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Convenção de Varsóvia, Código Brasileiro de Aeronáutica, Código de Defesa do Consumidor e extravio de bagagem

Convenção de Varsóvia, Código Brasileiro de Aeronáutica, Código de Defesa do Consumidor e extravio de bagagem

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RESUMO

O estudo teve como objetivo analisar questões relativas à responsabilidade civil das companhias aéreas em casos de extravio de bagagens. Destacou-se que sob a ótica regulatória, a ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil, cabe punir, administrativamente, as infrações de seus entes regulados e fiscalizados, que tentem contra os direitos dos consumidores. Contudo, os consumidores que se sentirem ultrajados em seus direitos, devem pleitear indenizações somente ao Poder Judiciário e aos órgãos de defesa dos consumidores. Demonstrou-se que a na Convenção de Varsóvia (1929) e no Código Brasileiro de Aeronáutica (1986), responsabilidade do transportador aéreo é ilimitada em caso de dolo ou culpa grave e, fora disso, é tarifada. Contudo, a doutrina e a jurisprudência nacional firmam entendimento de que deve haver ampla reparabilidade nas hipóteses de perda, extravio, destruição ou avaria de bagagens, ou seja, não poderá haver limitação a indenização tarifária e que os impasses devem ser regidos pelo Código de Defesa do Consumidor. Tal posição tem como pilares o fato de que as normas enraizadas na Convenção de Varsóvia e no Código Brasileiro de Aeronáutica que limitam a responsabilidade do transportador aéreo, infringem o art. 5º, XXXII e 170, V, da Constituição Federal de 1988; o transportador aéreo preenche todas as características de fornecedor de serviços (art. 3º do CDC), e os passageiros são vistos como destinatários finais dos serviços de transporte aéreo (art. 2º, CDC), tratando-se, portando, de relação de consumo. Na jurisprudência encontra-se posições no mesmo sentido, como no Tribunal de Justiça de Santa Catarina - Apelação Cível nº 2008.024456-5 de 2009; e no Superior Tribunal de Justiça – AgRg no REsp 262687/SP nº 2000/0057696-4, de 2009. Concluiu-se que no que tange a responsabilidade civil por extravio, destruição ou avaria de bagagens, envolvendo o transporte aéreo, aplica-se o Código de Defesa do Consumidor, em detrimento a Convenção de Varsóvia e ao Código Brasileiro de Aeronáutica.

Palavras-chave: Agências reguladoras. Extravio de bagagens. Código de Defesa do Consumidor.


1 INTRODUÇÃO

O tema do presente estudo abordou o extravio de bagagem no transporte aéreo. Tal tema foi analisado sob a perspectiva regulatória e da responsabilidade civil, olhos postos nas seguintes normas: Convenção de Varsóvia, Código Brasileiro de Aeronáutica e Código de Defesa do Consumidor.

No que concerne a justificativa para a escolha de tal tema, observou-se que na última década, o mundo globalizado, viveu o chamado ‘apagão’ ou ‘caos’ aéreo. O consumidor, mero espectador dessa conjuntura, acaba vivenciando ocasiões incidentais, como por exemplo, o atraso de vôos e extravio de seus pertences. Assim, pretendeu-se analisar, especificamente, o extravio de bagagens no transporte aéreo, sob a ótica da responsabilidade civil e do direito regulatório, demonstrando o entendimento doutrinário e jurisprudencial pátrios.

Nesse contexto, o objetivo geral do estudo centrou-se em analisar questões relativas à responsabilidade civil das companhias aéreas em casos de extravio de bagagem. Para atingir tal objetivo, primeiramente, o conceito de agências regulatórias e suas funções. Logo após, partiu-se para a descrição das atribuições e competências da ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil. Procurou-se ainda caracterizar o usuário do transporte aéreo como sujeito de direito (consumidor). Por fim, demonstrou-se o extravio de bagagem no transporte aéreo sob a ótica da doutrina e da jurisprudência pátrias.

O trabalho foi desenvolvido por meio de pesquisa bibliográfica. Frisa-se que tal pesquisa explica e discute um tema ou problema com base em referências teóricas já publicadas em livros, revistas, periódicos, artigos científicos etc.


2 A REGULAÇÃO DO SETOR AÉREO NO BRASIL

2.1 AGÊNCIAS REGULADORAS

A origem das Agências Reguladoras é inglesa, a partir da criação pelo Parlamento, em 1834, de vários órgãos autônomos com o escopo de aplicação e concretização dos textos legais. Posteriormente, em 1887, nos Estados Unidos, foi iniciada a instituição de uma séria de agências, que caracterizam o Direito Administrativo norte-americano como "o direito das agências, em face de sua organização descentralizada, existindo várias espécies de agências: reguladoras [...]; não-reguladoras; [...] executivas; [...]; independentes." (MORAES, 2002, p. 23).

No Brasil, as agências estão sendo criadas por leis esparsas, não existe uma lei específica criadora do sistema de agência. A Constituição Federal de 1988, relata em seu art. 21, inciso XI; bem como em seu art. 177, § 2º, III; respectivamente:

Art. 21, inciso XI: Compete á União: explorar, diretamente, ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais; Art. 177, § 2º, III, que afirma constituir monopólio da União: a lei a que se refere o § 1º disporá sobre a estrutura e atribuições do órgão regulador do monopólio da União (CAL, 2003, p. 83).

Como se nota, têm-se expressamente na Constituição Federal de 1988, um embasamento legal para a criação dessas agências reguladoras. Contudo, a Carta de 1988, ao prever o instituto em seu interior, classificou-o como ‘órgão regulador’, e não como agência reguladora. Conforme Cal (2003, p. 84), "[...] a expressão órgão regulador referida pela Constituição Federal, praticamente caiu em desuso diante da expressão agência reguladora, prevista nas leis instituidoras."

Frisa-se que as agências reguladoras podem ser de âmbito federal, estadual e municipal, como por exemplo: a) nível federal: Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL (criada pela Lei nº 9.472/1997; Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL (criada pela Lei nº 9.427/1996); Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP (criada pela Lei nº 9.478/1997. A Lei nº 11.097/2005, alterou a denominação da agência, que antes era restrita ao petróleo); b) nível estadual: Agência Reguladora de Serviços Públicos Concedidos do Rio de Janeiro – ASEP (Criada pela Lei Estadual fluminense nº 2.686/1997; c) nível municipal: AGERSA, de Cachoeiro do Itapemirim – ES. Sete são as funções principais que caracterizam as Agências Reguladoras, do ponto de vista jurídico, como revela Aguillar (2006, p. 202):

a) são entes reguladores de natureza autárquica especial: recebem competência para formatar determinadas atividades econômicas, criando regras e executando-as, dentro de um contexto de relativa autonomia em relação ao governo; b) realizam contratações administrativas relacionadas à sua atividade: concedem, autorizam, realizam licitações públicas; c) fiscalizam o cumprimento das regras e contratos sob sua competência; d) sancionam os infratores; e) ouvem os usuários dos serviços regulados, realizam audiências públicas; f) arbitram conflitos; g) emitem pareceres técnicos em questões relacionadas à concorrência nos processos sujeitos ao controle do CADE.

