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Plano de saúde e publicidade enganosa

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01/02/2000 às 01:00
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Ação civil pública contra plano de saúde que veicularia publicidade enganosa, atribuindo a médicos conveniados especialidades médicas que não deteriam ou que não existiriam, e contra o Conselho Regional de Medicina, por tolerar tais práticas e não divulgar periodicamente a relação de médicos inscritos.

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
PROMOTORIA DE JUSTIÇA DO CONSUMIDOR DA COMARCA DE CAMPO GRANDE

Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito da ___ Vara de Fazenda Pública e Registros Públicos desta Capital:

O Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul, ora representado pelo Promotor de Justiça do Consumidor desta comarca, que ao final subscreve e que recebe as intimações pessoais na Rua Íria Loureiro Viana, 415, Vila Oriente, nesta, com fundamento no que prescreve o artigo 129, inciso III, da Constituição Federal; o artigo 132, inciso III, da Constituição do Estado de Mato Grosso do Sul; artigo 25, inc. VI, da Lei 8.625, de 12.02.93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público); o artigo 1º, II, 2º, 3º, 5º, "caput"; 11, 12 e 21 da Lei 7.347, de 24.07.85 (Lei de Ação Civil Pública); os artigos 6º, VI; 81, parágrafo único e incisos I, II e III; 82, I; 83; 84, "caput", parágrafos 3º e 4º; 90 e 91 do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11.09.90); o artigo 26, inciso IV, letra "a" da Lei Complementar Estadual n.o 072, de 18 de janeiro de 1994, e ancorado nos fatos apurados no inquérito civil n.o 005/99(doravante apenas denominados de IC 005/99) em anexo, propõe nesse Juízo a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA,
COM PEDIDO DE LIMINAR, pessoa jurídica de direito privado, com sede à Rua Rio Turvo, n.º 305, Jardim Veraneiro, nesta capital, e da UNIMED DE CAMPO GRANDE/MS – Cooperativa de Trabalho Médico Ltda., com sede à Rua Maracaju, n.º 170, Centro, também nesta capital, na pessoa de seu representante legal, pelas razões fáticas e de direito a seguir articuladas:

I - DOS FATOS:

Na comunidade os anúncios e a oferta de serviços médicos especializados, caracterizam-se por ser uma situação descontrolada e anômala, que excede os limites éticos e legais previstos em lei e que reduz a qualidade desses serviços, refletindo a deficiência do atendimento médico em toda sociedade.

Outrora, fora apresentada nesta Promotoria de Justiça do Consumidor representação elaborada pelo Dr. Carlos Eduardo Contar, Promotor de Justiça, tendo por escopo denunciar a publicidade enganosa e abusiva que médicos, convênios e clínicas de saúde de Mato Grosso do Sul vêm fazendo sobre especialidades médicas que não são reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicinal (CFM), oferecendo tratamentos em áreas não identificadas pelos colegiados médicos, pelo CFM e, tampouco, pela lei.

Enunciou, ainda, o ilustre representante do "Parquet" que o Conselho Regional de Medicina (CRM/MS), órgão responsável pela fiscalização da atividade médica no Estado, vem contrariando suas atribuições, mostrando-se inerte deixando de tomar as medidas cabíveis para coibir a propaganda ilícita em evidência, eximindo-se da aplicação das sanções cabíveis aos médicos, convênios e clínicas de saúde que se utilizam de tal expediente para se promoverem, não adotando qualquer ação que pudesse regularizar a situação ora vigente, numa total prova de conivência e cooperativismo inexplicável.

Anualmente, o CRM/MS deveria publicar a relação dos médicos registrados nesta jurisdição com suas devidas especialidades. Obrigação intransferível. Depreende-se, porém, que este não vem elaborando tal lista regularmente e sim repassando tal responsabilidade aos convênios médicos (como a UNIMED), que aos invés de darem informação precisa e verdadeira aos consumidores, como objetiva a lei, veiculam especialidades que certos médicos não detém ou que não foram reconhecidas oficialmente.

