Petição Destaque dos editores

Ação revisional de cartão de crédito

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01/07/2000 às 00:00

Resumo:


  • A autora alega ter sido lesada por cláusulas abusivas e cobrança ilegal de juros em contrato de cartão de crédito, e busca revisão contratual e devolução de valores indevidamente pagos.

  • Reivindica-se a suspensão da negativação do nome da autora em órgãos de proteção ao crédito e a suspensão da incidência de juros acima de 12% ao ano, além de pedir a não capitalização dos juros.

  • Apresenta-se uma tabela detalhando as cobranças e pagamentos efetuados, evidenciando a discrepância entre o saldo devedor e os encargos financeiros aplicados.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Petição inicial em ação revisional de contrato de cartão de crédito, movida contra instituição financeira. A autora alega práticas abusivas, como cobrança de juros capitalizados (anatocismo), aplicação de indexadores unilaterais e comissão de permanência indevida. Requer a revisão contratual para adequação dos encargos financeiros ao limite legal, a restituição de valores cobrados indevidamente e a suspensão de eventuais restrições em cadastros de inadimplentes.

Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de ___:

OBJETO: AÇÃO REVISIONAL

1. A autora firmou um contrato de cartão de crédito, cujo número é ____, contrato esse unilateral e eivado de cláusulas leoninas, intitulado "Contrato com o Associado", registrado no ____ Cartório de Registro de Títulos e Documentos da cidade de São Paulo, sob o número ____.

2. A autora utilizou o referido cartão por um longo período, sendo que este estava originalmente vinculado à conta corrente de número ____, da agência do Banco ____, situada na ____, no ____, nesta capital.

3. A autora manteve os pagamentos sempre em dia até (data). Entretanto, a partir dessa data, notou que, quanto mais pagava, maior se tornava o seu saldo devedor (documentos anexos).

4. A autora demonstra, na tabela anexa, a discrepância entre o valor cobrado, com encargos, juros e mora, e o total devido sem tais acréscimos. Observa-se, ainda, que esses cálculos são feitos a partir da fatura com vencimento em __/__, sem incluir o ano de ____, pois a documentação correspondente não está disponível. Conforme previsto pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) e pela legislação específica, é obrigação da ré apresentar as faturas discriminadas de todo o período da vigência do contrato, com os valores especificados, a fim de tornar claro o valor real devido pela autora, bem como os juros, encargos e mora, devidamente discriminados, com sua origem detalhada mês a mês.

5. Ocorre, Excelência, que o réu cobrou da autora juros muito acima dos constitucionalmente permitidos. Contudo, o mais grave é a cobrança ilegal de juros sobre juros, configurando anatocismo. Assim, o réu incorre em prática lesiva ao patrimônio da autora, utilizando-se de um procedimento que contraria os princípios das diretrizes socioeconômicas, as quais o Direito, por questão de justiça e sobrevivência, busca erradicar.

6. A autora tentou, por meio de contatos telefônicos com a administradora do cartão, firmar um acordo para reduzir o seu saldo devedor, com base nas alegações supracitadas. No entanto, não obteve sucesso, restando infrutíferas suas tentativas de negociação.

7. O direito da autora está amparado pela Constituição Federal de 1988, pela Lei nº 4.595/64, pelo Decreto nº 22.626/33, artigo 1º, pela jurisprudência de nossos tribunais, bem como pela doutrina consolidada pelos nossos jurisconsultos.


PRÁTICAS ABUSIVAS

a) Capitalização de juros: Forma de cálculo de juros compostos, na qual os juros se integram ao capital e passam a sofrer a incidência de novas parcelas desses encargos.

b) Cláusula mandato: Condição em que o financiado outorga uma procuração (mandato) à instituição financeira ou a uma empresa a ela coligada para criar um título de crédito em seu nome e no de seus garantidores, pelo valor que a instituição pretender cobrar. Tal prática é vedada pela Súmula 60 do Superior Tribunal de Justiça.

c) Indexadores alternativos: Possibilidade de escolha unilateral, por parte da instituição financeira, do indexador (ou pseudo-indexador) que melhor atenda aos seus interesses.

d) Flutuação de taxas: Possibilidade de majoração periódica das taxas de juros pactuadas em um contrato, sem qualquer interferência do financiado, alterando, dessa forma, cláusula essencial do negócio.

e) Comissão de permanência: Prática que consiste na cumulação dessa verba moratória com outros encargos que são excludentes (juros contratuais, multas, honorários, correção etc.). Da mesma forma, quando se trata de taxa de juros, não se admite a sua cobrança de forma capitalizada, como usualmente ocorre.


