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Assédio moral nas instituições de ensino

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02/03/2009 às 00:00
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Sumário:Introdução. 1 – Cidadania. 2 – Personalidade. 3 - Educação e Instituição de Ensino 4 - Assédio Moral nas Instituições de Ensino. 5 - Caracterização do Assédio Moral nas Instituições de Ensino. 6 - Assédio Moral – Histórico. 7 - Capítulo Assédio Moral e suas Espécies. Conseqüências do Assédio Moral. 8 - Quadro Psicológico das Vítimas de Assédio Moral.9 - O Direito frente ao Assédio Moral. 10 - Natureza Jurídica. 11 – Legislação.12 - Legislação e Garantias do Educando. 13 - Assédio Moral e Dano Moral. 14 - Indenizabilidade do Dano Moral no Sistema Legal e na Jurisprudência. 15 - Considerações Finais. 16 - Anexos e Depoimento. 17 – Bibliografia.


INTRODUÇÃO

"... nada há de novo debaixo do sol. Mesmo que se afirme: "Olha: isto é novo", eis que já aconteceu em outros tempos, muito antes de nós." Eclesiastes 1:9-10

O assédio moral, ilícito por muitas vezes silencioso, com conseqüências desastrosas para o vitimizado e para a sociedade, é tão antigo quanto o próprio Homem. Encontra-se presente em todos os grupos sociais.

O assédio moral traz como pano de fundo uma das questões mais cruciais nos dias de hoje: a ética. Vivemos uma crise ética que desemboca na quebra dos Direitos Fundamentais da pessoa humana, como a lesão à dignidade.

O nosso estudo tem como objeto o assédio moral nas instituições de ensino. Propomo-nos a refletir sobre os danos causados pelo assédio moral e a importância de combatê-lo a fim de se assegurar um ambiente bom ao indivíduo em desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade conforme prescrito no art. 3º. do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Muito se fez pela criança e pela juventude; contudo nos parece tímida a busca da garantia pelos seus direitos. Apresentaremos os fundamentos jurídicos através da legislação e jurisprudência que subsidiam a busca pela reparação dos danos como conseqüência do assédio moral.

O nosso intuito é demonstrar que a cidadania anda de braços dados com a ética e que sem a garantia dos direitos fundamentais não alcançaremos uma sociedade justa. Seja no âmbito da prevenção, da compensação ou da penalidade é necessário que cada ente assuma o seu papel.

O objetivo maior dessa monografia é contribuir para tornar o assédio moral nas instituições de ensino mais visível, chamar a atenção para a necessidade de ser combatido, a vítima ser encorajada a buscar a tutela do Estado. Acreditamos na prevenção e partimos do pressuposto que é na escola que o indivíduo tem o direito de ser orientado e cuidado para que exerça a sua cidadania de forma ampla, capaz de internalizar seus deveres e ser detentor dos seus direitos.

É necessário buscar a justiça onde quer que esteja. A humanidade clama por ela, pela moralidade e pela ética. A dor da humilhação provocada pelo assédio moral, fere a dignidade do ser humano reduzindo-o a um quase nada.

Este trabalho se realizou por pesquisa bibliográfica em diversas áreas: do direito, da psicologia, da psiquiatria, da pedagogia, da filosofia, da sociologia e da teologia. Preocupamo-nos em trazer uma bibliografia atualizada. Fomos em busca de material ainda não publicado como no caso de duas dissertações, uma de mestrado e outra de doutorado. Teve por base a ousadia para refletir sobre uma população não produtiva do ponto de vista econômico, os estudantes, mas que representa o futuro da sociedade.


CAPÍTULO 1

Ao tratarmos sobre o assédio moral precisamos ter em mente duas realidades, a cidadania e a ética que são profundamente mobilizadas dentro desse contexto. Nesse sentido nos parece necessário deixar claro o que entendemos por cidadania e ética e assim uniformizarmos estes dois conceitos facilitando a compreensão do enfoque dado a este trabalho.

