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O direito trabalhista e previdenciário das parteiras tradicionais

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3. OS DIREITOS TRABALHISTAS DAS PARTEIRAS TRADICIONAIS

De acordo com nossa Constituição Federal de 1988, todos os cidadãos têm direitos e deveres a serem garantidos pelo Estado Democrático de Direito. Em seu Art. 7º, incisos IV, XXIV e XXXII (BRASIL, 2021), são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: IV, salário-mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; XXIV aposentadoria.

A priori serão abordados dois princípios constitucionais para defender o direito trabalhista das parteiras tradicionais, sendo eles: I – Princípio da suficiência, II – Princípio da solidariedade.

O primeiro princípio versa sobre a suficiência salarial para cada cidadão, elencando quais pontos devem ser supridos pelo salário-mínimo, mostrando que deve ser capaz de satisfazer as necessidades vitais do trabalhador, como; moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, dentre outras necessidades da previdência social. O que deve ser questionado é; se a categoria de parteira tradicional não é reconhecida como profissão, como ela será remunerada? Sendo assim como garantir uma previdência social para elas, além de nunca terem recebido nenhum tipo de remuneração pelos seus trabalhos, não tem como contribuir para garantirem uma aposentadoria no futuro.

Nesse quadro, o ramo jurídico em análise já recebeu diferentes denominações desde o início de sua existência, no século XIX, a partir da hoje consagrada Direito do Trabalho. Trata-se, principalmente, de: Direito Industrial, Direito Operário, Direito Corporativo, Direito Sindical e Direito Social. Nenhum desses epítetos alternativos, contudo, prevaleceu ou se afirmou hegemonicamente no tempo, certamente em face de cada um deles apresentar tantos ou mais problemas e insuficiências quanto os perceptíveis no consagrado título de Direito do trabalho. (DELGADO, 2019).

O segundo princípio fala da solidariedade constitucional, nos termos do direito previdenciário. Tentando proteger a dignidade da pessoa, para que possam ter uma vida digna tanto em sua velhice como em caso de doenças que venham a ser acometidas e não possam mais proverem seus sustento.

O que é solidariedade? No âmbito previdenciário, é a ligação econômica entre todos os indivíduos de uma mesma sociedade. É a dependência dos inativos no mercado de trabalho, aos que ainda estão na ativa, contribuindo para garantir a seguridade social dos que já contribuíram um dia e hoje não se acham mais em condições de contribuírem. O problema da categoria das parteiras tradicionais é justamente essa dependência econômica que lhes falta. Elas estão trabalhando em prol da sociedade onde estão inseridas, porém não estão contribuindo para garantir seu futuro. O problema é que elas não recebem nenhuma remuneração pelos seus serviços prestados, então não tem como contribuírem.

O Direito do Trabalho pode ser definido como o ramo do Direito que regula as relações de emprego e outras situações semelhantes. Como ramo do Direito, ele é composto de normas jurídicas, aqui incluídas as regras e os princípios, além de instituições, como entes que criam e aplicam as referidas normas, no caso, o Estado e certas organizações profissionais e econômicas. No Direito do Trabalho, em razão do pluralismo das fontes normativas, observa-se a existência de normas estatais e não estatais. As regras jurídicas trabalhistas são as disposições normativas que regulam certas situações específicas e condutas, bem como estabelecem as respectivas consequências. Os princípios do Direito do Trabalho são as disposições estruturais desse ramo do Direito. (GARCIA, 2017).

A maior dificuldade do presente trabalho é o enquadramento da categoria das parteiras tradicionais em uma função laborativa. O Art. 3º da CLT, Consolidação das Leis Trabalhistas (BRASIL, 193), define empregado como: Toda pessoa física que presta serviço de maneira não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. Não conseguimos enquadrar a parteira tradicional nessa categoria de empregado, pois ela não recebe nenhum salário pelo seu trabalho.

A Lei de nº 5.859/1972, em seu Art. 1º, define empregado doméstico aquele que presta serviço de natureza contínua e de finalidade não lucrativa a família ou pessoa, no âmbito residencial deste. Também não dá para conceituar essa categoria as parteiras tradicionais, uma vez que seu trabalho não é de natureza contínua, visto que não tem nascituros todos os dias para a parteira exercer o seu trabalho. Apesar de ser no âmbito residencial, pois o parto é domiciliar não é de uma maneira contínua.

