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Os direitos do fiduciário e do fiduciante na alienação fiduciária de coisa imóvel

(Lei nº 9.514/97)

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27/09/2006 às 00:00
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A Lei 9.514, de 20 de novembro de 1997, que criou o Sistema Financeiro Imobiliário, visando promover o financiamento imobiliário em geral, trouxe em seu bojo o instituto da alienação fiduciária de coisa imóvel, qualificado no artigo 17, caput, da mencionada lei, como modalidade de garantia, havendo o § 1º do mesmo artigo esclarecido que essa garantia constitui direito real sobre os respectivos objetos.

Não obstante a clareza do mandamento legal acerca da natureza jurídica da alienação fiduciária – isto é, direito real de garantia -, não é pacífica a doutrina quanto aos exatos contornos do instituto, havendo os que entendem que se trata de direito real de garantia sobre coisa própria, ou seja, o direito real de garantia é consubstanciado na propriedade do bem, e os que defendem incidir a garantia sobre coisa alheia, e, nesse caso, a alienação fiduciária não ultrapassa, na sua constituição, o âmbito do direito real de garantia, como se depreende das opiniões de respeitáveis estudiosos do tema.

No primeiro sentido, ou seja, de que a garantia real resultante da alienação fiduciária tem como consectário a transmissão da propriedade ao fiduciário, encontra-se a opinião de NAMEM CHALHUB, para quem

Ao ser contratada a alienação fiduciária, o devedor-fiduciante transmite a propriedade ao credor-fiduciário e, por esse meio, demite-se do seu direito de propriedade; em decorrência dessa contratação, constitui-se em favor do credor-fiduciário uma propriedade resolúvel; por força dessa estruturação, o devedor-fiduciante é investido na qualidade de proprietário sob condição suspensiva, e pode tornar-se novamente titular da propriedade plena ao implementar a condição de pagamento da dívida que constitui objeto do contrato principal. (CHALHUB, 2000, p. 222). (Grifamos)

De outro lado, entendendo que a constituição da alienação fiduciária em garantia de coisa imóvel não resulta na efetiva transmissão da propriedade ao fiduciário, e, desta forma, não ultrapassa, essencialmente, o âmbito do direito real de garantia, acham-se as ponderosas observações de UBIRAYR FERREIRA VAZ, a saber:

Ressalta do contexto da Lei 9.514 que a transmissão da propriedade resolúvel, como parte integrante do contrato de alienação fiduciária, não significa a perda da propriedade pelo fiduciante, nem seu ingresso no patrimônio do fiduciário. A perda da propriedade, com o caráter que lhe empresta o Código Civil, somente ocorrerá quando, não pagas as prestações e seus encargos, consolidar-se a propriedade fiduciária, e, ainda, se for ela alienada no primeiro leilão, pelo valor estipulado no contrato; se for ela alienada no segundo leilão, pelo valor igual ou superior ao valor da dívida, das despesas, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos, e das contribuições condominiais; com a extinção da dívida e respectiva quitação, caso no primeiro e no segundo leilões os maiores lances não alcancem os valores mínimos supra mencionados. Trata-se, pois, de transmissão e aquisição, a que não se podem aplicar, de forma intransigente e dogmática, os conceitos tradicionais da propriedade e da própria alienação." (FERREIRA VAZ, 1998, p. 55). (Grifamos)

A respeito do liame jurídico que o fiduciante tem com o bem dado em alienação fiduciária, as opiniões também são várias, havendo os que entendem que se trata de uma "propriedade sob condição suspensiva, como que um proprietário potencial, titular de um direito expectativo", ou que "o fiduciante tem, na vigência da propriedade resolúvel, direitos aquisitivos semelhantes aos do compromissário comprador, com contrato registrado".

Não obstante os substanciosos trabalhos acerca do tema, incluindo incursões sobre a origem do instituto da alienação fiduciária e da eventual correlação deste com outros institutos, como o trust germânico, o fideicomisso hispano-americano e outros negócios fiduciários do direito pátrio, apresentados principalmente na obra Negócio Fiduciário, de MELHIM NAMEM CHALHUB, todos buscando, dentre outros pontos, melhor afigurar os direitos do fiduciário e do fiduciante decorrentes da contratação da alienação fiduciária, é pacífica a opinião acerca da singularidade desta, nos termos da Lei 9.514/97, a demonstrar a necessidade de um exame mais objetivo da própria lei, com vista a melhor definir os contornos desse instituto.

