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O direito trabalhista e previdenciário das parteiras tradicionais

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Ainda existe uma dificuldade de enquadramento profissional das parteiras. Muitos conceitos trabalhistas não se encaixam no perfil de trabalho dessa categoria de profissionais.

Resumo: O presente trabalho busca garantir o direito trabalhista e previdenciário das parteiras tradicionais, que terá por base o Projeto Lei de nº 912 do ano de 2019, do Sr. Camilo Capiberibe. O mesmo reconhece a profissão da parteira tradicional e determina um salário-mínimo para a categoria. Existe uma discussão sobre as restrições trazidas por esse projeto, que será abordada no decorrer do trabalho. Como bem sabemos salário é a remuneração que um trabalhador deverá receber por seus serviços e a categoria das parteiras tradicionais vem lutando através de ONGs e institutos para o reconhecimento de sua profissão, mas até a presente data não conseguiram ainda o seu reconhecimento profissional, dificultando assim o recebimento dos seus benefícios trabalhistas e previdenciários. Fala também da evolução histórica dessas mulheres desde os tempos dos faraós até a atualidade. O que é a parteira tradicional? É uma mulher que sabe como ajudar outras mulheres, ela tem a fé e a força multiplicada pelas lutas diárias, ela tem o dom de trazer vidas ao mundo. Uma parteira é uma mãe em todos os graus de jurisdição, cuida, protege, se preocupa e luta pelos direitos de suas parturientes. Vai a lugares que muitos não ousariam ir, cuidar do nascituro e da parturiente como se fosse da família. São médicas, assistentes sociais e psicólogas daquelas mulheres tão sofridas que não têm a assistência do Estado, para que possam se desenvolver como cidadãs, mulheres que são por vezes esquecidas às margens do Estado Democrático de Direito. A parteira por vezes não sabe ler nem escrever, porém tem o conhecimento empírico e consegue lutar pelos direitos de suas assistidas de uma forma tão impressionante que muitos operadores do direito sentiriam inveja de sua atuação em campo. Quantas vezes elas saem de suas casas a qualquer horário a fim de socorrer a parturiente não temendo aos perigos das noites ou madrugadas, seguem em busca de realizar sua profissão, seu prazer espiritual, sua devoção “trazer ao mundo vidas” Por tanto nada mais justo que lutemos pelos seus direitos trabalhistas e previdenciários, pois quando a parteira ficar em idade avançada quem irá sustentá-la? Se durante uma vida inteira se dedicou a cuidar das parturientes e não recebeu nenhuma remuneração pelos seus serviços prestados? Sócrates disse “minha mãe era parteira, trazia ao mundo vidas, eu trago ideias” Assim como todos os profissionais de saúde tem seus direitos garantidos, não será diferente com essa categoria de profissionais.

Palavras-chave: Trabalho Científico. Parteira Tradicional. Direito Trabalhista. Direito Previdenciário. Projeto Lei 912.

Sumário: 1. Introdução. 2. A evolução histórica das parteiras tradicionais. 2.1. Parteiras tradicionais no egito antigo. 2.2. Parteiras tradicionais na filosofia. 2.3. Parteiras tradicionais indígenas. 2.4. A história de raimunda parteira. 3. Parteiras na atualidade. 4. Os direitos trabalhistas das parteiras tradicionais. 4.1. Serviço essencial como equiparar a parteira tradicional a esse conceito. 4.2. Previdência para as parteiras tradicionais. 4.3. Precedente, uma forma de remuneração para as parteiras tradicionais. 5. Considerações finais. Referências. Anexo A – Negras no palco da história. Anexo B - Homenagem à Raimunda Parteira.


1. INTRODUÇÃO

Essa pesquisa levou em conta a necessidade das parteiras tradicionais em receberem uma remuneração pelo seu trabalho e consequentemente uma aposentadoria pela sua profissão. Porém o Projeto Lei 912/2019 (BRASIL, 2021), do Sr. Camilo Capiberibe apesar de regular a profissão e prever um salário-mínimo para elas, traz no seu Art. 3º, incisos I e II, os requisitos que precisam ser preenchidos pelas parteiras para que possam ter o direito a sua remuneração.

