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O contrato de seguro e as implicações do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil

Resumo:


  • Contratos de seguro são regulados tanto pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) quanto pelo Código Civil (CC), aplicando-se normas específicas conforme a natureza do conflito.

  • O CDC abrange relações de consumo e pode se aplicar aos contratos de seguro quando há vícios ou defeitos na prestação do serviço, enquanto o CC regula aspectos gerais dos contratos, incluindo prazos de prescrição e cláusulas limitativas.

  • Com a entrada em vigor do novo Código Civil em 2003, algumas práticas como a renovação automática de seguros foram limitadas, e a jurisprudência vem se adaptando para equilibrar os interesses de seguradoras e segurados, respeitando a legislação pertinente.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Resumo

O objetivo deste artigo é discorrer sobre o contrato de seguro e suas implicações legais face ao Código de Defesa do Consumidor (CDC) e ao Código Civil (CC). Como constatado, os dois dispositivos legais têm aplicação nos eventuais conflitos resultantes da relação contratual havida entre segurado e segurador, sendo que em cada caso concreto deve-se fazer uma análise para então poder se verificar qual a norma a ser utilizada. A aplicação adequada de uma ou outra norma, em casos distintos de possíveis conflitos, pode resultar em uma solução bastante diferente. O artigo é ilustrado com exemplos de conflitos analisados pelo judiciário tendo como base legal tanto o CDC quanto o CC que, corretamente aplicados, proporcionaram às partes a aplicação do bom direito.

Palavras-chave: contrato de seguro, Código de Defesa do Consumidor (CDC), Código Civil (CC).


1. INTRODUÇÃO

Existe no cenário jurídico brasileiro uma grande celeuma que envolve o contrato de seguro e a respectiva legislação aplicável na ocorrência de conflitos entre segurado e segurador.

É que com o advento do Código de Defesa do Consumidor (CDC), a atividade securitária, assim como todas as atividades negociais praticadas pela sociedade, passou a ser enfocada sob a sua ótica, constatando-se, de início, um certo abandono da legislação civilista em detrimento da norma consumerista.

É forçoso reconhecer que não é possível simplesmente abandonar-se todo um sistema legal já vigente para adotar-se exclusivamente uma nova disposição normativa.

A maneira mais fácil para se chegar a uma conclusão mais efetiva é definir se a contratualidade observou as normas de proteção ao consumidor ou não. Se o contrato estiver em conformidade com os requisitos exigidos para a segurança do consumidor, não há porque aplicar o Código de Defesa do Consumidor em eventuais conflitos advindos da relação havida – pois o contrato já observara o tal Código desde o início da relação; não desrespeitou seus princípios. Porém, havendo inobservância às normas consumeristas, naturalmente que um eventual conflito envolvendo as partes deve necessariamente se nortear sob a égide da lei consumerista a fim de que os princípios de proteção ao consumidor sejam aplicados.

A importância de se saber qual a norma legal a ser utilizada pelo judiciário quando se vê diante de um conflito envolvendo um contrato de seguro, está justamente no perigo de não se estar aplicando a lei pertinente e, conseqüentemente, não se estar propiciando às partes a correta defesa de seus direitos, ou seja, fazendo com que cada parte faça jus ao que lhe é de direito. Assim, tendo-se noção de quando se utiliza o CDC ou quando se utiliza o CC em uma lide envolvendo um contrato de seguro, é de suma importância para os litigantes.

Atualmente é cada vez maior o número de juristas que buscam embasamento legal nas duas normas supra citadas para que possam garantir a justa defesa dos direitos, tanto dos segurados quanto das seguradoras, conforme os interesses da parte que se está defendendo.


2. CONTRATO DE SEGURO

Para que se possa determinar se sobre um contrato de seguro implicar-se-á a norma consumerista ou civilista frente a um conflito existente, é necessário que se defina, primeiramente, este contrato.

O Código Civil/1916 (CC, 2002, p.134) em seu art. 1432, conceituava o contrato de seguro como "aquele pelo qual uma das partes se obriga para com a outra, mediante a paga de um prêmio, a indenizá-la do prejuízo resultante de riscos futuros, previstos no contrato".

Atualmente, o art. 757 (CC, 2003, p.88), define este contrato como aquele pelo qual "o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados". Tzirulnik, (1997, p. 23), afirma que:

A operação de seguro implica a organização de uma mutualidade, ou o agrupamento de um número mínimo de pessoas, submetidas aos mesmos riscos, cuja ocorrência e intensidade são suscetíveis de tratamento autuarial, ou previsão estatística segundo a lei dos grandes números, o que permite a repartição proporcional das perdas globais, resultantes dos sinistros, entre os seus componentes.

De acordo com Krieger Filho (2000, p.27), "qualquer coisa que exista ou seja esperada (res sperata), sujeita a riscos ou a influências economicamente desvantajosas, pode ser objeto de um contrato de seguro".

