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ADIN contra medida provisória que suprimiu direitos na Política Nacional dos Salários

01/11/1999 às 01:00
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ADIN contra a MP 1053/95 (Plano Real), hoje com nº 1875, que revogou dispositivos da Lei 8542/92, da Política Nacional de Salários, que regulamentavam direitos fundamentais do trabalhador.

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR MINISTRO PRESIDENTE DO
EXCELSO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:

Ref : MP 1875-55

 A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Marítimos, Aéreos e Fluviais- CONTTMAF, entidade sindical de grau superior, reconhecida pelo Decreto 48 262 de 03 de junho de 1960 , congregando a representação de todos os aeronautas, aeroviários, aquaviários, e trabalhadores nos portos e na pesca, devidamente registrada nos termos da legislação vigente, (anexos 2 a 7) com sede em Brasília, Distrito Federal, situada no SDS, Edifício Venâncio V–Grupos 501/503- CEP 70 393 900, vem, por seu advogado in fine (anexo 1), com fulcro nos artigos 102 e 103 da Magna Carta pátria, propor a presente

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
(com pedido de medida liminar) (anexo 8), originalmente editada sob o número 1053 em junho de 1995, no que concerne a seu artigo 19 que revoga os parágrafos primeiro e segundo da Lei 8.542 de 23 de Dezembro de 1992
,

          (anexo 9) pelas razões de fato e de direito que passa a aduzir ;

"Todos os interesses momentâneos - ainda quando realizados - não logram compensar o incalculável ganho resultante do comprovado respeito à Constituição, sobretudo naquelas situações em que sua observância revela-se incômoda" (prof. Dr. Konrad Hesse, da Corte Constitucional Alemã)


PRELIMINARMENTE

, Subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República , cujo brilhantismo, ao que parece, não logrou influenciar o Executivo a coibir a reedição das Medidas Provisórias , inconstitucionais , quando menos , prima facie.

"De qualquer forma, afigura-se recomendável que se altere a orientação hoje dominante, admitindo-se o prosseguimento da ADIn contra medida provisória reeditada ou convertida em lei, desde que a reedição ou a conversão não introduza alterações que afetem a substância da decisão de caráter normativo contida na medida provisória impugnada. O aditamento da inicial somente seria exigido para aqueles casos em que se operou uma alteração substancial de conteúdo normativo no contexto da reedição das medidas provisórias ou de sua conversão em lei."

(Gilmar Ferreira Mendes, Doutor em Direito pela Universidade de Münster)


1.0 .DOS FATOS :

1.1- A Medida Provisória em pauta,veio à luz em junho de 1995 sob o número 1053, havendo sido reeditada até a presente data, agora, como MP 1875-55.

          1.2 – O conteúdo de seu artigo 19, revoga os §§ 1°e 2° do artigo 1° da Lei 8.542 de 23 de Dezembro de 1992, os quais enunciam:

          "Art. 1° – A política nacional de salários, respeitado o princípio da irredutibilidade (1), tem por fundamento a livre negociação coletiva e reger-se-á pelas normas estabelecidas nesta lei.

§ 1° As cláusulas dos acordos, convenções ou contratos coletivos de trabalho integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser reduzidas ou suprimidas por posterior acordo, convenção ou contrato coletivo de trabalho.(2)"

          § 2°As condições de trabalho, bem como as cláusulas salariais, inclusive os aumentos reais, ganhos de produtividade do trabalho e pisos salariais proporcionais à extensão e à complexidade do trabalho (3) , serão fixados em contrato, convenção ou acordo coletivo de trabalho (4), laudo arbitral ou sentença normativa (5) , observados, dentre outros fatores, a produtividade e a lucratividade do setor ou da empresa (6) ."

1.3 – As remissões, entre parênteses, que fazemos, remetem-nos ao texto constitucional, a saber :

          (1)- Constituição do Brasil, artigo 7 °

" São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social :

          ..................................................................

          VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo ; "

          (2) - Constituição do Brasil, artigo 7 °, supra mencionado e mais artigo 114, § 2º in fine :

          "... respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção do trabalho "

          (3)- Constituição do Brasil, inciso V, artigo 7 º :

" piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho "

          (4)- Constituição do Brasil, inciso XXVI, artigo 7 º

" reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho "

          (5) - Constituição do Brasil, § 2 º, artigo 114 :

          " recusando-se qualquer das partes à negociação, ou à arbitragem, é facultado aos respectivos sindicatos ajuizar dissídio coletivo, podendo a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições, respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho . "

          (6) Constituição do Brasil, inciso XI, artigo 7º.

" participação nos lucros ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei ; "

          2.0. Da regulamentação do texto Constitucional :

A questão cinge-se à indagação da natureza dos princípios insculpidos nos dispositivos mencionados. O fato é que os parágrafos 1º e 2º regulamentam, de maneira incontestável, de forma incidental ou intencional, normas constitucionais.

A verdade objetiva é que o plenário das duas casas legislativas reconheceu no projeto de lei o conteúdo das letras da Carta Maior, et pour cause, o aprovou .

