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A natureza jurídica do termo de ajustamento de conduta

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15/02/2011 às 14:59
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Há três entendimentos: ato de reconhecimento da ilicitude da conduta e compromisso de adequá-la; figura híbrida, contendo negociação ou transação quanto às obrigações acessórias; e verdadeira transação.

Resumo: O Termo de Ajustamento de Conduta, que foi incluído no art. 5º, §6º, da Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985) pelo art. 113, do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990), é relevante instrumento para a solução extrajudicial de conflitos de interesses ou direitos difusos e coletivos, mediante o qual os órgãos públicos legitimados do art. 5º, da Lei n. 7.347/85 podem tomar, dos infratores desses interesses, o compromisso de ajustarem suas condutas às exigências legais, mediante cominações, com eficácia de título executivo extrajudicial. A natureza jurídica desse compromisso gera opiniões importantes e controversas, podendo os pensamentos dos estudiosos serem divididos em três principais grupos: aqueles que pensam tratar-se de um ato jurídico em sentido estrito de reconhecimento da ilicitude da conduta e compromisso de adequá-la ao ordenamento jurídico; aqueles que defendem tratar-se de figura híbrida, contendo negociação ou transação quanto às obrigações acessórias; e aqueles que entendem cuidar-se de uma verdadeira transação. A construção de uma posição fundamentada acerca da matéria, que guarda enorme importância prática quando da verificação da validade e exeqüibilidade dos Termos de Ajustamento de Conduta celebrados, envolve a revisitação dos conceitos de ato jurídico, negócio jurídico, contrato e transação trazidos pela parte introdutória e geral do direito civil. No desenvolver do raciocínio, algumas premissas devem ser fixadas, já que essenciais para o deslinde da questão. Em primeiro lugar, deve ater-se ao fato de que os direitos difusos e coletivos são indisponíveis, impassíveis, portanto, de transação. Em segundo lugar, os órgãos públicos tomadores dos compromissos são legitimados extraordinários, na forma permitida pelo art. 6º, parte final, do Código de Processo Civil, já que não titularizam direitos e interesses que pertencem, em verdade, à coletividade. Em terceiro lugar, é preciso reconhecer que, em sua aplicação prática, os termos de ajustamento têm sido marcados pela negociação entre os pactuantes no que concerne ao tempo, modo e lugar do cumprimento das obrigações assumidas. Em quarto lugar, é absurdo afirmar que o infrator da ordem jurídica tenha o direito à celebração do compromisso, fugindo à demanda judicial. Percorrido esse caminho e desconsiderada a questão prejudicial da possibilidade ou impossibilidade de serem aplicados os conceitos do direito civil e processo civil clássicos e individualistas à seara da tutela coletiva, o Termo de Ajustamento de Conduta emerge como um negócio jurídico bilateral detentor de um requisito específico de validade, qual seja, a irrenunciabilidade do direito ou interesse difuso e coletivo que constitui seu cerne.

Palavras-chave: Natureza Jurídica. Termo de Ajustamento de Conduta. Direitos difusos. Direitos coletivos. Ato jurídico em sentido estrito. Negócio jurídico. Acordo. Contrato. Transação. Ação Civil Pública. Validade.


Introdução

O motor que propulsiona este estudo consiste na latente divergência existente na doutrina e na jurisprudência acerca da natureza jurídica do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), polêmica que parece variar entre dois extremos, quais sejam, considerá-lo uma transação ou, de outro lado, uma forma de o infrator reconhecer a ilegalidade de sua conduta e comprometer-se a adequar sua postura à lei, sem prejuízo de todas as correntes intermediárias que foram desenvolvidas, conforme demonstraremos a seguir.

O TAC está previsto de maneira esparsa em nosso direito positivo, tendo especial lugar o art. 5º, § 6º, da Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85), que assim dispõe, in verbis:

Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.

Além desse artigo, que veicula a norma geral do termo em nosso ordenamento jurídico, também podemos verificar a previsão legislativa do TAC no art. 211. do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90), 1 no art. 90. do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90), 2 no art. 74, inc. X - não enfrentaremos, neste momento, o fato de o artigo referir-se a "transações” - e no art. 93, ambos do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), 3 bem como no art. 53. da Lei Antitruste (Lei n. 8.884/94). 4

Pode ser apontado, ainda, como uma referência, embora indireta, ao TAC o art. 17, §1º, da Lei de Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/92), que veda transações, acordos e conciliações nas ações de que trata. 5

Da simples leitura legislativa, depreende-se que o Termo de Ajustamento de Conduta é uma forma de ser solucionado um conflito de interesses e direitos coletivos lato sensu - sejam concernentes a meio ambiente, idoso, criança e adolescente, proteção da ordem econômica, patrimônio público etc. - sem socorrer-se da prestação jurisdicional do Estado, por meio de um compromisso tomado do infrator da ordem jurídica coletiva pelo órgão público legalmente legitimado.

Ocorre que a natureza jurídica desse ajuste, ou seja, em qual categoria lógica da Ciência do Direito enquadra-se o instituto, é matéria polêmica e longe de ser pacificada, mas que ousamos enfrentar neste trabalho.