Existe uma discussão dos órgãos competentes pelas parteiras tradicionais que não concordam com essa restrição, sabemos que elas precisam ter seus direitos resguardados, mas condicioná-las a essas modalidades é tratá-las como inferiores aos demais profissionais de saúde. No Art. 3º, I, (BRASIL, 2021), conclusão, com aproveitamento, de curso de qualificação básica de parteira tradicional, ministrado pelo Ministério da Saúde ou por Secretarias Estaduais de Saúde; II, apresentação de atestado fornecido por entidade de classe da categoria a que esteja filiada, comprovando que a parteira já exercia as atribuições previstas no art. 2º antes da publicação desta lei.

No inciso I, do referido artigo, fica as parteiras restritas aos cursos de qualificação ministrados pelo Ministério da Saúde ou Secretarias Estaduais de Saúde, isso condiciona as “Mães de Umbigo” não sendo favorável a categoria pois muitas não são alfabetizadas, seus conhecimentos são adquiridos com as experiências da vida, foram adquiridos de forma empírica e condicioná-las a cursos é tratá-las como inferiores aos demais profissionais. Não é justo equipará-las a médicos ou enfermeiras, pois mesmo com todo o conhecimento científico adquirido nos muitos anos de estudos, um médico não consegue fazer o que a parteira tradicional consegue, ele jamais sairá da unidade de saúde onde está lotado para se embrenhar pela mata, pelos rios, nas altas madrugadas, andando de bicicleta, de carroça, ou até mesmo no lombo dum jumento.

Apesar dos conhecimentos técnicos dos médicos, eles não possuem o Dom, que a “Cachimbeira” tem. Não menosprezando nenhuma categoria nem outra, antes valorizando-as de formas distintas e dentro de seus conceitos cabíveis e direitos adquiridos. Tanto os profissionais de saúde são importantes para a população quanto as parteiras são importantes para suas parturientes desassistidas pelo poder público. Então assim como a categoria dos médicos e enfermeiros têm seus direitos garantidos e benefícios recebidos assim também deverá ser com a categoria das parteiras de tradição.

No inciso II, a restrição ainda é maior, precisa-se de atestado por entidade de classe para que comprove que a parteira já exercia sua profissão anterior a essa Lei, isso é impensável, onde ficará a tradição? Como será a atuação das mães de tradição? Por isso deve-se encontrar uma forma adequada para a regularização da categoria, pois elas precisam receber por seus trabalhos, precisam ter seus direitos trabalhistas e previdenciários resguardados, mas sem restringi-las na sua arte de partejar.

O objetivo deste trabalho é encontrar uma forma de garantir os direitos trabalhista e previdenciários das parteiras tradicionais, essa categoria de profissionais que existem há milênios, muito antes de existir medicina elas já estavam atuando com seus saberes e amor ao que fazem, precisa-se encontrar uma forma de preservar essa cultura tão linda, que muito mais que partejar elas são patrimônios culturais da humanidade, deve-se retribuir, devolvendo seus direitos que já foram adquiridos mesmo antes de nossa geração. É preciso encontrar uma maneira do Estado pagar seus direitos trabalhistas e previdenciários, de uma vida de luta e trabalho duro.

Pelos princípios previdenciários, todos os cidadãos brasileiros têm direito a seguridade social, elencado no Art.194, da Constituição Federal,(BRASIL,1988), a seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Então se é dever do Estado assegurar até mesmo aos cidadãos que nunca contribuíram ou nunca exerceram uma atividade laboral ou nunca tiveram uma profissão, porque não assegurar os benefícios para as parteiras tradicionais?

A relevância desse tema é maior que possamos mensurar, a arte de partejar é milenar e “Enquanto houver vida humana na Terra, existirão parteiras”. (Maria dos Prazeres de Souza, Jaboatão dos Guararapes). disponível em: https://www.fg2013.wwc2017.eventos.dype.com.br/resources/anais/20/1380747140_ARQUIVO_PARTEIRAS_TRADICIONAIS_DE_PERNAMBUCO.pdf

Alguns livros foram usados nesta pesquisa como: Mulher e Parteira; Cidadania e Direitos Reprodutivos; MELO. Núbia. VIANA Paula. Coordenadoras do Grupo Curumim; Parteiras Um Mundo Pelas Mãos; Exposição Itinerante Fotógrafo Eduardo Queiroga; Parecer Técnico das coordenadoras do Grupo Curumim.