No que tange aos contratos de adesão, é essencial especificar que todos os contratos devem ser revistos quando se tornarem excessivamente onerosos. Além disso, as cláusulas abusivas devem ser desconsideradas pelo consumidor.

A requerente, assim como seus pares, sente-se impotente diante do poder econômico. As grandes entidades comerciais praticam cada vez mais abusos, sem qualquer punição, e, a contrario sensu, tornam-se cada vez mais protegidas. Os cidadãos mantêm-se, quase sempre, inertes frente aos prejuízos que sofrem.

O direito considera a desigualdade entre as partes de um negócio jurídico, mas essa desigualdade não ocorreria se o poder econômico pudesse ser contrabalanceado por maiores possibilidades de escolha oferecidas à parte contratante menos favorecida.

A Constituição Federal, em seu artigo 170, prevê a proteção econômica aos menos favorecidos, valorizando o trabalho humano e assegurando uma existência digna a todos, seguindo diversos princípios, entre eles, a proteção ao consumidor.

O Código de Defesa do Consumidor foi criado justamente pelo reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor, tendo como função social promover a realização dos ideais de convivência harmoniosa entre as partes. Para tanto, estabeleceu órgãos e mecanismos de tutela, além de proibir práticas comerciais e contratuais abusivas.

É imprescindível esclarecer quais são os mecanismos de defesa disponíveis ao consumidor e tornar conhecidas todas as práticas comerciais e contratuais abusivas, a fim de equilibrar as relações comerciais em nosso país.

O direito tradicional interpreta os contratos aplicando indiscriminadamente o princípio pacta sunt servanda. Dessa forma, ignora a especificidade das condições gerais, não levando em consideração a boa-fé do contratante.

No entanto, há entendimentos contrários na doutrina que devem ser considerados, como o famoso trecho de Raymond Saleilles em De la déclaration de volonté, Paris, 1901, que transcrevemos:

"Sem dúvidas, há contratos e contratos, e estamos longe da realidade dessa unidade de tipo contratual que supõe o Direito. Será necessário, cedo ou tarde, que o Direito se incline diante das nuances e divergências que as relações sociais fizeram surgir. Há supostos contratos que têm do contrato apenas o nome e cuja construção jurídica está por fazer; para os quais, em todo caso, as regras de interpretação judicial deveriam se submeter, sem dúvidas, a importantes modificações. Poderiam ser chamados, na ausência de termo melhor, de contratos de adesão, nos quais há a predominância exclusiva de uma única vontade, agindo como vontade individual, que dita sua lei não mais a um indivíduo, mas a uma coletividade indeterminada, obrigando antecipada e unilateralmente, admitindo-se apenas a adesão daqueles que desejarem aceitar a lei do contrato."

A expressão contrato de adesão tem um sentido mais restrito. Tem sido empregada para designar a preconstituição unilateral do conteúdo dos contratos similares, nos quais são inseridas cláusulas uniformes que não podem ser rejeitadas. Outros lhe atribuem um significado ainda mais restrito, reservando-a para as relações jurídicas em que a posição de superioridade do predisponente permite, em princípio, a imposição de cláusulas atentatórias ao equilíbrio normal entre os contratantes.

Não parece razoável esse estreitamento. É a forma do consentimento que identifica mais rapidamente a figura jurídica do contrato de adesão, desde que, obviamente, a predisposição unilateral de seu conteúdo seja realizada para contratos em massa.

Afinal, a aceitação em bloco de cláusulas preestabelecidas significa que o consentimento ocorre por adesão, prevalecendo a vontade do predisponente, que, na observação de Saleilles, dita a sua lei não mais a um indivíduo, mas a uma coletividade indeterminada. Dessa forma, não importa se as cláusulas predeterminadas integram, mediante incorporação ou remissão, o conteúdo de todos os contratos. Tampouco se altera o fenômeno pelo fato de a predisposição ser obra de terceiro, como na hipótese de provir de regulamento do poder público.