Destaca-se que as Agências Reguladoras foram criadas com o objetivo de realizar as tradicionais atribuições da Administração Direta, na qualidade de Poder Público, concedente, nas concessões, permissões e autorizações de serviços públicos. Conforme Moraes (2002, p. 25):

Derivam, pois, da idéia anteriormente analisada da necessidade de descentralização administrativa e têm como função a regulação das matérias afetas a sua área de atuação e a permanente missão de fiscalizar a eficiência na prestação dos serviços públicos pelos concessionários, permissionários e autorizados. [...] à Agência Reguladora compete a permanente tarefa de fiscalizar a implementação das técnicas gerenciais modernas, com o objetivo que o concessionário preste serviço público com eficiência, qualidade e preços competitivos.

Destaca-se que a grande novidade das Agências Reguladoras está na sua maior independência em relação ao Poder Executivo, "uma vez que os atos dessas agências não podem ser revistos ou modificados pelo Poder Executivo, face ao regime especial a qual se encontram vinculadas." (CAL, 2003, p. 89). Revela-se ainda que as Agências Reguladoras, portanto, gozam de determinada margem de independência em relação aos três poderes do Estado, como bem coloca Di Pietro (1999, p. 131):

(a) em relação ao Poder Legislativo, porque dispõem de função normativa, que justifica o nome de órgão regulador ou agência reguladora; (b) em relação ao Poder Executivo, porque suas normas e decisões não podem ser alteradas ou revisadas por autoridades estranhas ao próprio órgão; (c) em relação ao Poder Judiciário, porque dispõem de função quase jurisdicional no sentido de que resolvem, no âmbito das atividades controladas pelas agências, litígios entre os vários delegatários que exercem serviço público mediante concessão, permissão ou autorização e entre esses e os usuários dos serviços públicos.

Contudo, tal independência revela-se como autonomia, pois deve ser conjugada com o regime constitucional brasileiro. No caso do Poder Judiciário, o art. 5º, inciso XXXV, da Constituição de 1988, ordena que ‘a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito’. Isto significa, "que qualquer decisão das agências que cause lesão ou ameaça de lesão a direito de qualquer pessoa, dita decisão, poderá não prevalecer, uma vez que há possibilidade da mesma ser reapreciada pelo Poder Judiciário." (DI PIETRO, 1999, p. 131).

Já no tocante a relativa autonomia das agências em relação ao Poder Legislativo também não existe, já que seus atos normativos podem "conflitar com as normas constitucionais ou legais existentes, sob pena de julgadas inconstitucionais e, conseqüentemente, deverão ser expurgadas do ordenamento jurídico." (DI PIETRO, 1999, p. 132). Finalmente, deve-se frisar uma maior autonomia com relação ao Poder Executivo, uma vez que os atos das Agências Reguladoras, não podem ser revistos ou modificados pelo Poder Executivo, face ao regime especial a que estão atreladas. Meirelles et. al. (2005, p. 346) explica que:

Todas essas agências foram criadas como autarquias sob regime especial, considerando-se regime especial como o conjunto de privilégios específicos que a lei outorga à entidade pra a consecução de seus fins. No caso das agências reguladoras até agora criadas no âmbito da Administração Federal esses privilégios caracterizam-se basicamente pela independência administrativa, fundamentada na estabilidade de seus dirigentes (mandato fico), autonomia financeira e poder normativo (regulamentação das matérias de sua competência).

Portanto, há de se falar em dois tipos de agências reguladoras no ordenamento jurídico nacional, as que exercem poder de polícia, como a Agência Nacional de Saúde Pública Complementar (ANS) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA); e as que exercem poder regulatório e fiscalizatório de atividade objeto de concessão, permissão ou autorização de serviços públicos (energia elétrica, telecomunicações). Barchet (2008, p. 136) explica ainda que:

[...] as primeiras não representam grande novidade no cenário jurídico, pois se assemelham a outros [órgãos e entidades já existentes, a exemplo da Secretaria da Receita Federal, do Bacen, do Cade e do Conselho Monetário Nacional, os quais, a partir das limitações administrativas previstas em lei, expedem atos normativos complementares, fiscalizam seu cumprimento e punem os eventuais infratores. Exercem poder de polícia, portanto. Já o segundo tipo de agência reguladora constitui efetivamente uma inovação, pois tais entidades vêm substituindo a Administração Direta na posição de poder concedente na concessão, permissão, ou autorização de serviços públicos [...]

Notou-se, então, que as Agências Reguladoras são autarquias sob regime especial, criadas com o escopo de disciplinar e controlar determinadas atividades. Por fim, lembra-se que a Lei nº 11.182, de 2005, instituiu a ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil, autarquia especial, com independência administrativa, personalidade jurídica própria, patrimônio e receitas próprias para executar atividades típicas da Administração Pública, que requerem, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada.

2.2 A CRIAÇÃO DA ANAC PELA LEI N.º 11.182/2006

A Lei nº 11.182/2006, que criou a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), foi aprovada ainda no ano de 2005.

A ANAC tem sua origem nas competências do Departamento de Aviação Civil (DAC), que eram estabelecidas no art. 18 do Anexo I do Decreto nº 5.196, de 26 de agosto de 2004, que dispunha: ao Departamento de Aviação Civil compete planejar, gerenciar e controlar as atividades relacionadas com a aviação civil. Assim, em virtude dessa competência, o DAC qualificava-se como ‘autoridade aeronáutica’, exercendo, por via de conseqüência, as atividades relacionadas a essa função pelo Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986). (ANAC, 2010a)

Com a promulgação da Lei nº 11.182, de 2005, a atividade de autoridade aeronáutica foi transferida, com todas as suas responsabilidades, para a ANAC, pelo disposto no §2º do art. 8º desse dispositivo legal, confirmado pelo texto do art. 3º do Anexo I ao Decreto nº 5.731, de 20 de março de 2006. (ANAC, 2010a)

No que se refere à ANAC, o que visam os seus atos administrativos; bem como suas atribuições e competências, estão contidas no quadro 1, a seguir:

Objetivos dos atos administrativos

a) manter a continuidade na prestação de um serviço público de âmbito nacional; b) preservar o equilíbrio econômico-financeiro dos agentes públicos e privados responsáveis pelos diversos segmentos do sistema de aviação civil; c) zelar pelo interesse dos usuários; d) cumprir a legislação pertinente ao sistema por ela regulado, considerados, em especial, o Código Brasileiro de Aeronáutica, a Lei das Concessões, a Lei Geral das Agencias Reguladoras e a Lei de Criação da ANAC.