Para tanto, é preciso expor e analisar, criticamente, as principais correntes doutrinárias existentes no Brasil acerca do tema, bem como analisar alguns julgados sobre o assunto, com a pretensão de, ao final, desenhar uma conclusão a respeito da matéria, a qual possui relevantes e inegáveis aspectos práticos, sobretudo na atuação do Ministério Público.

Os fundamentos que levaram à eleição dessa questão como fonte de pesquisa científica passam pelo reconhecimento, em primeiro lugar, da existência da chamada terceira dimensão dos direitos fundamentais, 6 a qual adiciona, ao lado das liberdades públicas e dos direitos sociais, os interesses e direitos transindividuais ou metaindividuais como direitos fundamentais. O alcance e as formas de concretização desses direitos de terceira dimensão geram várias celeumas, dentre as quais se encontra a natureza jurídica do TAC.

Dessa forma, é de suma relevância definir-se em que consiste o TAC para restar delimitado o que é passível de concessões recíprocas por parte de compromitente e compromissário que o firmam e aquilo que não pode ser alvo de negociação pelos órgãos públicos legitimados à propositura do termo, o que acaba por desaguar na análise da própria validade do compromisso.

Cuida-se, portanto, de assunto relacionado à efetividade das tutelas coletivas e sua forma de prestação não demandista, ou seja, extrajudicial.

Logo, o tema proposto, ao contrário do que possa parecer a priori, não se cinge a uma discussão meramente acadêmica, mas reflete importantes implicações práticas na atuação dos órgãos detentores de legitimidade para a celebração do TAC, na validade dos Termos de Ajustamento de Conduta e no modo de execução desses compromissos, o que, somado à ampla divergência doutrinária que cerca o assunto, torna-se campo profícuo para o desenvolvimento do presente estudo.


1. Discussão bibliográfica

Há fatores que muito contribuem para a ausência de unanimidade no que concerne à natureza jurídica do Termo de Ajustamento de Conduta.

Em primeiro lugar, o fato de os direitos difusos e coletivos pertencerem a uma gama indeterminada ou determinável de pessoas que se difere do órgão público o qual, cumprindo a missão constitucional ou legal que lhe foi atribuída, celebra o compromisso. Noutro dizer, o Ministério Público, a Defensoria Pública, a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, as autarquias e as fundações de direito público (art. 5º, I, II, III e IV, Lei n. 7.347/85) 7 atuam como legitimados extraordinários, defendendo, em nome próprio, direito alheio (da coletividade), na forma como permite o art. 6º, in fine, do Código de Processo Civil. 8

Disso decorre um outro elemento que também colabora com a discussão: a indisponibilidade dos direitos metaindividuais. Se os órgãos públicos não são os titulares desses direitos, não podem deles dispor, ou seja, não têm o poder de disposição que somente a titularidade e a propriedade concedem. 9 Ademais, a importância social desses direitos já lhes confere a característica da indisponibilidade.

Embasada nesses aspectos, foi edificada a corrente de pensamento que parece ser majoritária no que diz respeito à natureza jurídica do TAC. Segundo essa linha de estudiosos, o termo de ajustamento é o reconhecimento, ainda que tácito, por parte do violador ou ameaçador dos direitos de terceira dimensão, da ilicitude de sua postura e a promessa de, sob pena de sofrer cominações, adequar seu comportamento à lei, tal como ocorreria se essa lei jamais tivesse sido agredida.

Desse modo, José dos Santos Carvalho Filho afirma que o TAC é o reconhecimento implícito da ilegalidade da conduta e promessa de que esta se adequará à lei. 10

O brilhante administrativista aponta, ainda, enquanto argumento de reforço para seu raciocínio, o fato de o art. 5º, §6º, da Lei n. 7.347/85, ao se referir ao TAC, utilizar o verbo "tomar", e não "celebrar" o compromisso. Na visão do autor, isso significa que o órgão público legitimado tem o dever de possibilitar o TAC, o que o afastaria da noção de negócio.

Desse modo, a manifestação de vontade seria unilateral, na medida em que o órgão público seria obrigado a propor o TAC, cabendo somente ao infrator da ordem jurídica uma opção, qual seja a de assinar o compromisso ou submeter-se a uma demanda judicial coletiva.

Coerentemente com sua linha de pensamento, Carvalho Filho ainda critica o verbo "firmar" que foi utilizado no art. 14, da Resolução nº 23, de 17 de setembro de 2007, do Conselho Nacional do Ministério Público, 11 vez que o órgão do Parquet não se compromete a nada por meio do TAC, mas somente o infrator o faz. Assim, o MP "toma" o compromisso, e não o "firma", na visão do autor. 12

Arrematando, assevera José dos Santos Carvalho Filho:

Podemos, pois, conceituar o dito compromisso como sendo o ato jurídico pelo qual a pessoa, reconhecendo implicitamente que sua conduta ofende interesse difuso ou coletivo, assume o compromisso de eliminar a ofensa através da adequação de seu comportamento às exigências legais.