Compulsando os autos de Inquérito Civil n.º 005/99, infere-se que o CRM/MS não está cumprindo o determinado pela lei regulamentadora da atividade médica no Brasil e, muito menos, as exigências previstas no Código de Ética Médica, não coibindo a publicidade falaz feita por médicos e convênios que não apresentam provas das especialidades oferecidas, quais sejam: certificados, diplomas de pós-graduação, prova de que exerce atividade de magistério em área específica pelo período de 10 (dez) anos, entre outras exigências.

Desta forma, os pacientes procuram os profissionais, guiados e enganados pela propaganda, submetendo-se a uma avaliação imprecisa de sua saúde, por um médico desqualificado e despreparado para tratá-lo, o que provoca atrasos de diagnósticos, tratamento indevido ou errado, com uso de drogas e medicamentos desnecessários e muitas vezes podendo causar reações adversas, prejuízo material pela repetição constante de consultas, exames e procedimentos, sobrecarregando o sistema, causando não só prejuízo às pessoas, mas a toda comunidade, com a evasão desnecessária de recursos, tempo e desgastes pessoais.

Com apresentação de respostas evasivas e procurando desviar a atenção para resoluções antigas, o CRM/MS firma que o assunto referente às especialidades médicas ainda não está definido, preferindo, neste mister, manter a atual situação descontrolada, onde qualquer um faz o que quer, em total prejuízo ao público e a saúde dos pacientes.

A UNIMED que é uma cooperativa de assistência médica, atualmente publica, sem nenhum controle, sua relação de médicos com especialidades que muitos não detém, sendo que dentre estas "especialidades", existem algumas que sequer foram reconhecidas oficialmente, oferecendo aos consumidores contratantes especialidades como por exemplo "Cirurgia Crânio-Maxilo-Facial", o que sem dúvida alguma garante maior vantagem pecuniária para seus cooperados, talvez por interesses ocultos do CRM, haja vista que a maioria dos médicos ditos especialistas pertencem a esta cooperativa, inclusive a ex-presidenta e o atual presidente do CRM/MS.

Hodiernamente, cita-se ainda como exemplo, as denúncias apresentadas contra as negligências e imperícias cometidas pelo médico e ex-deputado Dr. Alberto Jorge Rondon de Oliveira, outro cooperado da UNIMED, que por intervenção médico-cirurgica deixou muitas mulheres convivendo, há vários anos, com seqüelas de cirurgias plásticas estéticas, sendo que algumas perderam o movimento dos braços, cabendo salientar, que o número de reclamações ao PREVISUL chegou a 25 (vinte e cinco), mas segundo um levantamento preliminar elaborado pelo Instituto de Previdência do Mato Grosso, foram atendidas 653 mulheres vítimas de erro médico. Só no CRM/MS, conforme documentos juntados nos autos de IC n.º 005/99, já foram instauradas 21 sindicâncias contra este profissional. Isso sem dizer que o Instituto médico legal já detectou 20 casos de lesões corporais graves cometidas pelo referido facultativo.

Nada obstante, por meio de denúncias anônimas de profissionais da categoria médica, chegou ao conhecimento desta Promotoria de Justiça que, em virtude da omissão do CRM/MS, muitas clínicas clandestinas estão operando os serviços de especialidades médicas por todo interior do Estado e até mesmo em nossa capital, evidenciando o desprezo desse Conselho Regional na fiscalização da medicina que é um serviço de grande utilidade pública.

É exatamente neste ponto, o exercício ilegal das especialidades médicas, que não vem sendo observado e cumprido na comunidade, tanto por médicos quanto por convênios e clínicas de saúde, que abusando da passividade do CRM/MS e demonstrando desapreço para com a profissão e o público, anunciam pública e abertamente à população especialidades médicas sem o devido título de especialistas ou certificado de pós-graduação ou sem o devido registro no quadro de especialistas do CRM/MS, caracterizando, portanto, conduta anti-ética, propaganda enganosa e crime de exercício ilegal da medicina, auferem, com isto dentre outras, vantagens profissionais ilícitas com a publicidade ilegal, em detrimento dos interesses comuns dos bons profissionais da medicina e também dos pacientes. Portanto, o médico, hospitais e convênios de saúde agem criminosamente contra a saúde pública, com conivência e omissão delituosa do CRM/MS, que confere a estas ilegalidades, sem qualquer constrangimento, perfeita regularidade, necessária fé pública e validade contra terceiros, garantindo, assim, seu "regular" funcionamento.