Uma abordagem bibliográfica no modo qualitativo foi usado neste trabalho, onde se levou em conta os sentimentos e sensações das parteiras, estudando a história de algumas dessas mulheres guerreiras a fim de confeccionar a melhor pesquisa científica em favor da categoria das mães de umbigo. Também se desenvolverá o trabalho em III capítulos, onde o primeiro tratará da evolução histórica das mães de tradição, desde a época dos Faraós, passando pelas indígenas contando a história de Raimunda Parteira, um nome que ganhou reconhecimento nessa constelação.

No segundo será abordado a atualidade dessas mulheres e no terceiro a abordagem central do tema do trabalho, seus direitos trabalhista e previdenciários, a dificuldade de enquadramento da categoria em uma atividade laboral, e o conceito que mais se adequar a atividade das mães de tradição e por fim as considerações finais, onde abordará todo o enredo do trabalho, até deixar uma reflexão para as autoridades competentes desabrochar uma melhor maneira de regularizar a profissão das parteiras tradicionais sem restringir sua arte de partejar.

Seguindo as páginas de referências com os anexos usados por base no desenvolvimento da pesquisa científica.


2. A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS PARTEIRAS TRADICIONAIS

2.1. Parteiras tradicionais no Egito Antigo

Falar das parteiras e não relembrar da história das heroínas do Egito antigo não seria justo com as mães de tradição. SIFRÁ e PUÁ, dois nomes que precisam ser mencionados quando se fala de parteira de tradição. Segundo os estudiosos da Bíblia Sagrada, José do Egito foi Governador do Egito Antigo na época do Faraó Apopi I, (Ipepi, na língua egípcia antiga) foi um Faraó pertencente a linhagem Hicsos (um povo semita asiático, que governou o Egito de 1.638 a. C até 1.530 a. C) que governou o Baixo Egito no período da dinastia XV e o final do segundo período intermediário.

Após todo esse reinado, o Governador e o Faraó vieram a óbito, chegando ao fim seu governo e iniciando a administração do Faraó Ramsés. É nesse período que entra em cena, as parteiras Sifrá e Puá, essas duas mães de umbigo desafiaram Ramsés, descumpriram suas ordens direta de cometerem infanticídio dos filhos Hebreus.

A ordem era para as parteiras assim que pegassem os nascituros matar no parto e dizer que foi um acidente, porém essas mulheres seguiam seu código de ética sabendo que isso era errado, jamais matariam um recém-nascido. Por isso elas conseguiram salvar o menino Moisés, que viriam libertar os Hebreus da escravidão do Egito Antigo. Essas mulheres demonstram a importância das parteiras de tradição em todas as sociedades de uma forma histórica e cultural.

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Sifrá e Puá viveram no Egito quando este se esqueceu do justo José, o que causou a escravidão dos israelitas, conforme relato de Êxodo capítulo 1. Eram parteiras hebreias – provavelmente as chefes desse ramo – e estavam a serviço de Faraó, homem mais poderoso daquelas terras. (Êxodo, Cap.1, vers. 15 - 21).BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada. Tradução João Ferreira de Almeida: Barueri-São Paulo: Edição Revista Corrigida, 2019.

2.2. Parteiras Tradicionais na Filosofia

As parteiras chamadas tradicionais são mulheres que prestam assistência a parturientes antes, durante e após seus partos. A maiêutica socrática, criada por Sócrates no Século IV a. C, tem a inspiração na profissão de sua mãe, Phaenarete que é Parteira, ele esclarece isso em sua obra Diálogo.

A maiêutica tem o significado “dar a luz”, “dar parto”, “parir” do latim maeutike, significa arte de partejar. Sócrates dizia: ”minha mãe era parteira, trazia ao mundo vidas eu trago ideias”. Vale ressaltar que esse método socrático é até os nossos dias uma importante ferramenta para aprimorar o conhecimento dos estudantes através de um redirecionamento pelo mestre, assim como parir ideias é importante muito mais é parir vidas, se uma parturiente está em um lugar remoto, onde o Estado não consegue assistir com o mínimo de saúde pública, quem ajudará essa mulher?

