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Associação e controle abstrato de normas:

não satisfação dos pressupostos da legitimação ativa especial

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28/10/2013 às 08:44
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Parecer sobre a ilegitimidade da Associação Nacional dos Procuradores Federais – ANPAF para provocar, no Supremo Tribunal Federal, a fiscalização abstrata de constitucionalidade da Emenda Constitucional n.º 73, de 6 de abril de 2013.

ASSOCIAÇÃO E CONTROLE ABSTRATO DE NORMAS: - NÃO SATISFAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS DA LEGIMAÇÃO ATIVA ESPECIAL.                

Consulente: Associação Paranaense dos Juízes Federais – APAJUFE.

Assunto: Legitimidade da Associação Nacional dos Procuradores Federais – ANPAF para provocar, no Supremo Tribunal Federal, a fiscalização abstrata de constitucionalidade da Emenda Constitucional n.º 73, de 6 de abril de 2013.

Ementa: Supremo Tribunal Federal. Controle abstrato de constitucionalidade: ADI 5017/DF. Legitimidade ativa. Associação representativa de procuradores federais. Constituição, art. 103, inc. IX e jurisprudência correlata. Requisitos: -  representatividade de classe homogênea, abrangência nacional e pertinência temática. Não atendimento. Precedentes do Supremo Tribunal.

Índice: A Consulta. I. Apontamentos preliminares. II. Entidade de classe de âmbito nacional. II.A. Entidade de âmbito nacional. II.B. Entidade de classe. III. O requisito da pertinência temática. III.A. Configuração jurisprudencial do requisito. III.B. Pertinência do requisito. III.C. A relação de pertinência na ADI 5017/DF. IV. Síntese conclusiva. V. Resposta ao Quesito. 


A Consulta 

01. A Associação Paranaense dos Juízes Federais – APAJUFE honra-nos com a formulação de consulta a respeito da legitimidade da Associação Nacional dos Procuradores Federais – ANPAF para aforar, perante o Colendo Supremo Tribunal Federal, ação de fiscalização abstrata de constitucionalidade contra a Emenda Constitucional n.º 73, promulgada em 6 de abril de 2013, que criou os Tribunais Regionais Federais da 6ª, 7ª, 8ª e 9ª Regiões.  Como se sabe, referida Associação ajuizou a ação direta de inconstitucionalidade n.º 5017 contra o ato normativo em questão, cuja eficácia foi suspensa por incomum e temerária decisão proferida em caráter liminar pelo Presidente do Tribunal, Min. Joaquim Barbosa.

02. A consulta apresenta quesito único, formulado nos termos a seguir:

Quesito único – considerados os requisitos necessários, dispõe a Associação Nacional dos Procuradores Federais – ANPAF de legitimidade ativa para propor, perante o Supremo Tribunal Federal, ação direta de inconstitucionalidade contra a Emenda Constitucional n.º 73, de 6 de abril de 2013? 

A legitimidade de associações para a propositura de ações diretas perante o Supremo Tribunal depende do atendimento dos pressupostos que serão tratados a seguir.


I. Apontamentos preliminares

 03. Cumpre, antes de tudo, destacar um aspecto relevante para a compreensão do problema: o controle abstrato da constitucionalidade destina-se, principalmente, à proteção da ordem jurídica objetivamente considerada, cuidando da defesa do ordenamento jurídico pátrio independente de lesão ou ameaça de lesão a direitos ou interesses subjetivos desta ou daquela pessoa.

04. As organizações sindicais e as entidades de classe, assim como os partidos políticos, isto deve ser reconhecido, ostentam natureza e finalidade que os apartam dos órgãos e autoridades que os acompanham no rol de legitimados do art. 103 da Constituição. Bem por isso, certa doutrina chegou a postular, inclusive, a supressão de sua legitimação ativa para suscitar o controle abstrato de constitucionalidade.[1] Cumpre reconhecer, todavia, que, se tais entidades dispõem dessa prerrogativa, é porque o Constituinte, por razões políticas que não desafiam, neste momento, questionamento, entendeu por lhes atribuir posição privilegiada no espaço judicial de construção de sentido da nossa Constituição.

É desse pressuposto que partem as considerações colacionadas nesta manifestação opinativa.


II. Entidade de classe de âmbito nacional 

05. A Lei Fundamental, no art. 103, caput e inc. IX, estabelece que "Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade [...] entidades de classe de âmbito nacional". Ausente legislação específica cuidando do detalhamento dos pressupostos caracterizadores da legitimação, tem residido na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a tarefa de cuidar do tema.