O impasse em torno dos direitos do fiduciário e do fiduciante, na contratação da alienação fiduciária de coisa imóvel (pelo que se conclui do exame dos trabalhos mencionados), se dá em razão da referência legal à propriedade fiduciária e à propriedade resolúvel, cada qual gerando efeitos em relação à propriedade.

Por isso, é mister uma análise particularizada sobre a propriedade fiduciária e a propriedade resolúvel, com o fito de identificar-se as similitudes e/ou discrepâncias entre ambas, de sorte a tornar mais compreensível o instituto da alienação fiduciária e os consectários de sua contratação para os envolvidos.

Por exemplo: (1) a contratação da alienação fiduciária implica a automática transferência da propriedade resolúvel ao fiduciário? (2) É imprescindível à garantia fiduciária que a propriedade resolúvel seja transferida para o fiduciário antes do inadimplemento do fiduciante? (3) Que aspectos dos arts. 647 e 648 (atuais 1.359 e 1.360) do Código Civil, referentes à propriedade resolúvel, são aplicáveis à propriedade fiduciária regulada pela Lei 9.514/97? (4) Quais as conseqüências da consolidação da propriedade para o fiduciante?

Antes de enfrentar as questões apresentadas, é oportuno trazer à baila a arguta observação de UBIRAYR FERREIRA VAZ de que "as características que a Lei 9.514 empresta à propriedade fiduciária, dentre as quais se destaca o escopo de garantia e a divisão da posse, são totalmente distintas daquelas existentes na propriedade resolúvel até então conhecida."

Eis a premissa básica a se ter em mente ao analisar-se a alienação fiduciária de coisa imóvel em garantia: reconhecer as nítidas distinções entre o velho e o novo, desprendendo-se de qualquer misoneismo jurídico impeditivo de avanço no entendimento do novel instituto.

Aliás, neste ponto, também é relevante ter em mira as precisas e inestimáveis lições da boa hermenêutica que nos foram legadas pelo saudoso e insigne CARLOS MAXIMILIANO:

Nem sempre basta olhar para trás, para descobrir a verdade. A massa dos fenômenos cresce dia a dia; de sorte que muitos existem sem equivalente nos tempos pretéritos e prevalecem outros cujas mutações contínuas atingiram um grau tal que se tornou dificílimo reconhecer as raízes múltiplas de todo definitivo. Cumpre não se aferrar em demasia ao passado o hermeneuta, não insistir muito em interpretar o Direito moderno pelo antigo, expresso em leis, jurisprudência e livros de doutrina ou de prática. Às vezes não foram mantidas as regras todas (pelo menos com o mesmo espírito e igual extensão); podem também os novos institutos ser incompatíveis com os anteriores e, portanto, não ter com estes ligação alguma; talvez o conhecimento de outras disposições valha apenas pelo contraste, sirva para verificar o quanto se mudou de orientação jurídica relativamente ao assunto. (MAXIMILIANO, 2001, p. 114).

De início, analisaremos, sucintamente, os característicos da propriedade fiduciária e da propriedade resolúvel, buscando responder à primeira questão, ou seja: se a constituição da propriedade fiduciária confere ao credor a propriedade resolúvel, sobretudo levando-se em consideração que a consolidação da propriedade não confere ao fiduciário a propriedade plena do bem, pelo menos não nos moldes do que se tem entendido, até agora, ser propriedade plena.


Propriedade fiduciária e propriedade resolúvel. Característicos. Distinções.

Muito embora haja o entendimento de que a constituição da propriedade fiduciária tenha como resultado inarredável a transmissão da propriedade resolúvel, é possível identificar-se nítidas distinções entre propriedade fiduciária e propriedade resolúvel, a demonstrar a independência de ambas e, como conseqüência, a existência autônoma de cada uma delas. Dentre as distinções existentes, pode-se destacar as seguintes:

Primeiro: a propriedade fiduciária é direito real de garantia, assim como a hipoteca e o penhor, guardadas as suas peculiaridades (art. 17, caput, e incisos I, II e IV da Lei 9.514/97), e como tal não confere ao credor os poderes típicos de proprietário, como o de dispor da coisa como sua.