A natureza jurídica do instituto é, pois, a de ato jurídico unilateral quanto à manifestação volitiva, e bilateral somente quanto à formalização, eis que nele intervêm o órgão público e o promitente. 13

Em suma, Carvalho Filho entende que o TAC é um ato jurídico unilateral de reconhecimento da ilicitude da conduta e promessa de readequá-la à lei por parte do infrator do direito ou interesse difuso ou coletivo, sendo o órgão público legitimado obrigado a possibilitá-lo e tendo o infrator a faculdade de aceitá-lo ou não.

Logo, nada pode ser renunciado por meio do TAC, uma vez que o termo deve levar aos mesmos efeitos que seriam alcançados se o direito coletivo lato sensu jamais tivesse sido agredido ou ameaçado de violação.

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José dos Santos Carvalho Filho ainda critica a redação do art. 53, da Lei Antitruste (Lei n. 8.884/94), vez que ela possibilitaria a existência de um título executivo sem causa, posto que o termo de cessação previsto no dispositivo, na dicção da lei, não importaria em reconhecimento da ilicitude da conduta, mas, por outro lado, constituiria título executivo extrajudicial. 14 Talvez por conta dessa incongruência, a Lei n. 11.482, de 31 de maio de 2007, tenha alterado a redação do artigo, suprimindo aquela ressalva.

A citada lei de 2007, diga-se, não somente deixou de prever a ressalva, como também substituiu o verbo "celebrar" por "tomar" e deixou claro que o termo de cessação pode ser tomado desde que sejam atendidos os "interesses protegidos por lei". Ademais, trocou as "cláusulas" obrigatórias - típicas de um contrato - pelos "elementos" obrigatórios do compromisso. Todas essas modificações são inegavelmente tendenciosas para a tipificação do termo como um ato unilateral de reconhecimento da ilicitude da conduta e compromisso de ajustá-la à lei, na maneira como pretende a corrente de pensadores ora sob análise. 15

O talentoso processualista capixaba Marcelo Abelha Rodrigues, concordando com essa posição, assevera:

O que se quer por intermédio do CACEL 16 é justamente obter um comportamento que seja em tudo igual e coincidente com o comportamento espontâneo que teria dada pessoa caso não tivesse desajustado a sua conduta às regras de direito que foram por ela violadas. Há, pois, insitamente, um reconhecimento do desajuste de conduta, porque a contrario sensu se compromete a um ajuste e adequação do comportamento.

Por intermédio do compromisso, obviamente, não se dispõe do direito material, e alguns motivos lógicos permitem que se chegue a esta conclusão. Inicialmente, porque os adequados representantes não possuem legitimidade para tanto. O direito é supra-individual, em muitos casos (nos difusos sempre) indisponível e indivisível, o que impede que seja feita a sua alienação ou disposição por qualquer de suas partes. O CACEL tem por objetivo muito claro adequar a conduta às exigências legais, não realizando nada mais e nada menos do que deveria ser feito: o ajuste de conduta. 17

Ainda, comungando de igual pensamento, citem-se as palavras de Carlos Roberto de Castro Jatahy:

Segundo doutrina majoritária no Direito Brasileiro, não se trata de nenhum acordo, até porque não se pode admitir que o Ministério Público, na defesa de interesses difusos e coletivos, realize transação com o causador do dano e ceda parcela de um interesse que é público. Os legitimados não têm disponibilidade do direito material lesado. 18

Paulo Cezar Pinheiro Carneiro também segue essa linha de pensamento, afirmando:

O compromisso de ajustamento de conduta funciona, à semelhança da conciliação e transação, como verdadeiro equivalente jurisdicional, permitindo a solução rápida e amigável do conflito, seja na fase pré-processual, hipótese em que valerá como título executivo extrajudicial, seja no curso do próprio processo, constituindo título executivo judicial.

O seu conteúdo representa o reconhecimento de uma obrigação legal a ser cumprida, passando o cumprimento da mesma a ser um dever jurídico daquele que propôs ajustar a sua conduta. Ela não se confunde com a transação que pressupõe concessões recíprocas, que não ocorrem no compromisso de ajustamento de conduta. Aliás, em tese, a transação somente seria cabível em sede de direitos coletivos e individuais homogêneos, uma vez individualizados todos os interessados, que obrigatoriamente deveriam aquiescer com as condições estabelecidas. 19

Nessa visão, portanto, o TAC é um ato jurídico em sentido estrito de reconhecimento da ilicitude da conduta e de comprometimento do infrator em adequá-la à lei.