Sim a parteira tradicional, que vem construindo sua história desde o princípio do sistema de coisas, e “enquanto existir humanidade sempre existirá uma parteira tradicional” (Maria dos Prazeres). Mulher forte, de coração grande que nunca desiste e nunca abandona uma comadre, nas florestas ou nas montanhas, nos mais distantes vilarejos sempre existiu uma parteira disposta a sair de sua casa em plena madrugada para socorrer uma parturiente, um recém-nascido.

A parteira tradicional de vocação do mundo, não seria a mesma sem essas mulheres, nossa cultura não seria tão rica sem nossas mães de umbigo. Ao longo dos anos elas foram se aprimorando além de fazerem partos naturais, sem nenhuma intervenção médica, elas fazem das ervas e plantas medicinais uma fonte de saúde para as parturientes e os nascituros.

Suas práticas milenares vem salvando milhares de vidas ao longo dos Séculos, desde o começo de tudo a parteira tradicional existe e coloca sua disposição e seu saber natural em favor dos menos favorecidos. Muitas delas rezam, fazem garrafadas curativas, banhos cicatrizantes para as recém-paridas se curarem mais rápido. São raízes, folhas e cascas de ervas, que elas usam para os banhos e chás curativos, as parturientes.

2.3. Parteiras Tradicionais Indígenas

A arte de partejar é milenar, não seria diferente com as tribos indígenas de todas as aldeias do mundo. Essa é uma tradição passada de mães para filhas desde os primórdios dos tempos. Tanto nas aldeias mais antigas quanto nas mais modernas ainda se faz uso dessa prática de partejar em domicílio, no caso das ocas.

A posição mais usada pelas parteiras indígenas, seja de qualquer tribo, era a posição de cócoras à beira do rio. Essa era a posição mais usada entre as parteiras antigas pois acelera o processo de cicatrização do períneo da parturiente. Existem inúmeras outras posições utilizadas, mas essa é a mais comum pelos benefícios trazidos às parturientes. Outras práticas bastante utilizadas por elas no processo de cicatrização do parto são os banhos de ervas e chás.

O da pimenta do reino e do gergelim, é utilizado para dar força a gestante na hora de parir. São feitas massagens com óleos e azeites para melhorar a dilatação na hora de expulsar o bebê. A parteira de tradição indígena, já atuava mesmo antes da medicina evoluir na área obstetrícia, e mesmo na atualidade nas aldeias onde o Sistema de Saúde Pública não consegue chegar elas continuam partejando com muita sabedoria e muito amor.

A parteira não é somente uma mulher que ajuda na hora do parto, ela é também, uma mãe, conselheira, advogada, psicóloga das parturientes que precisam tanto de seus cuidados. as índias já sabem essa arte desde que nascem já tem o dom de ajudar suas irmãs.

“Aproximadamente 85% dos partos podem ser realizados no espaço domiciliar, sem maiores complicações, pela parteira. Essa é a orientação da Organização Mundial da Saúde”. Em 2000, foram realizadas ações em 33 Municípios, nos Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Roraima, Paraíba, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, atendendo a 55 parteiras tradicionais; em 2001, 458 parteiras e 177 profissionais de saúde; em 2002, 196 parteiras e 111 profissionais de saúde; em 2003, 101 parteiras e 80 profissionais de saúde; em 2004, 94 parteiras e 87 profissionais de saúde; totalizando, em 2005, 904 parteiras tradicionais e 549 profissionais de saúde.

Fonte: PARTEIRAS MÃES DA PÁTRIA – Brasília, Câmara dos deputados, 2008. disponível em: https://bd.camara.leg.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/3977/parteiras_tradicionais.pdf?sequence=1&isAllowed=y .

A arte de pegar menino vem desde a criação do mundo, em todas as sociedades, povos e tribos. mesmo com a evolução na medicina, se faz necessário continuar a tradição de partos domiciliares, por uma dificuldade do Estado em assistir todas as partes e principalmente nas áreas rurais que o muitas vezes o acesso a saúde pública é remoto.

Por isso essa profissão é tão importante, na falta de uma parteira tradicional, seja ela indigena, quilombola, ou só uma mãe de tradição mesmo, pode colocar em risco a vida e a saúde tanto da parturiente como do nascituro.

Um dado importante: 57% dos partos na Comunidade Kalunga de Goiás foram empreendidos pelas parteiras. (…) Em Alcântara, Maranhão, por sua vez, os partos realizados pelas parteiras correspondem a 53,94% do total, enquanto o parto nos hospitais, com médicos e médicas, representa 13,23%).