A propriedade resolúvel é direito real de propriedade (arts. 1.359 e 1.360, CC), e como tal confere ao seu titular os poderes próprios de proprietário, como o de usar, gozar, dispor e reivindicar a coisa, ficando tão-somente o ato de disposição da coisa na pendência da condição resolutiva, a qual, se não ocorrer, torna perfeita a transmissão do direito de propriedade.

Segundo: a propriedade fiduciária é constituída sem o pagamento do imposto de transmissão "inter-vivos", pois esse imposto não é devido nas operações em que se constitui direito real de garantia sobre bem imóvel (art. 156, II, CRFB/88). Do mesmo modo, para a extinção da propriedade fiduciária não é devido o pagamento do imposto de transmissão.

A transmissão da propriedade resolúvel, porém, exige o recolhimento do imposto de transmissão "inter-vivos", sem o qual não poderá o título ter ingresso no fólio registral, pois, salvo as exceções legais, é imprescindível o recolhimento desse imposto quando da constituição de direito real de propriedade sobre bem imóvel (art. 156, II; § 2º, I, CRFB/88). Igualmente, se ocorrer a condição resolutiva é devido novo imposto de transmissão para que a propriedade seja novamente transferida para aquele em cujo favor se deu a resolução.

Terceiro: a propriedade fiduciária é constituída pelo fiduciante em favor do fiduciário (art. 23). Como consectário tem-se o desdobramento da posse, ficando o fiduciante com a posse direta e o fiduciário com a posse indireta (parágrafo único do art. 23). Note-se que a lei não confere ao fiduciário os poderes de usar, gozar, usufruir (próprios da posse direta) e dispor da coisa. Assim, permanecem com o fiduciante (art. 29).

A propriedade resolúvel, porém, é transmitida pelo alienante (vendedor ou doador) em favor do adquirente (comprador ou donatário) e confere a este todos os poderes de proprietário, como usar, gozar, usufruir, dispor e reivindicar a coisa enquanto não ocorrer a condição resolutiva (arts. 127 e 136 do Código Civil).

Notam-se, portanto, nítidas distinções entre propriedade fiduciária e propriedade resolúvel.


Exame do art. 22 da Lei 9.514/97

Contudo, pode-se indagar: se o art. 22 diz que "a alienação fiduciária regulada por esta Lei (9.514/97) é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel", como dizer que o proprietário fiduciário não é proprietário resolúvel?

A questão é de hermenêutica. O art. 22 define o que é alienação fiduciária, mas não diz que pela contratação da alienação fiduciária constitui-se a propriedade resolúvel. O que diz é que pelo negócio jurídico da alienação fiduciária o devedor contrata transferir ao credor a propriedade resolúvel, e ainda, com escopo de garantia, o que é diferente. Assim, é preciso entender a definição para que não se faça uma interpretação ultra legem.

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Pode-se identificar na definição legal de alienação fiduciária dois elementos essenciais à compreensão dos efeitos resultantes da sua contratação: (1) o seu objetivo e (2) como alcançar esse objetivo, a saber:

a)objetivo da alienação fiduciária:

A lei diz que o negócio jurídico é contratado entre o devedor e o credor com escopo de garantia. Logo, não tem o escopo de transmitir a propriedade.

Escopo é "mira, objetivo, propósito, intuito, alvo" (MICHAELIS, Moderno Dicionário da Língua Portuguesa).

Deste modo, não se pode querer que o contrato produza efeitos diferentes - e maiores - daqueles que foram mirados e objetivados pelas partes e pela Lei. O escopo, ou seja, o que se quer constituir, é uma garantia, e não uma propriedade.

b)como alcançar esse objetivo:

Diz o dispositivo que, visando constituir a garantia, o devedor contrata transferir ao credor a propriedade resolúvel do seu imóvel.

