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Direito Internacional Privado.

Parte Geral

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O Direito Internacional Privado regula conflitos de leis em relações jurídico-privadas internacionais, rejeitando a teoria da territorialidade.

1. Introdução

1.1. Noção e objecto

«O Direito Internacional Privado é o ramo da ciência jurídica onde se definem os princípios, se formulam os critérios, se estabelecem as normas a que deve obedecer a busca de soluções adequadas para os conflitos emergentes de relações jurídico-privadas internacionais».

Nas palavras de FERRER CORREIA, o DIP é o «ramo da ciência jurídica onde se procuram formular os princípios e regras conducentes à determinação da lei ou das leis aplicáveis às questões emergentes das relações jurídico-privadas de carácter internacional e, bem assim, assegurar o reconhecimento no Estado do foro das situações jurídicas puramente internas de questões situadas na órbita de um único sistema de Direito estrangeiro (situações internacionais de conexão única, situações relativamente internacionais)».

O Direito, assim como ensina NORBERTO BOBBIO, regula, geralmente, relações intersubjectivas em que os respectivos sujeitos são cidadãos do mesmo Estado e o seu objecto (coisa ou prestação) pertence ao território deste Estado (ou é nesse Estado que a prestação deve ser cumprida). A grande maioria dos casos que em determinado país chegam a solicitar a intervenção dos órgãos e agentes do Estado incumbidos da aplicação do Direito, pertencem inteiramente à vida jurídica interna desse país, não se levantando aqui, portanto, qualquer dúvida acerca do ordenamento jurídico estadual que ao caso deve ser aplicado.

Contudo, as coisas nem sempre se passam assim. Nem todos os factos e processos do comércio jurídico-privado decorrem inteiramente no âmbito de uma só comunidade estadual, e isso porque a origem de todos ou quase todos os problemas do DIP resulta da existência de:

  • trocas internacionais → comércio jurídico internacional

  • correntes migratórias entre os Estados → deslocação de pessoas

Mas o que fazer ou que norma aplicar quando um dos sujeitos da relação for estrangeiro ou quando a coisa objecto da relação jurídica se encontra em um outro Estado?

Como vimos, o DIP se ocupa das relações plurilocalizadas, ou seja, daquelas relações que, correspondendo a uma actividade que não se comporta nas fronteiras de um único Estado, entram em contacto, através dos seus elementos (sujeitos, objecto, facto jurídico, garantia), com diversos ordenamentos jurídicos.

Dada a conexão existente entre essas relações (através dos seus elementos) e várias ordens jurídicas não seria, decerto, boa solução sujeitá-las sempre e sem mais exame à autoridade do direito local, mas, de outro modo (e como é natural) deve escolher-se, dentre as ordens jurídicas que com a relação entram em contacto, a que lhe seja mais próxima ― aquela ordem jurídica que com a relação tenha um contacto mais forte ou mais estreito.

Não obstante o que ficou dito, parte da doutrina sustentou que nada obrigava a que os tribunais de um Estado, quando chamados a conhecer de um conflito emergente de uma relação jurídico-privada com carácter internacional, tivessem de encarar a possibilidade de, para ela, encontrar uma regulamentação diferente daquela que directamente resultasse do seu direito interno. É esta a chamada teoria da territorialidade que consagrou o princípio da territorialidade das leis.

Uma tal teoria, contudo, já desde a Escola Estatutária foi negada e, quanto a nós, também achamos que deve ser rejeitada, pois a aplicação da «lex fori materialis» (da lei do foro) a quaisquer factos e situações que lhe sejam estranhos (ou seja, que não tenham com ela qualquer conexão espacial), violaria gravemente o princípio universal do direito segundo o qual, visando a norma jurídica regular os comportamentos humanos que se desenvolvem no seio de uma sociedade, não poderá considerar-se aplicável a condutas que se situem fora da sua esfera de eficácia (fora, portanto, do alcance do seu preceito), e isso quer em razão do tempo (princípio da irretroactividade das leis), quer em razão do lugar onde se verificam (princípio da não transactividade das leis).

O princípio da não transactividade das leis, portanto, consiste no princípio segundo o qual nenhuma lei ― a do foro ou qualquer outra ― deve considerar-se aplicável a um facto ou situação que não se acha (por qualquer dos seus elementos) em contacto com ela. O não acatamento deste princípio universal de direito traria inevitavelmente consigo o perigo da ofensa de direitos adquiridos ou de expectativas legítimas dos indivíduos.