Sob o ângulo da formação dos vínculos pessoais, evidencia-se o mesmo processo de estruturação, pois uma das partes apenas adere a cláusulas que deve aceitar globalmente, sem participar de sua formação. Em todos esses casos, a expressão contrato de adesão, consagrada pelo uso, pode ser mantida, a despeito das objeções que levanta.

Assim, é interessante que aqueles que, como a autora, têm sua dívida aumentada significativamente em virtude de juros estratosféricos busquem revisar e analisar judicialmente suas dívidas e o modo como elas vêm se reproduzindo. É bem provável que o valor já pago, e que ainda está sendo cobrado, tenha excedido o montante real devido.

O posicionamento da doutrina e dos Tribunais de Justiça, de Alçada e do Superior Tribunal de Justiça, quanto às controvérsias suscitadas sobre cláusulas que geram excessiva onerosidade, propiciou às pessoas físicas e jurídicas a possibilidade de ingressarem em juízo, objetivando a revisão dos contratos em curso, bem como reaver, por meio da Ação de Repetição de Indébito, os valores pagos indevidamente às instituições financeiras. Na mesma esteira, podem ser discutidas questões já judicializadas, ainda que na posição de devedor.

Cabe ressaltar que a possibilidade de ajuizamento de ações visando à readequação dos contratos encontra respaldo em vários diplomas legais. Dessa forma, o regime de capitalização mensal de juros, como praticado pela requerida, é proibido pelo Decreto nº 22.626/33, ainda que tenha sido expressamente pactuado no contrato, conforme consolidado pelo Supremo Tribunal Federal na Súmula 121.

A capitalização de juros aparece maquiada sob diversas formas, sendo as mais comumente utilizadas: o fator exponencial, a Tabela Price, o fator/coeficiente nos contratos de leasing, o Sistema SAC, os juros mensais em contas devedoras, as operações de financiamento encadeadas e os indexadores unilaterais, tais como a Taxa ANBID, CDB e CDI.

Infere-se, portanto, que, ao formalizarem diversos contratos, as instituições financeiras cometeram lesão à base contratual, uma vez que não podem auferir lucro com vantagem manifestamente desproporcional (CF, art. 173, § 4º), comparada à contraprestação envolvida, ou de forma exorbitante (por exemplo, ao captar recursos, o banco paga ao investidor apenas 2%; por outro lado, ao firmar um contrato de mútuo, não poderá cobrar, a título de remuneração do capital envolvido, mais do que 20% sobre a porcentagem do valor captado), sob pena de se configurar lesão e desproporção entre as prestações envolvidas.

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Essa conduta praticada pelo banco permite a propositura de ação de revisão de contrato ou de repetição de indébito.


8. A forma que o réu encontrou para enriquecer sem causa não pode ser tolerado pelo direito, e é neste sentido é que a autora busca a tutela jurisdicional do Estado.

9. Neste sentido:

"Ainda que não se entendesse autoaplicável o dispositivo constitucional limitador das taxas de juros, observa-se a existência de norma ordinária (Decreto nº 22.626/33, artigo 1º) que proíbe a cobrança de juros superiores ao dobro da taxa legal, ou seja, acima de 12% ao ano. Certo é que existe a Súmula nº 596 do STF, a qual dispõe que essa limitação não se aplica às instituições financeiras, estando elas livres para cobrar quaisquer taxas, desde que autorizadas pelo Conselho Monetário Nacional.

Entretanto, tal enunciado – Súmula nº 596 do STF – baseia-se em uma interpretação equivocada da referida lei do mercado de capitais, pois o dispositivo que supostamente autorizaria a cobrança de juros acima de 12% ao ano (Lei nº 4.595/64, art. 4º, inc. IX) utiliza, na verdade, o verbo ‘limitar’, e não ‘aumentar’. Limitar significa reduzir, restringir, diminuir. Tanto é que o inciso em questão, em sua parte final, menciona que essa limitação destina-se a assegurar taxas favorecidas a determinados financiamentos. Se assim é, conclui-se que o objetivo do legislador foi, justamente, restringir os encargos praticados pelos bancos, e não conceder ao CMN uma ‘carta de alforria’, permitindo a cobrança de juros abusivos."

(Extraído do Jornal do Comércio de 14 de novembro de 1994, Espaço Vital).

10. Nota-se, também, Excelência, que na própria decisão polêmica do STF sobre o tema, destaca-se o voto proferido pelo Eminente Ministro Gaúcho, Dr. Paulo Brossard, que aponta:

"Ser o dispositivo em questão autoaplicável, porque é norma reguladora para que se exprima o que nela contém e se realize tudo o que se exprime."

