O presente estudo, longe de querer pôr pá de cal no assunto a ser tratado, é, antes, uma modesta forma de fomentar as discussões acerca da intervenção ministerial no processo civil, quando o Promotor de Justiça atua investido da atribuição de custos legis.
Não se pretende, aqui, como dito, encerrar os debates a respeito do tema, mesmo porque a pouca envergadura do subscritor deste trabalho não permite a emissão final de juízo de valor, mas, antes, e tão só, um convite à reflexão, para que os doutos – estes sim – se debrucem sobre o tema e ofereçam um posicionamento que melhor se adeque à ciência processual moderna [1].
A pretensão deste estudo é suscitar o debate, sem a preocupação de esgotar o assunto, mais ainda porque o Direito não é ciência exata, cuja finalidade precípua é o resultado indiscutível, contestável, apenas, na pena e na voz dos poetas [2].
No mais, frente a tema tão controverso, não se oferece solução, antes, sugestões, sob pena das pechas "gênio de ocasião" e "pavão da opulência", na feliz expressão amadiana, caírem como luvas.
Pois bem, qual seria, então, a melhor exegese a ser dispensada em relação ao art. 82 do CPC e, também, em relação ao art. 127 da Constituição Federal? Avante!
O Ministério Público, no processo civil, tem seu desenho institucional traçado em cima do binômio órgão agente e órgão interveniente. Ao que se sabe, esse traço marcante foi debatido entre os juristas italianos, como bem lembra o Prof. ANTÔNIO CLÁUDIO DA COSTA MACHADO [3]: "É justamente em meio a esta realidade que começam a florescer entre os juristas italianos, novas idéias acerca da intervenção ministerial que, posteriormente, desaguariam na instituição legal do duplo posicionamento do parquet no processo civil (órgão agente – órgão interveniente) bem como na aparição da polêmica, que se eternizaria, tendo por objeto a qualidade jurídica do Ministério Público fiscal da lei".
A origem mais remota do Ministério Público, embora controversa, converge, entre vários Autores, para o Egito antigo [4], na figura histórica dos encarregados de serem a "língua e os olhos do rei". Entretanto, o nascimento de fato do MP, ao menos na pena dos historiadores, remonta à Ordonnance de Felipe – O Belo, pelos idos do século XIV. Adiante, nas Ordenações Filipinas, conhece-se a figura do Promotor de Justiça da Casa de Suplicação, além do Procurador dos Feitos da Coroa e o Procurador dos Feitos da Fazenda [5]. A terminologia "Promotor de Justiça" teve previsão legal só em 1609, em texto que disciplinava a composição do Tribunal da Relação da Bahia [6].
Com a Carta de 1967, houve a subordinação do MP ao Judiciário. Apenas com o texto constitucional de 1988 é que o Ministério Público alcançou o perfil de grande instituição republicana sonhada por muitos.
Vê-se, assim, que o aperfeiçoamento institucional do Ministério Público não se deu da noite para o dia, de hora para hora, mas, sim, à custa da ação inexorável do tempo, além da pena dos doutos.
No direito comparado, o Ministério Público existe com diferenças culturais e institucionais intensas, diferindo de país para país, como bem assentou o mestre ANTÔNIO CLÁUDIO DA COSTA MACHADO, em sua obra apontada. Há países cujas Constituições dispensam tratamento restrito ao MP, a exemplo da Holanda e da Bélgica. Há, entretanto, textos outros que dispensam minúcias relativas à Instituição, como é o caso da Constituição Paraguaia.
No Brasil, o Ministério Público tem sede constitucional, sendo que a sua função primordial de órgão defensor da ordem jurídica e do regime democrático foi consolidada com a Carta de 1988. Antes, o MP tinha, inclusive, a função anômala de representação judicial da União, o que se revelava uma contradição em si mesma, cujo erro histórico só foi remediado com a última Constituição. Hoje, contudo, resta impostergável a concepção do Parquet como instituição defensora dos interesses indisponíveis da sociedade.
Nesse breve passeio histórico percebemos, sem grande esforço intelectivo, que, muito embora a Instituição tenha raízes históricas, sua concepção moderna, no Brasil, é adolescente, impúbere, pois remonta ao ano de 1988.
Pois bem, o art. 82 do Código de Processo Civil assim dispõe:
"Art. 82. Compete ao Ministério Público intervir:
I – nas causas em que há interesses de incapazes;
II – nas causas concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposições de última vontade;
III – nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural e nas demais causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte."