 II.A. Entidade de âmbito nacional 

06. O reconhecimento do caráter de entidade de âmbito nacional configura questão simples em função da sólida jurisprudência da Excelsa Corte. Com efeito, o Supremo Tribunal Federal adota, como critérios de aferição da legitimidade ativa das entidades de classe, no que toca com o âmbito de abrangência de ação, por analogia, os mesmos exigidos para o registro de partidos políticos junto ao Tribunal Superior Eleitoral. Deve a associação, na hipótese, demostrar estar constituída por membros de, pelo menos, nove Estados da federação. [2]

07. O Supremo Tribunal Federal tem entendido ser insuficiente, para a comprovação do requisito de abrangência nacional, a mera declaração da parte interessada, com base no próprio ato constitutivo. De fato, conforme decisão do Tribunal, “para que a entidade de classe tenha âmbito nacional, não basta que o declare em seus estatutos. É preciso que esse âmbito se configure, de modo inequívoco.” [3] No julgamento da ADI 108, o Min. Celso de Mello reafirma a tese nos seguintes termos:

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem consignado, no que concerne ao requisito da espacialidade, que o caráter nacional da entidade de classe não decorre de mera declaração formal, consubstanciada em seus estatutos ou atos constitutivos. Essa particular característica de índole espacial pressupõe, além da atuação transregional da instituição, a existência de associados ou membros em pelo menos nove Estados da Federação. Trata-se de critério objetivo, fundado na aplicação analógica da Lei Orgânica dos Partidos Politicos, que supõe, ordinariamente atividades econômicas ou profissionais amplamente disseminadas no território nacional. Precedente: ADIN-386.[4]

08. Os documentos que acompanham a petição inicial da ANPAF na ADI 5017, mesmo os referidos pelo Presidente da Excelsa Corte ao deferir a liminar,[5] não permitem justificar, de modo inequívoco, o caráter verdadeiramente nacional da entidade. Cuida-se de pressuposto, portanto, cuja satisfação deve ser suficientemente demonstrada. A questão, entretanto, envolve juízo decorrente de mero cotejo documental, razão pela qual esta manifestação dela não cuidará.  

II.B. Entidade de classe 

09. Sobre ostentar caráter nacional, a entidade postulante deve representar determinada classe ou categoria, no singular. Também aqui a configuração do pressuposto constitucional de legitimação da postulação em sede de controle de normas em tese depende das balizas desenhadas pelo entendimento reiterado do Judiciário. Ora, a jurisprudência do Supremo tem exigido para a satisfação do pressuposto a homogeneidade da representação.[6] Deve a entidade, portanto, por disposição estatutária, para ser caracterizada como de classe, atuar na defesa dos interesses e prerrogativas dos membros de categoria bem definida.[7] A unidade material na constituição e identificação da classe funda-se na reunião de esforços destinados ao alcance de objetivos comuns (melhorias institucionais, aprimoramento de pessoal, por exemplo). Veja-se decisão do Min. Gilmar Mendes nesse sentido:

A entidade de classe considerada legítima para ajuizar ADI deve ser integrada por membros vinculados entre si por objetivos comuns. É necessária a presença de um elemento unificador que, fundado na essencial homogeneidade, comunhão e identidade de valores, constitua um necessário fator de conexão capaz de identificar os associados como membros que efetivamente pertencem a uma mesma classe ou categoria (cf. ADI 108-6/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 24.4.1992). [8]       

10. Especificando ainda mais o critério da homogeneidade, o Supremo tem afirmado que a entidade deve representar não apenas uma fração ou parcialidade de categoria, e sim a sua integralidade.[9] Todavia, aqui é importante pontuar que, em certos casos, aliás justificáveis, o Tribunal tem entendido pela legitimidade de associações representativas de parcelas de uma mesma categoria. Foi o que ocorreu, por exemplo, no julgamento de ações nas quais se afirmou a legitimidade da Associação dos Juízes Federais do Brasil - AJUFE e da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho - ANAMATRA para a propositura de ADI, nada obstante ambas as carreiras integrarem uma mesma classe (a de magistrados em nível federal).[10] A situação guarda sentido no caso porque uma mesma categoria, a dos magistrados do Poder Judiciário da União, é organizada a partir de carreiras distintas, implicando a emergência de especificidades que não só autorizam, como justificam mesmo o entendimento afirmado pela Excelsa Corte na sua jurisprudência.

11. O Supremo Tribunal Federal tem procurado desenhar critérios cada vez mais precisos para definir o conceito de classe em sede de controle abstrato de constitucionalidade. Diante da exigência de homogeneidade, o Tribunal tem entendido que entidades de caráter abrangente não dispõem de legitimidade para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade. São entidades de caráter abrangente aquelas congregadoras de distintas classes, carrreiras ou categorias, mesmo supondo exercício de labor análogo.

Foi por essa razão que o Min. Gilmar Mendes, na decisão apontada anteriormente (ADI 3787), entendeu pela ilegitimidade da UNAFE - União dos Advogados Públicos Federais para suscitar o controle abstrato. Em decisão que reconheceu a ilegitimidade ativa, o Ministro registrou ser a UNAFE representativa de carreiras distintas: "além dos advogados da União também os Procuradores Federais, Procuradores do Banco Central, Procuradores da Fazenda, Procuradores da Previdência Social e outros Advogados Federais de Estado". [11]