As definições apresentadas no Código Civil (CC) e Novo Código Civil (NCC) para o contrato de seguro são genéricas, assim como todo o tratamento dado por estes diplomas legais ao instituto. Tendo em vista o imenso campo de abrangência dos seguros na sociedade hodierna e a rápida evolução das necessidades sociais, o legislador preferiu deixar para a legislação extravagante a disciplina das diversas subespécies de seguro. Ao Código restou a disciplina geral deste contrato, que, pela sistemática brasileira, é unitário, embora integrado por espécies diferentes (LOUREIRO, 2003).

O seguro como sendo um contrato, para que possa produzir efeitos jurídicos, deve se sujeitar aos mesmos princípios e pressupostos de validade que regem os contratos em geral, tais como autonomia da vontade, capacidade das partes (principalmente o disposto no parágrafo único do artigo 757, do atual CC), licitude do objeto e forma prescrita em lei, dentre outros.

Ainda tem como características a bilateralidade, e o é não somente porque é contratado por duas partes, mas pelo fato de que ambas adquirem direitos e obrigações.

Portanto, para a perfectibilização do contrato, é necessário que seja ele precedido de uma proposta escrita com a declaração dos elementos essenciais do interesse a ser garantido e do risco (art. 759 do atual CC).

Desta forma, somente após a aceitação da proposta por parte do segurador, que o contrato de seguro poderá ser considerado como vigente entre as partes, conforme dispõe o artigo 757 do atual CC.

A contraprestação do contratante/segurado denomina-se prêmio, que segundo Santos, (Apud KRIEGER FILHO, 2000), é o preço pelo qual o segurador aceita responder pelos riscos. O segurador pede a cada segurado uma cota suficiente para que, com o total de todas as cotas de um mesmo grupo de segurados, que se encontrem em condições idênticas, possa fazer face ao pagamento das somas seguradas, de acordo com as previsões dos sinistros que se podem verificar no período coberto pelo seguro.

Desta forma, estão obrigadas as partes a respeitar tão somente o que por elas foi convencionado, nem mais, nem menos. Em caso de lacuna, é que as partes socorrer-se-ão da lei, para dirimir conflitos advindos do contrato.

2.1 A legislação aplicável ao seguro: CC ou CDC

Em nosso país a atividade securitária acha-se sob o controle do Estado, através de seus órgãos competentes, tendo sido criado o Sistema Nacional de Seguros Privados, que foi regulamentado pelo Decreto Lei n° 073, de 21 de Novembro de 1966. Este, por sua vez, regulamentou as operações de seguros e resseguros, conforme definido no art. 1º que diz que as operações de seguros privados feitas no país estão subordinadas ao mencionado Decreto-lei.

O referido Decreto-lei, determina que compete ao Governo Federal a formulação da política dos seguros privados, bem como legislar sobre as normas e, igualmente, exercer a função fiscalizadora das operações no mercado nacional. Além disto, este Decreto-lei criou outras composições: Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP; Superintendência de Seguros Privados – SUSEP; Instituto de Resseguros do Brasil – IRB; Sociedades autorizadas a operar em seguros privados; corretores habilitados.

Esses órgãos regulam a atividade securitária no país, no sentido burocrático-administrativo, editando normas gerais de contabilidade e estatística a serem observadas pelas sociedades seguradoras, organizando seu funcionamento e fiscalizando suas atividades, disciplinando as operações, delimitando capitais, enfim, tratam da área administrativa do seguro, cabendo às legislação pátria – Código Civil e Código de Defesa do Consumidor – a regulamentação jurídica dos contratos de seguro.

O conceito de consumidor está positivado no CDC, no art. 2º, que traz a seguinte redação: "Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final" (CDC, 2003, p. 470).

O CDC utilizou a expressão "destinatário final" exatamente para delimitar aquele ou aqueles que adquirem ou utilizam serviço ou produto para si e não como intermediários.

O artigo 3º dispõe: "fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços" (CDC, 2003, p. 470).

Para que haja a aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de seguro, é preciso, primeiramente, que o segurado enquadre-se nos termos do artigo 2o do Código de Defesa do Consumidor.

Deste modo, nota-se inicialmente que é equivocada a idéia de que alguém ou alguma empresa é, por excelência, fornecedora ou consumidora. Cada caso definirá a aplicabilidade ou não das normas contidas no Código de Defesa do Consumidor.

Na simples leitura do supra citado art. 3°, conclui-se que a seguradora é pessoa jurídica, podendo ser nacional ou mesmo estrangeira, e desenvolve atividade no mercado de consumo. Aliás, não deixando qualquer dúvida, o parágrafo 2° do artigo em estudo é claro ao enfatizar que a atividade securitária está incluída nas atividades abrangidas pelo CDC.

Assim, conclui-se que a relação jurídica firmada entre seguradora e segurado é uma relação jurídica de consumo, não olvidando, entretanto, o fato de que esta afirmação não tem por conseqüência, a exclusão da incidência de outras normas. Este fato, portanto, cria a possibilidade de incidência cumulativa do Código de Defesa do Consumidor com outras normas aos contratos de seguro.

