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Ação civil pública para implantação de defensoria pública

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01/02/2000 às 01:00
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Petição inicial do Ministério Público contra o Estado do Paraná, para implantação de Defensoria Pública na Comarca de Londrina (PR)

          EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL DA COMARCA DE LONDRINA - PARANÁ.

"Discursos sobre ética nada valem se a prática é outra. Prioridades são determinadas por tempo, dinheiro e energia investidos nelas, pelo uso que fazemos do poder e pelos valores que balizam nossas decisões e ações cotidianas. Tudo depende de vontade política"
(ODED GRAJEW, Folha de São Paulo, 24/6/99).

"Melhor do que ter boas leis, é tê-las e cumpri-las, porque pior do que não ter leis, é não cumpri-las."
(Montesquieu)


O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, por seu Promotor de Justiça que adiante assina, em exercício junto à Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos e Garantias Constitucionais da Comarca de Londrina, no uso de suas atribuições legais e com especial respaldo nos artigos 127 caput e 129, incisos II e III, da Constituição Federal, no art. 25, inciso IV, letra "a", da Lei n.° 8.625/93, nos arts. 1.°, inciso IV, 3.° e 5.°, da Lei n.° 7.347/85, e demais disposições aplicáveis da Lei n.° 8.078/90 e da legislação processual civil, vem respeitosamente perante Vossa Excelência, com base nos artigos. 5°, inciso LXXIV, e 134, da CF, propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO LIMINAR EM DEFESA DOS DIREITOS DIFUSOS DA POPULAÇÃO CARENTE DA COMARCA DE LONDRINA, COM PRECEITO COMINATÓRIO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER, contra o

ESTADO DO PARANÁ, pessoa jurídica de direito público interno, com sede administrativa em Curitiba e que deverá ser citado na pessoa do Sr. Procurador Geral do Estado, que poderá ser encontrado em seu gabinete, situado na Rua Marechal Hermes, nº 999, Centro Cívico, Curitiba, pelas razões de fato e de direito a seguir articuladas:


I - A LEGITIMIDADE MINISTÉRIO PÚBLICO
E O CABIMENTO DA PRESENTE AÇÃO:

Por intermédio desta ação, o Ministério Público almeja prestação jurisdicional que garanta a efetiva implantação, nesta Comarca de Londrina, da Defensoria Pública, conforme previsão constitucional nesta sentido (art.134).

Trata-se, portanto, de ação destinada a tutelar o interesse difuso da população carente desta Comarca, privada de assistência jurídica integral e gratuita, já que o Estado do Paraná não oferece, neste momento, qualquer serviço desta natureza para aqueles mais desfavorecidos. Tal assistência foi elevada à garantia constitucional individual, estabelecendo a Constituição, no seu art. 5º, inciso LXXIV, que, verbis, "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos".

A legitimação ativa do MINISTÉRIO PÚBLICO, neste caso, decorre de mandamento constitucional, uma vez que lhe incumbe "a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis" (art. 127, "caput", da CF/88); preceituando também a Carta Magna (art. 129) que são funções institucionais do MINISTÉRIO PÚBLICO, entre outras: "zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos... aos direitos consagrados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias à sua garantia" (inciso II) e "promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos" (inciso III).

Outrossim, a LEI ORGÂNICA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, no seu art. 25, inciso IV, alínea "a", prevê que incumbe ao Ministério Público, entre outras funções, "promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos".

Os interesses difusos são assim chamados, ensina HUGO NIGRO MAZZILLI(1), "porque, além de transindividuais, dizem respeito a titulares indetermináveis, dispersos na coletividade; são indivisíveis, porque não se pode determinar ou quantificar o prejuízo de cada um dos lesados. Difusos são, pois, interesses indivisíveis, de grupos menos determinados de pessoas, entre as quais inexiste vínculo jurídico ou fático muito preciso. São como um feixe de interesses individuais, com pontos em comum"

Na síntese precisa de CELSO BASTOS(2), "a característica primordial do interesse difuso é a sua descoincidência com o interesse de uma determinada pessoa. Ele abrange, na verdade, toda uma categoria de indivíduos unificados por possuírem um denominador fático qualquer em comum".