Ora, é evidente que uma coisa é contratar a transferência, outra é transferir. Num contrato de promessa de compra e venda o promitente contrata transferir o seu imóvel ao promissário, mas somente fará a transferência quando receber a integralidade do preço combinado. Por outro lado, num contrato de compra e venda o vendedor não contrata transferir, mas efetivamente transfere o bem vendido, pois a contraprestação do comprador, ou seja, o pagamento do preço, é realizada no ato da assinatura do contrato. Naturalmente, em virtude da mens legislationis a transferência real se dá com o registro do título no Registro de Imóveis.

É digno de nota observarmos a conceituação dada pelo legislador à alienação fiduciária de coisa móvel no Decreto-lei nº 911/69, que regulou o art. 66 da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965, a saber: "A alienação fiduciária em garantia transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada [...]".

Essa conceituação não deixa dúvida. Quando a alienação fiduciária for de coisa móvel, o credor se torna proprietário resolúvel e possuidor indireto da coisa alienada com a simples contratação do negócio, não dependendo da consolidação da propriedade para esse fim. Logo, para que o fiduciário promova a alienação do bem, basta que ocorra o inadimplemento do fiduciante, sem necessidade de qualquer outro ato, pois o fiduciário já é proprietário resolúvel, e como tal detentor do direito (poder) de dispor da coisa alienada, consoante dicção do art. 2º do Decreto-lei nº 911/69, verbis:

No caso de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais garantidas mediante alienação fiduciária, o proprietário fiduciário ou credor poderá vender a coisa a terceiros independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato [...]. (Grifamos)

Também, na hipótese de mora ou inadimplemento do fiduciante, optando o fiduciário pela medida judicial de busca e apreensão, o § 5º, primeira parte, do art. 3º do Decreto-Lei nº 911, assevera: "A sentença, de que cabe apelação, apenas no efeito devolutivo, não impedirá a venda extrajudicial do bem alienado fiduciariamente e consolidará a propriedade e a posse plena e exclusiva nas mãos do proprietário fiduciário."

A consolidação da propriedade plena e exclusiva em favor do fiduciário, nesse caso, se dá em razão deste já ser titular de uma propriedade resolúvel. Ocorrendo a conditio iuris, que é o inadimplemento do fiduciante, a conseqüência não é outra senão a consolidação da propriedade plena.

O mesmo não ocorre com a alienação fiduciária decorrente da Lei nº 9.514/97, como se dessume do seu art. 26, § 7º, que diz:

"Decorrido o prazo de que trata o § 1º, sem a purgação da mora, o oficial do competente Registro de Imóveis, certificando esse fato, promoverá, à vista da prova do pagamento, pelo fiduciário, do imposto de transmissão inter vivos, o registro, na matrícula do imóvel, da consolidação da propriedade em nome do fiduciário."

A seguir, o art. 27 mostra o próximo passo do fiduciário:

"Uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário, no prazo de trinta dias, contados da data do registro de que trata o § 7º do artigo anterior, promoverá público leilão para a alienação do imóvel."

Antes da consolidação da propriedade, e à parte do leilão, nada poderá o fiduciário fazer para obter a satisfação do seu crédito, o que é completamente diferente na hipótese da alienação fiduciária de coisa móvel, conforme demonstrado.

Deste modo, não parece plausível dizer que pelo contrato de alienação fiduciária de coisa imóvel o devedor (fiduciante) efetivamente transfere a propriedade resolúvel ao fiduciário, mas, ao revés, que apenas contrata transferir, e, esclareça-se, com escopo de garantia, a propriedade resolúvel em favor do credor (fiduciário), pois o proprietário fiduciário, nesse caso, não está autorizado a praticar os atos permitidos ao proprietário resolúvel.

Assim, se afigura que a transferência da propriedade resolúvel é um evento futuro e incerto, a ocorrer somente na hipótese do inadimplemento do fiduciante e quando o fiduciário consolidar essa propriedade mediante o recolhimento do imposto de transmissão "inter-vivos" e a prática de novo ato de registro no Ofício Imobiliário.

Afinal, para que serviria essa propriedade resolúvel em nome do fiduciário se ele, apesar do inadimplemento do fiduciante, não pode utilizar-se dela antes da consolidação?

Também, se a consolidação não confere ao credor a propriedade plena, que outra propriedade estaria sendo consolidada senão a resolúvel?