É importante destacar que o Código de Defesa do Consumidor expressamente incluiu a atividade securitária para fins de submissão as suas normas no parágrafo 2° do art. 3°.

Este Código, de acordo com Queiroz (2001), ao tratar das práticas contratuais, dá a entender que os dispositivos protetores se aplicariam a todas as relações contratuais. Ainda segundo o mesmo autor, o critério adotado pelo CDC para trazer obrigações face ao consumidor não são as relações necessariamente contratuais. Basta tão somente a colocação de produtos ou serviços no mercado. E para um contrato de seguro se caracterizar como relação de consumo – ou melhor, para uma determinada situação advinda do contrato de seguro ser observada sob a ótica do CDC - deve necessariamente ser constatado uma das duas formas de dano causado ao segurado/consumidor: ou pelo vício do produto (do serviço) – ou seja, pelo não funcionamento adequado – ou pelo fato, que se caracteriza quando causar dano exterior ou simples não funcionamento. Quando uma dessas situações ocorrerem, aplica-se as regras do CDC.

Um exemplo desse tipo de situação é o contrato de seguro que não fornece ao segurado qualquer garantia. Um contrato de seguro que seja desprovido de garantias naturalmente é um contrato com vício de serviço. Ocorrendo isso todas as implicações do CDC vão incidir, tais como prazos de prescrição, declaração de nulidade de cláusulas, dentre outras.

Complementando o autor acima, Sanseverino (2002), leciona que enquanto os defeitos são falhas do produto ou do serviço que afetam a segurança legitimamente esperada pelo consumidor, causando-lhe danos pessoais ou patrimoniais, os vícios são falhas, ocultas ou aparentes, que afetam, via de regra, apenas o próprio produto ou serviço, tornando-os inadequados ao uso a que se destinam por não apresentarem a qualidade ou quantidade esperada pelo consumidor, inclusive por deficiência de informação.

Desta forma, para a responsabilização de um fornecedor do produto/serviço, é imperioso que ocorra uma das duas situações acima elencadas.

Falando das relações contratuais propriamente ditas, não se pode ignorar que o contrato de seguro é tipicamente de adesão, e por isso tem a fiscalização do CDC, que no artigo 54 regula especialmente sobre os chamados contratos de adesão.

Apesar de o anterior Código nada mencionar, o atual Código Civil também reserva um espaço para tratar especificamente dos contratos de adesão (artigos 423 e 424), ratificando em outras palavras o já contido no artigo 54 do CDC.

Após o surgimento do CDC, verificou-se uma avalanche de ações judiciais fulcradas na nulidade de cláusulas contratuais por serem abusivas e contrárias ao disposto no artigo 51 e 54 do CDC. Para se adequar a nova disposição legal, os contratos de seguro passaram a ser redigidos de forma mais clara, com cláusulas destacadas e palavras de fácil compreensão. Porém, não deixou de continuar sendo um contrato de adesão, o que não permitiu uma diminuição no número de ações judiciais propostas com o mesmo objetivo: declaração de nulidade/abusividade de cláusulas.

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Todavia, urge não confundir cláusula abusiva com cláusula restritiva, esta perfeitamente aceitável pela própria lei de consumo, nos termos do parágrafo 4º do seu artigo 54, restando plenamente válido admiti-la como parte inerente à natureza do contrato de seguro, em que a tônica é a seleção e a limitação dos riscos impostos pela ciência autuarial, a teor dos artigos 1432 e 1460 do CC/16. Desta forma, as eventuais particularizações quanto aos riscos cobertos e abrangências do seguro, desde que condizentes com seu objetivo, não implicam estabelecer para o segurado obrigações consideradas iníquas e exageradas ou, ainda, incompatíveis com a boa-fé e a eqüidade, pois se assim não fosse, poder-se-ia ensejar ao mesmo, direito a uma cobertura securitária pela qual não pagou o correspondente prêmio, calculado sempre de acordo com os riscos assumidos (Krieger Filho, 2000, p. 102).

Moretti e Silva (1998), tratam do assunto ressaltando que o CDC, em seu art. 54, permite de forma expressa a existência de cláusulas limitativas nos contratos – inclusive no de adesão – porém devem elas observar todos os requisitos exigidos, quais sejam, destaque em sua redação, clareza em seu vocabulário, isso para permitir a fácil compreensão. Prosseguem os juristas argumentando que a própria natureza do contrato de seguro impõem a existência de cláusulas limitativas, pois ele se fundamenta na mutualidade e cálculo das probabilidades de delimitação dos riscos que serão cobertos para definir o valor de seu preço (prêmio) e da futura indenização. Desta forma, o contrato de seguro contém cláusulas que são limitativas dos riscos para viabilizar suas contratações e indenizações. Ainda, ratificam eles, o que já foi até então constatado, de que o CDC permite a inclusão de cláusulas limitativas de direito, desde de que tais cláusulas estejam necessariamente inseridas no contexto contratual na forma prevista no CDC.

Existem casos que o consumidor não está sendo prejudicado ou vítima da contratualidade operante. Há situações que até podem deixar o consumidor descontente, mas não por isso que alguma ilegalidade fora praticada contra ele.