Junte-se a este dispositivo o art. 127 da Constituição Federal, in verbis:
"O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbido-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis."
A partir da leitura dos artigos acima referidos é que o debate ganha vida. Explica-se. O art. 82, inc. III, impõe a intervenção do Ministério Público quando houver interesse público evidenciado pela natureza da lide ou pela qualidade da parte.
Nesse diapasão, um questionamento se impõe: Afinal, o que é interesse público? [7]
O termo "interesse público" não comporta, ao meu sentir, uma definição magnânima. Inclusive, os doutos já enfrentaram a questão, tendo o mestre baiano CALMON DE PASSOS [8] assim se manifestado: "todas as colocações em torno do conceito de interesse público pecam pela imprecisão e pela excessiva generalidade" [9].
Razão assiste ao mestre. Não se pode resgatar, do termo em questão – "interesse público", uma definição última, pois os vocábulos de conceito aberto e a hermenêutica não são verso e anverso de uma mesma moeda.
Nestes termos, a solução encontrada é interpretar o citado art. 82 do CPC de acordo com o também citado art. 127 da CF, em obediência à pirâmide proposta por Kelsen. Assim, a leitura dos dispositivos em tela deve ser feita a partir da Constituição para, depois, alcançar a legislação ordinária – no caso, o CPC.
Assim, quando o legislador infraconstitucional fala em interesse público, o intérprete deve amolda-lo ao interesse social reclamado pelo art. 127 da Carta Política de 88.
É de se ver, ainda, que a leitura das atividades ministeriais deve ser dada de acordo com o perfil constitucional traçado pela Carta de 88. Assim é que o Ministério Público, no exercício de suas funções, não deve se desgarrar do contorno traçado pela Constituição, de órgão incumbido da defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
Ora, pelo que se vê, doar ao Ministério Público feições outras que não as de defesa de interesses eminentemente sociais, parece-me um lamentável retrocesso histórico. Isto porque, se, antes, a Instituição serviu, inclusive, para a representação da União, hoje, ela está atrelada apenas e tão-somente aos interesses da sociedade como um todo.
No mais, se a Constituição assegurou ao Ministério Público uma série de atribuições (vide art. 129), é porque emprestou à referida instituição poderes expressos e implícitos [10] para alcançar o seu mister. Nestes termos, se a CF deu ao MP uma série de atribuições institucionais, deve o órgão (e seus Agentes) adaptar as suas atividades para o atingimento das funções eminentemente sociais traçadas pela Constituição. Caso contrário, os artigos relativos ao Parquet se configurarão, lamentavelmente, em letra morta, relíquias históricas.
Assim, se os mecanismos de atuação do MP devem se adequar ao quanto exposto na Constituição Federal, deve o órgão repensar e racionalizar as suas atividades, com o objetivo de se adequar ao comando constitucional.
É nessa esteira de raciocínio que uma outra indagação se impõe: Quando deve o Ministério Público intervir, no processo civil, com base no interesse público evidenciado pela qualidade da parte ou pela natureza da lide?
Penso, modestamente, que a resposta – se é que ela existe - deve ser concebida a partir da leitura do texto constitucional.
Assim, seria necessária a intervenção do MP em ações que envolvam interesses meramente patrimoniais da Fazenda Pública? Há interesse público, nestes casos?
A questão impõe alguns comentários. A princípio, é de se perguntar: A presença da Fazenda Pública em um dos pólos da ação evidencia interesse público em debate? Penso que sim. Mas, genericamente, há interesse público não só neste caso, como, de resto, em muitos outros. Assim, a título de exemplo, um litígio particular envolvendo questão patrimonial revela interesse público? Genericamente, sim. Ou há dúvidas de que o cumprimento da lei, o atingimento da justiça, a composição dos litígios revelam interesse público? Vê-se, de passagem, que encontrar interesse público em um processo é tão fácil quanto encontrar água em um rio, pois ganharia um Nobel às avessas quem não o enxergasse, genericamente, nas lides forenses. O que se tem em conta, entretanto, é que o interesse público que impõe a intervenção ministerial é aquele que tem repercussão social e diga respeito à sociedade como um todo.
O que se deve ter em vista é que a visão de se atrelar o interesse público aos interesses da Fazenda é, no nosso modesto sentir, ultrapassada [11]. Isto porque o interesse público não se resume aos apelos e anseios do Estado, antes sobre ele se manifesta, pois as ambições estatais não se confundem com a terminologia in natura de "interesse público", ainda que esta continue sendo pagã, vagando pelo campo filosófico.
