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Elegibilidade de irmãos prefeito e vereador

Leia nesta página:

Parecer em matéria eleitoral, acerca de dois casos de inelegibilidade, envolvendo vereador e prefeito que são irmãos, envolvendo a possibilidade de reeleição de ambos.

NOTA TÉCNICA.

Ementa: Reeleição. Inelegibilidade. Irmão de Prefeita. Inelegibilidade absoluta. Irmão substituto de Prefeita. Possibilidade de candidatura ou de reeleição.

O ilustre advogado Sales Palha Dias honra-nos com as seguintes perguntas:

1ª - Se o irmão Presidente da Câmara vier a substituir temporariamente a irmã Prefeita no curso do mandato, pode aquele candidatar-se à sucessão desta?

2ª - Se houver renúncia da irmã Prefeita, pode o irmão Vereador candidatar-se ao cargo de Prefeito, independentemente de vier a sucedê-la ou substituí-la no cargo?

Postas as questões, passa-se a análise do problema, que será em nível de uma singela nota técnica, sem as riquezas de um parecer, não por desmerecimento do Consulente, mas por carências deste subscritor, que foi consultado muito mais para ser homenageado do que para afortunar quem o consulta, que dispensa maiores encômios, pois figura entre os melhores causídicos desta castigada, porém boa, Terra do Piauí.

Para surpreender esta questão serão necessários ferir os seguintes dispositivos da Constituição da República: os §§ 5º, 6º e 7º do art. 14, na redação originária e na redação atual, por força da Emenda Constitucional 16/97; o inciso IX do art. 29; e os arts. 79 e 80. Pede-se licença para lhes transcrever.

"§ 5º do art. 14 - São inelegíveis para os mesmos cargos, no período subseqüente, o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido ou substituído nos seis meses anteriores ao pleito" (redação originária, antes da EC 16/97);

"§ 5º do art. 14 - O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subseqüente." (redação atual, por força da EC 16/97);

"§ 6º do art. 14 - Para concorrerem a outros cargos, o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito.";

"§ 7º do art. 14 - São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consagüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.";

" Art. 29 – O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:

(...) IX – proibições e incompatibilidades, no exercício da vereança, similares, no que couber, ao disposto nesta Constituição para os membros do Congresso Nacional e, na Constituição do respectivo Estado, para os membros da Assembléia Legislativa.";

" Art. 79 – Substituirá o Presidente, no caso de impedimento, e suceder-lhe-á, no de vaga, o Vice-Presidente.";

"Art. 80 – Em caso de impedimento do Presidente e do Vice-Presidente, ou vacância dos respectivos cargos, serão sucessivamente chamados ao exercício da Presidência o Presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado Federal e o Supremo Tribunal Federal.".

Em vista do princípio da simetria constitucional, os dispositivos que dizem respeito ao Presidente da República podem ser aplicados aos Prefeitos.

"Firmum in vita nihil"(1)


1. Várias vezes instado a pronunciar-se sobre matéria em muito parecida com esta, o Tribunal Superior Eleitoral dispôs do seguinte modo:

"Consulta. Inelegibilidade. Parentesco. Cargo eletivo municipal (Art. 14 da Constituição Federal).

São inelegíveis, de forma absoluta e inafastável, os parentes consangüíneos e afins até 2º grau do Prefeito, ainda que tenha havido desincompatibilização definitiva nos seis meses anteriores ao pleito, desde que candidatos ao mesmo cargo de Prefeito.

São elegíveis, para cargos eletivos diversos, no mesmo município, os parentes consangüíneos ou afins até o segundo grau do Prefeito, desde que ocorra a desincompatibilização definitiva do Titular nos seis meses anteriores ao Pleito. (Resolução nº 17.841, de 11 de fevereiro de 1992, relator Min. Sepúlveda Pertence)."

"CONSULTA. IRMÃO E ESPOSA DE PREFEITO.

Inelegibilidade para o mesmo cargo, no território de jurisdição do titular, e elegibilidade para cargo diverso, no mesmo território de jurisdição, se houver a desincompatibilização de titular nos seis meses anteriores ao pleito. (Resolução nº 19.447, de 27 fevereiro de 1996, relator Min. Ilmar Galvão)."

"É inelgível para o mesmo cargo, no território de jurisdição do titular, o cônjuge do prefeito, bem como seus parentes consagüíneos ou afins, até o segundo grau, mesmo que ocorra, a qualquer tempo, a renúncia do titular. (Resolução nº 19.459, de 5 de março de 1996, relator Min. Torquato Jardim)."

"CONSULTA – PARENTESCO COM TITULARES DE CARGOS DE CHEFIA NO EXECUTIVO – INELEGIBILIDADE, MESMO QUE TENHA OCORRIDO DESINCOMPATIBILIZAÇÃO. (Resolução nº 19.775, de 03 de fevereiro de 1997, relator Min. Eduardo Alckmin)"

Após a EC 16/97, o Tribunal Superior Eleitoral permanece na mesma toada:

"Consulta. Inelegibilidade. Parentesco. CF, art. 14, § 7º.

