na vinculação estrita dos contratos. Isto afeta o papel do juiz, que poderá revisar o contrato, tendo em vista uma gama maior de causas que não aquelas limitadas aos vícios de consentimento e duramente excepcionada, apenas, pela teoria da imprevisão.
          Pode-se concluir com CLÓVIS V. DO COUTO E SILVA que a autonomia da vontade, continua a ocupar lugar de relevo dentro da ordem jurídica privada, mas, a seu lado, a dogmática moderna admite a jurisdicionalização de certos interesses, em cujo núcleo não se manifesta o aspecto volitivo. Da vontade e desses interesses juridicamente valorizados dever-se-ão deduzir as regras que formam a dogmática atual."
(Revisão dos contratos: Do Código Civil ao Código do Consumidor. LUÍS RENATO FERREIRA DA SILVA. Ed. Forense, páginas 63 e seguintes)

Assim, conclui-se que para a aplicação do princípio "pacta sunt servanda", quando se trata de contratos e relações jurídicas subordinadas às normas do Código do Consumidor, deve-se ter em conta noções de relevantes interesses sociais, e não apenas individuais, como quer o embargado, posto que criou-se um sistema legal de direitos mínimos irrenunciáveis, através da previsão de nulidade das cláusulas abusivas, principalmente em se tratando, como é o caso em pauta, de contratos de adesão, onde não se dá ao contratante qualquer possibilidade de discussão e transação das regras contratuais, mesmo porque inexistente fase de puntuação.

A aplicação imediata da norma limitadora constitucional, é magistralmente defendida por ANTÔNIO CLÁUDIO DE LIMA VIERA, Advogado no Rio de Janeiro, na RT. 635, página 156, e pelo então Procurador de Justiça do Rio de Janeiro, LUIZ ROLDÃO DE FREITAS GOMES, hoje Desembargador do Egrégio Tribunal de Justiça Fluminense, em RT. 667, página 231 e seguintes, que assim sintetiza o tema:

"JUROS REAIS. Acepção definida no ordenamento jurídico, fruto de longa evolução, não sofrendo alteração com a aposição de adjetivo no texto constitucional, que não lhe retira o sentido , conferido pela lei civil, apta a delinear seu alcance – Auto-aplicabilidade da norma ante sua natureza e teor – Incidência imediata – Evolução legislativa e precedentes históricos – As vedações de uma Constituição não dependem de leis de hierarquia inferior para se fazerem valer – Impõem-se por si, como comandos constitucionais, que não se compadecem com atos e condutas adversos, sob pena de pôr-se em xeque a vontade e determinação da Lei Maior, imperativa e categórica."

Diferentes não são os julgados colecionados por LUIZ ANTÔNIO RIZZATO NUNES em sua obra "O Código de Defesa do Consumidor e sua interpretação jurisprudencial", Ed.Saraiva, páginas 101 e seguintes, como seguem:

"JUROS BANCÁRIOS LIMITADOS AOS DO CONTRATO NUNCA SUPERIORES A 12% AO ANO. Multa moratória em 10% - Comissão de permanência e correção monetária são inacumuláveis."

Superada também a discussão inicial de incidência das normas do Código de Defesa do Consumidor às Instituições Financeiras, posto que estas, como prestadoras de serviços estão especialmente contempladas no artigo 3º, parágrafo segundo. (Neste sentido STJ, 4ª T. Resp 57.974-0-RS. Rel, Min. Ruy Rosado de Aguiar. J. 25.4.95. IOB 3:11001, ementário).

No julgado acima, há de ser feita a correção, uma vez que, atualmente, o parágrafo 1º do artigo 52 do Código de Defesa do Consumidor estabelece que, no fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, as multas decorrentes do inadimplemento não podem ser superiores a 2 (dois por cento) do valor da prestação, conforme nova redação dada pela lei 9.298 de 1º de agosto de 1996.

Assim, diante de tudo quanto exposto, notadamente da nulidade das cláusulas abusivas que fixa a multa contratual em 10% e que estabelece juros moratórios superiores ao máximo previsto na Constituição Federal, bem como da previsão aleatória de honorários advocatícios, cuja fixação e percentual deve seguir os parâmetros estabelecidos no artigo 20 do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTES OS PEDIDOS CONTIDOS NA PEÇA PREAMBULAR, para determinar que ao valor original do débito do embargante, - R$ 18.000,00 (dezoito mil reais), - sejam acrescidos juros de mora à razão de 1% (um por cento) ao mês, a contar do vencimento (03 de outubro de 1995), e atualizado monetariamente de conformidade com os índices fixados à nível governamental para a correção dos débitos judiciais. A estes valores será acrescida multa moratória de 2% (lei 9.298/96), mantendo-se íntegra a penhora realizada nos autos de execução em apenso.

Em razão da sucumbência, condeno o embargado ao pagamento das custas processuais, taxa judiciária e honorários advocatícios que fixo em 20% sobre o valor atribuído à causa.

P.R.I.

CUMPRA-SE.

São Sebastião do Alto, 20/setembro/1998.

MAURO NICOLAU JUNIOR
          Juiz de Direito

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. Limitação dos juros a 12% ao ano. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 29, 1 mar. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/16322. Acesso em: 5 mai. 2024.

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