A Lei de nº 8.212/1991 (BRASIL, 1991) no seu art. 12, VI, conceitua trabalhador avulso, quem presta a diversas empresas, sem vínculo empregatício de natureza urbana ou rural, de forma sindicalizada ou não, porém com a intervenção obrigatória do sindicato da categoria. Como bem vimos também não há a possibilidade de enquadramento das parteiras tradicionais nesse ramo trabalhista, pois seus serviços não são prestados a empresas, mas a pessoas individuais que precisam de assistência médico-hospitalar e não tem condições de se deslocarem de suas residências para um posto médico, ou ainda não tem a possibilidade de um médico ou funcionário da saúde possa vir a esta residência prestar os cuidados necessários para a parturiente e o nascituro.

A Lei de nº 5.890/1973, em seu Art. 4º, alínea “c”, traz o conceito de trabalhador autônomo, como o que exerce habitualmente, por conta própria e de maneira remunerada. Já no início desse conceito trabalhista conseguimos descartar o enquadramento da categoria parteira tradicional, pela forma remunerada, uma vez que elas não recebem salários nem do poder público nem do particular. Elas estariam mais para um serviço voluntário e afins.

A Lei de nº 9.608/1998,em seu Art. 1º, § Único, conceitua o serviço voluntário, é aquele que o jovem ou adulto presta de acordo com seu interesse pessoal, o trabalho voluntário está conceituado com atividade não remunerada, prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza, ou instituição privada de fins não lucrativos, que tenham objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos e recreativos ou de assistência social.

Poderíamos até tentar equiparar a parteira tradicional ao conceito de trabalho voluntário, mas não é o objetivo dessa pesquisa, o objetivo é trazer um meio legal para enquadrar a categoria das parteiras tradicionais para que elas possam receber um salário pelo seu trabalho e com isso consigam contribuir com a previdência social para garantir sua aposentadoria quando chegar a velhice.

E, portanto, não caberia o enquadramento no conceito trabalho voluntário, uma vez que o desprendimento da parteira tradicional apesar de ser por forma voluntária, está determinada a um fim específico que é dar assistência a parturiente na hora de parir, com a aplicação do seu esforço. Merecem ser remuneradas por suas atividades laborais.

4.1. Serviço Essencial: como equiparar a Parteira Tradicional a esse conceito.

O Decreto nº 10.282 de 28 de Abril de 2020, em seu Art. 3º, § 1º, traz o conceito de serviço essencial. Qual seja aqueles indispensáveis da comunidade assim considera aqueles que, se não atendidos, colocam em risco a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população. Esse conceito casa-se bem com as parteiras tradicionais, uma vez que elas são essenciais à sobrevivência da parturiente e do nascituro.

Observando nosso contexto social, ainda existem muitos lugares em todo o país com acesso remoto aos profissionais de saúde, muitas aldeias, vilarejos, montanhas, colinas e sítios isolados da área urbana, sem acesso ao mínimo de saúde pública. Lugares tão isolados que não tem nem sinal de telefone e não tem como uma ambulância socorrer uma gestante.

Toda lei está sujeita à Constituição de um país. Em nosso caso, a Constituição de 1988 estabelece como “direitos dos trabalhadores”, dentro do Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais), todo o rol do artigo 7, além dos artigos 8 ao 11. O caput do artigo 7º refere que o conjunto de direitos ali estabelecidos não exclui “outros que impliquem melhoria da condição social” de quem trabalha.

(Constituição Federal (Texto compilado até a Emenda Constitucional nº 95 de 15/12/2016) disponível em: https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/con1988_15.12.2016/CON1988.asp.

Se para o Estado Brasileiro, salão de beleza e barbearia é considerado atividade essencial, não seria muito mais essencial o trabalho da parteira tradicional? Que se não socorrer a parturiente e o nascituro poderão vir a óbito? No conceito de atividade essencial, diz que toda atividade que não está sendo exercida coloca em risco a sobrevivência e a saúde da população. Não teria encaixe mais perfeito para a categoria das parteiras tradicionais que esse conceito. Pois se elas não exercerem sua atividade de partejar, mãe e filho correm o risco de morrerem ou ainda de ficarem gravemente doentes.