II - DO DIREITO:

          A) Da Legitimidade do Ministério Público:

Entre as funções institucionais do Ministério Público, também se insere a de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição Federal, promovendo as medidas necessárias a sua garantia (Constituição Federal, art. 129, II), portanto, legitimado a ajuizar Ação Civil Pública para pleitear a defesa de direitos difusos e coletivos(art. 129, III, CF/88).

No tocante à enorme massa de consumidores lesados pelas aludidas especialidades médicas, podemos falar na defesa de interesses ou direitos transindividuais, de natureza indivisível, de que é titular um grupo ou categoria de pessoas, que o Código de Defesa do Consumidor denomina de interesses ou direitos coletivos (artigo 81, parágrafo único, inciso II).

Por outro lado, no que tange ao universo de possíveis consumidores que poderão ser lesados por médicos ditos especialistas, pode-se falar na tutela de interesses ou direitos transindividuais, de natureza indivisível, de que são ou serão titulares pessoas indeterminadas e ligadas pela circunstância fática de consumo. O CDC os denomina de interesses ou direitos difusos (artigo 81, parágrafo único, inciso I).

A Constituição Federal, no artigo 129, inciso III, confere legitimidade ao Ministério Público para "promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos".

Portanto, o texto constitucional normatiza em evidência a função institucional do Ministério Público, sendo o "Parquet" parte legítima para promover ação civil pública na defesa de interesses difusos e coletivos.

Ademais, a Lei n.º 7.347/85 atribui legitimidade ao Ministério Público para o ajuizamento de ação civil pública para a prevenção ou reparação dos danos causados ao consumidor, em decorrência de violação de interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos (v. artigos 1º, 3º, 5º, caput, e 21 do CDC).

Por fim, a Lei n.º 8.078/90 (CDC) comete ao MP legitimação para a defesa coletiva dos interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos do consumidor (artigo 82, inciso I).

Acerca de interesses difusos, muito antes da definição legal do Código de Defesa do Consumidor (artigo 81, § 1º, I), este já era objeto de conceito doutrinário, como estabelecia Péricles Prade:

"Interesses difusos são os titularizados por uma cadeia abstrata de pessoas, ligadas por vínculos fáticos exsurgidos de alguma circunstancial identidade de situação, passíveis de lesões disseminadas entre todos os titulares, de forma pouco circunscrita e num quadro de abrangente conflituosidade".

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A propósito da legitimidade, escreveu Hugo Nigro Mazzilli, em sua obra "A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo":

"Tratando-se da defesa de interesses difusos, pela abrangência dos interesses, a atuação do Ministério Público sempre será exigível. Já em matéria de interesses coletivos e de interesses individuais homogêneos, o Ministério Público atuará sempre que:

a) haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou pelas características do dano (mesmo o dano potencial);

b) seja acentuada a relevância do bem jurídico a ser defendido;

c) esteja em questão a estabilidade de um sistema social, jurídico ou econômico."

Assim, se a defesa de um interesse, ainda que apenas coletivo ou individual homogêneo, convier direta ou indiretamente à coletividade como um todo, não há de recusar o Ministério Público de assumir sua tutela.

A própria realidade forense encarregou-se de demonstrar o grande proveito social que adveio quando, par a par com outros legitimados, também se cometeu ao Ministério Público a iniciativa da ação civil pública em defesa de interesses coletivos, difusos e individuais homogêneos, porque, nesses anos todos de vigências dos novos diplomas legais, das milhares de ações já movidas, praticamente a grande maioria o foram por iniciativa ministerial.

Outrossim, a Constituição da República atribuiu um papel importantíssimo ao Ministério Público, afirmando tratar-se de uma instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, competindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, CF/88).

          B) Dos Diretos Básicos do Consumidor:

A priori, a medicina é uma das profissões intrinsecamente ligadas à saúde pública e a violação de suas exigências não poderia furtar-se à categoria de crime, pois o que a lei prevê não é simplesmente a defesa de uma classe, nem a concorrência desonesta e ilegal que se possa verificar, mas o bem estar da comunidade, a fim de que as pessoas inabilitadas não ponham em perigo a vida e a saúde das pessoas.

