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Mandado de segurança contra eleição de conselheiros em sistema majoritário (“chapa pura”)

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29/11/2006 às 00:00
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Advogado pretender impedir ou anular a proclamação de resultado de eleição da OAB/SC para os cargos de conselheiros, alegando que a adoção de eleição por “chapas” (sistema majoritário, não proporcional) feriria o direito das minorias.

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA __ VARA FEDERAL DA SUBSEÇÃO DE FLORIANÓPOLIS - SEÇÃO JUDICIÁRIA DE SANTA CATARINA.

brasileiro, casado, advogado inscrito na OAB/SC sob o n° 967, inscrito no CPC sob o n° xxx.XXX.xxx-xx, residente e domiciliado na XXXX, n xx,  XX, Florianópolis – SC, vêm à presença de Vossa Excelência, respeitosamente, mediante advogado constituído (Doc. n° 01), em tempo hábil, impetrar

MANDADO DE SEGURANÇA REPRESSIVO E PREVENTIVO,COM PEDIDO DE LIMINAR

em face do efetivo ato do Excelentíssimo Dr. JOSÉ GERALDO RAMOS VIRMOND, DD. Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção de Santa Catarina, que assina a Resolução n° 09/2006 (Doc. n° 02), reguladora das eleições de 2006 da OAB/SC, e, preventivamente, contra possível e futuro ato do Excelentíssimo Dr. OSCAR SÉRGIO DE FIGUEIREDO E SILVA, DD. Presidente da Comissão Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção de Santa Catarina, que provavelmente assinará a proclamação do resultado deste evento eleitoral, ambos encontradiços na Rua Paschoal Apóstolo Pítsica, n° 4860, CEP 88025-255, Agronômica, em Florianópolis – SC, o que faz com fundamento nos incisos XXXV e LXIX do art. 5º da Constituição Federal e nos arts. 1º e seguintes da Lei n° 1.533/51, passando a expor e a requerer o quanto se segue:


I – LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM - ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – NATUREZA JURÍDICA

1.De início, impende esclarecer a natureza jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil.

2.O artigo 44 da Lei n° 8.906/94, de 04 de Julho de 1994, assim expressa:

"Artigo 44 - A Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade: "

3.Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery, interpretando o art. 44 da citada lei, "Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil", afirmam, verbis:

"OAB não é autarquia nem entidade genuinamente privada, mas serviço público independente, categoria sui generis, submetida ao direito público (exercício do poder de polícia administrativa da profissão) e ao direito privado (demais finalidades)." (Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery. Comentários ao código de processo civil. 5ª ed. RT. 2004)

4.A breve interpretação gramatical/literal do versículo legal facilita previamente a conclusão de que o regime jurídico é de natureza pública, não comportando maiores debates.

5.A Ordem dos Advogados do Brasil possui todas as características inerentes às autarquias federais, porquanto possui a delegação exclusiva de fiscalização da classe de advogados.

6.Demonstrando que a OAB possui natureza jurídica de autarquia federal, é de se destacar o julgamento do Conflito de Competência de n.º 39975/MG, julgado em 13 de dezembro de 2004 e que teve como Relator o Ministro Francisco Peçanha Martins, que assim ponderou:

"CONFLITO DE COMPETÊNCIA – CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS ADVOGADOS – ÓRGÃO VINCULADO A OAB – AUTARQUIA FEDERAL."

Compete à Justiça Federal apreciar as causas em que figurem como partes às caixas de assistência de advogados, por serem órgãos vinculados à OAB, cuja natureza jurídica é de serviço público."

7.Por derradeiro, destaca-se o entendimento da Professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, que assim comenta:

"Os órgãos de fiscalização profissional são autarquias submetidos ao regime jurídico de direito público, quanto à criação, extinção, poderes, prerrogativas, privilégios e sujeições."(Direito Administrativo, 18ª Ed., Atlas Jurídico, p. 360-362)

8.Assim, resta concreto o fundamento legal para a admissibilidade do presente instrumento processual, ajuizado em face do ato administrativo a seguir relatado, praticado pela autoridade da OAB/SC.