A denominação deste ramo como «Direito Internacional Privado» ficou assente por influência de uma obra intitulada «Traité du Droit International Privé» de FOELIX em 1843. É esta a denominação que veio a prevalecer nos países da Europa Continental e América Latina, contudo, nos países anglo-americanos prevaleceu a denominação «Conflito de Leis», assim como denominavam os estatutários holandeses e alemães e também JOSEPH STORY.

1.2. A noção de limites da lei

As normas jurídicas, como normas de conduta que são, vêem o seu âmbito de eficácia limitado pelos factores tempo e espaço:

  • não podem, por um lado, ter a pretensão de regular os factos que se passaram antes de sua entrada em vigor;

  • nem, por outro lado, os que se passem ou se passaram sem qualquer contacto com o Estado que as editou.

Ou seja, o ordenamento jurídico de um Estado não pode chamar a si a orientação daquelas condutas que se passaram para além da sua possível esfera de influência. Há que respeitar-se os direitos adquiridos ou situações jurídicas constituídas à sombra da lei eficaz, isto é, da lei sob cujo império ou dentro de cujo âmbito de eficácia o direito foi adquirido ou a situação jurídica se constituiu, dado que a natural expectativa dos indivíduos na continuidade e estabilidade das suas relações jurídicas ou direitos é um pressuposto fundamental da existência do Direito como ordem implantada na vida humana de relação.

1.3. Princípio da territorialidade

A colocação do problema da lei estadual aplicável ou da lei competente para reger as relações jurídicas privadas internacionais não parece como algo de inevitável.

Já vimos que parte da doutrina sustentou que nada obrigava a que os tribunais de um Estado, quando chamados a conhecer de um conflito emergente de uma relação jurídico-privada de carácter internacional, tivessem, só por isso, de encarar a possibilidade de para elas encontrar uma solução diferente daquela que directamente resultasse do seu próprio ordenamento jurídico.

O princípio da territorialidade, portanto, é aquele segundo o qual os tribunais de um país devem aplicar sempre, sejam quais forem as circunstâncias do caso «sub judice», as leis vigentes nesse país, e isso porque:

  • é de presumir que o conjunto das leis vigentes (o ordenamento jurídico) nesse país é bom e justo; e

  • é este o sistema que melhor poderá garantir o acerto das decisões judiciais, pois «a possibilidade de erro judiciário redobra logo que o juiz deixe de pisar o chão firme dos princípios e instituições do direito pátrio».

Contudo, os inconvenientes deste arcaico sistema em que encontrava plena aplicação o princípio da territorialidade das leis («omnia statuta realia») superam em muito suas vantagens:

  • aplicar o direito do Estado do foro neste tipo de situações poderá levar a uma solução de todo imprevisível para as partes no momento da celebração ou constituição da relação jurídica.

É forçosa, e postulada pela própria natureza das coisas, a colocação do problema da lei aplicável para todas e quaisquer relações com elementos internacionais.

É de elementar justiça que toda a relação da vida social seja apreciada, onde quer que tal se faça necessário, em função dos preceitos da lei competente.

Os Estados formam uma comunidade internacional, e o reconhecimento e respeito que mutuamente se devem tributar bem poderão abranger as respectivas instituições civis. As divergências entre estas não traduzem, em regra, qualquer autêntico desnível de civilização, que faça aparecer como insuportável no Estado do foro a aceitação e a aplicação de leis estranhas à sua ordem jurídica.

Contudo, é por uma consideração fundamental dos interesses dos indivíduos, e não do interesse e soberania dos Estados, que as leis civis devem ser reconhecidas e aplicadas além fronteiras. Em DIP são os interesses relativos dos indivíduos que constituem a dimensão preponderante.

1.4. Tipos de situações jurídicas

1.4.1. Situações puramente internas

Neste primeiro caso, todos os elementos de contacto ou de conexão relevantes de uma relação jurídica (sujeitos, objecto, facto jurídico) referem-se ao mesmo ordenamento jurídico que é o ordenamento jurídico local (v.g.: um contrato de mútuo celebrado em Portugal entre dois portugueses e para ser executado em Portugal).