Há julgados que caminham nesse sentido, como o que abaixo segue transcrito, da lavra da Sexta Turma do Egrégio Tribunal Regional Federal da 2ª Região, ipsis litteris:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DIREITO AMBIENTAL. COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA. REQUISITOS DE VALIDADE. DESNECESSIDADE DE ANUÊNCIA DE CO-LEGITIMADO PARA A AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. ART. 5°, LEI 7.437/85. 1. Conteúdo, aos requisitos e aos limites do ajustamento de conduta. 2. A ação civil pública constitui "o exercício do direito à jurisdição, pelo Ministério Público, entidade ou pessoa jurídica em lei determinada, com a finalidade de preservar o patrimônio público ou social, o meio ambiente, os direitos do consumidor e o patrimônio cultural, a ordem econômica e a economia popular, ou de definir a responsabilização por danos que lhes tenham sido causados". 3. O objetivo do compromisso de ajustamento de conduta é readequar e conformar a conduta do degradador ou potencial degradador ao ordenamento jurídico em vigor, afastando o risco de dano ou recompondo os danos já causados. 4. Houve expressa limitação à legitimidade para firmar o termo de ajustamento de conduta, eis que somente é atribuído tal poder aos órgãos públicos co-legitimados ao ajuizamento da ação civil pública (e não a todos os legitimados para ajuizamento da ação civil pública). Buscou a lei evitar que determinadas pessoas jurídicas (notadamente as de direito privado) pudessem firmar compromisso de ajustamento de conduta com os potenciais ou efetivos degradadores, ainda que presentes os requisitos exigidos para a propositura da ação civil pública, como no exemplo das associações. Como se trata de acordo em sentido estrito, tendo como objeto direitos e bens indisponíveis, é perfeitamente legítima e constitucional tal limitação. 5. Não há, efetivamente, exigência da concordância de co-legitimado para a ação civil pública no que tange à homologação judicial do compromisso de ajustamento de conduta. 6. A única possibilidade de, eventualmente, não ser confirmada a homologação judicial do compromisso de ajustamento de conduta ocorrerá quando não houver adequação do acordo à reparação ou prevenção efetiva do dano ao interesse difuso ou coletivo (como no exemplo do meio ambiente), com a necessidade de suprimento ou reparação do compromisso. 7. Na eventualidade de o Apelante conseguir reunir elementos comprobatórios da danificação de curso d'água na localidade, a circunstância de ter sido homologado o compromisso de ajustamento de conduta não será obstáculo ao ajuizamento de ação civil pública. O certo é que, no âmbito desta ação civil pública, todas as medidas possíveis, no contexto das circunstâncias verificadas e provadas, foram adotadas e previstas no termo de ajustamento de conduta. 8. A expressão "ajustamento de conduta", tal como empregada pelo legislador ao se referir ao TAC, é emblemática, eis que "o instituto se propõe unicamente a fazer com que as pessoas físicas e jurídicas possam se adequar ao que determina a legislação". 9. Daí a impossibilidade de se confundir o compromisso de ajustamento de conduta com a transação, este instituto típico do Direito Civil, relacionado aos interesses disponíveis. 10. Apelação conhecida e improvida. 20

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Além de deixar induvidosa a posição adotada pelo órgão colegiado, o aresto acima citado afirma ser possível até mesmo complementar ou aditar o TAC se este não tiver sido suficiente para reparar integralmente a ordem jurídica metaindividual violada.

Paralelamente a esse entendimento dominante, há correntes intermediárias que, embora sejam comuns no que diz respeito à impossibilidade de renunciar-se total ou parcialmente ao direito metaindividual e à possibilidade de serem negociadas as obrigações acessórias do TAC, variam no que concerne à natureza que atribuem ao compromisso de ajustamento, ora apontando que se cuida de negócio jurídico, ora que a parte conciliável do ajuste constitui uma verdadeira transação.

Hugo Nigro Mazzilli, como prócere dessa posição, afirma que o termo de ajustamento é um ato administrativo negocial, in verbis:

Embora tenha o caráter necessariamente consensual, o compromisso de ajustamento não tem a natureza contratual, típica do Direito Privado, nem chega a ser propriamente uma transação de Direito Público. Trata-se, antes, de concessão unilateral do causador do dano, que acede a ajustar sua conduta às exigências legais, sem que o órgão público que toma seu compromisso esteja a transigir em qualquer questão ligada ao direito material, até porque não o poderia fazer, já que, em matéria de interesses transindividuais, o órgão público legitimado e o Estado não são titulares do direito lesado.

Apesar de não ser contrato, o compromisso tem natureza consensual, ou seja, é ato administrativo negocial, porque, se de um lado o causador do dano se obriga no campo do direito material, de outro lado o administrador aceita a solução. Mas, ao contrário de uma transação vera e própria do direito civil, na qual as partes transigentes fazem concessões mútuas para terminarem o litígio, já na área dos interesses transindividuais temos o compromisso único e exclusivo do causador do dano (compromitente), que acede voluntariamente em ajustar sua conduta de modo a submetê-la às exigências legais, sob cominações ajustadas no próprio termo (objeto). De sua parte, o órgão público legitimado que toma o compromisso (compromissário) não se obriga a conduta alguma, exceto, como decorrência implícita, a não agir judicialmente contra o compromitente em relação àquilo que foi objeto do ajuste, enquanto este venha a ser cumprido, exceto se sobrevier alteração da situação de fato (cláusula rebus sic stantibus implícita), ou se o caso envolver interesse público indisponível. 21

Em sua visão, portanto, o compromisso é unilateral sob o aspecto do direito material, vez que o órgão público somente se compromete processualmente, no sentido de não propor a demanda judicial enquanto estiverem sendo cumpridas as condições ajustadas no TAC. O ameaçador ou violador do interesse ou direito coletivo é que se vincula materialmente por meio do termo. 22

Se, entretanto, até este ponto a posição de Mazzilli coincide com a corrente predominante abordada supra, o processualista alerta para um outro aspecto não enfrentado por aqueles doutrinadores, qual seja a possibilidade de serem negociadas as obrigações acessórias do Termo de Ajustamento de Conduta, como tempo, modo e lugar do cumprimento da obrigação assumida pelo agressor do direito.