Atribuições e competências

1) outorgar concessões de serviços aéreos e de infraestrutura aeronáutica e aeroportuária; 2) regular essas concessões; 3) representar o Brasil em convenções, acordos, tratados e atos de transporte aéreo internacional com outros países ou organizações internacionais de aviação civil; 4) aprovar os planos diretores dos aeroportos; 5) compor, administrativamente, conflitos de interesse entre prestadores de serviços aéreos e de infraestrutura aeronáutica e aeroportuária (arbitragem administrativa); 6) estabelecer o regime tarifário da exploração da infraestrutura aeroportuária; contribuir para a preservação do patrimônio histórico e da memória da aviação civil e da infraestrutura aeronáutica e aeroportuária;
7) reprimir e sancionar infrações quanto ao direito dos usuários;
8) ampliar suas atividades na atuação em defesa do consumidor;
9) regular as atividades de administração e exploração de aeródromos exercida pela Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero).

Quadro 1: Objetivos dos atos administrativos; funções e competências da ANAC.

Fonte: ANAC (2010b).

Portanto, como se nota, cabe a ANAC regular, fiscalizar, incentivar e desenvolver a aviação civil, a infra-estrutura aeronáutica e aeroportuária do país. Especificamente, cabe a ANAC reprimir e sancionar infrações quanto ao direito dos usuários e ampliar suas atividades na atuação em defesa do consumidor.

2.3 O USUÁRIO DO TRANSPORTE AÉREO COMO SUJEITO DE DIREITO (CONSUMIDOR)

Destaca-se, primeiramente que no Brasil, uma das primeiras normas que objetivam a tutela do consumidor foram as Ordenações Filipinas, elaboradas em Portugal, promulgadas em 1603 e vigentes no Brasil até a proclamação da independência em 1822, que tipificava como crime a adulteração do conteúdo ou do peso da mercadoria vendida (livro V, Títulos LVII e LVIII).

Frisa-se que a primeira norma elaborada no Brasil que tratava da proteção ao consumidor foi o Código Civil de 1916 (arts. 1.101, 1.105, 1.107 a 1.117). Ainda sobre a legislação pátria, é de se falar do Código Penal de 1940, que enumera diversas regras destinadas a punir os crimes contra o consumidor (arts. 172, 175, 177, 178, 196, 272, 273 e 275). Finalmente, no final da década de 1960, mais precisamente em 1969, foi Criada a Superintendência Nacional do Abastecimento – SUNAB, através do Decreto-Lei nº 422 de 1969.

Holthausen (2006, p. 50), aponta que a proeza maior conseguida, advinda dos "descontentamentos da sociedade e também fruto de incansáveis trabalhos de órgãos e entidades de defesa do consumidor, foi à inserção, na Constituição Federal de 1988, de dispositivos específicos sobre o tema." É possível ainda apreciar que:

Com o amadurecimento do tema no Brasil, a Constituição Federal de 1988 tratou diretamente da tutela efetiva do consumidor, elevando a direito fundamental a defesa do consumidor (art. 5º, XXXII, CF); dispôs sobre a competência concorrente da União, Estados e Distrito Federal para legislar acerca da responsabilidade por danos causados ao consumidor (art. 24, VIII, CF); inseriu a matéria em nível de princípio de Ordem Econômica (art. 170, V, CF); e criou um princípio informativo de responsabilidade do Poder Público (art. 150, § 5º, CF). (HOLTHAUSEN, 2006, p. 50).

Com a publicação da Lei nº 8.078, promulgada em 1990 – Código de Defesa do Consumidor se consolidava uma nova disciplina jurídica e também um avanço legislativo no Brasil em relação às relações de consumo. Conforme Melo (2008, p. 10):

[...] inicialmente o Código de Defesa do Consumidor nasceu por expressa determinação constitucional [...] o Código de Defesa do Consumidor não uma mera lei geral; ele é uma sobre-estrutura jurídica multidisciplinar aplicável a todas as relações de consumo, qualquer que seja o ramo do direito onde vierem a ocorrer.

No tocante ao conceito de consumidor, diz-se que "consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final." (NUNES JÚNIOR; MATOS, 2009, p. 13).

É bom lembrar que a relação de consumo é composta por três elementos: o fornecedor, o produto ou serviço e o próprio consumidor. A relação de consumo, portanto, é aquela "existente entre fornecedor e consumidor com o objeto de aquisição de produtos ou utilização de serviços por parte deste contratante." (SAMMARCO, 2005, p. 181). Vê-se, então, que relação de consumo é caracterizada pelo vínculo entre consumidor e fornecedor, atrelados por um objeto, que será o produto ou o serviço.

Quando se tratar de transporte aéreo, um dos aspectos mais importantes com relação à responsabilização do transportador é precisar com exatidão o momento de início e término da vigência do contrato de transporte. Melo (2008, p. 244) esclarece ainda que:

O início do contrato se dá com a ‘operação de embarque e o movimento do passageiro em direção ao aparelho, em obediência às instruções do transportador, o que se faz, ordinariamente, nos aeroportos, por meio de megafones, convidando os passageiros de determinada linha a se dirigirem ao avião’; e a ‘operação de desembarque, com o movimento, também ordenado e dirigido pelo transportador, que o viajante executa para atingir a saída do aeroporto.

O transporte aéreo pode ser nacional ou internacional. É considerado transporte nacional ou interno, também denominado de doméstico, aquele em que "os pontos de partida, intermediário ou de destino estejam situados em território nacional [...]." (MELO, 2008, p. 244). No tocante ao transporte aéreo internacional, ou seja, aquele em que um dos pontos esteja situado "fora do território nacional [...] Atenta-se para o fato de que o que caracteriza o transporte aéreo internacional não é a aeronave, que pode ser brasileira ou estrangeira, mas sim os pontos de partida, de chegada ou de eventual escala." (MELO, 2008, p. 245).

Conforme ANAC (2010c, p. 14):

O contrato de transporte aéreo de passageiro, no qual uma pessoa, desejando ir de um lugar a outro, contrata com outra pessoa para que a conduza ao ponto desejado, mediante certo preço e condições previamente ajustadas, é um contrato de consumo no qual o passageiro é considerado o consumidor e a empresa aérea a fornecedora do serviço. Portanto, o consumidor-passageiro, denominado ao longo do texto simplesmente de passageiro, tem diretos resguardados pelo Código de Defesa do Consumidor - CDC, que determina, entre outras questões, que as condições do contrato que sejam consideradas abusivas ou desproporcionais não vinculam o consumidor.

Borges (2005, p. 94) entende que o transportador aéreo preenche todas as "características exigidas pelo art. 3º do CDC para defini-lo como fornecedor de serviços. Da mesma forma, a caracterização do passageiro, contratante ou não, como consumidor é determina ora pela circunstância de ser ele o destinatário final do serviço (art. 2º, CDC)." Adentrando-se ainda no contrato de transporte, diz-se que "a responsabilidade do transportador é objetiva, prescindindo, portanto, de verificação de culpa, sendo suficiente a demonstração da relação causal entre a atividade e o dano." (SILVA et al., 2008, p. 667). Portanto, como se nota os atores que integram o contrato de transporte aéreo são o passageiro, que é considerado o consumidor, e a empresa aérea, que é considerada como a fornecedora do serviço.