Mais do que isso, o Ministro deixou claro que as carreiras mencionadas já contam com suas próprias entidades representativas. Esse fato, é preciso lembrar, não impede, por si só, a constituição de novas entidades. Aliás, com essa finalidade é que a Constituição de 88 assegura o direito fundamental à liberdade de associação (art. 5.º, incs. VII e XX). Nada obsta, além disso, que mais de uma entidade representativa possa vir a atuar perante o Supremo em sede de controle abstrato de constitucionalidade.[12] Todavia, a meio caminho entre a liberdade fundamental de associação e a legitimidade ativa para propositura de ações diretas existem requisitos constitucionais que precisam ser cumpridos. Além disso, é importante lembrar o risco de que entidades de classe busquem no Supremo espaço para a discussão de interesses meramente corporativos. É o que foi, certa feita, expressamente observado pela Min. Ellen Gracie:

Evidencia-se, da decisão agravada, uma legítima preocupação quanto à proliferação de entidades associativas no âmbito de uma mesma classe profissional, circunstância que, muitas vezes, tem como causa disputas político-corporativas estéreis e que retiram a força da categoria como unidade. [13]

        12. Como antes mencionado, a decisão do Supremo pela legitimidade de associação representativa de apenas uma parcialidade da classe não exclui, de todo, a potencial legitimidade de associação representativa da sua totalidade. A afirmação é possível por se observar que, até o presente, ambas as dimensões representativas têm sido admitidas como postulantes de fiscalização abstrata da constitucionalidade. Essas duas vertentes da jurisprudência levam a crer que a preferência do Supremo por uma ou outra associação (seja a que congrega todas as carreiras de uma mesma classe, seja a que congrega apenas uma parcialidade desta) depende, para além do requisito da homogeneidade, da norma objeto de impugnação. Em outras palavras, o conteúdo material da norma cuja constitucionalidade se discute define se a entidade de classe dispõe de legitimidade ou não para a propositura da ação. Daí que a legitimidade da entidade de classe, uma vez superado o teste da homogeneidade, deva ser apurada em particular, caso por caso, pelo Supremo Tribunal Federal. Ora, no caso em estudo, observa-se claramente que a autora pretende representar carreiras, classes ou categorias que estão longe de ser homogêneas. Entre os seus associados estão Advogados da União, Procuradores Federais, Procuradores da Previdência Social, Procuradores da Fazenda e do Banco Central, representados também por outras associações de classe. É difícil dizer que as classes em questão possam ser reduzidas à homogênea condição. Ao contrário, todas apresentam as suas especificidades. Daí porque o requisito da homogeneidade da representação não está suficientemente configurado.


III. O requisito da pertinência temática

 III.A. Configuração jurisprudencial do requisito 

13. O art. 103 da Constituição Federal especifica os legitimados ativos para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade:[14] o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o Governador de Estado ou do Distrito Federal, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. Nas Constituições anteriores apenas o Procurador-Geral da República dispunha de legitimidade para a propositura da ação de inconstitucionalidade. [15] O Constituinte de 1988 ampliou consideravelmente o número de legitimados. Não chegou, porém, ao ponto de fazer da ação direta de inconstitucionalidade uma actio popularis.[16]

14. Após a promulgação da Constituição de 1988 o número de ações diretas de inconstitucionalidade cresceu de modo significativo. Com efeito, de 1934, quando foi instituída a ação interventiva, até 1988, o número de ações diretas ajuizadas perante o Excelso Pretório (apenas interventivas até 1965; interventivas e genéricas após 1965) não chegou a 1700 (um mil e setecentas). [17] De 1988 (outubro) a setembro de 2013, ou seja, em um período de praticamente vinte e cinco anos, foram ajuizadas 5073 (cinco mil e setenta e três) ações, muitas delas impugnando mais de um dispositivo, às vezes mais de uma dezena deles, no caso das ações voltadas contra normas das Constituições estaduais que foram promulgadas a partir de outubro de 1989.

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15. É evidente que o momento jurídico-político pelo qual passa o país desde a promulgação da Constituição de 1988 é, em parte, determinante do grande número de ações ajuizadas. Mas a “inflação legislativa”, [18] presente em quase todos os Estados contemporâneos, e especialmente nos países recém-industrializados, parece constituir outro fator que precisa ser levado em conta. Some-se ao momento referido e à “inflação legislativa” apontada, a extensão, a outros órgãos e pessoas, da legitimação ativa, antes monopolizada pelo Procurador-Geral da República, e estará explicada a multiplicação das ações diretas de inconstitucionalidade, designadamente quando se trata de uma Constituição analítica, como a de 1988. Não é de estranhar, portanto, que o Supremo Tribunal Federal, por meio de seus julgados, venha procurando restringir o seu manejo. O Supremo Tribunal Federal reconhece que alguns legitimados ativos – o Presidente da República, o Procurador-Geral da República, as Mesas do Senado e da Câmara dos Deputados, os partidos políticos [19] e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – têm interesse em preservar a supremacia da Constituição por força de suas próprias atribuições institucionais. Quanto aos demais legitimados, inclina-se a estabelecer restrições. O Excelso Pretório caminha para “só admitir a ação direta por parte de Governadores e Mesas das Assembléias Legislativas, se a lei impugnada disser respeito, de algum modo, às respectivas unidades federadas; e por parte de confederações sindicais ou entidades de classe, se a norma em causa ferir os interesses dos respectivos filiados ou associados”. [20] Após a promulgação da Emenda Constitucional n.º 45, de 30 de dezembro de 2004, a restrição foi estendida, também, ao Governador e à Câmara Legislativa do Distrito Federal. [21]