II – FUNDAMENTOS FÁTICOS

9.No dia de hoje, 16 de novembro de 2006, realizam-se eleições para a Diretoria e Conselho Seccional, Conselheiros Federais, Diretoria da Caixa de Assistência dos Advogados de Santa Catarina, Diretoria e Conselhos das Subseções da OAB/SC.

10.Em razão disso a Seccional catarinense da OAB editou a Resolução n° 09/2006, assinada por seu Presidente e publicada no DJE de 14.09.2006, regulando o pleito em referência.

De acordo com o art. 15 deste Diploma legal

"A Comissão Eleitoral proclamará o resultado, observada a regra do art. 64, da Lei 8.906/94".

Mencionado art. 64, por sua vez, expressa o seguinte:

"Consideram-se eleitos os candidatos integrantes da chapa que obtiver a maioria dos votos válidos". (Grifamos)

11.Ocorre que tal dispositivo do Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil, embora com o silêncio comprometedor dos famosos juristas que compõem o Conselho Federal da OAB, é flagrantemente inconstitucional, tornando nulo qualquer ato de efeito concreto dele resultante, como a seguir será demonstrado.


III – DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS

12.De fato, vejamos mais detidamente o que estabelece o art. 64 da Lei n° 8.906, de 04 de julho de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil:

"Art. 64. Consideram-se eleitos os candidatos integrantes da chapa que obtiver a maioria dos votos válidos.

§ 1º A chapa para o Conselho Seccional deve ser composta dos candidatos ao conselho e à sua diretoria e, ainda, à delegação ao Conselho Federal e à Diretoria da Caixa de Assistência dos Advogados para eleição conjunta.

§ 2º A chapa para a Subseção deve ser composta com os candidatos à diretoria, e de seu conselho quando houver." (Grifamos)

Da redação dada aos dispositivos em apreço, deflui que a chapa que conquistar a maioria dos votos válidos será considerada a vencedora.

13.Percebe-se, então, que a OAB, inadmissivelmente, adota, também para as escolhas do Conselho Federal, Estadual e das Subseções, o sistema chamado "chapão" ou "chapa pura", em que sendo esta vencedora são considerados eleitos e empossados todos os candidatos dela integrantes, contrariamente ao que aconteceria se fosse adotado o sistema proporcional. Via de conseqüência, os integrantes da chapa ou chapas vencidas serão todos considerados derrotadas, sem direito à mínima representação.

Indubitavelmente, a OAB, em procedendo desta maneira, dá uma gigantesca volta ao passado. Alia-se, sob este prisma, aos propositadamente mais atrasados sistemas eleitorais de nações que antes negaram, e infelizmente ainda hoje outras permanecem negando, aos seus povos a sadia convivência sob um regime democrático.

E o propósito disso é insofismavelmente palpável. Com efeito, em um mandato de três (3) anos a Diretoria e os Conselhos eleitos num "chapão", sem um só representante da minoria, terão todos os caminhos livres para a almejada reeleição, sem que as suas atuações sejam contestadas ou fiscalizadas. Participarão de todas as atividades da entidade, na cidade-sede da Secção ou das Subseções, incluídos encontros interestaduais. Enquanto isso, os demais advogados desejosos de candidatar-se às eleições da OAB estariam obrigados a suportar todas as despesas daí advindas, o que torna impossível tal desiderato no sistema majoritário. No proporcional o mérito do candidato estaria ressaltado, sobreposto e não seria eleito imerecida e simplesmente por integrar um "chapão" do qual dele não pode futuramente discordar, sob pena de ser alijado do mesmo nas próximas eleições.

Os membros da OAB e Caixa dos Advogados, eleitos em chapa única, ao contrário, podem relacionar-se mais estreitamente com os seus colegas do Estado inteiro com visível facilidade, participando de toda a sorte de congressos, encontros, reuniões com fins os mais diversos, inaugurações, infindáveis almoços e jantares. Para estes sempre haverá o convite em tempo, transporte à mãos, sem a contemplação de qualquer membro incomodatício da minoria.