Aqui, naturalmente, ao órgão português de aplicação do direito não se coloca qualquer problema de determinação da lei estadual aplicável ― esta lei há-de ser, obviamente, a lei portuguesa.

1.4.2. Situações internacionais plurilocalizadas

As situações internacionais plurilocalizadas podem ser de dois tipos:

  • situações relativamente internacionais; e

  • situações absolutamente internacionais

a)Situações relativamente internacionais: dizem respeito a todos os factos que apresentam pontos de contacto ou conexão com um único ordenamento jurídico que, todavia, não é o ordenamento jurídico do foro chamado a conhecer da questão controvertida.

Também aqui não se põe o problema da determinação da lei estadual aplicável, pois, por respeito ao princípio da não transactividade, apenas poderá ser aplicada ao caso a lei do único ordenamento jurídico que com a relação jurídica em causa apresenta um ponto de contacto ou de conexão (vg.: A, francês, é casado com B, também de nacionalidade francesa; residem em França e discutem em Portugal a propriedade de um imóvel situado em França). Qual a lei a aplicar? Por respeito ao princípio da não transactividade, a única lei aplicável ao caso é a lei francesa.

b)Situações absolutamente internacionais: englobam-se neste caso todos os factos que apresentam pontos de contacto ou conexão com vários ordenamentos jurídicos (vg.: comerciante português conclui em Inglaterra um contrato com um inglês).

Apenas neste último caso coloca-se verdadeiramente o problema da determinação da lei estadual aplicável («choice of law»), visto serem duas ou mais as leis em contacto com a situação.

Neste segundo tipo de situações internacionais, o princípio da não transactividade assume uma dupla função:

  • por um lado, exclui todos os ordenamentos jurídicos que não apresentam pontos de contacto ou conexão com a situação em causa, não podendo, portanto, ser aplicados ― dimensão negativa do princípio da não transactividade das leis; e

  • por outro lado, delimita os ordenamentos jurídicos potencialmente aplicáveis ― dimensão positiva do princípio da não transactividade das leis.

Contudo, quando estamos perante uma situação absolutamente internacional, a simples aplicação do princípio da não transactividade das leis, por si só, não basta. Após a realização desta tarefa de delimitar os ordenamentos jurídicos estaduais potencialmente aplicáveis a uma dada situação absolutamente internacional, temos ainda que fazer intervir uma especial regra de conflitos capaz de dirimir o concurso entre as leis aplicáveis, e dirima este concurso ou conflito tendo em atenção o ponto de contacto ou de conexão entre os ordenamentos jurídicos em concurso e os factos que exigem uma solução (segundo momento do DIP.) ― há que atender à conexão entre as leis potencialmente aplicáveis e os factos através do lugar da sua verificação, à sede das pessoas e à situação da coisa ou outros elementos de conexão da maior relevância.

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Distingue-se, assim, o DIP do direito transitório (ou intertemporal), pois, enquanto o DIP tem por objecto os conflitos de leis no espaço, o direito transitório dirime os conflitos de normas jurídicas no tempo. Por outras palavras, enquanto o direito intertemporal ou transitório trata de um problema relativo à dinâmica das leis, o DIP. trata de um problema relativo à dinâmica de relações jurídicas.

1.5. Modo de funcionamento do DIP.:

Ao contrário dos outros ramos de direito que são integrados por normas materiais, o DIP é integrado por normas secundárias ou indirectas (normas instrumentais) denominadas «regras de conflitos».

Regras de conflitos: propõem-se a resolver um problema de concurso entre preceitos jurídico-materiais procedentes de diversos sistemas de direito e realizam esta função remetendo para um determinado ordenamento jurídico designado competente por um determinado elemento operativo e será este o ordenamento jurídico competente que solucionará em termos materiais aquele litígio. Logo, há aqui um processo indirecto de remissão.

O processo normalmente adoptado pelo DIP para regular as relações jurídicas do comércio privado internacional é o processo próprio do Direito de Conflitos, ou seja, ao invés de regular directa ou materialmente a relação, adopta um processo indirecto de remissão que consiste em determinar a lei ou as leis que hão de reger a relação jurídica «sub judice». Por isso é que se diz que o DIP é integrado por normas secundárias ou indirectas.


Direito de Conflitos

Localização no tempo (Direito Intertemporal)

Localização no espaço (DIP.)