Nesse diapasão é que novos estudos estão surgindo, propondo a racionalização da intervenção do Ministério Público no Processo Civil. O Dr. SÉRGIO NEVES COELHO, em artigo publicado no site da CONAMP [12], assevera, com pena de mestre: "Daí, afigura-se aconselhável busque o novo Ministério Público, de milênio e século que ora se iniciam, a devida racionalização de sua competência [13], adequando-a ao melhor entendimento dos interesses da sociedade".
O raciocínio do citado Autor é perfeitamente amoldável às modestas palavras que introduziram esse estudo. Se o MP tem uma série de atribuições constitucionais a alcançar, deve fazê-lo de forma racional, enfrentando as questões que realmente se amoldem ao seu novo perfil constitucional, buscando velar interesses da sociedade como um todo, e não interesses que, embora nobres, tenham reflexos apenas patrimoniais, ainda que da Fazenda Pública.
Assim, nesse contexto, o Dr. SÉRGIO NEVES COELHO põe fim ao seu entendimento, com o qual compartilho letra a letra: "Destarte, cumpre ao Ministério Público eleger prioridades para a consecução de seu fim, atuando nos feitos em que realmente haja interesse público a ser velado pela Instituição" (grifou-se).
Junte-se a tais comentários o entendimento do Dr. MARCELO FERRA DE CARVALHO, consignado em artigo que assina no site da AMMP (www.ammp.com.br):
"Seria esta atuação compatível com a função constitucional do Ministério Público? A presença na lide de uma pessoa jurídica de direito público torna obrigatória a intervenção ministerial?
Prima facie, devemos observar que o interesse público, que o legislador referiu-se, está relacionado com o interesse geral da coletividade, vinculado aos fins sociais e às exigências do bem comum.
Não devemos jamais confundir interesse público com interesse de pessoa jurídica de direito público, pois estaríamos voltando ao tempo em que os interesses da Fazenda Pública eram defendidos em juízo pelo Ministério Público."
Adiante, finaliza o referido autor:
"Então, não obstante a falta de amparo legal, a intervenção do Ministério Público é totalmente desnecessária, tendo a própria lei zelado de forma especial pelos interesses da Fazenda Pública.
A favor da Fazenda Pública podemos citar: prazos ampliados (CPC; 188), a revelia não produz seus efeitos (CPC; 320, II) e a sentença desfavorável deve ser confirmada pelo Tribunal (CPC; 475, II).
(...)
Portanto, o Ministério Público deve evitar atuar desnecessariamente em certos processos e preocupar-se em assumir o novo perfil que lhe foi dado pelo texto constitucional, na defesa dos interesses difusos e coletivos."
Inclusive, em ações que exigem expressamente a participação do MP, como, p. ex., o Mandado de Segurança [14], a atuação ministerial já vem sendo mitigada pela doutrina e pela jurisprudência.
Assim, a intervenção ministerial no MS, muito embora a exigência legal quanto à participação do Parquet, tem sido, também, mitigada, partindo-se da necessidade de se aferir o interesse da coletividade, no writ, nos moldes do judicio de amparo do direito mexicano.
A jurisprudência tem seguido a mesma orientação, como se pode ver no voto [15] do Ministro Gomes de Barros, do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, no Resp n.º 9.279:
"Com efeito, imagine-se alguém, titular de pretensão de comprar um imóvel funcional. Esta pessoa terá a seu dispor dois caminhos – ambos, conduzindo à satisfação de seu direito: O Mandado de Segurança e o procedimento ordinário.
Se optar pela via expedita do Mandado de Segurança, haverá interesse público a reclamar pronunciamento do MP.
Se, não obstante, preferir o procedimento ordinário, a manifestação do MP torna-se dispensável – como se o interesse público desaparecesse com a troca de ritos. Ou como se o interesse público fosse no retardamento do remédio constitucional."
Esse entendimento é corroborado pela cisão doutrinária do conceito de interesse público em primário e secundário. A doutrina, nesse contexto, distingue os interesses públicos propriamente ditos – aqueles interesses primários do Estado, dos chamados interesses secundários, destacando-se, entre os doutos, as lições de Renato Alessi, de Carnelutti e de Picardi.