Para satisfazer suas necessidades de consumo as vítimas das especialidades médicas submetem-se às condições que lhe são impostas, essa relação de hipossuficiência é multiforme, podendo ocorrer por desinformação, quando consomem medicamentos sugestionados pela massiva propaganda dos meios de comunicação ou influenciados por orientação desqualificada, sem estarem informados corretamente de sua indicação ou dos efeitos nefastos à sua saúde. (ALMEIDA, João Batista, "A Proteção Jurídica do Consumidor", 1a ed., Saraiva, pg. 15)

Dentre os direitos básicos do consumidor está a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos, garantido ao consumidor a reparação dos danos sofridos devido ao ato doloso ou culposo do fornecedor.

Nos termos do artigo 6o, incisos I, III e IV, do Código de Defesa do Consumidor, são direitos básicos do consumidor "a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos; a informação adequada dos produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem e ainda resguardar o consumidor contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços".

          C) Da Publicidade Enganosa e Abusiva:

Toda publicidade deve ser escorreita e honesta, segundo os requisitos legais, deve apresentar-se verdadeira preservando os valores éticos de nossa sociedade e não induzir o consumidor a situações que lhe prejudique, deve fundar-se em dados fáticos, técnicos e científicos que comprovem a informação veiculada, para conhecimento dos interessados e eventual demonstração de sua veracidade.

A publicidade enganosa e abusiva praticada por médicos e convênios, visa apenas o lucro destes profissionais, influenciando o consumidor a vícios de consentimento contrários a ordem pública, ao direito e à moral, sendo que a fraqueza da maioria dos consumidores mais se projeta no âmbito da publicidade.

O Código do Consumidor vem assentar em seu artigo 36 que "a publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal, quando o fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá, em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem". ( Grifo Nosso)

Conforme ministra o mestre Gino Giacomini Filho, Professor da Escola de Comunicação e Artes da USP, "não há receitas para detectar a propaganda enganosa. Há, porém, indícios que fazem parte de anúncios que não primam pela precisão da informação, ou então usam artifícios para envolver o leitor ou telespectador, não propiciando uma compra racional e segura, ou mesmo, a aquisição de um serviço".(Gino Giacomini Filho, Como reconhecer a propaganda enganosa, "Informativo Técnico da Secretaria de Defesa do Consumidor de São Paulo, ano 1, 7:77)

Ao dispor sobre os ilícitos penais, o CDC prescreve:

"Art. 66. Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços:

Pena - Detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano e multa.

Art. 67 – "Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva:

Pena – Detenção de três meses a um ano e multa."

Vê-se, assim, que a publicidade e a informação enganosa não é só por ação, mas também por omissão.

          D) Da Publicidade Ilegal na Medicina:

A publicidade, por sua vez, responsável por tão grande sucesso do mundo dos negócios, é também adotada pela classe médica, por convênios, hospitais e clínicas, devendo essas publicações serem feitas com a finalidade de intercâmbio dos conhecimentos científicos, em órgãos de divulgação médica, ou nas sociedades de classe, tornando-se indiscutível sua utilidade devendo ser revestida de licitude, contendo o nome, títulos idôneos, especialidades, horário e endereço de cada profissional, sendo vedada a divulgação através da imprensa leiga. Devem limitar-se a revelar os conhecimentos necessários ao público, ajudando-o na luta contra as doenças, naquilo que é de interesse da saúde pública, e é necessário que essas conferências sejam realizadas por meios oficiais e com o conhecimento dos Conselhos Regionais de Medicina.

A medicina não pode, em qualquer circunstância ou de qualquer forma, ser exercida como comércio, o médico tem o direito de anunciar seus serviços, porém de maneira sóbria, discreta e comedida.

O que se questiona não é a capacidade técnica ou material para atender um paciente que todo médico tem, mas sim os limites formais e ético-profissionais impostos pela legislação no exercício dessa insigne atividade.