Diz o referido autor:

O tomador do compromisso de ajustamento, em troca da obrigação assumida por parte do causador do dano, não pode dispensar, renunciar ou mitigar outras obrigações legais do compromitente; pode, entretanto, estipular termos e condições de cumprimento das obrigações (modo, tempo, lugar etc.). 23

Outrossim, Mazzilli faz analogia com os instrumentos de rescisão e revisão dos negócios jurídicos privados para possibilitar a alteração e ruptura do TAC, bem como defende que o compromisso pode ser rescindido por erro, dolo e coação, ou seja, pelos vícios de consentimento que podem macular a transação (art. 849. do CC). 24 Ademais, afirma que o infrator poderia alegar, na via judicial, impossibilidade absoluta e onerosidade excessiva do termo, baseado na teoria da imprevisão dos contratos.

Infere-se, dessas afirmações, que Mazzilli coloca-se numa posição de penumbra, vez que afasta do TAC, peremptoriamente, a natureza de transação, a qual exige que os direitos em jogo sejam privados e patrimoniais, bem como a possibilidade de mitigar o direito transindividual violado ou ameaçado, mas, por outro lado, afirma ser possível conciliar acerca das obrigações acessórias e aplicar, por analogia, institutos típicos dos contratos.

Geisa de Assis Rodrigues também se põe em posição intermediária ao tentar determinar a natureza jurídica do Termo de Ajustamento de Conduta.

Primeiramente, a autora preocupa-se em diferenciar o gênero conciliação de uma de suas espécies, a transação, para deixar claro que o TAC é uma forma de conciliação diversa da transação, já que esta é destinada a pôr fim a conflitos envolvendo interesses patrimoniais e privados.

Assim difere os institutos:

A transação tem as seguintes características fundamentais: a) a existência de concessões recíprocas, o que pressupõe a possibilidade de alienação do direito, e de disponibilidade do mesmo; b) segundo o artigo 841 do novo Código Civil, que reproduz os mesmos termos do revogado artigo 1.035, tem por objeto direitos patrimoniais de caráter privado; c) tem como função evitar o surgimento de um litígio ou lhe pôr fim. Teremos a oportunidade de revisitar essa questão quando discutirmos a natureza jurídica do ajustamento de conduta, mas pode-se desde já deixar evidenciada a impossibilidade da transação para a solução negociada dos direitos transindividuais. Mesmo que se utilize o rótulo "transação", transação não há.

A conciliação é um instituto mais abrangente do que a transação. Na verdade a transação é um dos seus resultados possíveis, assim como a renúncia de quem tem a pretensão do direito e o reconhecimento do direito por quem poderia oferecer resistência. Podemos considerar a conciliação como uma forma de solução de conflitos, com uma lógica própria, que privilegia a participação ativa das partes litigantes. Esse modo de proceder no qual as partes contribuem para a definição da controvérsia é o seu traço característico, que distingue a conciliação das formas adjudicatórias de resolução de conflitos. O caminho para se chegar ao resultado conciliatório passa necessariamente pela negociação. Entendida esta como entabulação de um diálogo, é uma comunicação bidirecional sobre os pontos de vista de cada parte e a melhor forma de compor os interesses em jogo. 25

A seguir, a autora aponta as peculiaridades dos acordos envolvendo direitos transindividuais, ipsis litteris:

Basicamente, o regime peculiar da solução extrajudicial dos conflitos envolvendo direitos transindividuais pode se resumir a duas regras que devem necessariamente ser observadas, sendo a primeira relacionada à ausência de renúncia e de concessão do direito em jogo, e a segunda no sentido da observância de um sistema que garanta que a vontade manifestada coincida com os interesses dos titulares do direito, seja através da consulta efetiva dos interessados, seja através da presunção de que órgãos públicos poderão adequadamente representar os direitos da coletividade. 26

Noutras palavras, Geisa salienta ser possível a conciliação envolvendo direitos coletivos lato sensu, desde que não seja enquadrada na espécie transação. Ademais, essa conciliação deve ser limitada, já que o direito material difuso ou coletivo não pode ser renunciado e o órgão que concilia deve representar adequadamente os interesses dos titulares do direito, adequação esta presumida por lei ou conquistada mediante a consulta direta dos interessados. Logo, o TAC seria um equivalente jurisdicional, posto que capaz de resolver conflitos de interesses por meio da autocomposição. 27

No que concerne à natureza jurídica do termo de ajustamento, indica a autora que a maior parte da doutrina afirma ser o TAC uma transação limitada, somente havendo concessões quanto ao modo, prazo e lugar do cumprimento da obrigação, com o que discorda, vez que isso configuraria um enorme malabarismo exegético para compatibilizar a indisponibilidade dos direitos transindividuais e sua extrapatrimonialidade com os requisitos da transação, findando praticamente por descaracterizá-la. 28

Por isso, declara sua posição dizendo que o TAC não pode qualificar-se como transação, até porque a transação é entendida, atualmente, como uma espécie de contrato, e os contratos envolvem uma operação econômica. Como a essência do TAC é extrapatrimonial, ele não constitui um contrato, quiçá uma transação. O TAC serve para reparar ou prevenir um dano, e não para fazer circular riquezas.