A Lei de nº 7.783/1989, em seu Art. 10, traz o rol de atividades essenciais, quais sejam: inciso II, assistência médica e hospitalar. Uma vez que o Estado não pode ofertar esses cuidados a essas comunidades é aí que entra o trabalho da parteira tradicional. Muitas nem são alfabetizadas mas possuem o Dom de partejar, uma tradição passada de geração em geração e “enquanto existirem seres humanos, existirá parteira tradicional”

“O Rei do Egito ordenou às parteiras hebréias, das quais uma se chamava Sifrá e a outra Puá. Quando ajudarmos no parto as hebreias, e as virdes sobre os assentos, se for filho, matá-lo eis; mas se for filha, viverá. As parteiras, porém, temeram a Deus e não fizeram como lhes ordenara o Rei; antes, deixaram viver os meninos

Fonte: (Livro do Êxodo, Capítulo I, versículos 15, 21,BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada. Tradução João Ferreira de Almeida: Barueri-São Paulo: Edição Revista Corrigida, 2019.

Elas não são médicas, não possuem o conhecimento científico dos médicos, porém trazem uma bagagem de conhecimento milenar, que vem passando a tradição desde os primórdios dos tempos. No Art. 11, da referida lei, menciona que mesmo em greve geral, os serviços essenciais devem continuar em funcionamento. No seu Parágrafo único, determina que essas atividades são indispensáveis à saúde e à sobrevivência da população. Reforçando ainda mais a tese que a categoria de parteira tradicional é uma atividade de extrema necessidade para a população, principalmente para as comunidades mais carentes que não conseguem ser assistidas pelo Estado.

Pois quando não existe possibilidade das gestantes serem assistidas pelo poder público de saúde, a parteira cuida dessa mulher desde o pré-natal até o dia de parir, por sua vez na falta de uma aparadeira, essa parturiente com o nascituro, com certeza, perecerão, a arte de partejar é sem sombra de dúvidas essencial à população. Não exercendo a parteira sua atividade colocará em risco a vida e saúde tanto da mãe como do bebê.

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Então se o Estado consegue aplicar esse conceito de atividade essencial em outras áreas, não poderá esse mesmo poder público aplicar esse conceito na atividade das parteiras tradicionais? Existe uma dificuldade por trás dessa falta de regulamentação, as políticas públicas não parecem se importar tanto com o tema, ocasionando um retrocesso gigante na evolução trabalhista dessa categoria de profissionais.

A maior característica do Direito do Trabalho é a proteção do trabalhador, seja através da regulamentação legal das condições mínimas da relação de emprego, seja através de medidas sociais adotadas e implantadas pelo governo e sociedade. Logo, seu principal conteúdo é o empregado e o empregador. Sob o aspecto do direito coletivo do trabalho, sua maior característica está na busca de soluções e na pacificação dos conflitos coletivos do trabalho (conflitos on going), bem como nas formas de representação pelos sindicatos. (CASSAR, 2014)

Já que a maior característica do Direito do Trabalho é a proteção do batalhador, então que o Estado possa regulamentar as condições mínimas do trabalho das parteiras, para que elas possam receber os seus benefícios trabalhistas e previdenciários.

4.2. Previdência para as Parteiras Tradicionais

No Brasil o Regime previdenciário que rege a maioria da população é o geral. Existem dois modelos de contribuinte, o obrigatório e o facultativo, 5 tipos de segurados, o empregado que possui vínculo empregatício, empregado doméstico, avulso, autônomo e o segurado especial. Todos esses segurados precisam preencher requisitos para conseguirem seus benefícios previdenciários e ainda duas maneiras de se tornar segurado.

Considera-se regime de previdência social aquele que ofereça aos segurados, no mínimo, os benefícios de aposentadoria e pensão por morte.(…) o Regime Geral de Previdência Social é aquele que abrange o maior número de segurados, sendo obrigatório para todos os que exercem atividades remuneradas por ele descritas. Assim, todos os empregados de empresas privadas e todas as pessoas que trabalham por conta própria estão também obrigatoriamente filiados, devendo contribuir com sua parte para o sistema. (KERTZMAN, 2015).