14.Não é sem motivo que a cada eleição o "chapão" da OAB é capitaneada pelo Presidente da Caixa dos Advogados, a quem, em razão do cargo, tem anos inteiros para convencer os eleitores que ainda teimam ser oposição, sem nenhuma chance desta de eleger ao menos uma minoria.

Resta claro que além de ferir o sistema republicano e o regime democrático, tal procedimento da OAB não se coaduna com todo o seu passado glorioso de corajosas lutas em prol da democratização das atividades políticas, legislativas e judiciárias pátrias.

15.A par da sua inconstitucionalidade, a maneira encontrada pelo legislador brasileiro para cuidar das eleições da OAB pareceu premeditada, com intuito, de origem quase mafiosa, de desmerecê-la aos olhos de seus admiradores e defensores de sua credibilidade perante o povo brasileiro, mercê de seu empenho, longos anos a fio, tendo à frente os mais íntegros e democratas advogados do país.

A este respeito deveria ter ficado alerta a OAB, rejeitando de imediato esta proposição malévola de diminuí-la perante a todos aqueles que estão acostumados a procurar o seu abrigo sempre que os detentores do poder os ameaçam em seus direitos de cidadania.

16.Sabe a OAB que o voto proporcional é preconizado no Brasil desde o advento da República.

No Rio Grande do Sul, por exemplo, já em 1913, pela Lei eleitoral nº 152, de 14 de julho, Borges de Medeiros finalmente cedeu ao princípio de garantia à representação das minorias, que já vinha consagrado no País desde 1904.

Mesmo na menor e mais insignificante Câmara de Vereadores, ainda que localizada lá onde o diabo perdeu as botas, as minorias são respeitadas, com direito de representação na Casa do Povo.

Até no Direito Comercial se obedece ao princípio garantidor do direito da minoria.

Na Lei das Sociedades por Ações, n° 6.404, de 17 de dezembro de 1976, através do processo de voto múltiplo previsto no art. 141, assegura a representação das minorias, de conformidade com o contido no art. 239, que diz:

"Art. 239. As companhias de economia mista terão obrigatoriamente Conselho de Administração, assegurado à minoria o direito de eleger um dos conselheiros, se maior número não lhes couber pelo processo de voto múltiplo." (Grifamos)

17.Dentre tantos textos da atual Constituição Federal que dão guarida ao direito da minoria e que devem ser seguidos em prol do princípio da simetria, um deles diz que as Comissões Parlamentares de Inquérito serão criadas, no Senado ou na Câmara Federal, mediante requerimento de um terço de seus membros, a teor do art. 58, § 3º.

Ninguém de bom senso pode negar que a Carta está prevendo um direito para as minorias parlamentares e, como tal, infere-se que as normas do processo legislativo constitucional devem ser observadas também pelas Constituições Estaduais, Leis Orgânicas Municipais e, incontestavelmente, por todos os organismos públicos em decorrência da aplicação do princípio da simetria com o centro, ou seja, por força do nosso regime federativo, preceito e regras da Constituição são de abrangência compulsória para os entes indicados. 

Embora, sem um aprofundamento doutrinário maior, no texto constitucional a aplicação do princípio da simetria é sempre utilizado nas questões, aparentemente omissas, mas, que emergem de situações consideradas análogas no contexto constitucional.

O regime democrático tem esta característica: embora a opinião da maioria deva prevalecer, há instrumentos de proteção para os direitos das minorias.

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Tal diretriz da legislação nacional, a partir, portanto, do Diploma Maior, funda-se, e nem poderia ser diferente, no conceito segundo o qual o sistema majoritário único pode deixar sem representação minorias consideráveis, às vezes numericamente próximas da maioria vitoriosa.