Um exemplo de cláusula restritiva de direitos – mas não por isso abusiva, citada por Bechara Santos (1999) - são as cláusulas que excluem da cobertura os danos ocorridos quando o condutor de um veículo segurado esteja embriagado. Como se trata de cláusula expressa, destacada e clara na apólice - porém excluindo o risco no caso da embriaguez – é uma cláusula restritiva, pois limita a cobertura ao fato de o condutor não estar embriagado, mas não pode ser considerada abusiva porque segue toda a regra de clareza e informação exigida pelo código consumerista. Considere-se ainda que tal cláusula vai, inclusive, ao encontro da lei pena que repele e pune o condutor embriagado, razão também pela qual jamais pode ser rotulada de abusiva.

Moretti e Silva (1998) continuam tratando do assunto enfatizando que o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor estão em perfeita sintonia, isto porque a lei civilista anterior, no que atine ao contrato de seguro, em seu artigo 1.434, determina que os riscos assumidos deverão constar na apólice, e ainda, que o artigo 1.460, permite a limitação dos riscos, sendo que o segurador não responde por outros que senão os riscos contratados. O já invocado artigo 54 e parágrafos trazem em seu teor os requisitos para a validade do contrato, dentre eles que as cláusulas sejam redigidas em destaque, permitindo sua imediata compreensão, porém, em momento algum proibiu a existência de cláusulas limitativas nos contratos. Concluem aduzindo que naturalmente as cláusulas limitativas necessitam de uma maior atenção principalmente para que não sejam abusivas – o que daí sim é vedado – porém o simples fato de serem limitativas ou restritivas não as torna viciadas ou inválidas.

Pode-se então, exemplificar o entendimento do judiciário neste sentido:

SEGURO DE VIDA – CLÁUSULA LIMITADORA DE RESPONSABILIDADE – VALIDADE DA CLÁUSULA – ART. 54 – PAR. 4 – C. DE DEFESA DO CONSUMIDOR – SEGURO DE VIDA – COBERTURA: MORTE ACIDENTAL E INVALIDEZ PERMANENTE – VALIDADE DE CLÁUSULA RESTRITIVA QUE NÃO ALCANÇA MORTE NATURAL, DECORRENTE DE DOENÇA – As cláusulas limitativas previstas no Código Civil são harmônicas com as disposições do Código do Consumidor, que, aliás, expressamente, admite a sua existência no art. 54, parágrafo. 4º, desde que "redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão. Assim, a cláusula que limita a cobertura do seguro, como in casu, não é abusiva (art. 51, IV, do CDC). Sentença retocada. (TJRJ – AC 6285/2000 – (13092000) – 14ª C.Cív. – Rel. Des. Mauro Nogueira – J. 08.08.2000)

Para que haja a responsabilização do fornecedor sob os ditames do CDC, é necessário que ocorra vício ou fato do produto ou do serviço e, se a relação for contratual, que as cláusulas não sejam abusivas. Os casos que não se encaixam nesses requisitos não podem ser regidos pelo CDC.

Não se pode ultimar é a existência da lei civilista (Código Civil), a qual surgiu muito tempo antes da promulgação da Lei 8078/90 (CDC) e também regula o contrato de seguro, tanto que o antigo Código Civil e o Atual Código reservam um capítulo especial específico para os contratos de seguro.

Sob este enfoque ainda é importante destacar que algumas disposições sobre os contratos de seguro que eram previstas no antigo Código Civil vieram interpretadas de outra forma com a edição do CDC. Porém o atual Código Civil as manteve com a versão anterior. Ou seja, nestas situações o legislador demonstrou que realmente pretende a aplicação da legislação civilista, e não consumerista.

Um exemplo bem típico que pode ser aventado é o instituto da prescrição. O artigo 178, §6º, I do CC/16 preceitua que "... prescreve... §6º Em um ano: II – A ação do segurado contra o segurador e vice-versa, se o fato que o autoriza se verificar no país; contado o prazo do dia em que o interessado tiver conhecimento do mesmo fato" (CC, 2002, p.23).

Ou seja, para o segurado socorrer-se judicialmente de seus direitos, tinha ele um ano a partir da data da ciência da situação, sob pena de perder o direito a ser defendido.

Já o CDC, em seu artigo 27 preceitua que: "prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria" (CDC, 2003, p.475).

Note-se que o artigo enfatizou que a pretensão deve ser fundada em reparação de danos causados por fato do produto ou do serviço, e o significado desta especificação já se encontra acima detalhado.

Mas, para que reste bastante esclarecido, tem-se que dos artigos da seção II daquele dispositivo legal, apenas o artigo 14 aplica-se às relações de prestação de serviços, e ele preceitua:

o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§1º O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - o modo de seu fornecimento;

II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi fornecido.

§2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.

§3º O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

§4º A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa (CDC, 2003, p.473).

A leitura do artigo acima transcrito, permite vislumbrar claramente que ele se refere aos danos causados pela prestação defeituosa de serviços ao consumidor.