A emenda da reeleição em nada alterou a inelegibilidade decorrente de parentesco. Portanto, o filho de Governador, ao postular cargo eletivo, sujeita-se à inelegibilidade prevista no art. 14, § 7º da Constituição Federal. (Resolução nº 19.992, de 09 de outubro de 1997, relator Min. Costa Leite)."

2. Esse entendimento do TSE, venia concessa, em nosso sentir é equivocado. A leitura restritiva que o Superior Eleitoral fez (e faz) do § 7º do art. 14 não encontra respaldo na sistemática constitucional, sobretudo após a EC 16/97. Pois em nenhum momento a dicção do referido parágrafo restringe o acesso do cônjuge ou dos parentes até o segundo grau do Prefeito somente aos cargos que já ocupem, precisamente os da Vereança. Essa interpretação do TSE não nos parece a mais adequada, não obstante a elevada estatura intelectual dos seus juízes.

3. A permanecer o entendimento acerca da inelegibilidade absoluta, o TSE se verá diante de um nó górdio quando confrontado com uma situação como esta que estamos analisando, sobretudo se mantiver o disposto na Resolução nº 19.952, de 21 de outubro de 1997, relatada pelo Min. Néri da Silveira, in verbis:

"1. Reeleição. Desincompatibilização. 2. Constituição, art. 14, § 5º, na redação introduzida pela Emenda Constitucional n. 16, de 4 de junho de 1997. 3. O art. 14, § 5º, da Constituição, na redação da Emenda Constitucional n. 16/1997, é norma que prevê hipótese de elegibilidade do Presidente da República, dos Governadores de Estado e do Distrito Federal e dos Prefeitos, bem como dos que os hajam sucedido ou substituído no curso dos mandatos, para um único período subseqüente. 4. Na redação original, o parágrafo 5º do art. 14 da Constituição de 5 de outubro de 1988 previa ao contrário, regra de inelegibilidade absoluta. 5. Distinção entre condições de elegibilidade e causas de inelegibilidades. Inelegibilidades de previsão constitucional e casos de inelegibilidades estabelecidos em lei complementar, de conformidade com o art. 14, § 9º da Constituição Federal. 6. Inelegibilidade e desincompatibilização. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral tem assentado correlação entre inelegibilidade e desincompatibilização, que se atende pelo afastamento do cargo ou função, em caráter definitivo ou por licenciamento, conforme o caso, no tempo previsto na Constituição ou na Lei de Inelegibildades. 7. Não se tratando do § 5º do art. 14 da Constituição, na redação da Emenda Constitucional n. 16/1997, de caso de inelegibilidade, mas, sim, de hipótese em que se garante elegibilidade dos Chefes do Poderes Executivo federal, estadual, distrital, municipal e dos que os hajam sucedido ou substituído no curso dos mandatos, para o mesmo cargo, para um período subseqüente, bem de entender é que não cabe exigir-lhes desincompatibilização para concorrer ao segundo mandato, assim constitucionalmente autorizado. 8. Cuidando-se de caso de elegibilidade, somente a Constituição poderia, de expresso, estabelecer o afastamento no prazo por ela estipulado, como condição para concorrer à reeleição prevista no § 5º do art. 14, da Lei Magna, na redação atual. 9. O § 5º do art. 14 da Constituição em vigor, por via de compreensão, assegura, também, ao Vice-Presidente da República, aos Vice-Governadores e aos Vice-Prefeitos a elegibilidade aos mesmo cargos, para um único período subseqüente. 10. Consulta que se responde, negativamente, quanto à necessidade de desincompatibilização dos titulares dos Poderes Executivos federal, estadual, distrital ou municipal, para disputarem a reeleição, solução que se estende aos Vice-Presidente da República, Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal e Vice-Prefeito." (Grifamos).

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4. Eis o conflito estabelecido: ou se aplica o entendimento da inelegibilidade absoluta ou se aplica o entendimento de que o sucessor ou substituto – seja quem for – pode candidatar-se à reeleição.

5. Para tornar o debate mais acalorado, voltemos as atenções para o § 5º do art. 14.

6. Na redação originária lê-se que a proibição de reeleição (ou recandidatura) só era proibida para os sucessores ou substitutos que tivessem ocupado o cargo de Prefeito nos seis últimos meses antes do pleito. Se o sucessor ou substituto o tivesse ocupado ou deixasse de ocupá-lo até seis meses antes, poderia, segundo a dicção constitucional, candidatar-se ao cargo.