16. Assim é que, ao lado dos requisitos constitucionais da representatividade de classe e da abrangência nacional, o Supremo Tribunal Federal construiu a tese da pertinência temática. De acordo com a tese, para que a entidade de classe possa legitimamente suscitar o juízo da Corte sobre a constitucionalidade de lei ou ato normativo, é necessário que suas finalidades estatutárias estejam em sintonia com o conteúdo material da norma impugnada. [22] O requisito da pertinência temática, inicialmente exigido, apenas, das entidades de classe, foi posteriormente estendido, também, às confederações sindicais. Segundo o Ministro Celso de Mello, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal,       

[...] tem ressaltado que a exigência em causa – tratando-se de confederações sindicais – qualifica-se como critério objetivo definidor da própria legitimidade ativa ad causam de tais entidades para a instauração do processo de controle normativo abstrato. [...]  A jurisprudência do STF, ao interpretar o alcance da cláusula inscrita no art. 103, IX, da Carta Política, erigiu o vínculo de pertinência temática à condição objetiva de requisito qualificador da própria legitimidade ativa ad causam das confederações sindicais para o ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade. Inicialmente exigida apenas quanto às entidades de classe de âmbito nacional (ADin 396-DF, Rel. Min. Paulo Brossard; ADin 839-Pr, Rel. Min. Carlos Velloso, RTJ 133/1011, Rel. Min. Sidney Sanches), a pertinência temática a partir do julgamento da ADin 1114-DF, Rel. Min. Ilmar Galvão, passou a ser considerada requisito de observância indispensável também no que concerne às Confederações Sindicais. [23]

17. A pertinência temática, portanto, conforme ressaltado pelo Ministro, é critério definidor de legitimidade da entidade de classe para propositura de ação direta de controle de constitucionalidade. A relação de pertinência que sustenta o requisito ocorre entre os objetivos perseguidos pela entidade de classe e o conteúdo da norma impugnada. Não por outra razão, colhe-se da jurisprudência do Supremo que a (i) legitimidade da parte para propositura da ação direta depende do conteúdo da norma impugnada:       

A legitimidade ativa da confederação sindical, entidade de classe de âmbito nacional, Mesas das Assembleias Legislativas e governadores, para a ação direta de inconstitucionalidade, vincula-se ao objeto da ação, pelo que deve haver pertinência da norma impugnada com os objetivos do autor da ação. Precedentes do STF: ADI 305/RN (RTJ 153/428); ADI 1.151/MG (DJ de 19-5-1995); ADI 1.096/RS (Lex-JSTF, 211/54); ADI 1.519/AL, julgamento em 6-11-1996; ADI 1.464/RJ, DJ de 13-12-1996. Inocorrência, no caso, de pertinência das normas impugnadas com os objetivos da entidade de classe autora da ação direta). [24]

18. A relação de pertinência que vem sendo exigida ao longo destes mais de vinte anos de jurisprudência do Tribunal, contudo, não se opera de maneira genérica. Como antes mencionado, para a noção de entidade de classe o Supremo construiu a tese de que deve ser homogênea e representar interesses convergentes e bem definidos. Entendimento semelhante tem sido desenvolvido para a noção de pertinência temática. Por esse motivo, o Supremo tem afirmado ser necessário que a norma impugnada trate, estrita e especificamente, de matéria correlata aos fins perseguidos pela associação institucionalizada:

Com efeito, esta Corte tem sido firme na compreensão de que as entidades de classe e as confederações sindicais somente podem lançar mão das ações de controle concentrado quando mirarem normas jurídicas que digam respeito aos interesses típicos da classe representada (cf. ADI 3.906-AgR/DF, Relator o Ministro Menezes Direito, DJE de 5-9-2008). A exigência da pertinência temática é verdadeira projeção do interesse de agir no processo objetivo, que se traduz na necessidade de que exista uma estreita relação entre o objeto do controle e os direitos da classe representada pela entidade requerente. [25]

19. Assim é que, por exemplo, o Supremo entendeu pela legitimidade da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público para ingressar com ADI no intuito de discutir a constitucionalidade de dispositivo do novel Código Civil cuidando das atribuições de seus órgãos; [26] também, foi reconhecida a legitimidade da Associação Nacional dos Defensores Públicos para questionar, por via de ação direta de inconstitucionalidade, lei complementar estadual que dispunha, especificamente, sobre a organização da carreira.[27]         O Supremo  decidiu, entretanto, que uma entidade de classe de âmbito nacional não pode ajuizar ação direta de inconstitucionalidade em face de um diploma se este não cuida da classe que ela representa.[28]

20. Indo mais a fundo, da jurisprudência do Supremo colhe-se decisão que, inclusive, entendeu ser imprescindível à legitimação ativa para a propositura de ação direta a existência de disposição estatutária específica contemplando como objetivo a defesa de determinado tema, conforme segue:

O art. 2º do Estatuto da FEBRABAN conduz à conclusão de não estar incluída entre as suas a finalidade de defender a constitucionalidade de normas que disciplinem as atribuições de instituições essenciais à prestação da jurisdição pelo Estado, como se dá relativamente à Defensoria Pública. Mesmo que se considere respeitar a matéria dos autos a 'tema de interesse da opinião pública', a natureza de associação de instituições financeiras bancárias da FEBRABAN limita a sua atuação à defesa de interesses diretos da categoria que representa. [29]

21. Convém advertir, por fim, que a relação de pertinência temática supõe que o conteúdo material da norma impugnada incida de modo direto sobre a atividade profissional ou econômica da classe representada:

ADIn: pertinência temática. Presença da relação de pertinência temática, pois o pagamento da contribuição criada pela norma impugnada incide sobre as empresas cujos interesses, a teor do seu ato constitutivo, a requerente se destina a defender. [30]

22. Embora pacificado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a doutrina não é unânime em relação ao requisito da pertinência temática. Para a construção de juízo seguro a propósito da existência de relação de pertinência entre o teor da EC 73/13 e as finalidades estatutárias da ANPAF, objeto da presente consulta, é preciso enfrentar duas importantes críticas ao instituto: - a que incide sobre a legitimidade de sua construção pretoriana e a que cuida da compatibilidade com a finalidade objetiva do controle abstrato de constitucionalidade.

 III.B. Pertinência do requisito 

23. Uma primeira crítica sustenta substanciar, a relação de pertinência, restrição que deveria decorrer da vontade expressa do Legislador (Constituinte ou infraconstitucional) e não de entendimento jurisprudencial.

24. Embora seja possível discutir a propósito do propalado déficit de legitimidade democrática do Supremo Tribunal Federal para a adoção de restrições a direitos e garantias fundamentais, não é possível esquecer que o Direito não se resume à lei, sendo certo, ademais, que construções pretorianas são admitidas, enquanto fontes de direito, não apenas entre nós. Também é igualmente verdade que, entendendo em contrário o órgão detendor, por excelência, da legitimidade democrática, nada impede que, a qualquer tempo, cuide da matéria. O fato de ter sido antes decidida pelo Supremo, não a exclui, em princípio, do âmbito de apreciação política do Congresso.

 Nesse ponto, um dado relevante deve ser observado. O requisito da pertinência temática foi previsto pelo próprio legislador, quando da elaboração da lei regulamentadora do processo e julgamento da ADI e da ADC (Lei Federal n.º 9.868/99), em parágrafo único do art. 2.º. Com efeito, referido parágrafo único assim dispunha:

Parágrafo único. As entidades referidas no inciso IX, inclusive as federações sindicais de âmbito nacional, deverão demonstrar que a pretensão por elas deduzida tem pertinência direta com os seus objetivos institucionais.

O dispositivo, todavia, sofreu veto presidencial. Entendeu o Presidente da República, nas razões que sustentaram o veto, que a inclusão das confederações sindicais em sua redação iria de encontro à jurisprudência então consolidada do Supremo em sentido contrário. Nada obstante, a mensagem presidencial apresntanto os motivos do veto registrou o seguinte: - ainda que a exigência de pertinência temática resultasse também vetada por uma espécie de arrastamento, nada obstaria a que o Supremo promovesse a construção jurisprudencial de tal requisito. [31]

Ou seja, os representantes democraticamente eleitos (tanto o Presidente da República quanto os membros do Congresso Nacional) caminharam, igualmente, no sentido de afirmar a competência da Excelsa Corte para exigir a demonstração, por certos legitimados, da relação de pertinência entre os seus objetivos institucionais e o teor da norma impugnada.

 25. A outra crítica, conforme apontado, diz respeito à conformidade do requisito da pertinência temática com o caráter singular da fiscalização abstrata da constitucionalidade, haja vista a natureza objetiva do processo constitucional não comportar a defesa estrita de interesses subjetivos (no caso, os interesses de uma classe específica).

 26. Já foi afirmado que, inaugurando a ação direta genérica um “processo objetivo”, nela não há, propriamente, partes. Não há, afinal, aqui, um processo, “no qual as partes litigam pela defesa de direitos subjetivos ou pela aplicação de direito subjetivamente relevante. [32] Há, pois, partes meramente formais. Embora seja possível falar-se em legitimidade ativa e passiva (como se tem feito ao longo desta manifestação opinativa), é preciso fazer uso dessas categorias processuais com certa dose de reserva.[33] É que a ação direta de inconstitucionalidade não será proposta contra alguém, mas antes em face de um ato normativo apontado como ilegítimo do ponto de vista constitucional.[34]

 27. Com a exigência da demonstração da “adequação temática entre as finalidades estatutárias e o conteúdo da norma impugnada” – lembrando-se que a pertinência temática é um sucedâneo do interesse de agir do processo subjetivo –, o Supremo, de fato, não pode chegar ao ponto de transformar a ação direta em processo subjetivo de tutela de interesse concreto (ainda que coletivo). Essa é uma preocupação presente logo nos primeiros debates havidos no Tribunal com relação ao tema.