Exame do art. 33 da Lei 9.514/97

O artigo 33 da Lei 9.514/97 diz: "Aplicam-se à propriedade fiduciária, no que couber, as disposições dos artigos 647 e 648 do Código Civil (1916)". (Grifo nosso)

Os indigitados artigos do Código de 1916 (atuais artigos 1.359 e 1.360) dizem respeito à propriedade resolúvel, cujos princípios e/ou características são aplicáveis, no que couber, à propriedade fiduciária, consoante o aludido artigo 33.

Para saber-se quais os princípios e/ou características da propriedade resolúvel aplicáveis à propriedade fiduciária, é necessário identificar esses princípios e/ou características.

Sobre o tema, propriamente no que tange aos artigos 647 e 648 do Código de 1916 (cuja redação integral foi mantida nos artigos 1.359 e 1.360 do Código de 2002, à exceção da substituição da palavra "domínio" por "propriedade"), o professor SÍLVIO RODRIGUES faz os seguintes esclarecimentos:

Nesses dois artigos encontram-se, com efeito, duas hipóteses fundamentalmente diversas. Na primeira, o elemento que resolve a relação jurídica se encontra inserto no próprio título constitutivo do negócio e é contemporâneo de sua constituição. Na segunda, o elemento que põe termo à relação jurídica é superveniente. Passo a examinar cada caso de per si.

132. Propriedade cuja causa de resolução consta do seu título constitutivo. O art. 647 do Código Civil. – Dispõe esse preceito que, resolvido o domínio pelo implemento da condição ou pelo advento do termo, entendem-se também resolvidos os direitos reais concedidos na sua pendência; e o proprietário, em cujo favor se opera a resolução, pode reivindicar a coisa do poder de quem a detenha.

A condição ou termo de que fala a regra constam do próprio título constitutivo do domínio; de modo que a causa de destruição do direito é irmã gêmea da causa que o constituiu.

Por conseguinte, se a despeito da ciência de tal circunstância, terceiros se dispõem a adquirir a propriedade resolúvel, correm os riscos de a perderem, se a condição resolutiva ocorrer. Com efeito, advindo tal fato, os direitos concedidos na pendência da condição se resolvem com prejuízo dos eventuais adquirentes.

Aliás, o alienante só podia vender aquilo de que era senhor. Se em seu patrimônio só se encontrava um domínio resolúvel, ou seja, uma propriedade sobre a qual pendia ameaça de aniquilamento, não podia transferir para o adquirente um domínio pleno, do qual não tinha titularidade. Nemo plus júris ad alium transferre potest quam ipse habet.

Na hipótese do art. 647 do Código Civil, a condição ou termo resolutivo operam retroativamente, e todos os direitos constituídos em sua pendência se desfazem, como se jamais houvessem existido.

133. Propriedade cuja causa de resolução é superveniente. O art. 648 do Código Civil. – Se o domínio se resolve (para usar a linguagem da lei) por causa superveniente, a resolução da propriedade não apresenta efeitos retroativos, e as conseqüências dela resultantes se contam apenas do momento da resolução. De sorte que são válidos os atos de alienação, praticados anteriormente.

Nesta hipótese, diferentemente da anterior, a causa de aniquilamento do direito de propriedade é superveniente, de modo que se torna impossível antever-lhe o advento antes de sua ocorrência. Assim sendo, para proteção dos adquirentes de boa-fé, o legislador dá validade aos atos de constituição de direitos reais de que os mesmos participaram, não permitindo que os efeitos da resolução os alcancem.

No caso, aliás, o alienante no momento da alienação era dono da coisa, e o negócio jurídico levado a efeito não pode ser infirmado. (RODRIGUES, 2000, vol. 5, pp. 225/226).

As lições do professor SÍLVIO RODRIGUES deixam claro que a propriedade resolúvel do artigo 647 do Código de 1916 possui as seguintes características: (1) é transmitida na pendência de uma condição ou termo constante do título; (2) a constituição da propriedade resolúvel confere ao proprietário todos os poderes sobre o bem imóvel, inclusive o de dispor do bem; (3) o implemento da condição ou o advento do termo opera a revogação ex tunc da transmissão da propriedade.