Diz a Resolução CFM 1036/80 "que o médico pode usando qualquer meio de divulgação, prestar entrevistas e publicar artigos versando sobre matéria médica estritamente de caráter educativo. E ainda: por ocasião dessas informações, deverá o profissional evitar o sensacionalismo e a autopromoção, preservando sempre o decoro da profissão. Entende-se por autopromoção a forma de beneficiar-se, no sentido de angariar clientela, fazendo, deste modo concorrência desleal a seus colegas. E por sensacionalismo utilizar meios de comunicação modificando dados estatísticos, métodos e técnicas limitados aos meios científicos, a participação em anúncios publicitários, divulgação de meios científicos e métodos de que não tenha o devido conhecimento e trazer a público informações que causem intranqüilidade".(Grifo Nosso)

Porém, nem sempre se observam essas exigências, conforme demonstrado, as formas publicitárias passaram para formas comerciais, através de anúncios exagerados em tamanho e linguagem, títulos falsos e ambíguos, especialidades inexistentes ou não reconhecidas oficialmente. Além disso, a publicidade de títulos e de cursos de aperfeiçoamento, independentemente de o anunciante ter ou não, não deixa de ser, na verdade, uma forma de autopromoção do profissional da medicina.

Ademais, a informação de assuntos médicos a uma coletividade pode ainda favorecer o charlatanismo, pois cada um se sentirá à altura de indicar um tratamento e emitir um diagnóstico, sob o pretexto de que tem tal ou qual especialidade.

Preconiza o Código de Ética Médica, que é vedado ao médico "divulgar fora do meio científico, processo ou tratamento ou descoberta cujo valor ainda não esteja expressamente reconhecido por órgão competente" (Art. 133, do Código de Ética Médica), ou ainda, "anunciar títulos científicos que não possa comprovar ou especialidade para a qual não esteja qualificado" (Art. 135, do Código de Ética Médica).(Grifo Nosso)

Cabe frisar que para o médico anunciar título científico é necessário que ele esteja registrado no quadro de especialidades do Conselho Regional de Medicina em que estiver inscrito, conforme determina a Resolução CFM n.º 1288/89, e somente poderão ser anunciadas especialidades reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina, portanto, qualquer forma de anúncio, fora desses padrões, constituem-se ato ilegal e criminoso.

Assim, o número de especialistas na jurisdição de um CRM deve ser absolutamente igual aos dos registrados no quadro de especialidades deste Conselho, conforme determina a legislação e o Conselho Federal de Medicina. Na prática, porém, observa-se que devido ao vício social da simulação, há muito mais especialistas anunciados do que os legalmente registrados no órgão competente.

A colação de placa, cartazes e luminosos diante de consultórios e clínicas médicas anunciando especialidade que o médico não detém ou sem mencionar qual o profissional da medicina que ali trabalha é portador da especialidade anunciada constitui publicidade enganosa, que o CRM/MS deveria coibir. No caso em testilha, deve-se deixar claro que o médico Alberto Jorge Rondon exibe na frente de sua clínica, sem qualquer censura por parte do CRM/MS, a publicidade : "Clínica de Cirurgia Plástica", como demonstra a foto presente no autos de Inquérito Civil que instrui a presente. Sem dúvida, trata-se de publicidade enganosa, que deveria ser duramente combatida pelo CRM e não o é.

A publicidade e a informação não é só abusiva e enganosa por ação, mas também por omissão. O médico que se propõe a realizar uma intervenção cirúrgica ou um tratamento qualquer próprio de um especialista de determinada área e não diz ao paciente não ser possuidor daquela especialidade está cometendo o crime de informação enganosa por omissão. Para confirmar o engano em que é levado o consumidor, basta perguntar simplesmente o seguinte: "Quem iria, em sã consciência, fazer uma cirúrgica do coração com um médico especialista em ortopedia? Só o faria se não conhecesse a limitação profissional do predito médico.

Este tipo de informação e publicidade, de forma alguma, deve ficar alheio ao CRM que tem o dever de tomar as medidas cabíveis contra o profissional que assim aja.

          E) Da Prática Abusiva:

O princípio Constitucional do livre exercício profissional não contempla a liberdade absoluta, nem é uma garantia para que qualquer pessoa possa entregar-se livremente a sua atividade, mas o direito de exercê-la desde que legalmente habilitado, observando as prerrogativas e limites. Exige de quem a exerce, autorização do poder público, idoneidade e competência, sujeito a fiscalização do Estado, pois mesmo em caráter privado, há interesses individuais indisponíveis e coletivos que necessitam amparo e proteção.