RENATO ALESI, lembrado pelo Prof. HUGO NIGRO MAZZILLI [16], faz interessante distinção entre os tipos de interesse. Para o professor da Escola Paulista, "Renato Alesi distinguiu o interesse público primário (o interesse do bem geral) do secundário (o modo pelo qual os órgãos da administração vêem o interesse público). Nem sempre o governante atende o real interesse da comunidade. O interesse público primário é o interesse social (o interesse da sociedade ou da coletividade com um todo)".
O mestre BANDEIRA DE MELLO, em festejada obra de sua autoria [17], revela entendimento similar:
"Também assim melhor se compreenderá a distinção corrente da doutrina italiana entre interesses públicos ou interesses primários – que são os interesses da coletividade como um todo – e interesses secundários, que o Estado (pelo só fato de ser sujeito de direitos) poderia ter como qualquer outra pessoa, isto é, independentemente de sua qualidade de servidor de interesses de terceiros: os da coletividade."
A partir dessa interessante classificação, poder-se-ia afirmar que o interesse que justifica a atuação ministerial é, estreme de dúvidas, o interesse primário.
Até mesmo em ações em que, antes, não se questionava a intervenção ministerial, hoje, contudo, tal passividade inexiste. Assim, ações como a de separação judicial e a de divórcio já reclamam, hodiernamente, nova assimilação, ao menos no entendimento de alguns [18]. O Dr. SÉRGIO NEVES COELHO assevera, por exemplo, no artigo citado, que "Nas ações de separação judicial e divórcio o Ministério Público só intervirará se houver interesses de incapazes ou de filhos menores".
O que se percebe, desde já, é que a intervenção ministerial, na qualidade de custos legis, em causas de reduzida repercussão social, não se coaduna com o perfil constitucional traçado para o MP: perfil de instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbido da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da CF).
Há a alegação de que o interesse, mesmo que patrimonial, da Fazenda, acaba por repercutir na sociedade com um todo, o que ensejaria a intervenção ministerial. Porém, a própria jurisprudência se encarregou de afastar a procedência de tal argumento, como de vê nos seguintes julgados:
"A intervenção do Ministério Público, como custos legis, é obrigatória, a teor do disposto no art. 82, III, do CPC, quando na causa há interesse público. A presença no pólo passivo de pessoa jurídica de direito público, entretanto, não determina, por si só, a intervenção do Ministério Público." (RESP 64.073-RS, 3ª turma, rel. Min. Costa Leite, DJ em 12/05/97)
"REEXAME NECESSÁRIO - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - RESCISÃO UNILATERAL DE CONTRATO POR PARTE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - INTERVENÇÃO OBRIGATÓRIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO - INTERESSE PATRIMONIAL DA FAZENDA PÚBLICA X INTERESSE PÚBLICO - LUCROS CESSANTES NÃO COMPROVADOS. I - Inexistindo interesse público na ação e sim interesse patrimonial da Fazenda Pública, injustificável a intervenção do Ministério Público. II - Quando não há culpa do contratado, estabelece a lei o ressarcimento dos prejuízos regularmente comprovados que houver sofrido, com também a devolução da garantia, pagamentos devidos pela execução do contrato até a data da rescisão, pagamento dos custos de desmobilização (art. 79, §2º, I,II e III). III - Não havendo prova cabal dos lucros cessantes deve-se indeferir este pedido, sob pena de enriquecimento sem causa. IV- Reforma parcial da sentença. V- Decisão unânime." (Proc. nº 200120082)
Foi nesse terreno fértil de discussões que o STJ, na esteira do tema em debate, apresentou a Súmula 189, com o seguinte teor: "É desnecessária a intervenção do Ministério Público nas execuções fiscais".
Ora, se nas execuções fiscais a intervenção ministerial se faz desnecessária, por que razões charadísticas – na feliz expressão do mestre TOURINHO FILHO – deve o Parquet intervir em ações de conhecimento pela simples presença da Fazenda Pública em um dos pólos da ação?
Outro argumento utilizado por aqueles que defendem a intervenção genérica do MP no processo civil é o de que pode haver conluio ou qualquer outro desvio ético que acabe, no processo em que faça parte a Fazenda, havendo prejuízo generalizado a toda coletividade.
Tal argumento, embora sedutor, não convence. Primeiramente, a Fazenda, seja a Municipal, ou seja a Estadual, tem representação própria. No mais, a fiscalização nos processos em que ela seja parte é muito mais rigorosa, mesmo porque há o duplo grau de jurisdição, previsto no art. 475, II, do CPC, havendo o reexame compulsório das decisões que lhe são desfavoráveis.