No âmbito do Código de Defesa do Consumidor - Lei 8.078/90 - aparece o seguinte conceito: "Interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato" (art. 81, I).

In casu, não se pode definir, a priori, quais são as pessoas que necessitam de assistência jurídica gratuita e integral, a ser fornecida pelo Estado, em razão de insuficiência de recursos, que deverá ser comprovada. Deste modo, essa indeterminação de sujeitos - a qual deriva, em boa parte, do fato de que não há vínculo jurídico a agregar os sujeitos afetados - nos leva a concluir que estamos diante de interesses difusos, posto que disseminados por toda coletividade.

Abordando este tema com muita propriedade, EDIS MILLARÉ(3) assevera:

"A nova Constituição, em boa hora, como que numa resposta aos reclamos da doutrina moderna, acaba de dar sinal verde para uma ampla aplicação da ação civil pública em defesa dos interesses vitais da sociedade. Sem as limitações impostas pela Lei 7.347/85, que só tutelava alguns interesses difusos nominados, o legislador Constitucional alargou-lhe enormemente a abrangência, de molde a ter por objeto outras categorias de direitos e a servir de freio aos abusos de autoridades ou dos poderes públicos... Livre, portanto, da camisa-de-força e das amarras a que se achava atrelada, a ação civil pública - precedida ou não de inquérito civil quando ajuizada pelo Ministério Público - objetiva agora a proteção não só do patrimônio público e social, mas também de todos os interesses difusos e coletivos. A plasticidade do dispositivo, como se disse alhures, permitirá que numa dessas categorias de direitos se enquadrem fatos hoje inimagináveis, mas que certamente à complexidade da vida social e o futuro dirão: esta, sua grande virtude".

Destarte, no exercício de sua missão constitucional, de defesa destes interesses difusos, o Ministério Público possui plena legitimidade para a propositura da presente demanda, sendo ela o meio hábil para compelir o Estado a cumprir mandamento constitucional, uma vez que a população carente desta Comarca de Londrina não recebe assistência jurídica integral e gratuita por parte do Estado.


II - DA "CAUSA PETENDI" - O DEVER DO ESTADO
NA IMPLANTAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA.

Consoante previsão constitucional já mencionada (art. 5°, inciso LXXIV, da CF), ao Estado cabe garantir a todo cidadão brasileiro a assistência jurídica integral e gratuita, desde que comprove insuficiência de recursos.

Trata-se de uma garantia fundamental baseada na premissa de que todo e qualquer cidadão possui o direito de acesso à justiça, ainda que não tenha condições financeiras para tanto.

Por isso, o referido preceito constitucional deve ser analisado em sintonia com o "princípio de acesso à justiça", também chamado de "princípio da proteção judiciária ou da inafastabilidade do controle jurisdicional", previsto no art. 5º, inciso XXXV, da Carta Magna, o qual estabelece que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".

De fato, a igualdade perante a Justiça está assegurada pela Constituição. Entretanto, ao analisar o referido dispositivo constitucional, salienta JOSÉ AFONSO DA SILVA(4) que:

"Os pobres têm acesso muito precário à justiça. Carecem de recursos para contratar bons advogados. O patrocínio gratuito se revelou de alarmante deficiência. A Constituição tomou, a esse propósito, providência que pode concorrer para a eficácia do dispositivo, segundo o qual o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos (art. 5º, LXXIV). Referimo-nos à institucionalização das Defensorias Públicas, a quem incumbirá a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV (art. 134).

(...) Uma velha observação de Ovídio ainda vigora nos nossos dias, especialmente no Brasil: Cura pauperibus clausa est, ou no vernáculo: "O tribunal está fechado para os pobres". (...) Os Poderes Públicos não tinham conseguido até agora estruturar um serviço de assistência judiciária aos necessitados que cumprisse efetivamente esse direito prometido entre os direitos individuais. Aí é que se tem manifestado a dramática questão da desigualdade da justiça, consistente precisamente na desigualdade de condições materiais entre litigantes, que causa profunda injustiça àqueles que, defrontando-se com litigantes afortunados e poderosos, ficam na impossibilidade de exercer seu direito de ação e de defesa assegurado na Constituição. A assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos vem configurada, relevantemente, como direito individual no art. 5º, LXX IV. Sua eficácia e efetiva aplicação, como outras prestações estatais, constituirão um meio de realizar o princípio da igualização das condições dos desiguais perante a Justiça. Neste sentido é justo reconhecer que a Constituição deu um passo importante, prevendo, em seu art. 134, a Defensoria Pública como instituição essencial à função jurisdicional, incumbida da orientação jurídica e defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV)".