Ter-se- ia " regulamentado ", pleonasticamente, normas constitucionais de eficácia plena, ou efetivamente, regulamentado normas de eficácia limitada, concretizando o princípio programático ?

De forma irreprochável, os dois parágrafos do artigo primeiro da Lei 8 542, atenderam plenamente aos comandos maiores, gravando-os no ordenamento jurídico infraconstitucional .

2.1- Análise de (1) e (2), no período anterior à Carta de 1988.

em 1938, o Professor Scipione Gemma, da Universidade de Bolonha, com inúmeros seguidores ilustres no Brasil lecionava :

          "... o contrato coletivo, ainda quando denunciado, continuará a produzir seus efeitos, mesmo depois de sua caducidade , resguardada a faculdade das associações sindicais competentes de chegar à estipulação de um novo contrato. Entende-se , pois, com disposição inderrogável, assegurar-se a continuidade do instrumento coletivo das relações de trabalho, para eliminar qualquer interrupção e incerteza na disciplina jurídica das referidas relações. "

(Scipione Gemma, in " Il Diritto Internazionale del Lavoro ", CEDAM, Pádua, 1938)

          Em 1978, portanto, quarenta anos após, o Colendo Supremo Tribunal Federal, na sessão plenária do dia 26 de Abril assim se posicionou no julgamento do AI 73.169 :

          "Não ofende coisa julgada o acórdão que, em virtude de Acordo Coletivo anterior, reconhece que os empregados que já haviam preenchido os requisitos para, durante sua vigência, adquirir direito dele resultante, não perdem por não mais constar tal direito de Acordo Coletivo posterior "

2.2- Dispõe o § 2º, artigo 114, da Carta Magna :

" artigo 114- Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas.

§ 1 º- Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.

§ 2º- Recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado aos respectivos sindicatos ajuizar dissídio coletivo, podendo a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições, respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho."

2.2.1-O caput e o parágrafo primeiro são de eficácia plena; o parágrafo segundo, in fine, designa garantia constitucional a preservar um direito subjetivo do trabalhador, escoimando a possibilidade de uma "reformatio in pejus trabalhista ".

2.2.2-Bem verdade é que o caput do artigo se ateve a delimitar a jurisdição da Corte Laboral, e grande ênfase foi dada a tal aspecto.

2.3- Há de se considerar, contudo, as discussões travadas na Assembléia Constituinte a respeito das " disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho "

          Quis o grupo denominado "Centrão " aditar, ao texto, um terceiro parágrafo, a mitigar ou, quiçá, embaçar a clareza da proposição do parágrafo segundo :

"§ 3° - A lei especificará as hipóteses em que os dissídios coletivos, esgotadas as possibilidades de sua solução por negociação, serão submetidos à apreciação da Justiça do Trabalho, ficando de logo estabelecido que as decisões desta poderão estabelecer novas condições de trabalho e que delas só caberá recurso de embargos para o mesmo órgão prolator da sentença"

A Comissão de Sistematização, rejeitou-o, in totum, preservando, incólume, a redação do parágrafo segundo.

Quanto ao peso que têm as palavras gravadas numa Constituição, melhor discorreu o norte-americano Thomas McIntyre Cooley, distinguido com a subida honra de ter o Dr. Ruy Barbosa por leitor :

          "Não se deve esperar encontrar em uma Constituição , provimentos os quais o Povo , ao adotá-la, não os tenha considerado de alta importância e dignos de serem encorpados em um instrumento ,o qual, pelo menos por um tempo, se destine a controlar tanto o Governo como os governados , e para formar um padrão pelo qual deva ser medido o poder que pode ser exercido tanto pelos delegatários do poder, quanto pelo povo soberano. Se as diretrizes são dadas respeitando modos e tempos de procedimento pelos quais um poder deva ser exercido, existe, no mínimo , forte presunção de que o povo os idealizou para que o poder seja exercido apenas daquele modo e naquele tempo "

(Apud Orlando Bittar Estudos de Direito Constitucional e Direito do Trabalho, página 480)

3.0 – Os que laboram, na construção de uma sociedade livre, justa e solidária (inciso I, art. 3°-Constituição do Brasil), não podem ser despromovidos em seu bem mais lídimo, (promover o bem de todos – inciso IV, art.3° ibidem), que tem, por garantia, a preservação dos valores sociais do trabalhoe da livre iniciativa (ibidem, inciso IV, art. 1°)

"A interpretação dos direitos fundamentais depende das expectativas com que acorramos à Constituição. " (Paul Kirchhofff –Catedrático da Universidade de Heidelberg - Magistrado do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha)

A Lei 8.542/92,mais não fez do que regular direitos e reafirmar garantias, em perfeita sincronia com o texto constitucional, afiançando a expectativa e a fé, dos que pretendem que a democracia, não continue a ser traduzida ao povo, como mero consentir da licenciosidade, a anestesiar a consciência política : a democracia in concreto, não pode estar menos presente hoje, do que esteve nos tempos dos regimes de exceção, quando os decretos – leis não serviram à poda de tantos direitos e garantias laborais quanto querem as famigeradas "medidas provisórias " .