O parágrafo 1º deste artigo, revela quais são as circunstâncias em que se deve considerar que o serviço foi defeituoso, ou seja, é o serviço defeituoso quando "não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: o modo de seu fornecimento; o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; a época em que foi fornecido.

Assim, teoria forte ergueu-se com o advento do Código de Defesa do Consumidor defendendo que o prazo prescricional seria qüinqüenal ao teor do artigo 27, já que unânime é a posição jurisprudencial e doutrinária no sentido de reconhecer a aplicabilidade do referido Código aos contratos de seguro e, por conseqüência, aos fatos daí decorrentes. Apesar da tentativa insistente das companhias seguradoras em fazer valer o artigo 178, parágrafo 6º do Código Civil/16 nos casos de questão simplesmente contratual – sem a constatação de vícios ou fatos do produto, muito menos de cláusulas abusivas - a comunidade jurídica estava inflexivelmente aplicando o CDC, entendendo, por meio de inúmeros julgados dos Tribunais da Federação, seguidos por decisões monocráticas da Justiça de primeiro grau, pelo reconhecimento da aplicação extensiva do Código de Defesa do Consumidor, e conseqüentemente aplicando-se a prescrição qüinqüenal do artigo 27 do referido Código para as ações de consumidores relativas à seguro.

Já o atual Código Civil/2002, que entrou em vigor em janeiro/2003, sobre a prescrição, assim preceituou: "Art. 206. Prescreve: § 1o em um ano: II - a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado o prazo: b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão;" (CC, 2003, p.27).

Desta forma, como já dito, confirmou-se a pretensão do legislador em aplicar – nos casos de discussão de consumo propriamente dita, sem que haja a ocorrência de vícios ou fato do produto (má prestação do sérvio) – o prazo prescricional de um ano.

Acompanhando o legislador neste norte, a jurisprudência pátria vem novamente adequando seu posicionamento no sentido de aplicar a lei civil ao invés da consumerista, conforme se pode depreender do recente julgamento proferido pelo STJ, em data posterior a vigência do novo Código Civil:

DIREITO CIVIL – CONTRATO DE SEGURO – ACIDENTE DE VEÍCULO – INDENIZAÇÃO – DIFERENÇA DE VALOR ENTRE O PREÇO DE MERCADO E O MONTANTE ESTABELECIDO NA APÓLICE – PRESCRIÇÃO ÂNUA – ART. 178, § 6º, II, CC/1916 – PRECEDENTES – RECURSO PROVIDO – Na linha da jurisprudência desta Corte, em caso de recusa da empresa seguradora ao pagamento da indenização contratada, o prazo prescricional da ação que a reclama é de um ano, nos termos do art. 178, § 6º, II, do Código Civil/1916. (STJ – RESP 492821 – SP – 4ª T. – Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira – DJU 23.06.2003 – p. 00386)

Porém é bem verdade, e não pode deixar de ser dito que, antes da vigência do novo Código Civil, nossa Corte Superiora já vinha de encontro do entendimento unânime da comunidade jurídica pátria, e como exemplo colaciona-se a seguir excertos do Recurso Especial n.° 207.789, do Rio de Janeiro, julgado em 27 de junho de 2001, relatado pelo Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, publicado no Diário da Justiça no dia 24 de setembro de 2001, página 234, que norteou as demais decisões da Corte Superior em matéria de prescrição nos contratos de seguro, de modo que a análise do referido recurso é fundamental:

Recentemente, com a relatoria do Senhor Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, a 4ª Turma entendeu de modo diverso. De acordo com o precedente, a ação por inexecução de contrato não se equipara à ação de reparação de danos por fato do serviço, com as razões que se seguem:

(...) 4. Tenho que a ação de responsabilidade civil por fato de serviço, de que cuida o Código de Defesa do Consumidor, não se identifica com a responsabilidade civil decorrente do inadimplemento contratual. Logo este último caso estaria disciplinado pela norma específica do Código Civil, que trata da prescrição anual em todas as outras ações do segurado contra a seguradora, e vice-versa.

Com efeito, a ação de reparação de danos por fato de serviço decorre dos chamados ‘acidentes de consumo’, ou seja, quando a deficiente prestação do serviço é capaz de gerar danos ao consumidor. No caso de cobrança de indenização securitária, no entanto, a responsabilidade civil decorre do inadimplemento contratual, que não tem qualquer relação com o vício do serviço.

Kazuo Watanabe, a propósito, ao tratar da ação de responsabilidade civil prevista no CDC, doutrina:

As regras estabelecidas no artigo dizem respeito à ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços. Responsabilidade civil, evidentemente, que tenha nexo com as relações de consumo. Tais regras, portanto, não têm aplicação à responsabilidade contratual e tampouco à responsabilidade civil que nenhum vínculo guarde com as relações de consumo. Abrange todas as modalidades de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços, seja pelo fato do produto ou do serviço, seja por ato próprio ou por ato de terceiro.