No mais, tal argumento parte de uma premissa pouco ortodoxa, entendendo-se, inadvertidamente, que a intervenção ministerial velaria pela ética do processo, como se os princípios éticos – filosóficos, diga-se de passagem – não pudessem ser observados e imunizados pelas partes e pelo magistrado, afora o reexame necessário em casos assim.
Por fim, o art. 129, IX, da CF arrola as atribuições do MP, fazendo, entretanto, uma ressalva. Assim, o legislador constituinte deixou consignado ser atribuição do MP "exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidade públicas" (grifou-se) [19].
O certo é que todos esses argumentos que procuram alargar, em demasia, a atuação ministerial são derrubados pela jurisprudência [20] e pela doutrina. CAMARGO FERRAZ E GUIMARÃES JÚNIOR [21], v.g., assim se manifestam: "Parece claro, no entanto, que não é todo interesse público que merece a atenção do Parquet. O interesse público que existe na correta aplicação da lei pelo Juiz, presente em todos os processos, não é, por exemplo, suficiente para ensejar a intervenção ministerial".
O Prof. Humberto Dalla [22], por seu turno, consigna o seu entendimento:
"É necessário, portanto, em primeiro lugar, identificar as prioridades do Ministério Público.
Nesse sentido, levando-se em conta toda a carga desse trabalho, somos de opinião que a atuação do Ministério Público deve ser polarizada e dirigida sempre ao interesse social, quer no processo penal, quer no processo civil.
Não há correções a se fazer ao texto constitucional, mas sim às leis federais e estaduais, que acometem dezenas de funções administrativas e burocráticas ao Parquet, impedindo sua maior dedicação aos interesses sociais.
Desse modo, propomos a adoção das funções institucionais do Parquet, assim como definidas no artigo 129 da Constituição da República, dentro de uma perspectiva de atuação racionalizada."
Mais adiante, o referido Professor põe termo à celeuma criada, nos termos que seguem:
"De se consignar que diversas propostas vêm sendo apresentadas em sede doutrinária a fim de alcançar uma solução de racionalização da intervenção do Ministério Público no direito processual civil brasileiro. Registramos, especialmente, a tese de Ronaldo Porto Macedo Jr., apresentada no XIII Congresso Nacional do Ministério Público. Segundo o autor, o artigo 82 do C.P.C. deveria ser alterado a fim de que nele fosse disposto o seguinte:
‘Art. 82. Compete ao Ministério Público intervir:
I – Nas causas em que há interesse de incapazes;
II – Nas causas concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposição de última vontade.
III – nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural e nas demais causas em que há interesse social ou individual indisponível.
Parágrafo único – Na hipótese do inciso III, caberá ao Ministério Público o reconhecimento da existência do interesse social bem como a avaliação da indisponibilidade do interesse individual protegido.
Parágrafo segundo – Caberá a órgão da administração superior do Ministério Público, definido em lei, emitir súmulas normativas relativas a hipóteses de intervenção referida no parágrafo anterior.
Parágrafo terceiro – Se o órgão do Ministério Público deixar de intervir em caso concreto por entender inexistir o interesse social e o juiz, no caso considerar as razões invocadas improcedentes ou contrárias às súmulas sobre intervenção fixadas pelos órgão da administração superior referido no parágrafo anterior, fará a remessa do processo ou de peças de informação ao procurador geral que, nos termos da lei, designará outro promotor de justiça para oficiar no feito ou insistirá no posicionamento de não intervir, ao qual estará o juiz obrigado a atender’".
De igual contexto é o pensamento do Dr. JOÃO LOPES GUIMARÃES JR. [23]:
"Deve o Ministério Público, então, zelar apenas pelo interesse público que se apresenta como mais relevante, porque relevantes são suas incumbências constitucionais. Assim, se ao Parquet incumbe "a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, e dos interesses sociais e individuais indisponíveis", apenas o interesse público qualificado deve merecer sua fiscalização no processo civil, sob pena de um perigoso desvirtuamento da missão constitucional da Instituição, que parece ser a de autêntica alavanca, procurando sempre a efetiva aplicação da lei para propiciar o fortalecimento do Estado de Direito e a pacificação social" (grifou-se).