7. Pois bem. Na redação modificada pela EC 16/97 lê-se que o sucessor ou substituto, em qualquer momento do mandato, pode se candidatar à reeleição. Ou seja, não há mais o problema dos seis meses anteriores ao pleito. De modo mais cristalino. Na redação anterior, quem exercesse o cargo de Prefeito (como sucessor ou como substituto) até seis meses antes do pleito poderia se candidatar, pois não seria tentativa de reeleição. Agora, com a nova redação, qualquer um que tenha exercido o cargo de Prefeito também pode se candidatar, pois, segundo a letra do Texto, será candidato à reeleição do cargo que ocupou no último mandato.

8. A cavalheiro vieram as palavras de Adriano Soares da Costa(2):

"O Presidente da República, v.g., pode se recandidatar sem precisar deixar o cargo. Seus parentes, todavia, continuam inelegíveis se ele não se desincompatibilizar. Surge aqui uma indagação: poderia o Presidente da República se afastar do cargo seis meses antes da eleição, vindo a se candidatar novamente ao mesmo cargo, ensejando a possibilidade de algum parente seu também se candidatar? Ora, se ele se desincompatibilizasse, no tempo da irregibilidade a resposta seria positiva. Agora, somos obrigados a acatar também a mesma idéia, sendo possível que a esposa ou o filho se candidatem na mesma eleição em que o mandatário tenta sua reeleição, eis que se desincompatibilizou. Essa é uma situação nova, que não era pensável quando da irrelegibilidade. Logo, se ocupante do cargo do Poder Executivo se desincompatibilizar para tentar a reeleição, seus parentes poderão concorrer a qualquer cargo eletivo".

Continua esse preciso autor:

"O Presidente da Assembléia, que substitua o Governador no exercício do cargo, dentro dos seis meses que antecedem a eleição, é inelegível para concorrer a qualquer outro cargo, exceto para o de Deputado Estadual (§ 7º do art. 14 da CF/88). Sem embargo, poderá também concorrer a cargo de Governador, com esteio no § 5º do art. 14 da CF/88."

9. Dessa sorte, pensamos que se o TSE não modificar o equivocado entendimento acerca da inelegibilidade absoluta - como se fosse uma nódoa de caju (que para nós é indelével) - do cônjuge ou de parentes até o 2º grau do Prefeito, desde que este se afaste até seis meses antes do pleito, terá de aplicar o §5º do art. 14, no sentido de que qualquer um que tenha sucedido ou substituído o Prefeito, em qualquer momento e durante qualquer perído do mandato, pode candidatar-se à reeleição, inclusive o cônjuge ou os parentes até o segundo grau.

RESPOSTAS:

1ª - Sim, pelas razões expostas.

2ª - Não, se o TSE mantiver o entendimento; Sim se o mudar, obviamente.

SUGESTÃO:

Que seja feita uma consulta formal à Justiça Eleitoral, para garantir a idoneidade jurídica das condutas a serem praticadas.

Brasília, 13 de novembro de 1999.

Luís Carlos Martins.
Advogado.


NOTAS

  1. "Nada é imutável na vida".
  2. Cf. Teoria da inelegibilidade e o direito processual eleitoral. Del Rey, Belo Horizonte, pp. 143-144.
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Sobre o autor
Luís Carlos Martins Alves Jr.

Piauiense de Campo Maior; bacharel em Direito, Universidade Federal do Piauí - UFPI; doutor em Direito Constitucional, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG; professor de Direito Constitucional, Centro Universitário do Distrito Federal - UDF; procurador da Fazenda Nacional; e procurador-geral da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico - ANA. Exerceu as seguintes funções públicas: assessor-técnico da procuradora-geral do Estado de Minas Gerais; advogado-geral da União adjunto; assessor especial da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República; chefe-de-gabinete do ministro de Estado dos Direitos Humanos; secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente; e subchefe-adjunto de Assuntos Parlamentares da Presidência da República. Na iniciativa privada foi advogado-chefe do escritório de Brasília da firma Gaia, Silva, Rolim & Associados – Advocacia e Consultoria Jurídica e consultor jurídico da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB. No plano acadêmico, foi professor de direito constitucional do curso de Administração Pública da Escola de Governo do Estado de Minas Gerais na Fundação João Pinheiro e dos cursos de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG, da Universidade Católica de Brasília - UCB do Instituto de Ensino Superior de Brasília - IESB, do Centro Universitário de Anápolis - UNIEVANGÉLICA e do Centro Universitário de Brasília - CEUB. É autor dos livros "O Supremo Tribunal Federal nas Constituições Brasileiras", "Memória Jurisprudencial - Ministro Evandro Lins", "Direitos Constitucionais Fundamentais", "Direito Constitucional Fazendário", "Constituição, Política & Retórica"; "Tributo, Direito & Retórica"; "Lições de Direito Constitucional - Lição 1 A Constituição da República Federativa do Brasil" e "Lições de Direito Constitucional - Lição 2 os princípios fundamentais e os direitos fundamentais" .

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES JR., Luís Carlos Martins. Elegibilidade de irmãos prefeito e vereador. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 37, 1 dez. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16283. Acesso em: 23 abr. 2024.

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