Como pode ser observado, o instituto da prescrição que foi inicialmente regulado pela lei civil, teve forte influência do CDC – e vai continuar tendo nos casos de fato do produto (má prestação do sérvio), conforme já visto – porém a lei Civil, através do Novo Código Civil, continua preponderando.

Outra mudança que a legislação civil trouxe em detrimento do Código Civil anterior é o art. 775, que inova: "Os agentes autorizados do segurador presumem-se seus representantes para todos os atos relativos aos contratos que agenciarem" (CC,2003, p.90). Desta forma, a responsabilidade pelos atos realizados em nome da seguradora, recai também em quem age em nome da Companhia, e não somente desta, como até então vinha sendo.

Também, nos contratos de seguro foi inovada a questão da renovação do contrato. É que o novo Código Civil, em seu artigo 774, estatuiu que "a recondução tácita do contrato pelo mesmo prazo, mediante expressa cláusula contratual, não poderá operar mais de uma vez" (CC, 2003, p.90). Ou seja, não pode mais existir contrato de seguro com simples renovação anual automática, devendo as partes comparecerem, uma perante a outra, para expressamente manifestarem a intenção de contratar.

Essa questão da renovação inclusive tem-se mostrado bastante polêmica, tendo em vista que as seguradoras já tinham a chancela da SUSEP para cancelar – ou não renovar – o seguro. Exemplo disso é o art. 53 da Circular 17/92 da SUSEP o qual dispõe que a apólice pode ser cancelada pela seguradora mediante aviso prévio de trinta dias, se a natureza dos riscos vier a sofrer alterações que a tornem incompatível com as condições mínimas de manutenção.(esse artigo tem o mesmo teor do artigo 28 da Circular 21/86 da SUSEP).

Porém a atitude de a seguradora não renovar mais um seguro até então vigente, por exemplo o de vida, que é o mais cogitado pois o segurado pagou por anos a fio o prêmio e de uma hora para outra tem seu seguro inoperante, vinha sido considerada totalmente abusiva e ilegal por colocar o segurado/consumidor em total desvantagem.

Levando em conta a permissão de tal atitude pela SUSEP, que é, como já visto, o órgão regulador e fiscalizador dos contratos de seguro, e ainda devendo-se ater ao CDC, para que não houvesse abusividade na cláusula do contrato de seguro que previsse a rescisão (ou não renovação) unilateral, os contratos de seguro se adequaram, passando a prever que o cancelamento ou a não renovação pode-se operar para cada uma das partes, e com aviso prévio de trinta dias. No caso de não renovação, o aviso dever ser feito trinta dias antes do vencimento do contrato.

Dizem o artigo 51, XI, e 54, parágrafo 2º do CDC: "são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos ou serviços que: (...) XI – autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que tal direito seja conferido ao consumidor" (CDC, 2003, p.437). O art. 54: parágrafo 2º diz que: "...nos contratos de adesão admite-se cláusula resolutória, desde que alternativa, cabendo a escolha do consumidor..." (CDC, 2003, p.438).

Assim sendo, os contratos de seguro fizeram constar em suas cláusulas de acordo com a legislação consumerista, a possibilidade de resilição por parte de ambos os contratantes (segurado e seguradora). Com o advento do novo Código Civil, tal preceito veio novamente confirmado pelo já citado artigo 774, o qual não permite a renovação automática vitalícia dos contratos, devendo as partes manifestarem expressamente sua intenção de renová-lo, ou informarem seu desejo de não mais se manterem na contratualidade. Naturalmente que "a seguradora deve demonstrar, eficientemente, que a natureza dos riscos sofreu, realmente, alterações tais que a torne incompatível com as condições mínimas de manutenção, situação esta que não se tratará evidentemente, de cancelamento unilateral, potestativo, leonino, ou qualquer outra coisa que o valha..." (Bechara Santos, 1999, p. 307).

Sobre esse assunto, a jurisprudência pátria mais atual tem entendido, conforme se extrai da Apelação Cível n. 98.008683-3, de Florianópolis. Relator designado: Desembargador Newton Trisotto, julgado em 06/06/2000:

Sua Excelência, bem como o apelado, não indicam o fundamento legal em que apóiam a tese da impossibilidade de ser denunciado o contrato, hipótese expressamente prevista na cláusula n.º 25, que dispõe: "O presente contrato será renovado automaticamente pelo período de 12 (doze) meses, se não houver manifestação contrária por escrito de qualquer das partes contratantes, até 30 (trinta) dias antes do seu vencimento" (fls. 27v).

Ademais, a cláusula referida não contraria expressa disposição do Código. Resta perquirir se é ou não abusiva (CDC, art. 6o, IV) e, conseqüentemente, nula de pleno direito.

O § 1º do art. 51 prescreve que se presume "exagerada" e, portanto, passível de anulação (inc. IV), a cláusula que "se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso" (inc. III).

O autor sustenta que o "legislador pátrio editou a lei de proteção ao consumidor, incluindo a proibição de rescisão unilateral do contrato (art. 6º, IV e V, comb. c/ art. 51, XI da Lei n.º 8.078/90)". Os incisos IV e V do art. 6º não tratam da rescisão do contrato. O inc. XI do art. 51 considera nula a cláusula que autoriza a rescisão unilateral do contrato "sem que igual direito seja conferido ao consumidor".