Logo, sintetiza seus pensamentos com os seguintes dizeres:

Repise-se que não há no ajustamento de conduta, e é isso que é fundamental, a existência de concessões recíprocas. O obrigado se compromete a cumprir uma conduta, que pode ter um conteúdo variado, consubstanciando uma obrigação de não fazer, de fazer, de entregar coisa, de reparar, ou evitar um dano. Esse é o reconhecimento fundamental do compromisso de ajustamento de conduta, ou seja, a aceitação de que se deve adotar um determinado comportamento para que seu agir atenda às exigências legais. Por isso é que esse reconhecimento quase sempre está baseado numa compreensão, implícita ou explícita, da irregularidade do agir pretérito ou vindouro, e a necessidade de se assumir uma conduta compatível com a legalidade.

O órgão público que toma o ajuste de conduta, contudo, não pode ceder quanto ao conteúdo do direito transindividual, posto que a tutela extrajudicial quanto ao cerne do direito deve ser a mesma que seria obtida em uma eventual demanda judicial. (...) Reputamos, assim, que a flexibilização das condições de prazo, modo e lugar do adimplemento da obrigação não está na esfera da transação, mas sim da negociação, que deve ser pautada pelo atendimento aos fins e princípios que incidem sobre a matéria. 29

Geisa define o TAC, pois, como um negócio jurídico, vez que as manifestações de vontade do obrigado e do órgão público são essenciais à celebração do ajuste. Embora os efeitos mais relevantes do TAC estejam previstos na lei, o que o aproxima de um ato jurídico, as partes pactuantes contam com uma margem de liberalidade para declarar a vontade na celebração e para definir a forma do ajustamento da conduta à lei.

Quanto à liberdade do órgão público legitimado, a doutrinadora assevera que ele detém certo grau de discricionariedade, ou seja, pode fazer um juízo de oportunidade e conveniência acerca da medida mais adequada a ser tomada no caso concreto, se o ajuizamento de uma demanda judicial ou se a proposição de um TAC, posto não haver um direito do obrigado à celebração do ajuste, embora, havendo os pressupostos autorizadores dessa forma de composição extrajudicial do conflito, ela deva ser preferida. 30

Conclui, portanto, cuidar-se o compromisso de um negócio jurídico bilateral diverso do contrato. Bilateral porque imprescindível a existência de dois pólos na relação jurídica. Diferente do contrato por não possuir como núcleo um direito patrimonial. 31

Emerson Garcia também se situa numa posição mediana, embora discorde, em parte, de Geisa de Assis Rodrigues, já que, para o autor, o termo de ajustamento é, simultaneamente, um ato de reconhecimento da ilicitude da conduta, sem possibilidades de transação - naquilo que diz respeito à obrigação principal - e uma transação na parcela que concerne às obrigações acessórias, não vislumbrando, nesse entendimento, qualquer esforço exegético descabido.

Afirma o referido Promotor de Justiça fluminense:

A doutrina majoritária costuma afastar a tese de que o termo de compromisso de ajustamento de conduta tem a natureza jurídica de transação, pois não seria dado aos legitimados à sua celebração transigir com aspectos materiais do interesse público, de feição reconhecidamente indisponível. O raciocínio, embora correto, não afasta a constatação de que é divisada uma verdadeira transação em relação a aspectos periféricos ao direito material lesado, ensejando o surgimento de obrigações jurídicas acessórias para o pactuante (v.g.: prazo para cumprimento do termo e valor da multa fixada). O termo, assim, assume uma feição híbrida: no que diz respeito ao direito material, atua como mero ato de reconhecimento de uma obrigação preexistente e que pode vir a ser reconhecida por sentença judicial (v.g.: o dever jurídico de reflorestar uma área, de cessar uma prática comercial abusiva etc.), quanto aos aspectos periféricos, consubstancia uma verdadeira transação. 32

A definição da natureza jurídica do Termo de Ajustamento de Conduta é tão relevante que o cabimento do compromisso em matéria de improbidade administrativa varia de acordo com a natureza que se atribua ao ajuste, já que o art. 17, §1º, da Lei de Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/92) veda a transação, o acordo e a conciliação nas ações de que cuida. 33 Desse modo, somente se o TAC for entendido como uma transação, um acordo ou uma conciliação que estará vedado em matéria de improbidade administrativa.