Segundo Maria da Glória Gohn [01], "no liberarismo, a questão da cidadania aparece associada à noção dos direitos. Trata-se dos direitos naturais e imprescritíveis do homem e dos direitos da nação. A Declaração dos Direitos do Homem de 1789 firma a propriedade como direito supremo.... o proprietário era o cidadão, homem suficientemente esclarecido para escolher seus representantes.... Só os proprietários tinham direito à plena liberdade e à plena cidadania.... Locke justifica uma diferenciação de direitos entre a classe trabalhadora e a burguesia porque a classe trabalhadora, acostumada com o arado e com a enxada, usava somente as mãos e não a cabeça, sendo incapaz de ter idéias sublimes....O século XVIII trará mudanças nestas concepções. O racionalismo ilustrado, ao colocar toda ênfase na razão e nomear a história como evolução do espírito e autonomia da razão, propõe modificar a ordem social e política atuando sobre a consciência e a instrução. O sonho de transformação, através de uma razão ilustrada, ampliava o leque dos cidadãos, dos não-proprietários, passava pela constituição das classes populares como cidadãos, sujeitos de direitos. O fundamental estava numa reforma política, onde o homem se tornasse sujeito histórico capaz de modificar a realidade. E, para tal, ele precisa ser livre e consciente. A questão da cidadania se resumiria a uma questão educativa.... ocupando hoje lugar central na acepção coletiva de cidadania".

Carlos Aurélio Mota de Souza [02] em "Despertando a consciência cívica para a cidadania consciente" escreve: "Professores! Que nenhuma palavra seja proferida senão para ensinar, orientar, acalentar ideais, suportar indecisões, superar dúvidas e angústias existenciais, tão próprias das vicissitudes humanas!"

Observa ainda que "A Constituição é cidadã porque deve assegurar, garantir, proteger a dignidade da pessoa humana, valor superior do ordenamento, assim reconhecido desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos e por todos os países democráticos."

Oscar Vilhena Vieira, [03] ressalta um princípio de extraordinária importância, o princípio da reciprocidade. Diz que "A constituição de um estado de direito será tremendamente favorecida naquelas sociedades em que cada indivíduo respeite os direitos dos outros indivíduos, na expectativa de que os outros também respeitem aqueles direitos por ele reivindicados... o respeito do direito do outro é o alimento fundamental de uma eventual generalização de expectativa que leva à constituição do estado de direito". O autor demonstra que "a idéia de reciprocidade como fundamento do direito é fascinantemente elaborada por Lon Fuller, The Morality of Law, Yale University Press, New Haven, 1969".

Francis Imbert [04], observa que "o engajamento ético difere da obediência às regras... Aristóteles, Ética a Nicômaco, observava que a pedra que se lança ao ar não poderá contrair um novo hábito, oposto ao ‘hábito original’ (a queda); pelo contrário, o homem poderá adquirir novos hábitos. A aquisição de hábitos, eis precisamente o motor da ‘virtude moral’;... nenhuma das virtudes morais surge naturalmente em nós... estamos predispostos naturalmente a adquiri-las com a condição de aperfeiçoá-las pelo hábito". Diz Francis Imbert, que "o educador e o legislador devem visar essa produção de hábitos. Daí, em sua conclusão, a Ética a Nicômaco aborda o tema da importância das ‘leis’ (as leis-códigos da sociedade) que fixam as regras da educação e, ao mesmo tempo, presidem as ocupações dos cidadãos. ‘Temos necessidade de leis’ porque somente por seu intermédio aqueles que obedecem à necessidade, em vez da razão, e aos castigos mais do que à honra, são obrigados à aquisição desses bons hábitos."

Ainda segundo Francis Imbert, [05] mencionando o filósofo Paul Ricouer, "a ética só é verdadeiramente assumida quando, à afirmação para si da liberdade, acrescenta-se a vontade de que exista a liberdade do outro. Eu quero que exista a tua liberdade."

Alberto J. G. Villamarín [06], ensina que "a educação precisa manter o equilíbrio, sempre precário, entre os impulsos e os instintos, comandados por nossa parte irracional, de um lado, e os desejos de organização, de unificação, de ordem e de sentido, dirigidos por nossa parte racional. Se a parte racional dominar, corremos o risco de nos transformarmos em máquinas insensíveis. Mas se o nosso lado irracional imperar, o perigo consistirá em nos convertermos em animais selvagens". Segundo este mesmo autor, "um dos estudiosos que mais tem enfatizado a necessidade de oferecer às crianças um ambiente educacional devidamente estruturado é Urie Bronfenbrenner, professor da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos".