Não me parece que seja "excessivamente onerosa" a cláusula que autoriza a denúncia do contrato, findo o prazo de sua vigência, se a faculdade é conferida aos dois contratantes. (...). Dependendo do número desses contratos, é provável que a prestadora dos serviços venha a falir. Para evitar a quebra, terá de recuperar o prejuízo elevando exageradamente os preços cobrados dos demais usuários. Em economia, não há milagres."

E em caso idêntico ao acima exposto, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em recentíssima decisão prolatada pela Segunda Câmara Especial Cível, ApCvº 70005705249, Porto Alegre, em 18 de março de 2003 e que foi relator o Des. Nereu José Giacomolli, assim decidiu:

seguro de vida em grupo. RENOVAÇÃO. AVISO PRÉVIO. possibilidade contratual que não configura abusividade. Improcedência da ação.

Sendo o contrato de seguro típico de adesão e prevendo este renovação com possibilidade de revisão de cláusulas, inclusive de cancelamento de seguro, com a rescisão do contrato, mediante aviso prévio por escrito, não há como acolher-se, o pedido da mandatária dos segurados no sentido da manutenção do seguro por permanecerem imutáveis regras inicialmente estabelecidas. Necessidade de adequação dos contratos às condições de mercado e de cada época em que são celebrados. Precedentes da Corte. APELAÇÃO DESPROVIDA.

(...)

Trata-se de seguro de vida em grupo especial, registrado na Superintendência dos Seguros Privados – SUSEP, tendo como estipulante, e mandatária dos segurados, DMNS – FACTORING LTDA, de acordo com documentação que instrui o presente recurso.

A apólice original prevê a possibilidade de cancelar o seguro, mediante o aviso prévio por escrito de, no mínimo, 30 (trinta) dias.

Ocorre que a seguradora, alegando que não mais lhe interessava manter a contratação, em decorrência de sofrer prejuízos com o grupo, avisou previamente a recorrente, da sua intenção em cancelar a apólice.

(...)

Como bem refere a decisora singular, a seguradora apelada comunicou à recorrente que não procederia na renovação da apólice nas condições originalmente contratadas, tendo em vista a realidade econômica do país e a incidência de indenizações em valores superiores aos previstos, razões que exigem a revisão do produto – contrato de seguro.

Quando o contrato prevê renovação, cancelamento e possibilidade de adequação de cláusulas, não há como pretender tornar imutáveis tais condições anteriormente estabelecidas.

(...)

Evidente que com o advento do CDC, o consumidor ficou protegido contra eventuais abusos que sofria frente ao potencial financeiro das grandes empresas.

O Código de Proteção do Consumidor, no seu artigo 51, combate as abusividades vedando a estipulação de cláusulas contratuais que coloquem o consumidor em situação desvantajosa perante a empresa contratante. Assim também quanto à cláusulas que configurarem enriquecimento indevido por parte da empresa em detrimento ao consumidor.

Entretanto, este não é o caso dos autos. Também não há que se falar em desrespeito ao artigo 13 do Decreto-lei nº 73/66. A alteração contratual, inclusive o cancelamento da apólice, durante a sua vigência, foi devidamente prevista. A requerida não alterou unilateralmente o contrato sem o consentimento da requerente, mas apenas fez uso da faculdade prevista na cláusula 14 da apólice de seguro, juntado aos autos. O contrato vigia por prazo indeterminado. Avisou a autora através de correspondência com a devida antecedência, que não mais lhe interessava a manutenção do contrato, em decorrência do alto índice de indenizações pagas à autora. Utilizou-se do mesmo direito que teria a apelante de cancelar o seguro, caso entendesse que não mais lhe convinha.

(...)

Ora, não se trata, assim, de rescisão unilateral de contrato, mas sim, de não renovação, possibilidade expressamente prevista no contrato.

Assim, tratando-se de faculdade da segurada em não aceitar manter as condições originais do contrato inicialmente pactuado, após determinado período de vigência e comprovado, pela incidência de sinistros, que restaria comprometido o equilíbrio financeiro de todo o grupo, inclusive colocando em risco o interesse da coletividade que aderiu ao plano, não pode ser considerada abusiva cláusula que permite a rescisão unilateral do contrato, mediante prévio aviso. Com tais considerações, vai integralmente mantida a sentença de improcedência da ação.

Ainda tem-se que nos contratos de seguro deverá ser utilizado, de acordo com o artigo 422 do atual CC/2002 os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé – que regula os contratos em geral – o princípio da mais estrita boa fé, em detrimento do princípio da autonomia da vontade, predominante sobre os contratos vigentes na época do CC/16, art. 1.079: "a manifestação da vontade, nos contratos, pode ser tácita, quando a lei não exigir que seja expressa" (CC, 2002,p.105). Porém este princípio, agora expressamente utilizado pelo novo Código Civil para os contratos em geral, já era expresso no CC/16 em seu artigo 1443, para os contratos de seguro "o segurado e o segurador são obrigados a guardar no contrato a mais estrita boa-fé e veracidade, assim a respeito do objeto, como das circunstâncias e declarações a ele concernentes" (CC, 2002, p.135). Naturalmente que o assunto já rendeu diversas obras publicadas e, portanto, faz-se constar sua menção sem maiores explicações detalhadas apenas a título de complementação.