Fonte: PARTEIRAS MÃES DA PÁTRIA – Brasília, Câmara dos deputados, 2008. disponível em: https://bd.camara.leg.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/3977/parteiras_tradicionais.pdf?sequence=1&isAllowed=y .

2.4. A história de Raimunda Parteira

Em 1945, na Segunda Guerra Mundial chegando ao fim, todo o mundo chorando suas perdas. Mas em um lugar tão longínquo, o mundo acabara de ganhar um presente. Em 25 de Dezembro de 1945, nasce Raimunda Parteira, um ser humano sem precedentes que passaria nesta terra. 4:00 hs da manhã de Natal, grita a parteira por nome de Mãe Véia, nasceu!!! É "homi ou muié?" pergunta uma voz do terreiro. É homi, responde Mãe Véia, com o bebê ainda virado, na linguagem das parteiras “emborcado”.

Quando virou o nascituro, para a surpresa de todos era mulher. “Vixe Maria! Muié que nasce na posição de homi!”, fica a parteira horrorizada, pois não era comum essa posição do bebê nascer. Porém Raimunda teria a força e a disposição que muitos homens não tem. Então a festa começa para comemorar o nascimento do mais novo membro daquela família, o pai da criança chama todos os parentes para comemorar. Perguntaram o nome? Ele responde, Raimunda, em homenagem a São Raimundo Nonato (Padroeiro dos nascituros, parteiras e gestantes na hora do parto).

Sua história já estava traçada começando pelo nome, houve festa na terra e no céu, pois um anjo veio habitar à terra, para trazer luz e ajudar a humanidade a entender o valor do perdão e do amor que iria se propagar através de Raimunda Parteira. Passam-se os anos e começa a missão dessa guerreira na terra, ainda jovem viu uma parente parir, ficou emocionada com aquele momento e decidiu naquela hora que seria uma parteira de tradição. Raimunda viveu no Sertão de Pernambuco desde o seu nascimento até sua morte no ano de 2017, foi uma parteira tradicional que ajudou centenas de parturientes, foi além de mãe de umbigo, conselheira, benzedeira, raizeira, advogada das gestantes quando tinham seus direitos oprimidos e acima de tudo fez seu trabalho com amor.

Nunca recebeu nenhuma remuneração pelos seus serviços prestados, mas isso não era empecilho para desempenhar sua arte de partejar com dedicação e zelo. Participou da Associação das Parteiras Tradicionais de sua cidade, Trindade (PE), viajou com o grupo para várias capacitações e quando requisitada, não importando com a hora e o lugar, estava sempre pronta para fazer um parto, pegar menino, realizar seu Dom Espiritual. Raimunda foi homenageada após sua morte pelo Site, NEGRAS NO PALCO DA HISTÓRIA. Muitas vezes as gestantes estavam em condições financeiras desfavoráveis ao ponto de não terem um pedaço de carne para fazer o pirão no pós-parto, pois é uma tradição das parteiras o pirão logo após o bebê nascer, então Raimunda doava uma galinha gorda para a parturiente se alimentar.

Ela cuidava de sua parturiente do pré-natal até o pós-parto de uma forma sem precedentes. Essa é a diferença da parteira de tradição para os demais profissionais de saúde. Não desmerecendo as outras áreas, mas valorizando a profissão parteira, pois elas contribuíram e contribuem para nossa sociedade em todos os aspectos históricos e culturais. Por isso devem ter seus direitos trabalhistas e previdenciários garantidos pelo Estado Democrático de Direito.

Raimunda se doou de corpo e alma a sua profissão, deixava o aconchego de sua família para atender um gestante, essa mulher era motivo de orgulho para sua família e para todos os amigos de sua comunidade. Nunca deixou uma mulher ou seu recém-nascido vir a óbito, pois tinha um Dom muito incrível, ela fazia o exame na parturiente e se percebesse que não dava para fazer o parto domiciliar, então intimou a família da parturiente para encontrar uma forma de socorrer a gestante, nem que tivesse que levá-la de carroça até uma cidade próxima ela fazia.