Filiação é quando o segurado contribui compulsoriamente para a previdência, com os descontos previdenciários que já vem no seu contracheque. A outra forma é quando o segurado não tem a obrigação de contribuir, mas, mesmo assim, faz de forma facultativa por meio da inscrição.

São muitos os benefícios garantidos aos segurados e seus dependentes, mas para isso é preciso que esses contribuam durante determinado tempo para a previdência, que pode ser a Geral, Própria ou Complementar. O problema é que as categorias de profissionais das parteiras tradicionais não recebem nenhuma remuneração pelo seu trabalho, logo não conseguem ser contribuintes da previdência, ficam impossibilitadas de conseguirem sua aposentadoria.

O problema maior dessa pesquisa é justamente que não tem nenhuma legislação garantido o direito trabalhista e previdenciário dessa categoria, como na introdução foi mencionado que esse trabalho tem por base o Projeto Lei de nº 912- (BRASIL, 2021), do Sr. Camilo Capiberibe, porém esse Projeto Lei, restringe de forma imensurável essa categoria de profissionais.

No Art. 3º, incisos I, II,do Projeto Lei 912, do Sr. Camilo Capiberibe, estão elencadas as restrições impostas às parteiras tradicionais para que elas possam ter direito a um salário-mínimo, decorrente de sua profissão. Submeter as parteiras a cursos profissionalizantes, com conhecimento científico, não só descaracteriza a tradição como impossibilita sua atuação em campo, levando em conta que muitas dessas mulheres não são alfabetizadas e não conseguem nem escrever seus nomes, seriam desaprovadas e não receberam o certificado de conclusão, jogando anos de conhecimento empírico no lixo, e ainda prejudicando seu direito a uma remuneração por todo os seus serviços, prestado a sociedade. E voltamos ao ponto de partida, sem direito a remuneração pela sua profissão, não há o que se falar em benefício previdenciário, aposentadoria especial etc.:

O Direito da Seguridade Social é um conjunto de princípios, de regras e de instituições destinado a estabelecer um sistema de proteção social aos indivíduos contra contingências que os impeçam de prover às suas necessidades pessoais básicas e de suas famílias, integrado por ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, visando assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

(Os princípios e objetivos da Seguridade Social, à luz da Constituição Federal) disponivelem: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-previdenciario/os-principios-e-objetivos-da-seguridade-social-a-luz-da-constituicao-federal/ .

De acordo com o princípio constitucional da suficiência, todo cidadão brasileiro tem o direito de receber um salário-mínimo para se manter e subsidiar sua família. Não deixando esse de arcar com educação, moradia, alimentação e lazer. Então, como as categorias de parteiras tradicionais manterão a sua família e si próprias, visto que não há um meio legal de proteção ao seu direito de remuneração trabalhista?

Existem muitas ONGs, voltada para proteção do trabalho das parteiras, no Estado de Pernambuco são bem conhecidas e tem parceria com a Fundação de Cultura para resguardar os direitos das parteiras, esses institutos lutam pelo direito de remuneração dessa categoria de profissionais que é tão sofrida, que enfrentou milênios e nunca pereceu como sabido essas organizações que protegem de frente o direito da parteira tradicional, não concordam com o Projeto Lei que tramita na Câmara dos Deputados, justamente porque são contra as restrições contidas nesse dispositivo legal.

Nos termos do art. 203 da Constituição Federal, a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à Seguridade Social. Assim, esse ramo da Seguridade Social tratará de atender os hipossuficientes, destinando pequenos benefícios a pessoas que nunca contribuíram para o sistema. (GOÊS, 2016).

Então que apresentem uma forma, menos restritiva para solucionar esse problema, que busquem ajuda jurídica, fazendo uma força tarefa com profissionais multidisciplinares para resolver essa demanda, elas precisam ter seus direitos resguardados de alguma forma, pois a pessoa que está de frente ao Projeto Lei, não entende essa demanda sozinho, mas quem sabe se for auxiliado por outros profissionais, que demonstrem o prejuízo que ocasionará as parteiras caso o referido Projeto seja aprovado.