  28. A ADI 138-8/RJ pode ser tomada como um dos precedentes inaugurais na discussão sobre a compatibilidade da relação de pertinência com o processo objetivo. No julgamento, por ocasião do exame de legitimidade da Associação dos Magistrados Brasileiros para impugnar, por via de ação direta, a constitucionalidade de dispositivos da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, o Min. Paulo Brossard observou que o Presidente da República, as Mesas da Câmara e do Senado, e o Procurador-Geral da República, por exemplo, enquanto legitimados, "falam como autoridades e não na defesa de tal ou qual interesse, porque têm, de certa forma, responsabilidade na defesa da ordem constitucional, indiferentemente a este ou àquele interesse." [35]Na mesma assentada, o Min. Sepúlveda Pertence consignou que "essa relação de pertinência [...] não se há de equiparar à estrita relação subjetiva, que dá o substrato da legitimatio ad causam no processo comum", sendo que "Do contrário, ter-se-ia convertido o processo objetivo de controle de constitucionalidade [...] num processo jurisdicional [...] de postulação de interesses coletivos ou difusos."[36]

29. A fiscalização abstrata de constitucionalidade nada mais é do que um processo especial de revogação de lei sob o fundamento de inconstitucionalidade. [37] O Constituinte de 88 previu, para a deflagração deste processo, que entidades representativas de categorias profissionais ou econômicas buscassem, por via de ação direta, a proteção judicial dos interesses econômicos e profissionais de seus associados, sob o fundamento de proteção da higidez da ordem jurídico-constitucional.

30. Em síntese, sendo o processo de fiscalização abstrata objetivo, cumpre exigir, para efeito de aferição da legitimidade, porquanto estes órgãos não dispõem de interesse genérico na preservação da supremacia constitucional, a demonstração do interesse de seus filiados e associados na questão constitucional para o fim de evitar a multiplicação de ações propostas nem sempre com os melhores propósitos. Tratando-se, por exemplo, de autoridade e órgão estaduais e não federais, a legitimidade de que dispõem, por força de dispositivo constitucional, para a propositura de ação direta, só guarda sentido em relação às respectivas leis locais e às federais que, de algum modo, repercutam na esfera de autonomia estadual. Não seria demais admitir-se, também, a legitimidade do Governador e da Mesa de Assembléia Legislativa ou Câmara Legislativa do Distrito Federal para a propositura de ação direta contra lei ou ato normativo de outra coletividade política federada (Estado-Membro ou Distrito Federal). Basta que a lei ou o ato impugnados atinjam, de modo negativo, o âmbito estadual. [38]

31. A jurisprudência do Supremo vai, portanto, estabelecendo diferença de tratamento entre os (i) legitimados universais (Presidente da República, as Mesas do Senado e da Câmara, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e partido político com representação no Congresso Nacional) [39] e os (ii) legitimados especiais (Governadores, Mesas de Assembléia Legislativa e da Câmara Legislativa do Distrito Federal, confederação sindical e entidade de classe de âmbito nacional). Os primeiros não precisam demonstrar interesse (relação de pertinência entre o ato impugnado e as funções exercitadas pelo órgão ou entidade; adequação da causa às finalidades estatuárias); os segundos, inevitavelmente, sim. [40] Trata-se, pois, o requisito da pertinência temática, de uma restrição racionalizadora, concebida pelo Tribunal, fundando-se em sua legitimidade político-institucional para a construção do sentido do Direito através de sua jurisprudência.

III.C. A relação de pertinência na ADI 5017/DF 

32. Na petição inicial da ADI 5017/DF, a ANPAF sustenta que a relação de pertinência entre a EC 73/13 e as suas finalidades institucionais deriva do fato de que a criação dos Tribunais Regionais Federais produzirá impacto sobre as atividades profissionais e sobre a esfera econômica de seus membros. O argumento não resiste a uma análise mais apurada.

33. De início, confiram-se o teor da EC 73/73 e o rol de finalidades institucionais da ANPAF, nos termos do que dispõe o seu Estatuto no art. 4.º.  É o seguinte o teor da norma impugnada:

Art. 1º O art. 27 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias passa a vigorar acrescido do seguinte § 11:

"Art. 27. ...........................................

§ 11. São criados, ainda, os seguintes Tribunais Regionais Federais: o da 6ª Região, com sede em Curitiba, Estado do Paraná, e jurisdição nos Estados do Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul; o da 7ª Região, com sede em Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais, e jurisdição no Estado de Minas Gerais; o da 8ª Região, com sede em Salvador, Estado da Bahia, e jurisdição nos Estados da Bahia e Sergipe; e o da 9ª Região, com sede em Manaus, Estado do Amazonas, e jurisdição nos Estados do Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima.”

Art. 2º Os Tribunais Regionais Federais da 6ª, 7ª, 8ª e 9ª Regiões deverão ser instalados no prazo de 6 (seis) meses, a contar da promulgação desta Emenda Constitucional.

Art. 3º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.       