Vislumbra-se que com o ambiente educacional estruturado ocorrerá o aumento da imunidade psicológica frente às adversidades do meio.

Haim Grunspun [07] trata da resiliência e nos ensina que:

Resiliência é a capacidade humana de lidar, superar, aprender ou mesmo ser transformado com a adversidade inevitável da vida. Ressalta que em um terço das pessoas nas diferentes partes do mundo evidencia-se a resiliência, de forma consistente, frente à adversidade. Todos nós temos esta capacidade, qualquer um pode tornar-se resiliente. O desafio é encontrar o caminho para promover a resiliência em indivíduos, em famílias, em escolas e em comunidades... A resiliência é um termo emprestado da Física. Significa que uma barra submetida a forças de distensão até o seu limite elástico máximo volta ao seu estado original quando estas forças deixam de atuar; é uma força de resistência e de recuperação...

Os padrões para o entendimento atual do processo da resiliência se fundamentam no modelo ecológico de Bronfenbrenner. O modelo insere a biologia do homem num ecossistema da natureza, constituindo a ecologia do Desenvolvimento Humano, que envolve o estudo científico da adaptação mútua entre o ser humano, nas diferentes fases de crescimento, e o ambiente do sistema em que vive, nas transformações recíprocas que aparecem.

O ser humano, segundo Bronfenbrenner, em seu desenvolvimento, está inserido num sistema ecológico e mantém neste sistema, diversos níveis de interação. Os níveis que demarcam esta interação são o individual, o familiar e o comunitário, vinculados aos serviços sociais, valores sociais e cultura, considerados como: microssistema, mesosistema e exossistema.

Um microssistema é um padrão de comportamentos de um indivíduo em seus relacionamentos interpessoais num cenário com características físicas e materiais particularizados.

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Um mesosistema compreende as inter-relações entre dois ou mais cenários nos quais a pessoa em desenvolvimento participa ativamente. Por exemplo, numa criança, as relações em casa, na escola, na vizinhança.

Um exossitema refere-se a um ou a vários cenários que não envolvem a pessoa em desenvolvimento enquanto participante ativo, mas no qual ocorrem eventos que afetam ou são afetados pelo que acontece no ambiente em que está a pessoa em desenvolvimento.

O microssistema, mesosistema e exossistema se inserem na cultura como macrossistema acompanhados por qualquer sistema de crenças, valores ou ideologias, constituindo o ecossistema.

Uma transição ecológica ocorre sempre que o comportamento de uma pessoa inserida no ecossistema se altera como resultado de uma mudança no papel, mudança física ou material no cenário, ou ambos acontecem.

Sistemas biológicos, desde o nível individual até o nível do ecossistema, estão sujeitos a vários estresses que ameaçam sua estabilidade. A habilidade do sistema para resistir às ameaças, mantendo sua estrutura e sua funcionalidade, é conhecida como resiliência...

Essa habilidade é semelhante ao sistema imunológico dos humanos individualmente. Análoga à reação do corpo humano diante da invasão de uma doença, o ecossistema enfrenta os ataques dos estresses e precisa recobrar-se de seus efeitos patológicos. Se for incapaz de se recuperar enquanto o estresse cresce, o ecossistema pode passar o limiar a partir do qual as condições de declínio se tornam irreversíveis.

Eventualmente, a estrutura e a função da comunidade da qual faz parte falham e o ecossistema entra em colapso. O assustador da resiliência é que, por sua natureza, ela mascara o prejuízo até muito próximo do limiar do colapso.

Com esse modelo, a avaliação da resiliência é uma descoberta a posteriori, isto é, só quando o indivíduo é resiliente é que podemos encontrar fatores que explicam sua resiliência. O progresso se deu com Rutter que conceituou os fatores protetores, idéia precursora que permitiu considerar a resiliência como um processo dinâmico e possibilitou entender como a resiliência podia ser promovida no desenvolvimento do ser humano.