3 CONVENÇÃO DE VARSÓVIA, CÓDIGO BRASILEIRO DE AERONÁUTICA E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

3.1 CONVENÇÃO DE VARSÓVIA

Referente ao transporte internacional, as indenizações no Brasil seguem o que reza na Convenção de Varsóvia. É uma denominação costumeiramente dada à convenção destinada à unificação de regras relativas a Transporte Aéreo Internacional, assinada em Varsóvia, em 1929. Tal Convenção foi alterada em Haia, em 1955. Grassi Neto (2007, p. 119), informa ainda que:

No transporte internacional de pessoas, a responsabilidade civil do transportador é limitada à importância de duzentos e cinqüenta mil francos, por passageiro (art. 22, alínea 1). Em se cuidando de transporte internacional de mercadorias, ou de bagagem registrada, a responsabilidade do transportador ficará limitada à quantia de duzentos e cinqüenta francos por quilograma [...]. No que concerne aos objetos que o passageiro conservar sob sua guarda, a Convenção de Varsóvia estabelece que a responsabilidade do transportador limita-se a cinco mil francos por passageiro. A Convenção de Varsóvia adota como unidade monetária para indenização o denominado ‘franco poincaré’ (art. 22, alínea 5) que tem o valor de sessenta e cinco miligramas e meia de outro puro [...].

Frisa-se, então, que no transporte aéreo internacional, a Convenção de Varsóvia, de 1929, modificada em Haia, em 1955, é regida por princípios parecidos aos do Código Brasileiro de Aeronáutica, de 1986, ou seja, "a responsabilidade é ilimitada em caso de dolo ou culpa grave e, fora disso, é tarifada, embora se estabeleçam limites de indenização bem superiores aos fixados no Código Brasileiro." (NORONHA, 2002, p. 173).

É importante destacar, que à luz do Código Brasileiro de Aeronáutica e da Convenção de Varsóvia, a responsabilidade da empresa transportadora apenas é limitada "na hipótese de ocorrência de dolo ou culpa grave, sendo nos demais casos é tarifada", é o que afirma Noronha (2002, p. 173). Por outras palavras, diz que:

No Código Brasileiro de Aeronáutica e na Convenção de Varsóvia, a responsabilidade em princípios é objetiva e tarifada; só passando a ser subjetiva, e neste caso sem tarifação, caso se prove dolo ou culpa grave da empresa transportadora ou de seus prepostos. A culpa simples (ou mera culpa) será simplesmente irrelevante [...].

Observa-se diante dos dados apresentados que a responsabilidade do transportador aéreo na Convenção de Varsóvia tem "natureza subjetiva, baseada na culpa, havendo inversão do ônus da prova a favor do passageiro, mas a inexistência de culpa pode levar à exoneração da responsabilidade do transportador." (BORGES, 2005, p. 96). É relevante colocar da mesma forma que:

O valor máximo previsto na Convenção de Varsóvia como limite à responsabilidade, segundo a doutrina e jurisprudências pátrias, apresenta-se irrisório, impossibilitando um verdadeiro ressarcimento, o que resulta em lesão ao passageiro. Soma-se a este fato sua difícil determinação quanto ao valor, na medida que o franco-poincaré não possui cotação oficial [...]. Após o Decreto nº 97.505, de 13.02.1989, o padrão franco-poincaré foi convertido em ‘DIREITOS ESPECIAIS DE SAQUE’ – DES, do Fundo Monetário Internacional.

É bom lembrar que a jurisprudência nacional tem se manifestado no sentido da ampla reparabilidade nas hipóteses de perda, extravio, destruição ou avaria de bagagens. A respeito de tal tema, destaca-se entendimento do Superior Tribunal de Justiça - REsp. 552553/RJ, 4ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 01.02.2006, no sentido de que o transportador aéreo, seja em viagem nacional ou internacional, responde integralmente pelo extravio de bagagens e de cargas, mediante a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, afastando-se a incidência da Convenção de Varsóvia e, por via de conseqüência, a limitação à indenização tarifária. No mesmo sentido: STJ, REsp 520732/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJU, 9.2.2004; STJ, REsp 538685/RO, 4ª Turma, Rel. Ministro Barros Monteiro, DJU, 16.2.2004.

Na doutrina, encontra-se entendimento semelhante ao da jurisprudência nacional, como o de Melo (2008, p. 245):

Embora haja quem defenda a não-aplicabilidade do código consumerista às relações decorrentes de transportes aéreos, tanto nacional como internacional, o entendimento majoritário, na doutrina e na jurisprudência, é que o Código de Defesa do Consumidor derrogou o Código Brasileiro de Aeronáutica e o Tratado de Varsóvia naquilo que tarifavam ou limitavam a indenização devida por dano causado aos usuários dos serviços de transportes aéreos. A justificativa encontra-se no fato de que o Código do Consumidor é lei de ordem pública, editada atendendo a um comando constitucional (CF, art. 5º, XXXII).

Amaral Júnior (1999, p. 75), por sua vez, entende que "o Código de Defesa do Consumidor aplica-se, igualmente, ao transporte aéreo internacional."

3.2 CÓDIGO BRASILEIRO DE AERONÁUTICA

O Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA), foi aprovado pela Lei nº 7.565, de 1986. Elaborando-se um histórico do Direito Aeronáutico no Brasil, diz-se que este foi inicialmente codificado pelo Decreto-Lei nº 483, de 1938, denominado ‘Código Brasileiro do Ar’. Este foi substituído pelo Decreto-Lei nº 32, de 1966, que adotou o mesmo nome. Com a Lei nº 7.565, de 1986, que revogou o Decreto-Lei nº 32, adotou-se a terminologia atual. Pinto (2008, p. 16) relata que:

A principal fonte de direito aeronáutico é o Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA), aprovado pela Lei nº 7.565, de 1986, complementado pela Lei nº 11.182, de 2005, que criou a ANAC. O Código contém normas de direito público e privado, abrangendo todos os aspectos da aviação civil. Está disposto em onze títulos: introdução; uso do espaço aéreo; infra-estrutura aeronáutica e aeroportuária; aeronaves; tripulação; serviços aéreos; contrato de transporte aéreo; responsabilidade civil; infrações e providências administrativas; prazos extintivos; e disposições finais e transitórias. Os dispositivos de maior relevância para a regulação econômica estão contidos nos títulos da infra-estrutura aeronáutica e aeroportuária e dos serviços aéreos, que podem ser considerados o "marco regulatório" do setor. O CBA deve ser interpretado, entretanto, à luz da Lei nº 11.182, de 2005, além de instituir a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC).

O Código Brasileiro de Aeronáutica, de 1986, prevê responsabilidade solidária do transportador aéreo, do construtor aeronáutico e das entidades de Infra-Estrutura Aeronáutica (art. 256, I), por morte, por lesão infligida a passageiro (art. 256, § 2º), por prejuízo decorrente de dano, de perda de bagagem ou de carga. Tal Código aponta ainda que são indenizáveis os danos decorrentes de eventual atraso no transporte, seja ele de passageiros ou de carga (art. 256, II). Tais artigos do Código Brasileiro de Aeronáutica podem assim ser observados:

Art. 256, I. O transportador responde pelo dano decorrente: I – de morte ou lesão de passageiro, causada por acidente ocorrido durante a execução do contrato de transporte aéreo, a bordo de aeronave ou no curso das operações de embarque e desembarque.