11. E, por certo, cabe indagar, como o fez o Ministro, o que será feito quando da edição da Lei Complementar, pois, certamente, o legislador não poderá dispor de forma diversa daquela expressa na Lei Maior, o que reforça a tese da autoaplicabilidade da referida norma constitucional.

12. Neste sentido:

STJ decide se administradora de cartão de crédito pode cobrar juros acima de 12% ao ano

As administradoras de cartão de crédito não são instituições financeiras e, por isso, não podem cobrar juros na fatura dos clientes superiores a 12% ao ano. Este é o entendimento do ministro Carlos Alberto Menezes Direito, da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do processo em que o Banco do Brasil pede à Justiça que as administradoras sejam reconhecidas como instituições vinculadas ao Sistema Financeiro Nacional.

O processo foi levado a julgamento ontem, mas não teve decisão final, pois foi interrompido com o pedido de vista do ministro Nilson Naves. O Banco do Brasil quer que as instituições financeiras possam continuar cobrando os juros de acordo com as oscilações do mercado e as variações dos índices inflacionários. Desta forma, estariam legalmente livres do limite imposto pela Constituição Federal, de 12% ao ano.

O Banco do Brasil ingressou com uma ação de cobrança contra o industrial Dário João Wendling, da cidade de Dois Irmãos-RS, para receber uma quantia equivalente a R$ 7.300 por inadimplência do cartão de crédito Ourocard em 1995. O banco estaria cobrando juros de 18%, calculados à época da conversão para a URV, capitalizando os juros e cumulando a chamada comissão de permanência com correção monetária.

Dário argumenta que estas cobranças são ilegais. "A dívida se originou de uma compra no valor de R$ 780 e agora tenho que pagar uma quantia exorbitante", assinala. A advogada Ieda Maria Weber da Silva questiona a própria natureza dos contratos de adesão dos cartão de crédito, que seriam regulados de forma arbitrária e unilateral.

O Banco do Brasil ganhou na Comarca de Dois Irmãos o direito de cobrar além do percentual de 12%, mas o Tribunal de Justiça do Estado reformulou a decisão, impondo ao banco limites quanto à aplicação dos juros.

A advogada do Banco do Brasil, Marise Rosenhaim, assegura que a administradora de cartão de crédito são autorizadas pelo Conselho Monetário Nacional e deve ser tratada como instituição financeira. "A administração de cartões de crédito de um banco só o é até o adimplemento das obrigações contratuais, pois a partir do inadimplemento de quem utiliza o cartão passa a ser também financeira, já que financia o saldo devedor apurado", explica.

Além do ministro Carlos Alberto Menezes Direito, ainda faltam votar os ministros Eduardo Ribeiro, Waldemar Zveiter, Ari Pargendler e Nilson Naves. A Assessoria de Imprensa vai informar a nova data para o julgamento.

NOTÍCIAS DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - 17/08/99 17:42:37 - Processo: Resp194843

13. Da mesma sorte, temos as seguintes decisões jurisprudenciais:

"O banco/apelante não comprovou, e nos autos não há prova objetiva e material de que estava autorizado a praticar a taxa de juros incidente, na sua formação complexiva, de juros e correção monetária.

Assim, afastado, no caso, o aspecto da limitação constitucional, a inconformidade do apelante não merece acolhimento, devendo prevalecer a taxa de juros no percentual de 12% a.a., com base no art. 1º da Lei de Usura e com suporte nos precedentes do STF anteriormente mencionados, porquanto o exequente/apelante não comprovou nos autos que estava autorizado pelo Banco Central do Brasil a praticar as taxas de juros incidentes."

(TARGS, Ap. Cív. 194064226)

A tese foi esposada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, como se infere deste recente julgado daquele colegiado::

"JUROS. Limite. Súmula 596/STF. Capitalização.

Recurso conhecido para permitir a cobrança de juros de 12% a.a., sem capitalização, em face da peculiaridade do caso."

(RESP 207604/SP, DJ 16 de agosto de 1999, p. 75)

O voto do relator, Ministro Ruy Rosado de Aguiar, é ainda mais explícito:

"O r. acórdão recorrido aceitou a tese de que o banco credor pode cobrar a taxa que estipular, de acordo com o que considerar seja a taxa do mercado. Penso que essa liberalidade não está de acordo com a lei, que submete as instituições financeiras ao que for determinado pelo Conselho Monetário Nacional.