Neste sentido, afirma o eminente Juiz do Tribunal de Alçada do Estado de São Paulo, JOSÉ RENATO NALINI(5):

"Perante o Judiciário, não parece verdadeiro que todos sejam efetivamente iguais. A partir da exigência de um profissional que a Constituição considera indispensável à administração da Justiça - art. 133 - constata-se que o despossuído em regra não consegue se fazer representado por jusperito de talento. E se o Estado é obrigado a prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos (...), na prática o nomeado se desincumbe formalmente do encargo, longe de ombrear-se com o empenho do advogado constituído.

...

Vastas camadas populacionais vêm sendo singelamente excluídas da Justiça convencional. É raro o comparecimento do favelado para pleitos típicos de uma cada vez mais reduzida classe média: são as ações editalícias, as concernentes às relações de família, de responsabilidade civil, das vínculos de consumo. Em Estados desenvolvidos a comunidade dos consumidores é integrada por todos os habitantes. Diversamente, num país como o Brasil, até a condição de consumidor é subtraída ao marginal - assim entendido o ser humano despossuído e em condições de miserabilidade total - pois alheio ao processo de mercado em que se envolvem apenas os fornecedores e a população economicamente ativa".

Nesse sentido, as garantias da proteção judiciária e da assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados viabilizam o pleno exercício do direito de acesso à justiça pelo cidadão.

Em complemento aos dispositivos supra, estabelece a Lei Federal n.° 1060/50, em seu art. 1°, que:

"Os poderes públicos federal e estadual, independentemente da colaboração que possam receber dos municípios e da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, concederão assistência judiciária aos necessitados, nos termos desta lei".

Por sua vez, tendo em vista a implementação desta garantia, o próprio legislador constituinte previu a criação das Defensorias Públicas, estabelecendo no art. 134 da Carta Magna, que:

"A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5.º, LXXIV..

Parágrafo único: Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais pare sua organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais"."

Regulamentando o dispositivo supra, a Lei Complementar n.° 80, de 12/01/94, organizou a Defensoria Pública da União, ao mesmo tempo em que estabeleceu regras para a criação das Defensorias nos Estados:

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"Art. 1°. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe prestar assistência jurídica, judicial e extrajudicial, integral e gratuita, aos necessitados, assim considerados na forma da lei.

Art. 2°. A Defensoria Pública abrange:

I- a Defensoria Pública da União;

II- a Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios;

III- as Defensorias Públicas dos Estados.

...

Art. 4°. São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:

I - promover, extrajudicialmente, a conciliação entre as partes em conflito de interesses;

II - patrocinar ação penal privada e a subsidiária da pública;

III - patrocinar ação civil;

IV- patrocinar defesa em ação penal;

V- patrocinar defesa em ação civil e reconvir;

VI - atuar como Curador Especial, nos casos previstos em lei;

VII - exercer a defesa da criança e do adolescente;

VIII - atuar junto aos estabelecimentos policiais e penitenciários, visando assegurar à pessoa, sob quaisquer circunstâncias, o exercício dos direitos e garantias individuais;

IX- assegurar aos seus assistidos, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, o contraditório e a ampla defesa, com recursos e meios a ela inerentes;

X- atuar junto aos Juizados Especiais de Pequenas Causas;

XI - patrocinar os direitos e interesses do consumidor lesado;

...

Art. 97. A Defensoria Pública dos Estados organizar-se-á de acordo com as normas gerais estabelecidas nesta Lei Complementar.

...

Art. 106. A Defensoria Pública do Estado prestará assistência jurídica aos necessitados, em todos os graus de jurisdição e instancias administrativas do Estado.

Art. 107. A Defensoria Pública do Estado poderá atuar através de Núcleos.

Art. 108. Aos Defensores Públicos do Estado incumbe, dentre outras atribuições estabelecidas pela lei estadual, o desempenho da função de orientação e defesa dos necessitados, no âmbito judicial, extrajudicial e administrativo do respectivo Estado.