Art. 256, § 2º. A responsabilidade do transportador estende-se: a) a seus tripulantes, diretores e empregados que viajarem na aeronave acidentada, sem prejuízo de eventual indenização por acidente de trabalho; b) aos passageiros gratuitos, que viajarem por cortesia.

Art. 256, II. O transportador responde pelo dano decorrente: [...] II – de atraso do transporte aéreo contratado (GRASSI NETO, 2007, p. 116).

Relevância ainda deve ser dada ao art. 256, § 1º, do Código Brasileiro de Aeronáutica, onde pode-se observar que a responsabilidade por lesão ou morte em caso de acidente ocorrido durante o transporte aéreo é excetuada apenas se ficar demonstrado que os tais eventos resultaram, tão somente, do estado de saúde do passageiro, ou de sua exclusiva culpa.

Os limites indenizatórios previstos no Código Brasileiro de Aeronáutica, ainda que possível a prévia estipulação de valores maiores entre as partes (art. 257, § 1º), são, contudo, irrisórios. No caso de mero atraso do transporte, o teto para o ressarcimento é de apenas 150 (cento e cinqüenta) Obrigações do Tesouro Nacional (OTN). Em havendo morte do passageiro, a legislação prevê que a empresa transportadora deve indenizar em até 3.500 (três mil e quinhentas) OTN, conforme art. 257. Abordando-se a destruição, perda ou avaria da bagagem, é possível dizer que:

Em havendo destruição, perda ou avaria da bagagem despachada ou conservada em mãos do passageiro, ocorridas durante a execução do contrato de transporte aéreo, o Código Brasileiro de Aeronáutica prevê que a responsabilidade do transportador limita-se ao valor correspondente a 150 (cento e cinqüenta) OTN, por ocasião do pagamento, em relação a cada passageiro (art. 260). As Obrigações do Tesouro Nacional não existem mais, tendo sido substituídas primeiramente pela BTN, e, depois, pela TR (GRASSI NETO, 2007, p. 118).

Vê-se, então, que no Código Brasileiro de Aeronáutica, a responsabilidade em princípio é objetiva e tarifada, apenas passando a ser subjetiva, e assim, sem tarifação, caso se consiga provar dolo ou culpa grave da empresa transportadora ou de seus prepostos.

3.3 CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

O transporte aéreo como já salientado, tanto de pessoas como de cargas, é regido de duas formas distintas: se for nacional, será regulado pelo Código Brasileiro de Aeronáutica; se for internacional, será regulado pelas normas da Convenção de Varsóvia. Contudo, é bom sempre lembrar que tanto em um caso como no outro, incidem regras da Lei nº 8.078/90 naquilo que for mais favorável ao consumidor.

Sabe-se que os casos mais freqüentes de indenização em matéria de transporte aéreo dizem respeito aos atrasos de vôos e ao extravio de bagagens. Conforme Melo (2008, p. 249) "advirta-se que a responsabilidade do transportador aéreo é objetiva, a teor do que dispõe o art. 14 da Lei nº 8.078/90, corroborado pelo art. 17 da Convenção de Varsóvia e pelo art. 256 do Código Brasileiro de Aeronáutica."

Como já se denotou, a questão que ainda é controvertida com relação à matéria está centrada na indenização tarifada, limitada, no caso da Convenção de Varsóvia, ao previsto em seu art. 22, e no caso do Código Brasileiro de Aeronáutica, ao fixado no seu art. 257, o que confronta diretamente com o princípio da reparação integral do dano preceituado no art. 6º, VI, do Código de Defesa do Consumidor, como pode-se notar a seguir:

Lei nº 7.565/86, art. 257: A responsabilidade do transportador, em relação a cada passageiro e tripulante, limita-se, no caso de morte ou lesão, ao valor correspondente, na data do pagamento, a 3.500 (três mil e quinhentas) Obrigação do Tesouro Nacional (OTN), e, no caso de atraso do transporte, a 150 (cento e cinqüenta) Obrigação do Tesouro Nacional (OTN) (MELO, 2008, p. 249).

Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:

[...]

VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos (NUNES JÚNIOR; MATOS, 2009, p. 44).

Conforme Melo (2008, p. 249) "o entendimento majoritário da doutrina e da jurisprudência é que o Código de Defesa do Consumidor deve prevalecer em relação aos dois institutos que regulam o transporte aéreo [...]." Tal entendimento é corroborado pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp 538.685/RO, 4ª T., Rel. Ministro Barros Monteiro, de 2004.

Marques (2006, p. 447) partilha da mesma opinião, colocando que "a relação de transporte é de consumo e deverá ser regulada pelo CDC em diálogo com o Código Civil de 2002 sempre que estejam presentes consumidor e fornecedor naquela relação."

É ainda de se apontar a posição de Sanches (2008), que considera que a indenização dos prejuízos do passageiro com a perda, extravio, destruição ou avaria da bagagem, deve ser integral e ter lastro no Código de Defesa do Consumidor.


4 O EXTRAVIO DE BAGAGEM ANALISADO SOB A PERSPECTIVA REGULATÓRIA E DA RESPONSABILIDADE CIVIL

4.1 A QUESTÃO SOB O PONTO DE VISTA DA ANAC

Como já se notou, o transportador responde pelo extravio ou dano da bagagem transportada no bagageiro. A reparação dos danos no transporte doméstico obedece aos limites estipulados no Código Brasileiro de Aeronáutica, e no âmbito internacional, à Convenção de Varsóvia. Conforme ANAC (2010c, p. 29):

O passageiro poderá optar por efetuar o despacho de seus pertences, resguardando-se por uma Declaração Especial de Interesse realizada no momento da entrega de sua bagagem ao funcionário da empresa aérea, no qual deverá especificar minuciosamente o conteúdo da mala. Essa declaração está sujeita à cobrança de taxa.

Como já foi expresso no presente estudo, que tais normas não apartam a possibilidade de o consumidor solicitar outros direitos enraizados na legislação de proteção e defesa do consumidor. Esse entendimento é corroborado pelo Superior Tribunal de Justiça - STJ-Resp 552553/RJ, Quarta Turma, Rel. MIN. Fernando Gonçalves. DJ 01/02/2006, onde conforme ANAC (2010c, p. 28):

Nesse sentido, cabe informar haver jurisprudência firme no Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que o transportador aéreo, seja em viagem nacional ou internacional, responde integralmente pelo extravio de bagagens e de cargas, mediante a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, afastando-se a incidência da Convenção de Varsóvia e, por via de conseqüência, a limitação à indenização tarifária.