3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O direito tem como uma de suas principais características a interpretação das normas legais apresentadas pelo legislador. Assim, o surgimento de qualquer lei está passível de diversas interpretações, argumentações e até críticas.

Tal prerrogativa não foi diferente com a vigência do Código de Defesa do Consumidor, o qual, pela sua capacidade de abrangência, foi muito polêmico, pois a maioria das matérias por ele tratadas já tinham regulação especial, seja pelo Código Civil, seja por legislações esparsas pertinentes.

E com relação à matéria securitária não foi diferente. Enquanto há os que entendam que o contrato de seguro sempre deve ser analisado sob a ótica consumerista, há a corrente que prefere analisar cada situação fática em apartado para emitir um posicionamento acerca de qual norma vai ser utilizada na solução de um litígio.

Diante desse cenário, o que mais importa às partes litigantes, as quais viram-se obrigadas a socorrer-se do judiciário para que este tutele seus direitos – é que a aplicação da lei seja a mais justa possível.

Com isso quer-se dizer que, não é pelo fato de uma companhia de seguro ter sucesso em uma ação judicial movida por um segurado que, necessariamente, o segurado foi prejudicado ou injustiçado.

Se os dispositivos legais pertinentes forem adequadamente aplicados e com isso entender-se que a seguradora tem razão em seus argumentos, tal conclusão deve valer.

E quanto a isso, como já bastante tratado no presente artigo, caso a seguradora não infrinja nenhuma das imposições trazidas pelo Código de Defesa do Consumidor – caso não traga o contrato qualquer cláusula abusiva – não há porque, em uma solução de conflitos, aplicar-se a norma consumerista, sendo a legislação civil a regra pertinente a ser utilizada.

Apesar de a comunidade jurídica em geral ainda adotar o posicionamento da aplicação do CDC em qualquer caso, verificou-se uma corrente cada vez mais crescente no sentido de que cada caso é um caso, e que não se pode ser determinista a ponto de ignorar a existência de outras disposições legais.

Assim, espera-se que cada vez mais a consciência jurídica esteja voltada para a análise dos casos em particular e tenha discernimento para aplicar a cada um a norma respectiva, sob pena de não o fazendo, não estar propiciando às partes – independentemente de se seguradora ou segurado – o pleiteado reconhecimento de seu direito.


4. REFERÊNCIAS

BECHARA SANTOS, Ricardo. Direito de seguro no cotidiano: coletânea de ensaios jurídicos. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

CC. Código Civil. Coord. Anne Joyce Angher. 8ª ed. São Paulo: ed. Ridel, 2002.

CC. Código Civil. Coord. Anne Joyce Angher. 9ª ed. São Paulo: ed. Ridel, 2003.

CDC. Código de Defesa do Consumidor. Coord. Anne Joyce Angher. 9ª ed. São Paulo: ed. Ridel, 2003.

KRIEGER FILHO, Domingos Afonso. O contrato de seguro no direito brasileiro. Niterói: Frater et Labor, 2000.

LOUREIRO, Carlos André Guedes. Contrato de seguro. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 62, fev. 2003, disponível em: http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=3777. Acesso em: 19 jan. 2004 às 16:27 horas.

MORETTI, Luciana Biembengut; SILVA, Sirvaldo Saturnino. Do contrato de seguro no Direito brasileiro e a interpretação de suas cláusulas limitativas em face ao Código de Defesa do Consumidor. Jus Navigandi, Teresina, a. 3, n. 27, dez. 1998, disponível em: http://jus.webcable.com.br/doutrina/texto.asp?id=638. Acesso em: 06 out. 2003 às 16:24 horas.

QUEIROZ, Flávio. A prescrição da ação de seguro no Código de Defesa do Consumidor. In: CARNEIRO, Athos Gusmão. Seguros: uma questão atual. São Paulo: ed. Max Limonad, 2001, p.114.

SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade Civil no Código do Consumidor e a Defesa do Fornecedor. São Paulo: Saraiva, 2002.

TZIRULNIK, Ernesto. Apontamentos sobre a operação de seguros. Revista Brasileira de Direito de Seguro. Rio de Janeiro: ed. Manuais Técnicos de Seguros, n.1, p. 23, set. 1997

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Sobre as autoras
Fernanda Elaine Huber

Advogada, pós-graduada em direito empresarial.

Brígida Dettmer

professora universitária-mestre em marketing/administração, Blumenau-SC

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HUBER, Fernanda Elaine ; DETTMER, Brígida. O contrato de seguro e as implicações do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 274, 7 abr. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5059. Acesso em: 23 dez. 2024.

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