Direitos de conexão: a conexão dos factos com os sistemas jurídicos é que constitui o dado determinante (facto operativo ou facto jurídico) básico de aplicabilidade dos mesmos sistemas jurídicos.

A regra básica de todo o Direito de Conflitos é que a quaisquer factos aplicam-se as leis ― e só se aplicam as leis ― que com eles se achem em contacto. É esta a formula que nos dá o âmbito de eficácia possível de qualquer lei.

Toda a lei, como regra de dever ou regra de conduta, encontra limites espácio-temporais ao seu âmbito de eficácia. É isto que se pretende dizer quando se fala na relatividade espácio-temporal da concepção de justiça de qualquer sistema jurídico, a propósito da razão de ser do Direito de Conflitos.

Princípio do reconhecimento e aplicação das leis estrangeiras: nenhuma legislação hoje existe que se pretenda fazer valer, sem excepção, para todos os factos e relações do comércio jurídico. Não há Estado que não consinta em excluir do âmbito de aplicação das suas normas de direito privado determinadas categorias de relações e de factos (que tendem a ser tantos quanto os que se situam fora dos limites da vida jurídica local) para os sujeitar a critérios valorativos de outros sistemas jurídicos. É esta uma prática antiga e comum das nações ― norma de Direito Internacional positivo consuetudinário.

A determinação da lei aplicável ao caso «sub judice» decorre, por vezes, directa ou imediatamente daquele princípio segundo o qual, visando as normas jurídicas regulamentar os comportamentos humanos que se desenvolvem no seio de uma sociedade, não poderão considerar-se aplicáveis a condutas que se situem fora da sua esfera de aplicação (fora, portanto, do alcance do seu preceito) quer em razão do tempo (princípio da irretroactividade das leis), quer em razão do espaço (princípio da não transactividade das leis). Ora, como se sabe, no caso das situações relativamente internacionais, ou seja, no caso daquelas situações que apresentam pontos de contacto com um único ordenamento jurídico, a simples aplicação do princípio da não transactividade das leis, por si só, opera a determinação do ordenamento jurídico competente para regular materialmente o caso «sub judice».

Quando, porém, se trata de uma situação absolutamente internacional, a simples aplicação do princípio da não transactividade das leis, por si só, não basta. Nestes casos, o dito princípio só operará num primeiro momento, pois, através da sua dimensão negativa, o princípio da não transactividade excluirá a possibilidade de aplicação de ordenamentos jurídicos que com a situação concreta não apresentam qualquer ponto de contacto ou de conexão e, através da sua dimensão positiva, o princípio da não transactividade determinará os ordenamentos jurídicos potencialmente aplicáveis ao caso «sub judice».

Vimos, assim, que perante uma situação absolutamente internacional, a aplicação do princípio da não transactividade das leis apenas delimita os ordenamentos jurídicos potencialmente aplicáveis ao caso; deste modo, o próximo passo segundo momento do DIP.) será determinar qual destes ordenamentos jurídicos deverá ser efectivamente aplicado ao caso, o que se faz através do recurso a uma especial regra de conflitos.

O que a regra de conflitos faz é destacar ou privilegiar um dos pontos de contacto ou de conexão, determinando como aplicável a lei para a qual essa conexão aponte.

Verifica-se que a conexão privilegiada será hora uma, hora outra, conforme o domínio ou matéria jurídica em causa. Assim, por exemplo, se estivermos perante um caso relativo ao estatuto pessoal do sujeito (direitos de personalidade, estado e capacidade, relações de família, sucessões «mortis causa»), dar-se-á preferência a uma conexão pessoal (a nacionalidade ou o domicílio das pessoas interessadas); se a questão a solucionar disser respeito à forma dos actos jurídicos, dar-se-á primazia à conexão «lugar da realização do acto»; e, finalmente, se se tratar de uma questão relativa à constituição ou transferência de direitos reais, privilegiar-se-á a conexão que aponte para o lugar da situação da coisa («lex rei sitae»).

Na estrutura de uma regra de conflitos entram, fundamentalmente, dois elementos:

a)aquele que define o domínio ou matéria jurídica em questão ― trata-se aqui do chamado «conceito quadro»; e

b)aquele que designa o elemento de conexão relevante relativamente ao domínio ou matéria jurídica em questão («conceito quadro») ― aqui temos o chamado «elemento de conexão».