O mesmo professor [24] continua, com magistral linha argumentativa:
"É preemente uma profunda revisão nas atribuições cíveis do promotor de justiça. Se temos hoje um novo perfil de Ministério Público desenhado na Constituição Federal, cabe indagar se ele é compatível com funções mais antigas e até tradicionais.
Para robustecer mais ainda a reflexão a que se convida, ao menos em sede doutrinária, transcrevemos, mais uma vez, as lições do Dr. MARCELO FERRA DE CARVALHO, consignadas em artigo que assina no site da AMMP (www.ammp.com.br), ocupando-se, agora, em colher as opiniões dos doutos:
"Comungando do mesmo pensamento, o mestre José Frederico Marques afirma que ‘numa ação em que figure a União, o Estado, o Município, ou outra pessoa jurídica de direito público, a qualidade do litigante não é de molde a justificar a intervenção do custos legis.’
Diz Arruda Alvim: ‘o que incumbe ao Ministério Público é a defesa dos interesses públicos da sociedade e não interesses do Estado, ou imanentes do Estado, considerado como pessoa jurídica.’
Assevera Sérgio Fadel que ‘interesse público está aí por interesse geral, não na eventual procedência ou improcedência da pretensão da pessoa jurídica de direito público (como na execução fiscal, ou na ação movida contra a Fazenda), mas sim no resultado da demanda, abstraídas outras circunstâncias, qualquer que seja ele.’"
Parece-me, assim, que a ratio legis do art. 82 é conferir atribuição ao Ministério Público em larga escala, de forma não casuística, ao menos no inc. III. Entretanto, a leitura da legislação infraconstitucional deve ser feita a partir da Constituição Federal, e não ao contrário, sob pena de invertermos a pirâmide proposta por Kelsen.
O certo é que a atividade do Ministério Público não pode ser desvirtuada [25], mais ainda quando se extrai o seu sumo elementar do texto constitucional, no sentido de que o MP tem como função precípua salvaguardar interesses relacionados à comunidade como um todo.
Assim sendo, longe de querer encerrar o debate, mas, antes, apenas com a intenção de, modestamente, fomentar as discussões, foi proposto o presente estudo. Outros já foram produzidos, com bem mais brilhantismo, mas cada um deve doar a sua contribuição, ainda que modesta, para o aperfeiçoamento das instituições.
A bem da verdade, as conclusões nem sempre são uniformes. O Dr. MARCELO FERRA DE CARVALHO [26], v.g., finda seu raciocínio, no artigo que assina, com certa acidez nas palavras:
"O Ministério Público deve racionalizar sua atuação nos processos cíveis, priorizando a defesa dos interesses difusos e coletivos, defendendo prioritariamente os interesses das parcelas menos favorecidas da população, a qual deve ter na instituição o seu principal defensor.
Ao intervir pela simples presença da Fazenda Pública, terá o Ministério Público uma única função: ASSESSORAR OS MAGISTRADOS."
É bom deixar claro, não obstante, que muitas são as vozes que advogam entendimento diverso. O Prof. ANTÔNIO CLÁUDIO DA COSTA MACHADO [27], v.g., assim se manifesta: "Como vimos, a emenda apresentada pelo deputado paulista que gerou a redação atual do dispositivo em estudo teve inequívoca inspiração na idéia de tornar obrigatória a intervenção do Ministério Público em todos os processos em que se figurassem como partes quaisquer das pessoas jurídicas de direitos público interno".
Não se espera, assim, tolher o Ministério Público de suas importantes missões legais. Há que se questionar, contudo, se o comando constitucional não reclama uma atuação ministerial mais seletiva, mais coletiva e – por que não? – mais comprometida com os conclames sociais.
Como bem disse Glauber M. Talavera [28], "Não façamos da democracia um sistema que recusa a perfeição e faz da mediocridade um ideal social, violentando e envenenando a liberdade humana, sobretudo diante da língua serpentina daqueles que entorpecem nosso País, buscando o prazer disfarçado com o álibi profilático da ação cívica moralizadora".
No mais, como cantarolou poeta (leia-se, Caetano Veloso), "Eu não espero pelo dia em todos os homens concordem. Apenas sei de diversas harmonias bonitas e possíveis sem o juízo final".
De qualquer sorte, parece-me que a última voz a respeito da intervenção deve partir do próprio Ministério Público, a quem cabe a última palavra em sede de participação processual na qualidade de custos legis, como consectário lógico do entendimento de que é ele o encarregado "da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis".
Que se manifestem os doutos.