Outro princípio constitucional, utilizado na pesquisa é o da solidariedade, Em matéria previdenciária, a solidariedade consiste em orientar todas as medidas que o Estado deve tomar com seus cidadãos, mas também é um dever coletivo da sociedade, em financiar direta ou indiretamente a previdência social para garantir o equilíbrio previdenciário e constitucional.

Nos termos do art. 196 da Constituição Federal, “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Os serviços públicos de saúde serão prestados gratuitamente: para usufruir de tais serviços, não é necessário que o paciente contribua para a Seguridade Social. A saúde é direito de todos: assim, não pode o Poder Público se negar a atender determinada pessoa em razão de suas condições financeiras. Qualquer pessoa, pobre ou rica, pode dirigir-se a um hospital público e ser atendida. O Poder Público prestará os serviços de saúde à população de forma direta ou através de convênios ou contratos com instituições privadas. Esses contratos e convênios serão celebrados, preferencialmente, com as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos. (GOÊS, 2016).

Então se o poder público prestará saúde a população de forma direta ou através de convênios, porque não fazer parceria com as parteiras tradicionais tanto em prol da assistência que elas podem dar as parturientes menos assistidas, como para modelar a regularização desse trabalho.

4.3. Precedente: uma forma de remuneração para as Parteiras Tradicionais

No Projeto Saberes e Práticas das Parteiras Tradicionais de Pernambuco, foram entrevistadas muitas parteiras de todo o Estado de Pernambuco. Foi através desse Projeto que ficou registrado o primeiro precedente de remuneração trabalhista dessa categoria. No ano de 1994, iniciou-se a Associação de Parteiras Tradicionais de Trindade, Pernambuco.

Essa cidade está localizada no Sertão e fica à 665 KM, da Cidade do Recife, foram entrevistadas 25 Parteiras, sendo 02 delas parteiras hospitalares e 23 de tradição. Sendo a única associação de parteiras do Estado de Pernambuco que através de um acordo com a Prefeitura Municipal e a associação, elas chegaram a serem remuneradas pela sua arte de partejar.

O então Secretário de saúde da época convocou as parteiras pela rádio, a fim de realizar o cadastramento das mesmas. Todos trabalhavam de maneira isolada, mas exercendo a mesma profissão, esperando um dia terem seu reconhecimento divulgado para o mundo. Então esse dia chegou, na rádio local, o anúncio dizia “quem for parteira tradicional comparecer a Unidade Mista de Saúde Municipal para fazer seu cadastro" aos poucos elas foram se apresentado e formalizando sua inscrição, chegando a totalizar 25 inscritas e formaram assim a associação de parteira de tradição.

Depois do cadastramento, então se iniciou o processo de capacitação, na cidade circo vizinha, nas dependências de uma ONG, então houve o primeiro encontro das práticas dos saberes das parteiras de tradição, e desde esse primeiro treinamento com o grupo de treinadoras, que também zelam pelo direito das parteiras de tradição, elas começaram uma jornada muito produtiva. Viajaram e participaram de várias capacitações.

Essa foi a primeira Cidade que chegou a remunerar as parteiras tradicionais, depois que a prefeitura municipal fez um acordo com a associação das parteiras, elas chegaram a receber por parto realizado, uma quantia simbólica, era mais uma ajuda de custo, não dava nem para denominar remuneração. Também receberam a promessa que teriam sua profissão regularizada e que quando elas ficassem mais velhas iriam se aposentar pela profissão de parteira tradicional. Porém essa última informação ficou apenas no campo da promessa. Até a atualidade elas continuam lutando para garantir seus direitos trabalhistas, quando parece que já está bem perto, ainda existem algumas restrições que podem prejudicar sua tradição de partejar.

“A prática do ofício das parteiras tradicionais entrevistadas consiste, em sua maioria, no acompanhamento de três etapas: gestação, parto e pós-parto. Uma das práticas tradicionais identificadas com maior recorrência entre as parteiras dessa localidade é o uso do chá de gergelim, oferecido à parturiente para aumentar as dores das contrações e acelerar o trabalho de parto – peço gergelim, mandei pisar e vou fazer o chá. Aí eu recebo aquele gergelim, faço um copo de chá, boto um pouco de azeite dentro, um pouquinho de açúcar e dou a ela pra beber. Aí a dor aumenta” (Dona Raimunda Parteira)

Fonte: Saberes e Práticas das Parteiras Tradicionais de Pernambuco,2010.disponívelem: https://www.institutonomades.org.br/v1/trindade/projeto-saberes-e-praticas-das-parteiras-em-ipojuca-2

Essa citação é do documentário Saberes e Práticas das Parteiras Tradicionais de Pernambuco. É a fala de Dona Raimunda Parteira, como era conhecida pela comunidade onde atendia como parteira de tradição. Raimunda, além de parteira, era benzedeira e raizeira, então atendia um público muito grande, às vezes vinha gente de outros Estados da federação para ela fazer a famosa garrafada que fazia as mulheres engravidar.