Por exemplo: artigo 46º do Cód. Civ.: «o regime da posse... é definido pela lei do Estado em cujo território as coisas se encontrem situadas».


Direitos Reais

«lex rei sitae»

?

Conceito Quadro

Elemento de conexão

Consequência Jurídica

O elemento de conexão pode referir-se:

a) à pessoa dos sujeitos da relação jurídica;

Conceito quadro

b) ao acto ou facto jurídico encarado em si mesmo; e

c) à coisa objecto da relação ou do negócio jurídico

Logo se vê como a uma mesma relação poderão ser aplicáveis várias leis (vg.: se for uma a lei aplicável à forma e outra à substância do acto), desde que se trate de questões ou problemas jurídicos distintos. A aplicação cumulativa de várias leis, ou seja, a aplicação de regras jurídicas diferentes à mesma questão de direito é que deve ser excluída a fim de evitar antinomias ou contradições normativas.

O conceito quadro é neutro, pois, uma vez que apenas determina o domínio ou matéria jurídica em questão, não designa este ou aquele ordenamento jurídico, mas todos eles.

Relativamente ao elemento de conexão, que é o elemento de regra de conflitos que designa a conexão relevante relativamente ao domínio ou matéria jurídica em questão, como o DIP é um ramo do direito interno («é internacional pelo objecto e estadual pela fonte»), cada um dos Estados procede às suas próprias apreciações quanto às conexões que entendam serem as mais adequadas e mais próximas em termos espaciais para reger as situações jurídicas de carácter internacional, logo, não há (ou pode não haver) coincidência entre as opções conflituais.

Aqui nos surge com extrema relevância o princípio da harmonia jurídica internacional: quanto a um mesmo domínio ou matéria jurídica, todos os Estados deveriam apontar para uma mesma lei, escolhendo, obviamente, um mesmo elemento de conexão. E isto em atenção a certos valores que o DIP visa acautelar, entre eles:

- protecção das expectativas jurídicas legitimamente concebidas pelos indivíduos; e

- protecção da segurança jurídica internacional.

Este princípio, em suma, pretende tutelar a confiança, pois o desejável é que, independentemente do Estado onde a questão se coloque, todos decidam no mesmo sentido.

1.5.1. A negação da regra de conflitos como «prius» metodológico

Costuma-se perguntar relativamente a este ponto:

a) Por que é que a regra de conflitos é uma norma instrumento?

b) Por que é que a regra de conflitos não é um «prius» metodológico?

c) Por que é que o DIP não é um mero somatório de regras de conflitos?

d) O que é o carácter basilar da regra de conflitos?

Na verdade, todas estas questões são equivalentes.

O método do DIP não se resume, em absoluto, no funcionamento das regras de conflitos. Elas não são o vértice, o ponto central («prius») em torno do qual o DIP gravita; o DIP não é um mero somatório de regras de conflitos, pois:

1. As regras de conflitos fundamentam-se em princípios e valores fundamentais de Direito Internacional. É com base em tais princípios que elas ganham o seu carácter. As regras de conflitos vão ganhando o seu substracto com base nos princípios que elas pretendem obviar. É com estes princípios que colmatamos algumas lacunas às quais as regras de conflitos não conseguem dar resposta.

2. Há situações internacionais em que não é necessário recorrer-se a uma regra de conflitos, bastando-nos o funcionamento do princípio da não transactividade (é o que ocorre, já o vimos, com as situações relativamente internacionais). Nas situações relativamente internacionais, já o vimos também, apenas recorrendo a este princípio da não transactividade, limitamos o círculo de leis aplicáveis e chegamos a uma conclusão de qual a lei a ser aplicada, sem necessidade de recorrermos a uma especial regra de conflitos, assim, a regra de conflitos não deve ser entendida como o «prius», o vértice, em torno do qual o DIP gravita.

3. A mais, há situações que vão ser reconhecidas sem que tenham sido constituídas à face da lei considerada competente pela nossa regra de conflitos (v.g.: situação dos direitos adquiridos).

Em nome de interesses basilares do DIP., vamos derrogar a nossa regra de conflitos e vamos reconhecer uma situação constituída com base numa outra regra de conflitos, o que nos leva a concluir que as regras de conflitos não são, assim, tão absolutas.