De acordo com os precedentes desta Turma, para cobrar juros acima da taxa legalmente prevista, seja no Código Civil, seja na Lei de Usura (Dec. nº 22.626/33), a instituição financeira deve demonstrar estar autorizada pelo Conselho Monetário.

Na espécie, pelo que se pode ver do extrato de fl. 21, juntado pelo credor, no mês de novembro de 1995, há lançamentos de juros de 2% ao dia sobre o saldo devedor, capitalizados diariamente. É difícil acreditar que, naquela época, com inflação reduzida, o CMN tenha autorizado o banco a cobrar esses juros, e de modo capitalizado."

O Ministro Carlos Alberto Menezes Direito justifica:

"As taxas de juros, ante a eventual omissão do Conselho Monetário Nacional, não podem ficar sujeitas à livre vontade das instituições bancárias, geridas sempre com o intuito de trilhar os caminhos do lucro, muitas vezes exagerados, como sói acontecer, o que prejudica a própria razão de ser da nota de crédito comercial.

Assim, ao invés de incentivar o comércio, a liberdade excessiva dos bancos tem acarretado, na verdade, a quebra de centenas de empresários que dependem do crédito para sobreviver."

(REsp nº 79.507, j. 05.03.1998)

Dessa forma, para cobrar juros superiores a 12% ao ano, a ré deverá comprovar estar individualmente autorizada pelo CMN. Do contrário, mesmo que não sejam aceitas as teses da eficácia do art. 192, § 3º, da Constituição Federal e da aplicabilidade da Lei da Usura (vide itens 1.1 e 1.2), as disposições do contrato em tela que estipulem a cobrança de juros superiores a 12% ao ano serão nulas.

"Contratos bancários – Revisão possível dos contratos quitados se, para tanto, foi firmado outro e a liberação serviu para pagamento do anterior – Submissão ao Código de Defesa do Consumidor e viabilidade do reconhecimento da nulidade de cláusula que se mostrar abusiva e contrária à lei – Onerosidade excessiva e lucro arbitrário ilegais – Reconhecimento – Capitalização afastada – Recurso improvido."

14. Segundo a decisão da 9ª Câmara Cível do TARGS, tratando-se de juros excessivos, extrai-se do voto do Exmo. Juiz Antônio Guilherme Tanger Jardim:

"Embora o entendimento da Suprema Corte, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4, continue convencido de que é autoaplicável a norma contida no parágrafo 3º do artigo 192 da Constituição."

(Processo nº 194.123.220).

15. Fundamentada no citado Encontro Nacional de Tribunais de Alçada, que decidiu que:

"A limitação constitucional da taxa de juros reais é aplicável de imediato. Entende-se por juro real o juro excedente à taxa inflacionária. No juro real incluem-se os custos administrativos e operacionais, as contribuições sociais (Finsocial, PIS e PASEP) e os tributos devidos pela instituição financeira. Está proibido o juro composto. O IOF está excluído do juro real."

(Jornal do Comércio, 04/11/1994 – Espaço Vital).

16. Embasado no entendimento supra, o acórdão unânime da 9ª Câmara Cível do TARGS (Proc. nº 194.123.220) decidiu que:

"É inadmissível que se reserve aos integrantes do sistema financeiro um privilégio – qual seja o de ficarem isentos das limitações previstas nos arts. 1.262 e 1.062 do Código Civil, combinados com o art. 1º do Decreto nº 22.626/33, matéria esta reproduzida pelo art. 192, § 3º, da Constituição."

E ainda:

"A capitalização é vedada em lei (art. 4º do Decreto nº 22.626/33). Desde então, está proibida a cobrança de juros sobre juros, ressalvando-se o caso de acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente, de ano em ano."

17. Da mesma forma, não poderia deixar de acompanhar essa linha de raciocínio o eminente jurisconsulto de nosso ilustre Tribunal de Alçada, o Sr. Dr. Arnaldo Rizzardo, que, em sua obra Contratos de Crédito Bancário, da Editora Revista dos Tribunais, aborda o tema com profundo conhecimento e propriedade:

"A taxa de juros vem inserida nas cláusulas de duas formas: ou mediante pura estipulação, ao lado de outros encargos, como correção monetária, comissão de permanência e multa por mora; ou cumulada e embutida na correção monetária ou na comissão de permanência prefixada, em padrões que ultrapassam os índices oficiais impostos pelo governo.