Art. 109. Cabe à lei estadual disciplinar os órgãos e serviços auxiliares de apoio administrativo, organizando-o em quadro próprio, com cargos que atendam às peculiaridades e às necessidades da administração e das atividades funcionais da instituição.

Art. 110. A Defensoria Pública do Estado é integrada pela carreira de Defensor Público do Estado, composta das categorias de cargos efetivos necessários ao cumprimento das suas funções institucionais, na forma a ser estabelecida na legislação estadual.

...

Art. 142. Os Estados adaptarão a organização de suas Defensorias Públicas aos preceitos desta Lei Complementar, no prazo de cento e oitenta dias."

A Constituição do Estado do Paraná, por seu turno, previu como uma das funções essenciais à justiça, a Defensoria Pública, assim preceituando em seus arts.127 e 128:

"Art. 127. - A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica integral gratuita, a postulação e a defesa, em todas as instâncias, judicial e extrajudicial, dos direitos e dos interesses individuais e coletivos dos necessitados, na forma da lei.

Art. 128. - Lei complementar, observada a legislação federal, disporá sobre a organização, estrutura e funcionamento da Defensoria Pública, bem como sobre os direitos, deveres, prerrogativas, atribuições e carreiras de seus membros."

Com o objetivo de regulamentar tais dispositivos, foi editada a Lei Complementar nº 55, de 4 de fevereiro de 1991, a qual instituiu a Defensoria Pública no Estado do Paraná, nos seguintes termos:

"Art. 1°- Fica instituída a Defensoria Pública no Estado do Paraná, observados os artigos 134 e 22, do ato das disposições transitórias, da Constituição Federal e 127 e 128 da Constituição Estadual.

...

Art.4° - São funções institucionais da Defensoria Pública:

I - Promover ação penal privada e a subsidiária da pública;

II - Promover ação civil.

III - Promover defesa em ação penal;

IV - Promover defesa em ação civil e reconvir;

V - Atuar junto aos estabelecimentos policiais e penitenciários, visando assegurar à pessoa sob qualquer circunstância, o exercício dos direitos e garantias individuais.

VI - Assegurar aos seus assistidos acusados em processo judicial ou procedimento administrativo, o contraditório e a ampla defesa, com os recursos e a ela inerentes.

...

Art. 6.º - O Poder Executivo, em 180(cento e oitenta) dias, enviará à Assembléia Legislativa mensagem dispondo sobre a criação e estruturação da carreira de defensor público, bem como fixando vencimento, vantagens, direitos e deveres e outras disposições cabíveis para o funcionamento da instituição."

Como se verifica, as Defensorias Públicas foram previstas em lei para abrandar o abismo existente entre a população carente e a justiça, na medida em que, na palavras do Procurador do Estado PEDRO ARMANDO EGYDIO DE CARVALHO(6), vieram para "contribuir na restauração da brecha entre Estado e Sociedade, resgatando na ordem jurídica o valor do grupo e da comunidade marginalizada, onde germinam os direitos e onde o oprimido pode atingir seu verdadeiro estatuto de ser inconfundível e realizar as potencialidades a que foi destinado".

Não obstante os dispositivos acima elencados, enfatiza-se que, hoje, no Estado do Paraná, a quase totalidade das pessoas carentes não tem acesso à justiça. Nesta Comarca de Londrina, assim como as demais Comarcas do interior, ainda não foi implantada a Defensoria Pública, cuja previsão constitucional não passa de letra morta. Sendo que o Poder Executivo tinha o prazo de 180 (cento e oitenta) dias para enviar à Assembléia Legislativa mensagem dispondo sobre a criação e estruturação da carreira de defensor (art. 6º da Lei Complementar nº 55, de 4.2.91), e até agora absolutamente nada fez neste sentido.

A propósito, na cidade de Curitiba, cerca de 30 (trinta) advogados do Estado prestam assistência jurídica integral e gratuita às pessoas pobres, ocupando um prédio na Av. João Gualberto, nº 741, no Alto da Glória (fone: 041-352-2202). Profissionais esses que atendem de 80 a 100 pessoas por dia e que pertencem ao "Quadro de Advogados" do Estado, o qual dispõe de aproximadamente 200 (duzentos) advogados, os quais estão lotados em algumas Secretarias Estaduais e atuando em todo o Estado.