Pois ela conhecia quando o nascituro estava em uma posição diferente da comum, é natural o bebe está de cabeça para a vulva vaginal para que o parto ocorra de uma forma mais segura, pois se ele estiver de mão, pé ou atravessado ou ainda sentado no útero das mães, o risco de morte no parto é altíssimo. Mas Raimunda conhecia pelo toque na parturiente todas essas posições e na hora que identificativa uma forma diferente ela não perdia tempo e socorria a mãe para uma unidade de saúde mais próxima.

Muitas vezes ela discutia com alguns dos médicos da maternidade da cidade próxima a zona rural onde ela vivia e atendia suas gestantes, ela dizia “Dr. Acuda a gestante porque o neném está em uma posição diferente e não tem a mínima condição de nascer de parto normal, precisa fazer uma cesariana nela agora” dizia de uma forma categórica que o médico não se recusava a obedecer seu comando, levava a mulher para sala de parto e assim que fazia o exame constata que Raimunda estava correta e de imediato preparava a gestante para fazer um parto cesário.

Por tudo isso ela ficou conhecida em sua região como Dona Raimunda Parteira. Amava o que fazia e dedicou sua vida à arte de partejar e rezar nas pessoas que acreditava em sua reza. Um dia todo trabalho dessa guerreira será recompensado, pois mesmo ela estando no plano espiritual, deixou seu legado para muitas outras mães de tradição, aparadeiras, cachimbeiras, parteiras de tradição e domiciliar. Por meio de seu trabalho, ajudou inúmeras mulheres, era uma pessoa que não media esforços para ajudar ao próximo, era dedicada, decidida, sofreu violência doméstica no seu primeiro casamento, passou fome com seus sete filhos pequenos, mas nunca desistiu de seus sonhos e objetivos, lutou e conquistou. Conheceu o verdadeiro amor, um homem que cuidava de sua família com todo amor do mundo, apoiava Raimunda na sua luta como parteira tradicional, ela amou, ajudou, cuidou e foi feliz até o fim.

(Essa história não tem fonte, por se tratar de uma conversa informal com essa parteira tradicional antes de seu falecimento no ano de 2017).

Os médicos nordestinos são os primeiros a reconhecer a importância das parteiras para o Sertão. O obstetra Zé Dantas, parceiro de Luiz Gonzaga, dedicou às comadres uma de suas mais lindas e longas canções. A versão completa de “Samarica parteira”, com dez minutos de duração, foi gravada em 1973 por Luiz Gonzaga, o peão Lula.

Fonte: (Revista Globo Rural, 2019).disponívelem: https://rastrorural.com.br/index.php/agricultura/item/359-os-saberes-das-mulheres-da-caatinga

A parteira é tão importante para nossa sociedade, que muitas são as homenagens encontradas na literatura, no cordel e na música. Uma música conhecida nacionalmente quiçá internacionalmente é a Samarica Parteira do rei do baião Luiz Gonzaga. Na música ele retrata o cotidiano de uma mãe de umbigo, conta como é quando as dores de parto atacam as gestantes no meio da madrugada e como a destreza dessas mulheres podem salvar as parturientes. Uma parteira de tradição nunca se recusa a ajudar suas comadres, não importando a hora, o lugar e as circunstâncias ambientais, se chovendo ou fazendo sol, elas estão sempre prontas a fazer do seu Dom uma arte à partejar.

2.5. PARTEIRAS NA ATUALIDADE

Inúmeras são as homenagens encontradas na literatura brasileira e também mundialmente, sobre as mães de umbigo, dentre tantas, podemos destacar O LIVRO DA PARTEIRA TRADICIONAL, publicado no ano de 2012, essa é uma obra em parceria com o Ministério da Saúde, a Secretaria de atenção à saúde e Departamento de Ações Estratégicas.

Essa obra se divide em 18 capítulos, onde todos são extremamente importantes tanto para o conhecimento científico como para as parturientes em um modo geral. Começa falando da mulher, seu corpo e sua diversidade, sexualidade, reprodução, planejamento reprodutivo, passando para o planejamento da gravidez até chegar nas plantas medicinais. Todo confeccionado em uma linguagem simples, para facilitar seu entendimento.