Tanto em uma como em outra hipótese, não há de se consagrar privilégios em favor de uma determinada classe de entidades ou pessoas, mesmo porque, por princípio constitucional, todos são iguais perante a lei.

Com efeito, reza o art. 5º da vigente Carta Magna: 'Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país…'."

Mais adiante, o mesmo jurista completa:

"A atual Constituição Federal consolidou a limitação da taxa de juros, conforme previsto no artigo 192, parágrafo 3º, nos seguintes termos:

'As taxas de juros reais, nelas incluídas as comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a 12% ao ano. A cobrança acima desse limite será conceituada como crime de usura, em todas as modalidades, nos termos que a lei determinar.'

Percebe-se que o preceito especifica as taxas de juros reais, o que permite concluir que a capitalização está abrangida, de modo que o índice percentual não pode ultrapassar esse patamar, ainda que aplicada a capitalização. Essa interpretação decorre da redação expressa do dispositivo, ao utilizar a expressão 'juros reais'.

Se a Lei nº 4.595 dava margem a interpretações que permitiam taxas de juros superiores a 12%, desde que toleradas pelo Conselho Monetário Nacional, atualmente, nossa Lei Maior inseriu norma proibitiva, que derroga qualquer outra regra que pretenda autorizar percentuais mais elevados."

(Destaque do autor).

18. Dessa forma, percebe-se que a autora foi lesada pela cobrança ilegal de juros abusivos e cumulados, conforme pode ser constatado nos juros calculados e debitados nas faturas mensais referentes ao uso do cartão de crédito. Por essa razão, é imprescindível sua revisão, para que os cálculos e projeções sejam realizados sob a égide da legislação pátria.

19. Causa estranheza o fato de que as administradoras de cartões de crédito cobrem juros muito superiores ao limite de 12% ao ano previsto em lei. Além disso, essas instituições sequer podem alegar que utilizam os juros do dinheiro emprestado para pagar seus aplicadores, uma vez que, na realidade, a administradora não presta serviço bancário e cobra por seus serviços tanto do usuário quanto do conveniado ao cartão de crédito.

20. A autora pretende, portanto, pagar juros justos e legais, sem que estes sejam capitalizados indevidamente. No caso em questão, não há qualquer legislação que permita ao sistema financeiro sobrepor-se à Lei da Usura, muito menos às administradoras de cartão de crédito, que não pertencem ao sistema financeiro de aplicações. Por conseguinte, nenhuma disposição normativa autoriza a cobrança de juros acima dos limites estabelecidos, seja pela Lei da Usura, seja pela Constituição Federal.

21. Atualmente, a jurisprudência tem se manifestado da seguinte forma, conforme se constata na decisão a seguir:

"Daí o entendimento quanto à limitação de 12% ao ano, tanto com referência aos juros remuneratórios convencionados quanto aos juros moratórios. Com relação a estes, cabe mencionar o art. 1.062 da lei substantiva civil, que estabelece a taxa de juros de 6% ao ano. Ocorre, porém, que o Decreto nº 22.626/33, em seu art. 1º, vedou, em qualquer hipótese, a cobrança de juros superiores ao dobro da taxa legal. A Constituição Federal reafirmou esse conceito, eliminando privilégios e, portanto, não se pode admitir uma interpretação da Lei nº 4.595/64 que beneficie os bancos e as instituições financeiras, liberando-os para fixar juros de forma ilimitada, em flagrante desequilíbrio de tratamento com a grande maioria da sociedade brasileira."

Apelação Cível nº 194117545, 5ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul, Relator: Jasson Ayres Torres

Fica evidente a absoluta impropriedade da pretensão da ré, que nem sequer é banco ou instituição financeira, em cobrar juros superiores a 12%, pois tal situação caracteriza um tratamento desigual, conferindo privilégio à ré em detrimento da autora.

22. A ILEGALIDADE DA COBRANÇA – DECRETO Nº 22.626/33 E LEI Nº 4.595/64

Ao analisar a legislação infraconstitucional, verifica-se reiteradamente que:

"Não é legal a cobrança de juros e taxas superiores a 12% ao ano, pois essa prática é expressamente vedada pelo Decreto nº 22.626/33 (Lei da Usura), o qual não foi revogado pela Lei nº 4.595/64 (Lei da Reforma Bancária)."