É bem verdade que, neste caso, não foi criada e estruturada a carreira de defensor público, em desrespeito às Constituições Federal e Estadual e à legislação infraconstitucional. Entretanto, o requerido encontrou uma solução emergencial para a capital do Estado, diante do crescente número de pessoas humildes que precisam de assistência jurídica gratuita e integral.

Por que então não adotar, pelo menos por enquanto, a mesma solução para as demais Comarcas do Estado? Nada mais natural e justo que tal solução seja estendida à Comarca de Londrina, a qual abrange os municípios de Londrina e de Tamarana, e que juntos somam uma população de aproximadamente 500.000 (quinhentos mil) habitantes.

Visando suprir a ausência da Defensoria Pública no interior do Estado, a Secretaria da Justiça e Cidadania do Estado do Paraná firmou convênio com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/PR), objetivando possibilitar a prestação de assistência jurídica gratuita aos necessitados.

Esta medida, que não é a ideal, solucionou muito parcialmente o problema da falta de assistência jurídica à população carente - merecendo destaque, de qualquer modo, a dedicação dos advogados que atuaram neste convênio (que pouco receberam por isso) e o número de pessoas que eram atendidas diariamente: de 215 a 500 no Estado, sendo que 30 só em Londrina (num total de 7.946 pessoas). Infelizmente, este convênio não foi renovado pelo Estado, perdurando até outubro de 1998 (cf. matéria jornalística anexa, doc. nº 1); sendo que, ao que consta, o requerido deixou de repassar cerca R$ 1,8 milhão aos advogados cadastrados no convênio.

Ressalte-se, a propósito, a manifestação do Presidente da Subseção de Londrina da Ordem dos Advogados do Brasil, Dr. ADYR S. FERREIRA:

"(...) Apesar do veemente posicionamento da OAB para que fosse renovado o Convênio da Advocacia Dativa com o Estado do Paraná, este recusou-se peremptoriamente a fazê-lo, sob a alegação de que não dispunha de numerário suficiente (?!) para pagamento dos haveres do mencionado pacto. Lamentavelmente, com isso o povo carente está ameaçado de ficar sem atendimento judiciário suficiente" (cf. Ofício de nº 25, de 31.5.99, doc. nº 2).

Com efeito, não há dúvidas de que o requerido vem desprezando este gravíssimo problema consistente na falta de assistência jurídica gratuita e integral ao povo carente do Paraná, pelo menos daquele que reside fora da Capital, já que, indiscutivelmente, nada de concreto vem sendo feito para proporcionar à esta população acesso à justiça. O mencionado princípio da proteção judiciária - que constitui-se, em verdade, na principal garantia dos direitos subjetivos, segundo JOSÉ AFONSO DA SILVA(7) - não passa de ficção em nosso Estado.

No caso, a população carente da Comarca de Londrina está encontrando inúmeras dificuldades para exercer sua cidadania, na medida em que a possibilidade de acesso à justiça é extremamente limitada, diante da flagrante omissão do Estado. Enquanto isso, o Ministério Público, a Universidade Estadual de Londrina e o Centro de Atendimento à Mulher, da Prefeitura Municipal de Londrina, em razão da estrutura que dispõem, beneficiam um número muito reduzido de pessoas que precisam de atendimento jurídico gratuito.

Em relação ao Programa das Promotorias de Justiça das Comunidades, instituído há mais de 2 (dois) anos e que atua em 3 (três) bairros carentes da cidade de Londrina, o objetivo maior é estabelecer uma aproximação efetiva entre o Ministério Público Social e a população que encontra maior dificuldade de acesso à justiça, a fim de que as pessoas mais humildes sejam orientadas sobre seus direitos e respectivos instrumentos de defesa no exercício da cidadania; possibilitando a intervenção do "parquet", inclusive, em conflitos sociais e coletivos, sempre na tentativa de alargar o âmbito dos direitos fundamentais da população, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida das pessoas; para isso, procura-se realizar acordos entre as partes nos litígios de pequena complexidade. Este programa oferece apenas um advogado - cedido pela Prefeitura de Londrina -, que fica encarregado de ajuizar ações naqueles casos de interesses individuais.