Caso ocorra extravio ou avaria em sua bagagem, o passageiro deverá seguir as seguintes etapas:

a) procurar a empresa aérea ainda na sala de desembarque e preencher o Registro de Irregularidade de Bagagem - RIB. É necessária a apresentação do comprovante de despacho da bagagem, visto ser a prova do contrato de transporte da sua bagagem; b) no caso de avaria, o passageiro deverá procurar a empresa aérea, para relatar o fato, preferencialmente, no ato de seu desembarque, ou até sete dias após, nos termos do § 2º, do art. 244, do CBAer; c) se a empresa aérea se recusar a preencher o RIB, o passageiro deverá dirigir-se às Seções de Aviação Civil - SAC, preferencialmente a do aeroporto onde o fato ocorreu, e fazer a sua reclamação, mediante o preenchimento de Registro de Ocorrência, que poderá resultar em autuação à empresa aérea (ANAC, 2010c, p. 42).

Conforme ANAC (2010c), os passageiros e demais usuários do Sistema de Aviação Civil, em caso de lesão a direito ou para obter informações, podem dirigir-se às Seções de Aviação Civil, presentes nos principais aeroportos do país, ou às Gerências Regionais da ANAC, onde, se for o caso, será aberto procedimento administrativo para apuração da irregularidade e eventual aplicação de penalidade.

Ainda de acordo com a ANAC (2010c), no tocante a solicitação de indenização por danos, devem ser reivindicados junto ao Poder Judiciário e também em órgãos de defesa do consumidor, uma vez que no âmbito da ANAC, esfera administrativa, há tão-somente, por força da legislação, a previsão de aplicação de penalidade aos entes regulados e fiscalizados, como, por exemplo, empresas aéreas, não sendo possível se fazer o ressarcimento diretamente aos passageiros, pelos prejuízos causados.

4.2 A QUESTÃO SOB O PONTO DE VISTA DA DOUTRINA PÁTRIA

Já se explicitou que é entendimento dominante na doutrina e na jurisprudência que a indenização dos prejuízos do passageiro com a perda, extravio, destruição ou avaria da bagagem, deve ser integral e regida pelo Código de Defesa do Consumidor. Ilustrou-se, anteriormente no estudo, posições da doutrina e da jurisprudência, corroborando com esse entendimento. Seguindo-se a discussão sobre tal tema, Noronha (2002, p. 171) dá sua opinião:

[...] enquanto o Código de Defesa do Consumidor consagra a regra da efetiva reparação de todos os danos, ‘patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos’ (cf. art. 6º, VI) e independentemente da existência de culpa do fornecedor (cf. art. 12), no Código Brasileiro de Aeronáutica e na Convenção de Varsóvia, a responsabilidade da empresa transportadora só é ilimitada na hipótese de ocorrência de dolo ou culpa grave, sendo nos demais casos tarifada, ou seja, é a lei que fixa os valores das reparações possíveis ou os quantitativos máximos destas.

Destaca-se que até a promulgação do Código de Defesa do Consumidor, as relações jurídicas de consumo foram regulamentadas através de normas pertencentes a outros subsistemas do ordenamento jurídico, principalmente o Direito Civil. Portanto, na visão de Sammarco (2005, p. 178):

[...] com isso, estas relações jurídicas recebiam o mesmo tratamento legal dispensado a qualquer outra relação, relegando os consumidores a uma condição de inferioridade latente, assumindo o risco pela aquisição de um produto ou serviço. Sobreveio, então, a legislação consumerista para promover a garantia da defesa e da proteção carecidas, estabelecendo o equilíbrio entre os contratantes, com base na presunção legal de hipossuficiência do consumidor, face à sua vulnerabilidade em relação ao fornecedor de produtos ou serviços.

Nota-se que o Código de Defesa do Consumidor tem como escopo garantir a proteção aos mais fracos nas relações contratuais, buscando definir o equilíbrio nestas relações. Contudo, é preciso ter o cuidado de "bem identificar quanto uma relação é realmente de consumo, para evitar que, a pretexto desta proteção, a aplicação inadvertida do CDC venha causar, contrariamente, o desequilíbrio de uma relação entre partes que, na verdade, se encontravam em situação igualitária." (SAMMARCO, 2005, p. 183). Fica nítida também a posição da doutrina sobre a necessidade de identificação se uma relação contratual é realmente de consumo, para que não se instale um desequilíbrio entre as partes.

Debruçando-se ainda sobre a doutrina, foi possível notar que para Amaral Júnior (1999, p. 72), "parece fora de dúvida que o contrato de transporte, seja pessoa, seja de coisa, sempre que perfaça as características da relação jurídica de consumo se encontra sob o império do Código de Defesa do Consumidor."

É importante lembrar que, como já se anotou no presente estudo, que a empresa transportadora enquadra-se na definição de fornecedor do art. 3º do CDC, bem como o serviço por ela prestado, via de regra, se ajusta à noção de serviço constante do § 2º, do art. 3º:

Art. 3º do CDC. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 2º, do art. 3º, do CDC. Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. (NUNES JÚNIOR; MATOS, 2009, p. 23).

Amaral Júnior (1999, p. 73) frisa que "a limitação da responsabilidade promovida pelo Código Brasileiro de Aeronáutica e pela Convenção de Varsóvia, colide com o princípio da reparação efetiva consagrado pelo Código de Defesa do Consumidor." Os defensores da limitação da responsabilidade, baseada no Código Brasileiro de Aeronáutica, sustentam dois argumentos principais:

1. Na qualidade de lei geral das relações de consumo, o Código de Defesa do Consumidor não teria o condão de revogar o Código Brasileiro de Aeronáutica, lei especial sobre a matéria, salvo se o legislador revelar a intenção de qual tal venha a acontecer; 2. Os tratados internacionais de que o Brasil seja parte prevalecem sobre a legislação interna, revogando os dispositivos com ele incompatíveis (AMARAL JÚNIOR, 1999, p. 73).

Combatendo-se tais argumentos, é possível dizer que as normas constantes no Código Brasileiro de Aeronáutica que limitam a responsabilidade do transportador aéreo "ferem o princípio constitucional da proteção ao consumidor previstos no arts. 5º, XXXII, e 170, V, da Constituição Federal. [...] em consonância com o disposto nos arts. 5º, XXXII, 170, V, [...] foi promulgado o Código de Defesa do Consumidor [...]." (AMARAL JÚNIOR, 1999, p. 74).

É evidente que o prejuízo que advém aos consumidores quando previamente se estabelece um teto para a reparação dos danos. Assim, conforme Amaral Júnior (1999, p. 75):

Por esse motivo, o art. 6º, VI, do CDC consagrou o princípio da reparação efetiva, único capaz de tutelar adequadamente as expectativas de todos os lesados. É lícito concluir, portanto, que os limites indenizatórios, constantes do Código Brasileiro de Aeronáutica não se aplicam às relações jurídicas de consumo. [...] o Código de Defesa aplica-se, igualmente, ao transporte aéreo internacional [...] o STF (RE 80004 – RTJ 83/809-848) considerou que os tratados e convenções internacionais recebidos pelo ordenamento jurídico brasileiro não gozam de supremacia sobre a legislação interna.