4.Podem-se divisar outros métodos possíveis para a resolução de questões de DIP., assim como sucede com as normas de DIP material (são métodos alternativos ao DIP conflitual ― v.g.: Convenção de Genebra em matéria de Cheques, Letras e Livranças).

1.6. A «lex fori» como lei do processo

O processo seguido perante os tribunais portugueses é regulado pela lei portuguesa, ainda que ao fundo da causa deva ser aplicada uma lei estrangeira. Isso é assim, pois entende-se que as leis relativas ao rito processual (ao formalismo) não levantam um problema de conflito de leis ― não afectam os direitos substanciais das partes. Em suma, a «lex fori» é, neste caso, de aplicação imediata e territorial.

Contudo, devemos salientar algumas excepções a esta regra:

- as leis sobre prova podem, simultaneamente, afectar o fundo ou substância do direito, por isso devem, para efeitos de conflitos de leis, considerar-se como pertinentes ao direito material ou substancial.

dois tipos de leis sobre prova:

a) Direito probatório formal: refere-se propriamente à actividade do juiz, dos peritos, ou das próprias partes no decurso do processo.

b) Direito probatório material: diz respeito às leis que decidem sobre a admissibilidade deste ou daquele meio de prova, sobre o ónus da prova e sobre as presunções legais. Aos pontos ou questões de direito regulados por este tipo de normas já não se aplica a «lex fori» enquanto «lex fori» (ou seja, enquanto lei reguladora do processo), mas a (s) lei (s) competente (s) para regular o fundo da causa:

+ lei reguladora da forma dos actos;

+ lei reguladora da relação jurídica em litígio;

+ lei reguladora dos actos ou factos aos quais vai ligada a presunção legal.

Importa salientar: a competência da «lex fori» enquanto pura lei de processo não depende de qualquer conexão particular que a ligue à situação jurídica em litígio.

Basta:

- que o tribunal deste Estado seja chamado a decidir a questão;

- que se verifique o pressuposto da competência interna de jurisdição desse Estado; e

- que a acção, de facto, seja posta em movimento.

1.7. Natureza e fontes do DIP

As questões emergentes das relações jurídico-privadas internacionais, das quais se incumbe o DIP., se resolvem, em cada Estado, de acordo com as normas pertencentes à ordem jurídica nele vigente, assim, podemos dizer que o DIP é, todo ele, de fonte estadual. Já vimos a este respeito que o DIP é um ramo do direito interno, sendo que cada Estado procede às suas próprias apreciações quanto ao elemento de conexão que entende mais adequado ou mais próximo em termos espaciais para reger certas situações jurídicas internacionais, podendo, assim, haver (como é comum que haja) grandes divergências nas opções conflituais.

«Internacional pelo objecto, o DIP é direito estadual ou interno pela fonte».

A este respeito pergunta-se: estarão os Estados obrigados a receber na sua ordem jurídica interna as normas de conflitos postuladas pelo Direito Internacional Público geral?

Tem-se, actualmente, considerado que não. Não obstante, alguns autores (dentre os quais KAHN e GUTZWILLER) entendem que os Estados estão obrigados a receber na sua ordem jurídica interna as normas de conflitos postuladas pelo Direito Internacional Público geral. Estariam incluídas neste caso:

a) a regra que declara aplicável aos imóveis a «lex rei sitae»;

b) a regra que, relativamente à forma externa dos contratos, remete para a lei do lugar da celebração do negócio; e

c) o preceito que manda que os contratos sejam regulados pela lei escolhida pelos contraentes (princípio da autonomia da vontade).

A doutrina dominante, contudo, tem se recusado a subscrever tal teoria, pois entende que do simples facto de determinados princípios serem de aplicação muito geral não pode concluir-se que eles sejam autênticos preceitos de Direito Internacional Público geral.

Deste modo e se, conforme entendemos, não se pode aceitar a teoria proposta por KAHN e GUTZWILLER, muito menos se poderá aceitar a teoria proposta por ZITELMANN que pretendeu construir um sistema completo de DIP partindo de certos princípios de Direito Internacional Público, mais precisamente, dos princípios da soberania pessoal e territorial dos Estados. Tais normas de DIP supraestadual, contudo, para além do seu valor paradigmático, teriam a função única de integrar as lacunas da legislação positiva dos diversos Estados.