Eis, por outro lado,  o que prevê o art. 4.º do Estatuto da entidade:

Art. 4º – A ANPAF tem por objetivos:

a) unir, integrar e congregar seus sócios efetivos e as associações de classe que os representem;

b) representar e defender os interesses e direitos profissionais de seus associados, judicial e extrajudicialmente;

c) defender o cumprimento da Constituição e das leis junto aos poderes públicos, argüindo eventuais inconstitucionalidade e ilegalidades;

d) lutar pela melhoria das condições de trabalho e sociais dos seus membros;

e) zelar pelo respeito, obediência e atenção às prerrogativas de seus associados;

f) incentivar o espírito associativo da classe;

g) promover o aprimoramento jurídico, técnico e profissional dos membros associados, diretamente ou mediante convênio com órgãos públicos e entidades privadas;

h) divulgar matérias do interesse da classe que representa;

i) editar a “Revista da ANPAF – “Revista do Procurador Federal” e/ou outras publicações;

j) fomentar a criação de Representações Estaduais;

l) colaborar com os poderes constituídos nas iniciativas de interesse da sociedade e da classe;

m) propor e acompanhar a realização de concursos públicos para provimento de cargos de procurador federal; ou assemelhados;

n)  empenhar – se junto às autoridades objetivando a doação de áreas destinadas à instalação da entidade e suas filiadas;

o)  credenciar – se, na forma da lei, aos estímulos e benefícios de natureza sócio – cultural – educativa e de interesse de seus associados.

p) editar publicações de cunho jurídico.[41]

34. Viu-se anteriormente (subitem 3.1) a progressão da jurisprudência do Supremo no sentido de não aceitar como suficiente, para a caracterização da pertinência temática, a mera incidência da norma impugnada sobre a esfera individual dos membros da entidade de classe.  É necessário, mais do que isso, que a norma guarde estreita relação com as finalidades institucionais do requerente, daí porque a norma objeto da ação direta deve versar, especificamente, sobre matéria que envolva direitos e obrigações correlatos às atividades desenvolvidas pelos membros associados. Do contrário, não faria qualquer sentido a construção jurisprudencial do requisito da relação de pertinência, pois os legitimados especiais seriam equiparados aos legitimados universais (lembrando que a pertinência temática é exigida, apenas, dos legitimados especiais). Ora, é justamente a finalidade institucional direta de guarda da ordem política ou de defesa de interesses setorizados que levou o Tribunal, conforme apontado, a divisar ambas as qualidades de legitimação, entre órgãos de natureza política e instituições privadas.

35. O conteúdo genérico da EC 73/13 não guarda relação direta com nenhuma das finalidades institucionais a que se destina a entidade de classe em referência. A ANPAF aponta como finalidade institucional correlata à norma impugnada a luta pela "melhoria nas condições de trabalho e sociais" de seus afiliados e o objetivo de “zelar pelo respeito, obediência e atenção à prerrogativa de seus associados” (art. 4.º, al. d e e). Tais objetivos são demasiadamente genéricos para autorizarem a satisfação do requisito da pertinência temática. Além disso, a EC 73/13 cuida de tema que não guarda relação direta com a entidade de classe. Os interesses da classe, enquanto classe ou categoria, não foram de nenhuma maneira feridos com a promulgação da Emenda Constitucional.

 36. No caso em tela, é necessário ter sempre presente o entendimento que vem sendo construído pelo Supremo no que concerne à configuração da relação de pertinência temática: - que a norma impugnada verse sobre interesses típicos da classe representada (ADI 4426, e demais precedentes, citados). Rememorem-se, a título de exemplo, o julgado em que foi reconhecida a legitimidade ativa da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público para discutir a constitucionalidade de norma que dispunha, especificamente, sobre atribuições de seus órgãos (ADI 2794, citada), e o julgado em que se reconheceu a legitimidade da Associação Nacional dos Defensores Públicos para questionar norma que versava sobre a organização da carreira de seus membros (ADI 2903, citada). Cuidando a EC 73/12 única e exclusivamente da criação de novos tribunais regionais, claro está que não trata, direta, estrita e especificamente, de matéria correlata às finalidades estatutárias da Associação autora.

37. É claro que a criação de novos tribunais gera reflexos sobre as atribuições institucionais e a organização da carreira dos membros representados pela entidade em questão. Gera reflexos, todavia, e exatamente na mesma proporção, sobre as atividades de membros de inúmeras outras carreiras, atuantes no labor judiciário ou não. Apanhe-se, como exemplo, o pedido da Federação Brasileira de Bancos – FEBRABAN para ingresso como amicus curiae em ação direta de inconstitucionalidade proposta contra dispositivo de lei que alterava competência da Defensoria Pública para ajuizamento de ação civil pública (ADI 3943, citada). Embora pudesse a Federação sustentar ser diretamente afetada pela norma em questão por quaisquer razões que fossem, ainda assim lhe faltaria a condição de conter, dentre seus objetivos institucionais, “a finalidade de defender a constitucionalidade de normas que disciplinem as atribuições de instituições essenciais à prestação da jurisdição pelo Estado, como se dá relativamente à Defensoria Pública.” [42]