" Todos os interesses momentâneos - ainda quando realizados - não logram compensar o incalculável ganho resultante do comprovado respeito à Constituição, sobretudo naquelas situações em que sua observância revela-se incômoda " (prof. Dr. Konrad Hesse, Presidente da Corte Constitucional Alemã, citado em palestra proferida pelo Exmo. Sr. Ministro José Néri da Silveira, em 1991, aos estagiários da ESG)

Ao se negligenciar tal abalizado aconselhamento, o rufar dos tambores e o arrastar das esporas ecoam como música de fundo à cantilena do " meu avô, meu pai e eu, éramos felizes e não sabíamos, durante as ditaduras " .

4.0 – Quis custodiet Regem ?

"art.19- revogam-se os §§ 1°e 2° do art.947 do Código Civil, os §§ 1°e 2° do art. 1°da Lei n° 8.542 de 23 de Novembro de 1992 e o art. 14 da Lei 8.177,de 1°de março de 1991. "

De maneira reptil, no bojo de um artigo último de uma medida " provisória ", de "relevância e urgência ", cassam-se direitos e garantias que a Nação houve por bem gravar no Estatuto da Cidadania .

" a reforma constitucional pode ampliar – como também pode a própria lei ordinária –os direitos fundamentais, mas nunca restringi-los, e muito menos, aboli-los. " (Nelson de Souza Sampaio, in " O poder de reforma constitucional", pg.97, Editora Nova Alvorada,1995)

Mais cruel não teria sido o Rei Vesgo, personagem do conto de Monteiro Lobato.

Por julgar que o Morro da Democracia lhe tolhesse a visão do mundo, determinou o estrábico monarca - teria sido por medida provisória ? - que seus cavouqueiros, à guisa de extirpar alguns gragoatás espinhentos, com eles fossem removendo bastante terra do morro.

          Se alguém reclamasse, que seus diligentes cavouqueiros convencessem a população sobre a necessidade de não deixar qualquer raiz dos gragoatás espinhentos, com um pouco de perda no terreno do Morro da Democracia, é bem verdade, mas tolerável , por viabilizar que apenas árvores boas vingassem e para impedir que nada atrapalhasse o plano real.

Assim procedendo, ante a crédula inércia da massa ignara, ainda que de pacífica índole, chegou o dia em que mais não havia gragoatás espinhentos; tampouco havia árvores frutíferas, e, muito menos, o bom e velho Morro da Democracia, tão querido pelo povo : restara apenas a devastação, o deserto e o humilhante silêncio imposto os que se rendem, sem resistência, ao empirismo dos tiranetes vesgos.

          5.0. Conclusão :

a) A Medida Provisória 1875-55, no que tange à revogação dos §§ 1° e 2° da Lei 8.542/92 abole, de maneira precária, direitos e garantias estatuídas no texto constitucional e consagrados ,anteriormente, pela melhor Doutrina.

b) Promove grave lesão ao texto explícito e ao Espírito da Constituição.

          "... A intervenção do legislador expressamente prevista dentro de um domínio dado pela Constituição encontra seus limites em outras regras ajustadas , estas também, pela Constituição e seu preâmbulo" (decisum do Conselho Constitucional da República Francesa, em 25 de fevereiro de 1992- fonte : Droit Constitutionel et Institutions Politiques, prof.C. Leclerc, pag. 501,Editora Lilec, Paris, 1992)

c)Não merece, pois, permanecer inserida no Ordenamento Jurídico Pátrio.


DO PEDIDO:

           Pelo exposto, requer a CONTTMAF :

A) A Concessão da Medida Liminar , com efeito ex - tunc ,com vistas à suspensão da vigência da Medida Provisória 1875-55 ,no que concerne à revogação, dos §§ 1 ° e 2 ° do artigo 1°da Lei 8.542, de 23 de Novembro de 1992, ,até a decisão final do julgamento do mérito, considerada a irreversível lesão aos direitos sociais dos trabalhadores e a afronta aos Princípios Constitucionais.

B) O conhecimento da presente e a procedência do pedido, declarando a final a inconstitucionalidade do dispositivo supracitado.

C) A citação do Excelentíssimo Sr. Dr. Advogado Geral da União, para, querendo, defender o texto impugnado.

D) A oitiva do Excelentíssimo Sr. Dr. Procurador Geral da República .

E) A extensão da liminar às eventuais reedições da Medida Provisória 1875-55, no que concerne a esta Actio

Dá a causa o valor de R$ 600,00 (seiscentos reais).

Termos em que espera deferimento,
          Laudetur Dominus

Brasília, 07 de outubro de 1999.

Edson Martins Areias
O A B - RJ - 94 105

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. ADIN contra medida provisória que suprimiu direitos na Política Nacional dos Salários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 36, 1 nov. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16234. Acesso em: 18 abr. 2024.

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