A verdade é que não existe um DIP geral de carácter verdadeiramente internacional, o que se prova pelo facto de os Estados agirem na convicção de gozarem de uma liberdade praticamente ilimitada quando fixam os pressupostos de aplicabilidade de leis estrangeiras «in foro domestico».

O Direito Internacional Público vigente, no entanto, impõe uma obrigação para os Estados, qual seja, a de não se recusarem, de maneira sistemática, a aplicar direito estrangeiro, prevendo que os seus tribunais apliquem exclusivamente o direito nacional. É também o Direito Internacional Público que impõe aos Estados o dever de não aplicarem o seu direito interno a situações que lhe sejam absolutamente estranhas; e o de aplicarem o direito vigente em certo país a factos que por inteiro pertençam à vida jurídica interna deste.

Contudo, se não há normas de conflitos decorrentes de preceitos de Direito Internacional Público geral, cabe assinalar a existência de numerosos tratados e convenções inter-estaduais versando sobre matéria de DIP.

Assumem aqui principal relevo as Convenções da Haia que, inicialmente, tiveram relativo insucesso pelo facto de consagrarem o princípio da aplicabilidade da lei nacional no âmbito do chamado «estatuto pessoal» (personalidade, capacidade e estado, relações de família, sucessões «mortis causa»). Os últimos 50 (cinquenta) anos foram marcados por avanços assaz importantes, principalmente depois de as Conferências da Haia perderem o seu carácter de Conferências Diplomáticas para darem lugar a uma verdadeira instituição internacional permanente ― a Conferência da Haia de Direito Internacional Privado.

__Em 1894, reuniu-se pela primeira vez na Haia, a convite do governo holandês, uma conferência internacional com o objectivo de alcançar uma unificação do DIP em determinadas matérias. Até a 1ª Guerra Mundial, mais três conferências se realizaram:

- 1896: sobre processo civil;

- 1902: → sobre a capacidade para contrair matrimónio e forma do casamento;

- sobre divórcio e separação de pessoas e bens;

- sobre a tutela;

- 1905: → sobre os efeitos pessoais e patrimoniais do casamento;

- sobre interdição.

Estas convenções foram ratificadas por um número muito reduzido de países, todos da Europa continental. Depois das duas Grandes Guerras:

- 01 de Junho de 1955: convenção sobre o reconhecimento da personalidade jurídica das sociedades, fundações e associações;

- 15 de Junho de 1955: convenção estabelecendo uma lei uniforme sobre o direito aplicável às vendas internacionais de coisas móveis;

- 16 de Junho de 1955: convenção que estabeleceu a resolução de conflitos entre a lei nacional e a lei do domicílio;

- 24 de Outubro de 1956: convenção sobre a obrigação de prestar alimentos aos menores e o reconhecimento e execução de sentenças nesta matéria;

- 05 de Outubro de 1961: sobre a localização de documentos públicos exarados no estrangeiro.

Ao lado das Convenções da Haia, há que mencionar as de Genebra de 1930 (sobre letras e livranças) e 1931 (em matéria de cheques).

De grande importância temos ainda as Convenções de Bruxelas de 1968 (sobre competência judiciária e reconhecimento e execução de sentenças em matéria civil e comercial) de Lugano de 1988 (sobre a mesma matéria); de San Sebastian de 1989 (adesão de Portugal e Espanha à Convenção de Bruxelas) de Roma de 1980 (sobre obrigações contratuais); de Nova Iorque de 1973 (sobre a forma dos testamentos internacionais). E ainda as Convenções sobre arbitragem comercial internacional.

Vemos, assim, que há muitas regras convencionais de DIP., contudo, estas normas só se tornam eficazes na ordem jurídica interna dos Estados após terem sido aí recebidas e incorporadas. Os Estados, ao subscreverem uma convenção, obrigam-se a fazê-la cumprir, mas estas só se tornam obrigatórias ou eficazes no interior de cada Estado depois de verificadas as condições de que a legislação nacional faz depender sua incorporação no ordenamento jurídico interno.

Artigos 161º, 197º e 200º da CRP.: aprovação pelo Governo ou pela Assembleia da República.

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Sobre o autor
José Eduardo Dias Ribeiro da Rocha Frota

licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Portugal)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FROTA, José Eduardo Dias Ribeiro Rocha. Direito Internacional Privado.: Parte Geral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 921, 8 jan. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7714. Acesso em: 22 nov. 2024.

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