Neste livro são abordados muitos temas importantíssimos, inclusive a divisão de atividades entre homens e mulheres nas culturas antigas, pois na atualidade já não há mais essa separação de afazeres. Essa separação onde as mulheres cuidavam da casa e dos filhos enquanto os homens cuidavam do sustento da família, é bastante importante destacar que bem nessa época as parteiras tradicionais já faziam parte dessa divisão, somente as mulheres podiam fazer um parto domiciliar, somente uma mãe de umbigo poderia ver outra mulher fosse ela de aldeia simples do campo ou da mais alta nobreza, pois a cultura da época os homens não permitiam que um médico visse as partes íntimas de suas esposas, por isso era muito importante ter uma parteira tradicional por preto na hora de parir.

Apesar da evolução humana, ainda existe muita desigualdade de gênero hoje, mesmo com tantas conquistas pra as mulheres ainda existem a discriminação das parteiras tradicionais, primeiro por serem mulheres, segundo por não serem alfabetizadas em sua grande maioria e terceiro por não tem um diploma de medicina. Não menosprezando a categoria de médicos que são muito importantes na evolução humana, mas destacando a importância das aparadeiras que veio antes da medicina e ainda perdura por todo esse tempo e “enquanto existir humanidade existirá parteira tradicional”.

O livro da Parteira Tradicional aborda muitos temas importantes, mostra a importância de amamentar no pós-parto, os cuidados com as genitálias da mãe durante a gravidez e após o nascimento do bebê. Traz uma amostragem bem interessante nas POSIÇÕES DOS PARTOS, as posições de cócoras, sentada, em pé ou apoiada em alguém de sua confiança são as melhores posições para a hora de parir. Importante não deixar a parturiente deitada de barriga para cima pois essa posição dificulta a saída do sangue para o bebê e para a mãe, a dilatação são as contrações do útero, na hora do parto é melhor que a mulher fique sentada ou cócoras e a rede de dormir é um excelente apoio.

A parteira e enfermeira obstetra Maria dos Prazeres, de 79 anos, já trouxe ao mundo 6 mil bebês. Nenhuma criança morreu. Nesta semana, em 19 de Agosto de 2017, ela subiu ao palco do teatro Santa Isabel para receber o título de Patrimônio Vivo de Pernambuco. Consagrada pelo saber popular tradicional, que acumulou em 60 anos de profissão em Jaboatão dos Guararapes, foi uma das mais aplaudidas entre os homenageados. (…) a homenageada é defensora do parto domiciliar, principal objetivo de sua carreira. “O parto domiciliar, humanizado, deixa a mulher apta para a vida. E os meninos nascidos de parto normal tem outro tipo de saúde”, defende. “Em casa, a mulher é protagonista do corpo dela. Ela fica mais à vontade, com a família”, diz Dona Prazeres.

disponível em: https://www.gazetadigital.com.br/editorias/brasil/parteira-que-trouxe-mais-de-6-mil-pessoas-ao-mundo-recebe-titulo-de-honraria/518303.

Também é importante o cuidado com a casa para hora do parto, tudo tem que está bem limpo, panos e fraldas limpas, comidas e chás para o fortalecimento da parturiente, água fervida, pessoas queridas de apoio, transporte em caso de emergência e durante o parto os animais devem permanecer fora da casa. Esses e muitos outros cuidados são praticados pelas parteiras na hora do parto domiciliar.

De acordo com dados divulgados pelo relatório “Quem espera, espera”, realizado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), em 2014, cerca de 11,2% de todos os bebês que nasceram no território nacional foram prematuros, ou seja, vieram ao mundo antes de completar a 37ª semana de gestação. Por isso, do ponto de vista de estudos científicos, o parto vaginal é uma das formas que o bebê tem de ‘escolher’ nascer. As contrações funcionam como um sinal de que ele está pronto para vir ao mundo. Disponível em:

https://www.danonenutricia.com.br/infantil/gravidez/desenvolvimento/beneficios-do-parto-normal-para-mae-bebe

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Sobre a autora
MARIA LINDALVA DA SILVA OLIVEIRA

•Analista de processos previdênciarios; •Bacharela em Direito; •Técnica em Segurança do Trabalho; •Filha, Mãe, Amiga, Irmã e Poeta.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, MARIA LINDALVA SILVA OLIVEIRA. O direito trabalhista e previdenciário das parteiras tradicionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7402, 7 out. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/106288. Acesso em: 27 abr. 2024.

Mais informações

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para conclusão do curso de Bacharelado em Direito do Centro Universitário Maurício de Nassau. Orientador: André Felipe Torquato Leão.

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