Realmente, esta verdade tem se verificado em eleições realizadas pela OAB/SC. Ninguém se esqueceu ainda de que nas últimas disputas realizadas, as chapas vencidas alcançaram consideráveis sufrágios, se aproximando de perto das chapas vencedoras. Apesar disso, de votações superiores a 40% (quarenta por cento) do eleitorado, ficaram totalmente à margem, sem quaisquer condições de se representarem nos colegiados respectivos.

18.Por outro lado, esse posicionamento jurídico brasileiro tem raízes, sem dúvida, na sabedoria de que foi para a elaboração, a definição e a garantia de seus direitos fundamentais, entre os quais, a liberdade, que a humanidade construiu o chamado Estado Democrático de Direito, subentendido em dois valorosos conceitos que não são sinônimos, isto é: o Estado Democrático tem como princípio básico a soberania popular, enquanto que os princípios básicos do Estado de Direito são o da legalidade, da separação dos poderes, bem como da enumeração e proteção dos direitos fundamentais.

Na integração destes dois conceitos, ensinam os mestres, o Estado Democrático de Direito reúne os princípios do Estado Democrático e do Estado de Direito, não como simples reunião formal dos respectivos elementos, porque, em verdade, revela um conceito novo que os supera.

O Estado de Direito é um componente moderno, agregado ao estado democrático. Com ele, e seus princípios básicos: legalidade, segurança jurídica, garantia dos direitos fundamentais e representação das minorias, são estabelecidas, dentre outras, regras duradouras que se impõem até mesmo às circunstanciais maiorias dos diversos momentos históricos.

É claro que as normas não têm de ser sempre as mesmas. A maioria pode mudá-las, desde que respeite as prerrogativas da minoria e os direitos fundamentais dos indivíduos.

Como a maioria de um momento histórico pode deixar de ser a maioria em outro tempo, uma regra básica do Estado de Direito é que a maioria, que expressa a soberania popular, inerente ao Estado Democrático, pode tudo, salvo destruir a minoria, salvo lhe negar o direito e a oportunidade de, em condições iguais, um dia se transformar em maioria.

Para que as maiorias de um dia não possam extinguir as minorias, nos partidos ou nas pessoas, existe a necessidade de regras jurídicas garantidoras de direitos fundamentais. Esta é a marca essencial do Estado de Direito.

O princípio constitucional democrático estrutura juridicamente todo o regime político e o faz legitimamente porque se funda no valor conatural ao homem da liberdade política hoje positivado em diversos matizes.

Assim, o princípio constitucional democrático estabelece para a democracia uma dimensão substancial (legitimidade) e duas procedimentais (legitimação). A legitimidade está atrelada à prossecução concreta e participativa de determinados fins e valores positivados (Estado de Direito Democrático – renovação sensivelmente diversa da fórmula "para o povo"). A legitimação está vinculada a escolha dos governantes (teoria da democracia representativa) e a formas procedimentais de exercício do poder que permitem atuar em sua concretização e renovar o controle popular (teoria da democracia participativa).

19.Desse modo, percebe-se claramente, que o que faz a OAB é trilhar no caminho oposto, no sentido da restrição da representatividade, e conseqüentemente, da democracia, quando na verdade deveria buscar um aumento de mecanismos de controle e de representação das minorias.

Seguindo o mesmo raciocínio, o inolvidável mestre Geraldo Ataliba, em excelentes comentários, assevera:

"É que só há verdadeira república democrática onde se assegure que as minorias possam atuar, erigir-se em oposição institucionalizada e tenham garantidos seus direitos de dissensão, crítica e veiculação de sua pregação. Onde, enfim, as oposições possam usar de todos os meios democráticos para tentar chegar ao governo. Há república onde, de modo efetivo, a alternância no poder seja uma possibilidade juridicamente assegurada, condicionada só a mecanismos políticos dependentes da opinião pública. (...) A Constituição verdadeiramente democrática há de garantir todos os direitos das minorias e impedir toda prepotência, todo arbítrio, toda opressão contra elas. Mais que isso - por mecanismos que assegurem representação proporcional -, deve atribuir um relevante papel institucional às correntes minoritárias mais expressivas. (...) Na democracia, governa a maioria, mas - em virtude do postulado constitucional fundamental da igualdade de todos os cidadãos - ao fazê-lo, não pode oprimir a minoria. Esta exerce também função política importante, decisiva mesmo: a de oposição institucional, a que cabe relevante papel no funcionamento das instituições republicanas. O principal papel da oposição é o de formular propostas alternativas às idéias e ações do governo da maioria que o sustenta. Correlatamente, critica, fiscaliza, aponta falhas e censura a maioria, propondo-se, à opinião pública, como alternativa. Se a maioria governa, entretanto, não é dona do poder, mas age sob os princípios da relação de administração. (...) Daí a necessidade de garantias amplas, no próprio texto constitucional, de existência, sobrevivência, liberdade de ação e influência da minoria, para que se tenha verdadeira república. (...) Pela proteção e resguardo das minorias e sua necessária participação no processo político, a república faz da oposição instrumento institucional de governo. (...) É imperioso que a Constituição não só garanta a minoria (a oposição), como ainda lhe reconheça direitos e até funções. (...) Se a maioria souber que - por obstáculo constitucional - não pode prevalecer-se da força, nem ser arbitrária nem prepotente, mas deve respeitar a minoria, então os compromissos passam a ser meios de convivência política." (Cf. Judiciário e Minorias. Revista de Informação Legislativa. vol. 96 p. 189-194)

Evidentemente, os transcritos ensinamentos do saudoso professor paulista seriam, por si só, suficientes para que o judiciário, já que foi lamentavelmente omisso e politicamente irresponsável o legislador pátrio, repila de pronto o reacionário, o conservador, o prepotente e antidemocrático texto da Resolução n° 09/2006, da OAB/SC, que esmaga, que destrói sem piedade a minoria dos advogados catarinenses que por mil razões não se curvam a um colegiado obediente a uma maioria de caixão.

Contudo, outros eminentes e conclamados juristas de todos os matizes se manifestam em igual sentimento de ojeriza e repúdio, em verdadeiros libelos contra as iniciativas que sem constrangimentos se lançam contra as minorias representativas.

20.Ao mesmo tempo, a imprensa nacional tem acolhido expressões públicas, distanciadas do âmbito jurídico, de desagrado a iniciativas que tripudiem o sagrado direito de representatividade da minoria.

Mesmo àqueles que não atuam ou sequer circulam entre os operadores do Direito, o modus faciendi das eleições da OAB lhes causa espécie, não acreditando que esse conceituado órgão defensor das liberdades se conforme e, pior, se faz inexplicavelmente inerte, como se não lhe afetasse a absurdidade do art. 64 do seu Estatuto e a realização de tempos em tempos de pleitos embasados na inconstitucionalidade tão saliente.

É o caso, neste sentido, para exemplificar, do renomado jornalista Reinaldo Azevedo, hoje colunista da Revista Veja, que em artigo recente, resumiu a questão de forma brilhante.

"O bom sistema é aquele que estabelece os limites para que indivíduo não massacre indivíduo, mas é ele o elemento a ser protegido pelas leis. O Estado é um regulador das vontades e assegura o pacto estabelecido, mas não é ele mesmo dotado de uma vontade." Ou seja, à vontade da maioria têm limites, dentro de uma democracia: a sua imposição não pode representar o massacre dos direitos das pessoas. Entre a vontade da maioria e a defesa dos direitos das minorias (inclusive a menor minoria que existe: a de uma pessoa só), a democracia verdadeira será sempre aquela que proteger os direitos daqueles que não podem ganhar no berro ou na quantidade de mãos levantadas. É por isso que, derrotada nas urnas em uma eleição, a minoria não é varrida do mapa ou excluída do processo político: quem tem maioria fica com o mandato de governar, mas a minoria recebe o mandato de fazer oposição e fiscalizar os representantes da maioria. As leis de uma democracia não servem para atender a vontade da maioria: elas existem para garantir que o indivíduo não seja pisoteado por outros indivíduos ou pela multidão".