Neste ponto, Emerson Garcia segue uma posição minoritária, segundo a qual cabe o compromisso nos casos de improbidade, já que o TAC não é uma transação, nem um acordo, nem uma conciliação. O ajustamento seria incabível somente para livrar o agente ímprobo das sanções legais, in verbis:

É importante não confundir a medida que busque elidir a aplicação das sanções a que está sujeito o agente, o que é terminantemente proibido, com aquela que persiga a adequação do comportamento do agente público à ordem jurídica, impedindo ou evitando que novos ilícitos sejam praticados. 34

Ainda analisando os entendimentos intermediários acerca da natureza jurídica do TAC, Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. asseveram:

Pelo compromisso de ajustamento de conduta, não se pode dispensar a satisfação do direito transindividual ofendido, mas, tão-somente, regular o modo como se deverá proceder à sua reparação. 35

Por sua vez, Roberto Senise Lisboa afirma que o Termo de Ajustamento de Conduta é um acordo equivalente a um negócio jurídico bilateral e constitutivo, ou seja, que não somente declara direitos, como também cria, altera ou extingue relações jurídicas.

Afirma o estudioso:

O termo de compromisso possui natureza equivalente ao acordo extrajudicial, qual seja, a de negócio jurídico que tem por fim adquirir, modificar ou extinguir direitos. Trata-se de ajustamento ou acordo do qual o Ministério Público poderá vir a ser parte, representando interesses difusos ou coletivos de terceiros de qualquer espécie. 36

Lisboa também sublinha a possibilidade de negociação das obrigações periféricas:

Não se concebe qualquer transação sobre o direito difuso ou o coletivo em si, mas é possível a formulação de dispositivos acerca da cessação da atividade danosa ou da reparação do prejuízo, no que diz respeito ao tempo, modo e lugar da obrigação assumida pelo agente do evento, no termo de ajustamento (a maneira de implantação do interesse tutelado). 37

Na jurisprudência, há arestos que destacam a necessidade de acordarem o órgão público legitimado e o infrator, mediante manifestação convergente de vontades, o que aproxima a natureza jurídica do TAC à de um negócio jurídico bilateral, ao menos no momento de sua celebração, in verbis:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282/STF E 211/STJ. FUNDAMENTAÇÃO RECURSAL DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. TERMO DE AJUSTE DE CONDUTA (ART. 5º, § 6º, DA LEI 7.347/85). TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. PRECEDENTES DO STJ. AUSÊNCIA DE ASSINATURA DO MEMBRO DO PARQUET. DEFEITO FORMAL CONFIGURADO. IMPOSSIBILIDADE DA UTILIZAÇÃO DA VIA EXECUTIVA. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, DESPROVIDO. [...] 3. Na hipótese examinada, o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul ajuizou ação de execução de obrigação de fazer contra o recorrido, em decorrência de descumprimento de cláusulas de termo de compromisso de ajustamento de conduta firmado entre os litigantes em decorrência de dano ambiental. O executado apresentou exceção de pré-executividade, na qual alegava, entre outros tópicos, a ausência de assinatura do representante do Ministério Público no termo de ajustamento de conduta. Por ocasião da sentença, o Juízo Singular julgou procedente a referida exceção a fim de extinguir a execução, o que mantido pelo Tribunal de origem. 4. A orientação consolidada deste Tribunal Superior reconhece que o compromisso de ajustamento de conduta previsto no art. 5º, § 6º, da Lei 7.347/85 constitui título executivo extrajudicial. 5. Nesse sentido, os seguintes precedentes: REsp 327.023/DF, 2ª Turma, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de 23.5.2006; REsp 443.407/SP, 2ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 25.4.2006; REsp 440.205/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 13.6.2005. 6. Assim, é manifesta a conclusão no sentido de que o compromisso de ajustamento de conduta como espécie de título executivo extrajudicial exige, para o reconhecimento de sua validade, a presença de requisitos, entre os quais a expressa manifestação de vontade do órgão público que formalizou o compromisso que fica exteriorizado pela assinatura do compromitente. Portanto, a ausência de assinatura do representante do Ministério Público que formalizou o termo de ajustamento de conduta constitui requisito formal indispensável que afasta a natureza executiva do referido instrumento. 7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido. 38