O Centro de Atendimento à Mulher possui apenas 3 (três) advogados e só atende mulheres vítimas de violência. A Universidade Estadual de Londrina, por sua vez, dispõe do Escritório de Aplicação, destinado àqueles alunos da Faculdade de Direito que estão no 4º e 5º anos. É sabido que, hoje, as pessoas humildes que procuram este serviço são orientadas a voltar no final do ano, tal o volume de serviço existente. Sem falar que o objetivo da UEL não é prestar assistência jurídica aos necessitados e sim de proporcionar conhecimentos e experiência aos estudantes, os quais acabam por realizar a maior parte dos "serviços", já que o número de professores é pequeno. De qualquer modo, este serviço tem uma finalidade precipuamente pedagógica, que - como é óbvio - não pode jamais ser tratado como solução para este problema da falta de assistência jurídica gratuita aos pobres, que deve ser ofertado pelo Estado através de defensores públicos, ou na pior das hipóteses, por advogados do próprio Estado, ou seja, por profissionais do ramo.

A respeito desta matéria, o magistrado londrinense JOSÉ CICHOCKI NETO(8), com a sensibilidade e a cultura jurídica que lhe são peculiares, disserta que "a determinação constitucional insculpida no inc. LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos -, não passa, ainda, de mera esperança de realização efetiva. (...) É evidente que a defesa de direitos por profissionais especializados, habilitados a fornecerem orientações mais seguras e soluções mais eficazes e justas, se traduz em custos maiores ao usuário. Desse benefício, na realidade, o necessitado é completamente afastado, pois, normalmente, os serviços prestados por organismos de assistência judiciária, vinculados a Universidades, são feitos por estagiários dos cursos de Direito, assistidos por professores, que têm uma sobrecarga enorme de processos para acompanhamento".

Destarte, é evidente a violação literal das garantias constitucionais em questão por parte do Estado do Paraná, que simplesmente ignora que a quase totalidade dos presos provisórios (cerca de 450) não possui condições financeiras para contratar um advogado; enquanto isso, continuam "amontoados" nos Distritos Policiais e na Prisão Provisória, quando em muitos casos benefícios processuais poderiam ser pleiteados. Esta é a mesma situação em que estão os demais réus, que ainda estão em liberdade. Ressalte-se que todo réu tem que ter advogado. Todavia, poucos são os advogados voluntários que realizam a defesa gratuita destes réus pobres, sendo que a sobrecarga de trabalho destes abnegados profissionais é imensa, em prejuízo da qualidade do trabalho realizado. De qualquer modo, ninguém é obrigado a trabalhar de graça.

Ignora igualmente o Estado o drama daqueles pobres que precisam ingressar na justiça visando a defesa de seus direitos nas áreas cível e de família. Sem mencionar aquelas pessoas humildes que precisam da Justiça do Trabalho e da Justiça Comum Federal. É cada vez mais freqüente - em razão do crescente índice de desemprego que assola o país - pessoas pobres procurarem por advogados no Fórum desta Comarca, sendo que na grande maioria dos casos tais pessoas alegam que os mencionados serviços de assistência jurídica gratuita não puderam atendê-los ou que só poderão fazê-lo vários meses depois.

Outrossim, enquanto o Estado simplesmente ignora o drama deste enorme contingente de pessoas, pois não lhes oferece assistência jurídica gratuita e integral, outro princípio constitucional vem sendo pisoteado: o da igualdade de todos perante a lei, o qual está previsto no art. 5°caput da Carta Magna ("todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza").

Referido princípio fundamental define a chamada igualdade formal perante a lei, traduzida na máxima de que os cidadãos brasileiros devem ser tratados igualitariamente, diante das normas jurídicas existentes no país.

Igualdade constitucional que, segundo CARMEM LUCIA ANTUNES ROCHA(9), "é mais que uma expressão de Direito; é um modo justo de se viver em sociedade. Por isso é princípio posto como pilar de sustentação e estrela de direção interpretativa das normas jurídicas que compõem o sistema jurídico fundamental".

Evidentemente, a população carente da Comarca de Londrina está recebendo tratamento desigual perante a lei.