No que respeita à primeira característica, ou seja, a existência de uma condição ou termo no próprio título, é inócua quanto à alienação fiduciária em comento, posto que a própria Lei 9.514/97 minudencia os termos do contrato de alienação fiduciária, e, assim, não podem ser considerados condição, pois não derivam exclusivamente da vontade das partes (art. 121 do Código Civil). Portanto, não é este o ponto de aplicabilidade.

Com referência à segunda característica, ou seja, os poderes conferidos ao proprietário resolúvel, já ficou demonstrado que isto não ocorre com a constituição da propriedade fiduciária em si, mas apenas quando do advento da consolidação da propriedade, restando evidente não ser também este o ponto cabível de aplicação à alienação fiduciária em garantia.

Assim, quanto ao disposto no artigo 647 (atual 1.359) do Código Civil, a única coisa cabível de aplicabilidade à alienação fiduciária é a terceira característica indicada, ou seja, a sua revogabilidade, cujos efeitos retroagem à data da sua constituição, "como se jamais houvessem existido".

"Quanto à regra do art. 648", segundo SÍLVIO RODRIGUES, "ela não cuida de propriedade resolúvel, como de resto confessa o próprio BEVILÁQUA", e, desta forma, - sob pena de se declarar a absoluta impropriedade à referência do legislador a esse dispositivo - a única pertinência à alienação fiduciária em garantia, quiçá esclarecedora do novel instituto, é que a transferência da propriedade resolúvel se dá, não no momento da contratação da alienação fiduciária, que é constituída com o escopo de garantia, mas, pelo advento de causa superveniente, a saber: o inadimplemento do fiduciante.

Ora, se não há essa condição superveniente, que outra compatibilidade pode haver entre a alienação fiduciária de que trata a Lei 9.514 e o artigo 648 (atual 1.360) do Código Civil? Seria essa uma exceção à regra de hermenêutica de que a lei não contém disposições inúteis? Esta hipótese parece descartada pelo disposto no art. 25 da própria Lei 9.514/97, que diz: "Com o pagamento da dívida e seus encargos, resolve-se, nos termos deste artigo, a propriedade fiduciária."

Este dispositivo deixa claro que o regular cumprimento da obrigação resolve a propriedade fiduciária, que antecede a propriedade resolúvel, institutos distintos, uma vez que esta não nasce sem o inadimplemento do fiduciante e a indispensável consolidação do ajuste de transferência da propriedade resolúvel, constante do contrato.

Porém, vencida e não paga a dívida, estará o fiduciário, nos termos do art. 26 da lei respectiva, investido de poderes para constituir em seu nome, sobre aquele bem, a propriedade resolúvel que fora contratada com o fiduciante; e resolúvel é porque nasce prenhe do germe de sua extinção, que é o pagamento da dívida, a ser obtido mediante a venda do bem em público leilão ou com a purgação da mora pelo fiduciante, como se demonstrará linhas a frente. Somente em último caso, ou seja: o não pagamento da dívida por um dos meios apontados em lei, tornar-se-á o fiduciário proprietário pleno do bem, a teor do art. 27 da mesma lei, dele podendo dispor, a partir daí, como bem lhe convier.

Releva destacar que a lei não prevê a hipótese do fiduciário dar quitação da dívida ao fiduciante antes da realização do leilão final, o que indica que até que isso aconteça, permanece em vigor a relação jurídica constituída pelo contrato de alienação fiduciária em garantia.

E mais: a permanência dessa relação jurídica não se deve ao fato de existir eventual resíduo para que o fiduciante pague ao fiduciário, pois resíduo não haverá; mas ao fato da propriedade do fiduciário ser resolúvel, e não plena, devendo, portanto, existir o outro polo da relação para que a propriedade resolúvel se justifique.

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Sobre o autor
Valestan Milhomem da Costa

especializando em Direito Registral Imobiliário, tabelião, oficial substituto do 1º Ofício de Cabo Frio (RJ)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Valestan Milhomem. Os direitos do fiduciário e do fiduciante na alienação fiduciária de coisa imóvel: (Lei nº 9.514/97). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1183, 27 set. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8969. Acesso em: 14 nov. 2024.

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