Sensível a processos dessa natureza, outro jornalista, agora do jornal "O Estado de S. Paulo", Roberto da Matta, propugna pela representatividade em todas as oportunidades às minorias vencidas. Escreve ele:

"Um passo, contudo, decisivo quando vencedores e vencidos em disputas eleitorais não se destroem, mas abrem mão de seu potencial de autonomia rebelde, degradavelmente dissonante, para formar um elo dinâmico, mas positivo e certamente contraditório, entre o ´governo´ dos vencedores e a ´oposição´ dos vencidos (...)No contexto pós-eleitoral brasileiro (...) nele, reitero, o vitorioso não esmaga o adversário, pois ambos são elementos constitutivos da estrutura de uma dominação (e não de um poder) fundada na liberdade e na igualdade." (Grifamos. O Estado de S. Paulo, de 08.11.2006. Caderno 2. p. 012)

Por isso, a quem cabe demandar o advogado livre e democrata senão ao judiciário, pois, a essência do postulado da divisão funcional do poder, além de derivar da necessidade de conter os excessos dos órgãos que compõem o aparelho de Estado, representa o princípio conservador das liberdades do cidadão e constitui o meio mais adequado para tornar efetivos e reais os direitos e garantias proclamados pela Constituição.

Esse princípio, que tem assento no art. 2º da Carta Política, não pode constituir e nem qualificar-se como um inaceitável manto protetor de comportamentos abusivos e arbitrários, por parte de qualquer agente do Poder Público ou de qualquer instituição estatal. O Poder Judiciário, quando intervém para assegurar as franquias constitucionais e para garantir a integridade e a supremacia da Constituição, desempenha, de maneira plenamente legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da República.

O regular exercício da função jurisdicional, por isso mesmo, desde que pautado pelo respeito à Constituição, não transgride o princípio da separação de poderes. Ao contrário, auxilia no aperfeiçoamento e manutenção de que todos trilhem os mesmos consagrados caminhos da legalidade e da democracia.

21.Ademais, o que pretende, resumidamente, o advogado livre e democrata é o retorno da OAB a sua tradição de entidade respeitável e respeitosa, não de alguns, mas, de todos os princípios do Corpo Político pátrio. Se ao não acatar o direito das minorias estar-se-á repudiando a República, então, por certo, não anda democraticamente bem a OAB.

Stuart Mill, nas suas "Considerações sobre o governo representativo", afirma que o verdadeiro teste da democracia seja a proteção das minorias. (Cf. Le gouvernement representatif. Paris. 1962)

Com efeito, numa visão ampla e integrativa, segundo Pinto Ferreira:

"Democracia é o governo constitucional das maiorias, que, sobre a base da liberdade e igualdade, concede às minorias o direito de representação, fiscalização e crítica no parlamento" (Pinto Ferreira, Comentários à constituição brasileira, v. 1. arts. 1° a 21, São Paulo. Saraiva. 1989, p. 37).

Para finalizar, convinhável, também, para ampliar a discussão, transcrever o que, sobre o tema, ensina José Afonso da Silva:

"O sistema de representação popular, especialmente, consoante veremos, favorece a melhor e mais eqüitativa representatividade do povo, visto como, por ele, a representação, em determinada circunscrição, se distribui em proporção às correntes ideológicas ou de interesse integradas nos partidos políticos". (Curso de direito constitucional positivo. 24ª ed. São Paulo. Malheiros. 2005. p. 141)

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Sobre o autor
Luiz Gonzaga de Bem

Advogado em Florianópolis/SC, Ex-Presidente e Conselheiro vitalício da OAB/SC

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BEM, Luiz Gonzaga. Mandado de segurança contra eleição de conselheiros em sistema majoritário (“chapa pura”). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1246, 29 nov. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16734. Acesso em: 21 mai. 2024.

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