38. Percebe-se, assim, que a pertinência temática poderia, em tese, decorrer de relação entre quaisquer efeitos decorrentes da criação dos tribunais e o exercício de quaisquer atividades profissionais. Ocorre que a abrangência dessa relação tem levado o Supremo a tornar cada vez mais estrito o acesso de entidades de classe ao controle concentrado de constitucionalidade. Por esse motivo, tem o Tribunal ressaltado ser, a mera e normal incidência de efeitos sobre as atividades da associação, insuficiente para caracterização da relação de pertinência. É preciso mais, que os objetivos institucionais da entidade sejam claros e específicos quanto ao tema objeto da norma impugnada e, além disso, os interesses contrariados não sejam gerais, mas, antes, específicos da categoria ou classe.

39.  O mero interesse genérico, indireto, incidente sobre todos e não apenas sobre a classe ou categoria, não justifica a relação de pertinência. Além disso, o interesse genérico na proteção de questões de interesse público também não legitima as entidades de classe para a provocação da fiscalização abstrata de constitucionalidade na Excelsa Corte. As despesas públicas decorrentes da Emenda Constitucional, a adequação da medida legislativa, a prognose feita pelo Legislador Constituinte, a escolha política concretizada pela normativa constante de Emenda Constitucional, a racionalidade ou irracionalidade da solução adotada, a necessidade da adequação da advocacia pública, enquanto órgão do Estado, para atuar nos novos Tribunais, tudo isso não justifica a pertinência autorizadora da legitimação da associação. Ainda que a ANPAF pretenda discutir a exigibilidade de prévia dotação orçamentária para a implementação da EC 73/13, trata-se de argumento de ordem econômico-financeira geral, incabível para justificar o interesse de agir subjacente à relação de pertinência. Essa é, inclusive, outra razão pela qual o Supremo tem reservado às entidades de classe a discussão constitucional de determinadas questões, apenas. Daí que tais entidades integrem o grupo de legitimados especiais (e não universais) para propositura de ações diretas.

No julgamento da ADI 1157, o Min. Marco Aurélio deixou consignado que a preservação do erário seria um interesse de todos os cidadãos em geral, sendo que "Agasalhá-lo implicaria, em última análise, pulverizar o instituto da pertinência temática". Eis a ementa do julgado:

Ação direta de inconstitucionalidade -Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (CSPB) - ausência de legitimidade ativa ad causam por falta de pertinência temática -insuficiência, para tal efeito, da mera existência de interesse de caráter econômico-financeiro - hipótese de incognoscibilidade - ação direta não conhecida. [43]

40. Em síntese, e tal qual exposto anteriormente, os precedentes do Supremo Tribunal Federal firmam-se no sentido de que a legitimidade da entidade de classe para a propositura de ação direta de controle de constitucionalidade "vincula-se ao objeto da ação", de modo que, sendo este abrangente, conclui-se serem ilegítimos para discuti-lo os sujeitos de que se exige o cumprimento do requisito adicional da relação de pertinência (legitimados especiais), dentre os quais se incluem as entidades de classe como a ANPAF.

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Sobre o autor
Clèmerson Merlin Clève

Professor Titular de Direito Constitucional da Universidade Federal do Paraná. Professor Titular de Direito Constitucional do Centro Universitário Autônomo do Brasil - UniBrasil. Professor Visitante dos Programas Máster Universitario en Derechos Humanos, Interculturalidad y Desarrollo e Doctorado en Ciencias Jurídicas y Políticas da Universidad Pablo de Olavide, em Sevilha, Espanha. Pós-graduado em Direito Público pela Université Catholique de Louvain – Bélgica. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Doutor em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Líder do NINC – Núcleo de Investigações Constitucionais em Teorias da Justiça, Democracia e Intervenção da UFPR. Autor de diversas obras, entre as quais se destacam: Doutrinas Essenciais - Direito Constitucional, Vols. VII - XI, RT (2015); Doutrina, Processos e Procedimentos: Direito Constitucional, RT (Coord., 2015); Direitos Fundamentais e Jurisdição Constitucional, RT (Co-coord., 2014) - Finalista do Prêmio Jabuti 2015; Direito Constitucional Brasileiro, RT (Coord., 3 volumes, 2014); Temas de Direito Constitucional, Fórum (2.ed., 2014); Fidelidade partidária, Juruá (2012); Para uma dogmática constitucional emancipatória, Fórum (2012); Atividade legislativa do poder executivo, RT (3. ed. 2011); Doutrinas essenciais – Direito Constitucional, RT (2011, com Luís Roberto Barroso, Coords.); O direito e os direitos, Fórum (3. ed. 2011); Medidas provisórias, RT (3. ed. 2010); A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, RT (2. ed. 2000). Foi Procurador do Estado do Paraná e Procurador da República. Advogado e Consultor na área de Direito Público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CLÈVE, Clèmerson Merlin. Associação e controle abstrato de normas: : não satisfação dos pressupostos da legitimação ativa especial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3771, 28 out. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/25594. Acesso em: 18 abr. 2024.

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