Borges (2005, p. 94) frisa que "a doutrina nacional dominante, assim como a jurisprudência dos tribunais superiores entende aplicável o CDC à relação de transporte aéreo internacional travada entre o transportador aéreo fornecedor e o passageiro consumidor [...]." Neste linha, o transporte aéreo internacional "está abrangido pelas normas do CDC [...] não há alusão a qualquer diferenciação jurídica entre o transporte internacional e transporte interno quanto à incidência destas normas protetivas." (BORGES, 2005, p. 94). Ainda abordando-se as posições doutrinárias sobre o tema em discussão, vale apreciar a visão de Marques (2006, p. 448), que defende a aplicação do CDC, cujos argumentos são:

a) Trata-se de lei de função social, de ordem pública econômica e matriz constitucional (art. 1º, CDC); b) deve-se aplicar a norma mais favorável ao consumidor (art. 7º, CDC); c) a proteção ao consumidor erigiu-se em princípio limitador da ordem econômica com a Constituição de 1988; d) mesmo os contratos regulados por leis especiais anteriores ao advento do CDC, passam a submeter-se ao CDC.

Finalmente, Sanches (2008) corrobora com o entendimento até agora aqui lavrado, colocando que a indenização dos prejuízos do passageiro com a perda, extravio, destruição ou avaria de bagagem, deve ser integral, com lastro na Lei nº 8.078/90. Como se nota, a doutrina majoritária centra seus entendimentos da aplicação do Código de Defesa do Consumidor nos contratos de transporte.

4.3 O ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL

4.3.1 Tribunal de Justiça de Santa Catarina

No Tribunal de Justiça de Santa Catarina, têm-se a Apelação Cível nº 2008.024456-5, da Capital, Relator Desembargador Fernando Carioni, de 27.02.2009, decidindo que:

APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. TRANSPORTE AÉREO. EXTRAVIO DE BAGAGEM . INÉPCIA DA INICIAL. FALTA DE CAUSA DE PEDIR. LEGITIMIDADE AD CAUSAM. NOTAS FISCAIS SEM TRADUÇÃO JURAMENTADA. PRESCINDIBILIDADE. NULIDADE DA SENTENÇA. PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO À DEFESA. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. SOLIDARIEDADE ENTRE A COMPANHIA AÉREA E A AGÊNCIA DE VIAGENS. PREVALÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DANO MATERIAL. RESSARCIMENTO LIMITADO AO PREJUÍZO DESCRITO NA INICIAL. ABALO MORAL PRESUMIDO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. CRITÉRIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL DE INCIDÊNCIA. ADEQUAÇÃO EX OFFICIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. OBSERVÂNCIA DOS CRITÉRIOS LEGALMENTE ESTABELECIDOS. RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS (TJSC, 2010a).

Conforme o relator, nos litígios envolvendo a responsabilidade pela perda de bagagem, por dizer respeito às normas de consumo, prevalece o entendimento de ser aplicável o Código de Defesa do Consumidor em detrimento ao Código Brasileiro da Aeronáutica e à Convenção de Varsóvia. O relator ainda aponta decisão no mesmo sentido: Apelação Cível nº 2006.022330-7, de Chapecó, Relator Desembargador Monteiro Rocha, de 2008, onde ficou decidido que às relações ocorridas durante a vigência do CDC aplica-se a legislação consumerista, que prevalece sobre a Convenção de Varsóvia e sobre a legislação aeronáutica.

Ainda no Tribunal de Justiça de Santa Catarina, colheu-se a Apelação Cível nº 2006.003286-1, de Itajaí, Relator Desembargador Trindade dos Santos, de 2008:

INDENIZAÇÃO. TRANSPORTE AÉREO. EXTRAVIO DE BAGAGEM. DANOS MATERIAIS E MORAIS. LUCROS CESSANTES. CARACTERIZAÇÃO. POSTULAÇÕES ACOLHIDAS. RECLAMO DA DEMANDADA. CÓDIGO BRASILEIRO DA AERONÁUTICA. APLICAÇÃO AFASTADA. DEVER INDENIZATÓRIO COMPROVADO. DESPROVIMENTO. INSURGÊNCIA DO REQUERENTE. 'QUANTUM' INDENIZATÓRIO. ELEVAÇÃO. RECURSO, PARA TANTO, AGASALHADO (TJSC, 2010b).

O relator afirmou que a limitação do valor indenizatório dos danos imposta pelo Código Brasileiro de Aeronáutica não prevalece sobre os enunciados do Código Protetivo do Consumidor, por serem esses enunciados de ordem pública e de relevante interesse social, conforme resulta do disposto nos arts. 5º, XXXII e 170, V, da Constituição da República. No mesmo sentido: TJSC, Apelação Cível. nº 2004.004705-3, de Brusque, Relator Desembargador. Moacyr de Moraes Lima Filho, de 2007.

4.3.2 Tribunal Regional Federal – 4ª Região

No Tribunal Regional Federal da 4ª Região, encontra-se decisão que corrobora com o entendimento já suportado pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MATERIAIS. EXTRAVIO DE BAGAGEM. MATÉRIA REGULADA PELO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INDENIZAÇÃO INTEGRAL. 1. A responsabilidade da empresa de transporte aéreo pelo extravio de bagagem encontra-se regida nos princípios do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990), não se aplicando o Código Brasileiro de Aeronáutica (lei 7.565, de 19 de dezembro de 1986), ou mesmo a Convenção de Varsóvia [...] (AC – Apelação Cível nº 2003.71.00.016975-9, Rio Grande do Sul, 4ª T., Relatora Desembargadora Federal Marga I. B. Tessler, Data da Decisão: 06.08.2008) (TRF4, 2010a).

A relatora defendeu que a hipótese em comento se sujeita à tutela especial da legislação consumerista. Os autores se enquadram no conceito de consumidor que nos é dado pelo art. 2º da Lei nº 8.078/1990, eis que destinatários finais do serviço de transporte aéreo. Do mesmo modo, a ré como concessionária de serviços públicos de navegação aérea, subsume-se perfeitamente ao conceito de fornecedor estampado no art. 3º do mencionado diploma. Não se aplica à hipótese dos autos a Convenção de Varsóvia. A posição da relatora foi lastreada por decisão semelhante do Superior Tribunal de Justiça: REsp 552.553/RJ, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, 4ª T., de 2005.

No mesmo tribunal em comento, tem-se decisão no mesmo sentido:

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MATERIAIS. PRELIMINAR. DENUNCIAÇÃO À LIDE. SEGURADORA. EXTRAVIO DE BAGAGEM. MATÉRIA REGULADA PELO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INDENIZAÇÃO INTEGRAL. 1. [...] 2. A responsabilidade da empresa de transporte aéreo pelo extravio de bagagem encontra-se regida nos princípios do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990), não se aplicando o Código Brasileiro de Aeronáutica (lei 7.565, de 19 de dezembro de 1986), ou mesmo a Convenção de Varsóvia.
3. Trata-se de ato ilícito que permite indenização não tarifada. [...] (AC – Apelação Cível nº 2003.04.01.008975-6, Santa Catarina, 4ª T., Juiz Federal Jairo G. Schafer, Data da Decisão: 16.04.2008.) (TRF4, 2010b).