Contrariando a legalidade que deve revestir toda relação de consumo quanto a lealdade e a boa-fé para com o consumidor, é abusiva a prática publicitária dos médicos e convênios, acerca de suas especializações, posto que coloca a disposição tratamentos e especialidades não aprovadas pelo CFM. O fornecimento de produto ou serviço nocivo à saúde ou comprometedor da segurança do consumidor é o responsável pela maior parte dos chamados acidentes de consumo.

A rigor não trata-se apenas de prática abusiva, mas ilícita, vedada pelo artigo 39, inciso VII, do CDC, in verbis:

Art. 39 – "É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços:

(....);

VIII – colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – CONMETRO".

Assim, é incongruente e ilógico afirmar, como faz o CRM/MS, que os médicos estão apenas proibidos de fazer publicidade de especialidades que não possuem. Mas que estão totalmente liberados para agir em qualquer área, independentemente de possuírem ou não a especialidade específica.

          F) Do Exercício Ilegal Da Medicina:

Como já mencionado, o papel da lei na criação de requisitos para o exercício da profissão há de se ater exclusivamente às qualificações profissionais. A lide em sua essência trata-se, portanto, de um problema de capacitação técnica, científica e moral que cada médico deve possuir para promover seus anúncios publicitários investidos de legalidade.

A medicina por ser uma profissão que, de maneira alguma, pode ser exercida sem o cumprimento das, exigências legais e regulamentares, constitui-se em prática criminosa o exercício sem preencher as condições a que por lei está subordinado seu ofício.

Cabe salientar que para configurar-se o crime, basta apenas o perigo, não exigindo a lei que venham a consumar-se quaisquer lesão ou malefício, sendo necessária unicamente a possibilidade de dano.

No particular aspecto da saúde pública, busca-se tutelar a incolumidade pública, ora violada pela prática ilegal da medicina por profissionais desabilitados que colocam em manifesto perigo a coletividade.

Colaciona o mestre Damásio E. de Jesus, em sua obra "Direito Penal", que:

"Não basta ao médico, dentista ou farmacêutico a habilitação profissional, sendo necessário registro do título, diploma ou licença, ou seja, a habilitação legal."(JESUS, Damásio Evangelista, "Direito Penal", vol. 3 – Parte Especial, 5a ed., Ed. Saraiva, 1988, São Paulo)

Conforme os fatos narrados, os médicos ao declararem suas inexistentes especialidades excedem os limites do exercício de sua profissão, objetivando na maioria dos casos o lucro, configurando um crime próprio de perigo, tipificado no Código Penal Brasileiro, artigo 282, segunda parte e parágrafo único. Mesmo porque este crime não só se configura quando alguém exerce a profissão de médico sem autorização legal, mas também quando excede os limites dessa autorização.

Eis o teor do artigo 282, do Código Penal:

"Art. 282 - Exercer, ainda que a título gratuito, a profissão de médico, dentista ou farmacêutico, sem autorização legal ou excedendo-lhe os limites:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.

Parágrafo único - Se o crime é praticado com o fim de lucro, aplica-se também multa."

O presidente do CRM da jurisdição, quando omisso, deve responder como partícipe na prática daquele delito, nos exatos termos do artigo 13, "caput" e § 2º e artigo 29, ambos do Código Penal.

          G) Da Responsabilidade Objetiva:

Tanto o Conselho Regional de Medicina quanto a UNIMED possuem suas obrigações de representatividade social, ou seja, o CRM não é mais um órgão meramente cartorial, mas também, como a UNIMED um fornecedor de serviços, fundados no credenciamento de profissionais da área médica, que devem participar ativamente de todos os episódios que involucram a categoria dos médicos, cabendo principalmente ao Conselho Regional de Medicina imputar as medidas administrativas cabíveis em face dos profissionais, convênios, hospitais e clínicas (inclusive a UNIMED) que ajam fora dos padrões éticos, morais e legalmente exigidos.