Na decisão, o Tribunal de Alçada do Estado decidiu, por unanimidade:

"A Lei nº 4.595/64 não revogou o art. 1.062 do Código Civil, nem os arts. 1º e 13 da Lei da Usura (Decreto nº 22.626/33).

LIMITAR não é sinônimo de liberar e, muito menos, de majorar: trata-se de uma exegese iníqua e equivocada do art. 4º, incisos VI e IX, da Lei nº 4.595/64, consagrada na Súmula nº 596 do STF."

Apelação Cível nº 192002962, 2ª Câmara Cível

23. Fica evidenciado o repúdio dos tribunais, em consonância com a opinião da sociedade, à aceitação da Súmula nº 596 do STF. A atual tendência, diante dos argumentos irrefutáveis e brilhantes que se acumulam e se repetem em decisões monocráticas e em tribunais estaduais, é que essa súmula venha a ser revogada. Deve ficar claro que, com a promulgação da Constituição Federal, a referida Súmula foi devidamente derrogada.

Esse entendimento foi sustentado pelo douto Juiz de Alçada Dr. Osvaldo Stefanello, na Apelação Cível nº 191.024199, publicada na Revista dos Tribunais, vol. 675, p. 195.

E continua em arresto memorável:

"Veja-se, de resto, que o § 3º está dividido em duas partes. A primeira estabelece o conceito de juros reais; a segunda prevê a punição criminal para quem ultrapassar o percentual fixado ‘nos termos em que a lei determinar’. Essa condicionante refere-se, evidentemente, apenas à parte de natureza penal do texto. O crime de usura, esse sim, depende de lei regulamentadora, embora não se possa esquecer que já existe legislação vigente dispondo sobre esse delito.

Sem razão, portanto, o demandado ao pretender que somente após a regulamentação o texto constitucional poderia ter aplicação nessa matéria. Isso só ocorreria se o dispositivo não contivesse os elementos e requisitos necessários à sua imediata aplicação. E esses elementos estão presentes no § 3º do art. 192."

24. Trazemos à baila jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a esse respeito, in verbis:

"JUROS – ANATOCISMO – LEI ESPECIAL – CAPITALIZAÇÃO MENSAL – VEDAÇÃO.

Execução. Direito Privado. Juros. Anatocismo. Lei especial. Semestralidade. Capitalização mensal vedada. Precedentes. Recurso não conhecido.

I - A capitalização de juros (juros sobre juros) é vedada pelo nosso ordenamento jurídico, mesmo quando expressamente convencionada, não tendo sido revogada a regra do art. 4º do Decreto nº 22.626/33 pela Lei nº 4.595/64. O anatocismo, repudiado pelo verbete nº 121 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, não guarda relação com o enunciado nº 596 da mesma Súmula.

II - Mesmo nas hipóteses contempladas em leis especiais, a capitalização mensal é vedada."

(STJ, 4ª Turma, MV – REsp 4724-MS, Rel. Min. Sávio de Figueiredo, j. em 11.06.1991, DJU 02.12.1991).

25. O Poder Judiciário é o único órgão apto a garantir a justiça, mesmo quando esta é publicamente desacreditada por seus próprios governantes. Cabe-lhe impedir os abusos cometidos na cobrança indevida e cumulada de juros, os quais dificultam o crescimento econômico do país. Afinal, todos são iguais perante a lei – princípio básico constitucional –, não podendo haver uma desigualdade econômica tão injusta e incoerente, em que uma das partes, o contratante/consumidor, sai sempre prejudicada.

Cumpre, ainda, salientar que, na atual Carta Magna, um dos objetivos fundamentais da República é "construir uma sociedade livre, justa e solidária", ex vi do art. 3º, inciso I, da Constituição Federal.

Nossa Constituição Federal também estabelece, no art. 170, caput, os princípios gerais da atividade econômica, determinando que esta "tem por fim assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social."

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Sobre a autora
Marcia Silvana Cezar Silveira

advogada em Porto Alegre (RS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVEIRA, Marcia Silvana Cezar. Ação revisional de cartão de crédito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. -1096, 1 jul. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16076. Acesso em: 13 dez. 2025.

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