DANO AMBIENTAL – DEMOLIÇÃO DE OBRA CLANDESTINA - ÁREA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL – REFLORESTAMENTO – TERMO DE AJUSTE DE CONDUTA SEM ANUÊNCIA DO IBAMA – LEI 7.347/85 – HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL. 1- Trata-se de apelação cível interposta pelo INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO-AMBIENTE E RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA (assistente litisconsorcial do autor) contra sentença proferida nos autos da ação civil pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face de ANTÔNIO PAULO DE REZENDE CABRAL, objetivando a demolição das construções que interferem na área de preservação permanente, isto é, as localizadas a menos de 30 (trinta) metros das margens do Ribeirão do Cemitério, e etc. 2. - Movido pelo interesse de salvaguardar o direito difuso ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o Ministério Público Federal celebrou um Termo de Ajuste de Conduta com o réu, o qual fora devidamente homologado pelo juízo a quo. Todavia, o IBAMA insurge contra a homologação deste acordo aduzindo que a juíza de 1° grau não poderia fazê-lo sem sua concordância. Ora, não há razão para prosperar a irresignação do IBAMA, já que lei alguma, nem a Lei 6.938/81 invocada, inquina de nulo em TAC por ausência de anuência do IBAMA. 3. - Inicialmente porque a vasta legislação brasileira dirigida à proteção do meio-ambiente, citada inclusive em grande parte no recurso de apelação desta autarquia, notadamente a Lei 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, e a Lei 7.347/85, que prevê o compromisso de ajustamento de conduta, não traz como requisito para celebração de acordo com o causador do dano a anuência do IBAMA. 4. -Desta maneira, acredito que a ausência de concordância do IBAMA com o TAC acostado aos autos não é motivo para impedir a homologação judicial do mesmo, já que o acordo atende ao interesse público. 5. - Derradeiramente, tenho que somente uma ilegalidade efetiva do acordo teria o condão de desconstituir a sentença homologatória. Sobre este ponto se discorrerá adiante. 6. - Sendo o TAC uma manifestação convergente de vontades para assegurar a saúde do meio ambiente, verifica-se que os requisitos para sua validade foram preenchidos in casu, quais sejam, manifestação volitiva do MPF e do causador do dano dirigidas a estabelecer ações ou omissões que assegurem a preservação ambiental. Com efeito, restou provado que apesar do réu ter construído em área de preservação ambiental, o mesmo se submeteu prestativamente ao projeto de reflorestamento, comprometeu-se a não construir perto dos cursos d''água e angariou melhorias ecológicas ao local, conforme o depoimento do engenheiro florestal do IBAMA colhido em audiência. Por outro lado, como bem salienta o MPF, em suas contra-razões, o acordo celebrado possui objeto mais amplo do que o veiculado na inicial. 7. - Por todas essas razões, conclui-se que com o TAC foi assegurada a solução mais positiva para o meio-ambiente, além de desafogar o Poder Judiciário. Por certo, não se alcançaria melhor resposta com a demolição da casa já construída, ao revés, os fatos provam que o apelado foi bastante eficaz na submissão aos termos do acordo corroborando com a defesa pelo direito constitucionalmente garantido. 8. – Recurso conhecido e desprovido. 39

Finalmente, no outro extremo da discussão bibliográfica sobre o assunto estão aqueles que defendem ser o TAC uma verdadeira transação, posição esta manifestamente minoritária.

Dentre seus adeptos, destaca-se João Bosco Leopoldino da Fonseca, que se dedicou, em especial, ao estudo do termo de cessação previsto no art. 53. da Lei Antitruste. 40

Segundo o referido jurista, o termo de cessação seria uma transação, com concessões recíprocas, na medida em que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) se comprometeria a não mais investigar a conduta do agente econômico, ao passo que este se comprometeria a cessar aquela prática suspeita de abusividade.

Referindo-se à redação antiga do art. 53. da Lei Antitruste, antes da alteração ocorrida em 2007 por meio da Lei n. 11.482, assim afirmava o autor sobre o assunto:

A criação legal do "compromisso de cessação" deixa no âmbito da incerteza a infringência contra a ordem econômica. Este compromisso se insere no instituto jurídico da transação, previsto nos artigos 1025 a 1036 do Código Civil. 41 As características da transação se evidenciam como um acordo, que se manifesta com o propósito de extinguir um litígio, em que existe uma reciprocidade de concessões e em que permanece inequívoca a incerteza quanto ao direito das partes.

Na verdade, diferentemente do acordo no âmbito civil, aqui ocorre um acordo entre a autoridade encarregada de investigar e o representado cuja atividade econômica se analisa. Com esse acordo se extingue ou paralisa a investigação, havendo reciprocidade de concessões: a autoridade não investiga mais e o representado paralisa a prática de atos que geraram suspeitas de infração contra a ordem econômica. O elemento da incerteza, de dúvida, está presente porque nem a autoridade nem o representado têm segurança sobre o desfecho da investigação, que poderia confirmar a existência de infração, mas poderia também afastar essa hipótese. 42

João Bosco Leopoldino da Fonseca ainda faz uma analogia entre o termo de cessação da Lei n. 8.884/94, seu objeto de estudo, e o compromisso de ajustamento do art. 5º, §6º, da Lei n. 7.347/85. 43 Parece, assim, entender como transação todo TAC, ainda que verse sobre direitos transindividuais não relacionados à defesa da ordem econômica.

Defendendo ser o compromisso uma transação, também se encontra Patrícia Miranda Pizzol, 44 para quem a casuística, ou seja, os valores em colisão em cada caso concreto que se apresente, pode determinar a renúncia, ainda que parcial, do direito metaindividual, como no caso, por exemplo, de a reparação integral de um dano ambiental poder levar a pessoa jurídica infratora à falência, situação em que a reparação parcial do dano por meio de um TAC seria válida, mantendo-se, dessa forma, a função social da empresa.

Essas as principais vozes dissonantes a respeito da natureza jurídica do TAC.

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Sobre a autora
Thaiz Rodrigues Onofre

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo.Pós-graduada em Direito Público e Privado pelo Instituto Superior do Ministério Público da Associação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.Supervisora da Consultoria Jurídica do Procurador-Geral de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ONOFRE, Thaiz Rodrigues. A natureza jurídica do termo de ajustamento de conduta. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2785, 15 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18488. Acesso em: 5 nov. 2024.

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