A previsão constitucional é certeira e expressa: o Poder Judiciário deve ser acessível a todo cidadão brasileiro, inclusive obrigando o Estado a prestar-lhe assistência jurídica gratuita e integral, caso seja comprovada insuficiência de recursos.

Nesta senda, acentua o jurista RÓBSON FLORES PINTO(10) que "a garantia constitucional da assistência jurídica aos hipossuficientes tem por escopo o princípio da igualdade, de forma a dotar os desiguais economicamente de idênticas condições para o pleito em juízo".

Ora, se, em virtude da omissão do Poder Executivo em cumprir os ditames constitucionais em apreço, a imensa maioria da população carente de Londrina não tem a quem recorrer para exercitar e defender seus direitos, chegamos a uma triste e conhecida conclusão: somente os mais afortunados, como regra, estão se beneficiando da prestação jurisdicional na Comarca de Londrina, ou seja, para a grande maioria dos londrinenses pobres o Poder Judiciário continua fechado!

Com efeito, o desprezo estatal agride um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, que é a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da CF), já que, ao não proporcionar o acesso à justiça pela população carente, o Poder Executivo está privando-a de sua dignidade, na medida em que os seus direitos básicos de cidadania não podem ser objeto de prestação jurisdicional. Com isso, o Estado, por incrível que pareça, é o maior responsável pela perpetuação das injustiças, pois sonega as chaves do Judiciário para o pobre.

Adequadas são as palavras de JOSÉ RENATO NALINI(11):

"Sem a via aberta ao Judiciário, nenhuma pessoa terá reconhecida em plenitude sua dignidade, quando vulnerada em seus direitos"

Com certeza, enquanto houver omissão estatal nesta área - como há em tantas outras fundamentais - continuaremos a conviver com esta lamentável constatação: apenas 2 a 3% da população brasileira têm acesso à justiça; os outros 97 a 98% da população brasileira não chegam à ela.

Enquanto isso, desgraçadamente, não teremos no Brasil e no Paraná, como quer a Constituição Federal, um modelo de democracia participativa, econômica e social, a qual seja entendida como capaz de construir uma sociedade livre, justa e solidária, na qual o desenvolvimento econômico deve estar voltado para a erradicação da pobreza e da marginalização, para a diminuição das desigualdades sociais e regionais e para a promoção do bem comum; democracia esta fundada, sempre, no princípio da igualdade.

Constitui, portanto, um dever indeclinável do Estado o oferecimento de assistência jurídica gratuita aos necessitados. Como bem acentuou o eminente Ministro WASHINGTON BOLIVAR, do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, em julgamento no qual se questionou a falha do Estado em assegurar esta garantia:

"A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado. É dever do Estado de "prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos", corresponde o direito dos cidadãos desfavorecidos de contar com uma assistência eficaz (CF, art. 5°, LXXIV e art. 134). Se são poucos os Defensores Públicos para a multidão de desvalidos, falha o Estado, e não os Defensores, pois deveria prover para diminuir o número daqueles e aumentar o destes. Se aos acusados, em geral, a CF assegura "ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes", maior deve ser a cautela dos Juizes em relação aos pobres, para ver realizado o ideário constitucional (CF, art. 5°, LV)"(12).

Com evidência palmar, já se decidiu nas Excelsas Cortes dos Estados do Rio Grande do Sul e de São Paulo que a assistência judiciária gratuita e integral constitui um primado indiscutível:

"Sendo o acesso à justiça verdadeiro direito supraconstitucional, portanto inalienável, facilitado deve ser seu exercício, com interpretação axiológica e sociológica, não lítero-gramatical, das normas que regulam o beneficio da assistência judiciária gratuita ou da justiça gratuita. Normas cujo verdadeiro sentido é o de que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita a todos os que dela necessitem e se afirmem sem condições financeiras, de forma permanente ou temporária, de exercer o direito de em juízo litigar sem prejuízo ao próprio sustento ou manutenção da família" (13).

"ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA - Justiça gratuita. Responsabilidade do Estado, conforme previsto no art. 5°, LXXIV da CF. Dispositivo auto-aplicável, inserido no rol dos direitos e garantias individuais, que não carecem de prévia disciplina legal pare seu exercício. Prestação que não pode ser transferida a terceiros, "ex vi legis", à guisa de múnus atrelado ao exercício da profissão de advogado. Inteligência do art. 92 da L. 4.215/63"(14).