4.3.3 Superior Tribunal de Justiça

No Superior Tribunal de Justiça, encontra-se entendimento que corrobora com as decisões do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina e do Tribunal Regional Federal 4ª Região, como por exemplo, o AgRg no REsp 262687/SP – Agravo Regimental no Recurso Especial nº 2000/0057696-4, Relator Ministro Fernando Gonçalves, 4ª T., Data de Julgamento 15.12.2009:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. EXTRAVIO DE BAGAGEM. INDENIZAÇÃO AMPLA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. 1. É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que, após a edição do Código de Defesa do Consumidor, não mais prevalece a tarifação prevista na Convenção de Varsóvia. Incidência do princípio da ampla reparação. Precedentes. 2. Agravo regimental desprovido (STJ, 2010a).

O Ministro Relator deixa claro em tal decisão que concernente a indenização, a jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de que, após a edição do Código de Defesa do Consumidor, não mais incide a tarifação prevista na Convenção de Varsóvia. Tal decisão é ainda assinalada no mesmo Tribunal:

CIVIL. TRANSPORTE AÉREO. EXTRAVIO DE MERCADORIAS. AÇÃO REGRESSIVA. SEGURADORA. RESPONSABILIDADE TARIFADA. INAPLICABILIDADE. ORIENTAÇÃO DA SEGUNDA SEÇÃO. RECURSO ACOLHIDO. - Nos casos de extravio de mercadoria ocorrido durante o transporte aéreo, a reparação deve ser integral, não se

aplicando a indenização tarifada prevista em legislação especial." (REsp 494.046/ SP, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 27/05/2003, DJ 23/06/2003 p. 387) (STJ, 2010a).

Ainda no Superior Tribunal de Justiça é possível apreciar o AgRg no REsp 309836/MG – Agravo Regimental no Recurso Especial nº 2001.0029521-5, Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, 3ª T., Data de Julgamento: 18.08.2005:

AGRAVO REGIMENTAL. INDENIZAÇÃO. EXTRAVIO DE BAGAGEM. CDC. CONVENÇÃO DE VARSÓVIA. INAPLICÁVEL. TEMA CONSTITUCIONAL. - Em recurso especial não há campo para discussão de matéria de índole constitucional, inda que para fins de prequestionamento. Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor em caso de pedido de indenização por extravio de mercadoria em transporte aéreo (STJ, 2010b).

O Ministro Relator Humberto G. de Barros, entendeu que tratando-se de relação de consumo, prevalece o Código de Defesa do Consumidor em relação à Convenção de Varsóvia. Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor em caso de pedido de indenização por extravio de mercadoria em transporte aéreo.


5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo demonstrou que sob a ótica regulatória, cabe a ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil, instituída pela Lei nº 11.182, de 2005, cabe regular, fiscalizar, incentivar e desenvolver a aviação civil no Brasil, bem como abafar e punir infrações que ultrajem os direitos dos consumidores através de procedimentos administrativos apenas aos entes por ela regulados e fiscalizados, como por exemplo, as empresas aéreas. O consumidor que se sentir ultrajado em seus direitos, pode solicitar indenização de danos apenas ao Poder Judiciário e as entidades defensoras dos direitos dos consumidores.

Percebeu-se também que diante da Convenção de Varsóvia, de 1929, bem como no Código Brasileiro de Aeronáutica, de 1986, a responsabilidade do transportador aéreo é ilimitada em caso de dolo ou culpa grave e, fora disso, é tarifada. Contudo, a doutrina e a jurisprudência pátria tem se demonstrado firme na posição de que deverá haver ampla reparabilidade nas hipóteses de perda, extravio, destruição ou avaria de bagagens, ou seja, não poderá haver limitação a indenização tarifária. A doutrina e a jurisprudência defendem ainda que nos casos de extravio, destruição ou avaria de bagagens, devem ser regulados pelo Código de Defesa do Consumidor, e não pela Convenção de Varsóvia ou pelo Código Brasileiro de Aeronáutica.

Os argumentos da doutrina para tal afirmação estão principalmente centrados em: a) as normas enraizadas na Convenção de Varsóvia e no Código Brasileiro de Aeronáutica que limitam a responsabilidade do transportador aéreo, infringem o art. 5º, XXXII e 170, V, da Constituição Federal de 1988; b) a limitação da responsabilidade promovida pelo Código Brasileiro de Aeronáutica e pela Convenção de Varsóvia, choca-se com o princípio da reparação efetiva enraizado no Código de Defesa do Consumidor (art. 6º, VI); c) o transportador aéreo preenche todas as características de fornecedor de serviços (art. 3º do CDC), e os passageiros deve ser vistos como destinatários finais dos serviços de transporte aéreo (art. 2º, CDC), tratando-se, portando, de relação de consumo. A jurisprudência segue tal entendimento, como por exemplo: Tribunal de Justiça de Santa Catarina – Apelação Cível nº 2008.024456-5 de 2009; Superior Tribunal de Justiça – AgRg no REsp 262687/SP – Agravo Regimental no Recurso Especial nº 2000/0057696-4, de 2009.

Portanto, percebeu-se que no que tange a responsabilidade civil por extravio, destruição ou avaria de bagagens, envolvendo o transporte aéreo, aplica-se o Código de Defesa do Consumidor, em detrimento a Convenção de Varsóvia e ao Código Brasileiro de Aeronáutica.


REFERÊNCIAS

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AMARAL JÚNIOR, Alberto do. O Código de Defesa do Consumidor e as cláusulas de limitação da responsabilidade nos contratos de transporte aéreo nacional e internacional. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 88, v. 759, janeiro 1999, fascículo 1 – Matéria Civil – Doutrina Civil, p. 67-75.

BARCHET, Gustavo. Direito administrativo: teoria e questões com gabarito. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.

BORGES, Mônica Aparecida C. O Código de Defesa do Consumidor, a Convenção de Varsóvia e o novo Código Civil: tratados internacionais e direito interno, algumas considerações. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, nº 56, out./dez. 2005, p. 90-134.

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BRASIL. Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC: cartilha ‘verão no ar 2008’. Disponível em: <http://www.anac.gov.br/arquivos/pdf/guia_verao2008_b.pdf> Acesso em: 27 ago. 2010c.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp 262687/SP – Agravo Regimental no Recurso Especial nº 2000/0057696-4, Relator Ministro Fernando Gonçalves, 4ª T., Data de Julgamento 15.12.2009. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200000576964&dt_publicacao=22/02/2010> Acesso em: 06 set. 2010a.

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ALVES, Juanita Raquel. Convenção de Varsóvia, Código Brasileiro de Aeronáutica, Código de Defesa do Consumidor e extravio de bagagem. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2914, 24 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19394. Acesso em: 10 maio 2024.