Isso mesmo, as mulheres que não conseguiam segurar uma gestação procurava essa parteira para ela fazer a garrafada de 12 misturas que quando a mulher terminava de tomar o remédio já estava de “buxo” expressão na tradição das parteiras para denominar quando a mulher estava grávida.

Ela sempre atuou como parteira de tradição, desde muito jovem, mas ela não subsidia sua família com sua profissão, pois ela nunca recebeu nenhum salário ou qualquer outro tipo de benefício pelo seu trabalho. Raimunda sonhava com o reconhecimento de sua profissão, guardava com orgulho todos os certificados que recebeu nas capacitações que participou.

Ela era agricultora e tirava o sustento de sua família da lavoura, mas tinha prazer em dizer que sua profissão era parteira tradicional. Raimunda, filha de agricultores sertanejos, nunca saiu de sua localidade até participar dos projetos das parteiras tradicionais, ela foi gari, agricultora, passou fome com seus sete filhos, mas sempre lutou e nunca desistiu de sonhos ajudou a muitos e conseguiu sair do estado de miserabilidade em que ela vivia, conheceu seu único e verdadeiro amor nas terras do Sertão do Araripe, foi quando começou a viver.

Raimunda sofreu até encontrar seu Severino, (Seu Biu), era assim que os amigos o chamavam, seu amigo, herói, ajudador e verdadeiro amor, que além de ajudá-la a criar seus filhos, apoiava todos os seus objetivos, cuidando da casa e dos meninos para ela desenvolver sua atividade de parteira tradicional, era assim que ela se sentia realizada, quando trazia um menino ao mundo ela sabia que seu Dom veio de Deus e fazia o que nasceu para fazer partejar com amor. Dona Raimunda ajudou muitas famílias do Sertão onde nasceu, cresceu e faleceu. Mulher de boa vontade, que ajudava sem olhar a quem, não se importava com a hora ou com o clima, saia de madrugada em busca de socorrer sua comadre e seu filho de umbigo.

Muitos dos meninos que Raimunda ajudou a vir ao mundo e a chamavam de Mãe Raimunda. Ela tinha a maior satisfação, contava de cabeça “quantos meninos ela pegou” 1.800 (um mil e oitocentos) meninos, “nunca morreu nenhuma mãe e nenhum menino em minha mão” (Dona Raimunda Parteira).

Mulheres como Raimunda, que ajudam pelo prazer de ajudar, que trabalham pela satisfação de serem reconhecidas pela sua profissão, existem muitas espalhadas por todo o país. Mas elas merecem muito mais que apenas o reconhecimento. Recentemente a Fundação de Cultura de Pernambuco reconheceu a categoria das parteiras tradicionais como Patrimônio Cultural de Pernambuco. Muito válido, linda a homenagem, porém elas precisam muito mais que isso, precisam de um salário para melhorar suas condições de trabalho e sua qualidade de vida, pois todo trabalhador necessita receber uma remuneração pelo seu trabalho, não seria diferente com as parteiras de tradição.

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Sobre a autora
MARIA LINDALVA DA SILVA OLIVEIRA

•Analista de processos previdênciarios; •Bacharela em Direito; •Técnica em Segurança do Trabalho; •Filha, Mãe, Amiga, Irmã e Poeta.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, MARIA LINDALVA SILVA OLIVEIRA. O direito trabalhista e previdenciário das parteiras tradicionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7402, 7 out. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/106288. Acesso em: 8 mai. 2024.

Mais informações

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para conclusão do curso de Bacharelado em Direito do Centro Universitário Maurício de Nassau. Orientador: André Felipe Torquato Leão.

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