As funções do Conselho estão reguladas no artigo 15, da Lei n.º 3268/57, quando compete a este: "deliberar a respeito de inscrições de médicos, legalmente habilitados; manter um registro dos profissionais numa determinada região; fiscalizar o exercício médico; apreciar e decidir sobre ética profissional e impor as penalidades cabíveis; velar pela conservação da honra e da independência do Conselho; proteger e amparar o perfeito desempenho técnico e a moral da medicina; publicar relatórios anuais e seus trabalhos e a relação dos profissionais registrados; e exercer atos para os quais a lei lhe confere competência".(Grifo Nosso)

Todavia, o Conselho Regional de Medicina não está cumprindo com algumas de suas obrigações face a atividade médica de sua jurisdição, transformando-se em um órgãos meramente representativo de classe, desviando-se totalmente da finalidade para qual foi criado, ou seja, o Conselho deixa de lado seu dever de proteger a comunidade contra o exercício ilegal da medicina, para beneficiar a categoria médica.

Aproveitado-se de todo privilégio garantido pelo CRM, a UNIMED, que é uma cooperativa de assistência médica, onde a maioria de seus cooperados são considerados especialistas, abusa da publicidade para promover seus serviços, em oposição ao dispositivo contido no Código de Ética Médica, artigo 9o, quando preconiza que:

"Art. 9º – "A medicina não pode, em qualquer circunstância ou de qualquer forma, ser exercida como comércio."

Toda atividade médica pode ser até considerada lícita, mas as especialidades apresentadas por muitos profissionais da área médica causam considerável perigo aos consumidores, de modo que o CRM não pode eximir-se da obrigação de velar pelo bem estar público, para que destas atividades especializadas geradoras de dano, não resulte demais prejuízo aos consumidores.

Da omissão do CRM ante a publicidade enganosa e abusiva dos médicos especialistas e da UNIMED, surge sua responsabilidade objetiva, fundada no risco, consistente, portanto, na obrigação de refrear a falsa publicidade produzida pela UNIMED e pelos médicos "especialistas" no exercício de suas atividades que não deixam de ser do interesse do CRM/MS e que devem figurar sob seu controle, fixando-se assim a relação de causalidade entre o dano, a conduta do seu causador e a omissão do CRM.

Nestes termos a Constituição Federal, artigo 37, §6o estabelece que:

"Art. 37 – (....)

§ 6º - "As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa."(Grifo nosso)

Já a UNIMED e as demais empresas particulares fornecedoras de serviços de saúde não escapam a responsabilidade objetiva prevista no artigo 14, do CDC.

          H) Da Contrapublicidade

Concernente ao articulado, manifesto é o caráter enganoso e abusivo que reveste toda publicidade praticada pelos médicos "especialistas", sendo assim o Código do Consumidor, no artigo 60 prevê a imposição da contrapropaganda quando o fornecedor incorrer na propaganda enganosa e abusiva, correndo a despesa por sua conta.

"Art. 60 – A imposição de contrapropaganda será cominada quando o fornecedor incorrer na prática de publicidade enganosa ou abusiva, nos termos do art. 36 e seus parágrafos, sempre às expensas do infrator.

§ 1º – A Contrapropaganda será divulgada pelo responsável da mesma forma, freqüência e dimensão, e preferencialmente, no mesmo veículo, local, espaço e horário, de forma capaz de desfazer o malefício da publicidade enganosa e abusiva."

Em seus comentários ao Código de Defesa do Consumidor, o mestre Eduardo Gabriel Saad, colaciona seu entendimento sobre a contrapropaganda, nos seguintes termos:

"O fornecedor, para levar ao público uma informação correta sobre seu produto e desmentir o que anteriormente se divulgara a respeito, terá de promover um programa publicitário de igual duração, com a mesma dimensão e com o emprego dos mesmos meios de comunicação". (SAAD, Eduardo Gabriel, "Comentários ao Código de Defesa do Consumidor", 3a ed., Editora LTR, São Paulo, 1998, pág. 491).

Patente, deste modo, é a obrigação da UNIMED em promoverem a contrapropaganda, face a publicidade enganosa e abusiva por ela feita aos consumidores que com ela contrataram.

O objetivo pretendido somente será alcançado se, às expensas dos infratores, a verdade for divulgada no mesmo veículo de comunicação em que foi estampada a publicidade enganosa, observando-se, no que se refere ao espaço e local, as mesmas características antes empregadas na mensagem feita com infração à lei.

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Sobre o autor
Amilton Plácido da Rosa

Procurador de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Amilton Plácido. Plano de saúde e publicidade enganosa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 39, 1 fev. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16055. Acesso em: 18 abr. 2024.

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