Finalmente, devemos lembrar que também compete aos Estados "combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos" (art. 23, inciso X , da CF).

Nessa ordem, cindindo-se a relação indispensável entre Estado e Sociedade, cria-se um inconcebível hiato entre a própria Carta Magna e seus beneficiários.

Por fim, apesar da existência dos mencionados dispositivos constitucionais e infraconstitucionais, poder-se-á alegar que é discricionária a decisão do Estado do Paraná em criar e estruturar a Defensoria Pública em nosso Estado, ou seja, que tal implantação depende de um juízo de conveniência e de oportunidade a ser feito pelo Poder Executivo.

Este eventual entendimento, em absoluto, não deve prevalecer.

Ao pronunciar-se sobre a omissão do Poder Público em relação à instalação de Conselhos e Fundos Municipais, o Desembargador aposentado do Rio Grande do Sul RUY RUBEN RUSCHEL(15), inclusive citando alguns juristas, tratou exemplarmente desta questão dos limites da discricionariedade administrativa:

"Sem pretender avançar sobre princípios do Direito Administrativo, sou de opinião de que o conceito de discricionariedade mais se estreitou com a vigente Constituição. O controle judicial dos atos administrativos, do qual Pontes de Miranda (Comentários à Constituição de 1967, S. Paulo, RT, 1971, Vº/106) afirmou que o sistema brasileiro era mais abrangente do que o próprio sistema americano, aprofundou-se ainda mais depois de 1988.

Apoiado em Cretella Junior, Kazuo Watanabe (Controle Jurisdicional, S. Paulo, RT 1980, p. 45) mostrou a tendência dessa expansão: "A princípio, o exame da legalidade era adstrito às questões de competência e aos aspectos formais, conceito marcantemente formal, passando posteriormente, porém, com a premissibilidade do exame da matéria de fato pelo Judiciário e aceitação da doutrina do desvio de poder, a um conceito mais substancial".

Imagina-se, pois, a enorme abertura que se proporciona agora ao controle judicial mediante fatores como: a) a possibilidade jurisdicional de adentrar-se na apreciação de "interesses" coletivos e difusos e das simples "ameaças" a direitos individuais e coletivos (art. 5º, incs. XXXV e XXI, da CF); b) a de investigar não apenas a "atividade" mas também a "inação" administrativa, quando violadora de direitos fundamentais (art. 5º, § 1º, da CF); c) o submeter-se agora a tarefa administrativa não só ao princípio da "legalidade", mas sim, até, ao da "moralidade" (art. 37, caput, da CF).

José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo, S. Paulo, RT, 1989, p. 369) deixa nítido esse expansionismo recente do controle judicial "em observância daquelas regras antes não jurídicas, mas agora constitucionalizadas (moralidade, probidade, finalidade pública, impessoalidade etc.), a que a Administração deve adequar-se para poder dar às suas decisões caráter de razoabilidade, de logicidade, de congruência, faltando o qual as decisões se manifestam viciadas de excesso de poder, saindo, por assim dizer, do campo da discricionariedade para ingressar no limiar da arbitrariedade".

Por tudo isso, no caso acima figurado, parece-me que a discricionariedade administrativa restringe-se ao conteúdo do decreto de instalação e aos detalhes das providências para cumpri-lo, mas não mais comporta a liberdade de protelar a concretização dos direitos sociais.

...

A Constituição escancarou aos magistrados o leque geral de seu poder. Compete a cada qual, com a cautela aconselhável, encontrar o caminho adequado para aplicar esse poder novo, na busca de um futuro mais justo aos brasileiros".

Pelo exposto, que o Estado do Paraná faça cumprir, de uma vez por todas, o disposto nos artigos 5º, inciso LXXIV, e 134 da Constituição Federal, e 127 da Constituição Estadual, e os ditames da Lei Complementar n° 55/91, implantando nesta Comarca a Defensoria Pública.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TAVARES, Paulo César Vieira. Ação civil pública para implantação de defensoria pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 39, 1 fev. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16155. Acesso em: 30 abr. 2024.

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