A cidadania e a ética podem ser observadas do ponto de vista relacional. Todo ser é indiscutivelmente um sujeito relacional. O ideal de toda sociedade é a harmonia, a paz, a tranqüilidade, enfim o "paraíso". Contudo é notadamente aceitável as dificuldades para alcançar esses objetivos. É principalmente nas instituições familiar e escolar que os indivíduos são apresentados às regras para que se tornem homens bons. Pressupostamente sonhamos com instituições saudáveis capazes de proteger os indivíduos. Torcemos para que as normas sejam internalizadas a ponto de gerar freios internos e bom senso, e conseqüentemente pessoas saudáveis, redundando numa sociedade equilibrada e justa onde cada indivíduo seja ético, seja um cidadão.

Como vimos, a cidadania é um legado e reflete a evolução da sociedade. Para sua real efetivação é necessário que o homem desenvolva suas habilidades internas para adquirir bons hábitos, como ressalta Aristóteles. Compreendemos então que é necessário dois entes, um disposto a apreender e adquirir bons hábitos e o outro que chamaremos de facilitador, aquele que irá instigar o desejo de aprender, apreender e adquirir bons hábitos que certamente desembocarão na arte da cidadania. Contudo, não nos parece tarefa fácil e para isso é mister que um terceiro elemento assegure o resultado esperado. O Estado tem o dever de se fazer presente para regular e garantir que todos se tornem cidadãos.


CAPÍTULO 2

"As estrelas são todas iluminadas... Não será para que cada um possa um dia encontrar a sua?" Antoine de Saint-Exupéry. Autor do Pequeno Príncipe.

Ao tratarmos de cidadania e ética estamos nos referindo às pessoas enquanto grupo e enquanto indivíduo singular. Tratar da pessoa humana é sem sombra de dúvida reconhecer esta singularidade intrínseca da própria natureza humana.

A natureza humana nos remete a peculiaridades muito próprias, como por exemplo, a personalidade. Nos parece sedimentada a idéia de que personalidade é algo inerente a qualquer ser humano.

Todo homem é possuidor de um corpo, mente e alma. Um físico, uma psique e um espírito. Caráter, temperamento, intelecto. Aspectos objetivos e subjetivos compõem o sujeito, sujeito tutelado pelo direito com o qual se objetiva preservar a integridade física e psíquica do cidadão.

Quem melhor explora o conceito de personalidade, na bibliografia pesquisada, no contexto do dano moral é Ronaldo Alves Andrade [08]. Traz diversas concepções partindo da etimologia, passando pela psicologia e definindo a personalidade à luz do direito como sendo a "aptidão da pessoa de adquirir direitos e contrair obrigações". Nos ensina que a "nossa Constituição não deu ao direito da personalidade regramento genérico. Com um tratamento genérico, todas as espécies de direito da personalidade estariam expressamente contempladas". Para este mesmo autor "a personalidade, numa visão psíquica é sempre inata, já nasce com o homem. Entrementes, sob o ângulo jurídico, somente existirá se e quando atribuída pelo sistema jurídico positivo que pode diferenciar do sistema natural...".

A preocupação com o desenvolvimento da personalidade é também universal, o que podemos constatar através das mais diversas teorias do desenvolvimento da personalidade e das legislações que a protegem. Podemos concluir com obviedade que é grande a relevância dela para o desenvolvimento do indivíduo, não só enquanto ser único mas quando da relação com outros indivíduos.

"A Constituição Federal proclama que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, devendo ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. O moderno conceito de educação dever ser, portanto, compreendido como mais abrangente que o da mera instrução, propiciando o pleno desenvolvimento das aptidões, das potencialidades e da personalidade do educando, garantindo-lhe condições de alcançar o pleno exercício da cidadania." [09]

Vimos no capítulo anterior que a ética vincula-se à aquisição de hábitos e este conceito se torna reforçado pela interpretação do próprio texto do ordenamento, quando traz o moderno conceito de educação, que vincula o desenvolvimento da personalidade com a meta do exercício da cidadania.


CAPÍTULO 3

A Declaração Universal dos Direitos do Homem no seu preâmbulo considera "que o desprezo e o desrespeito pelos direitos do homem resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da humanidade e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum".

Segundo Carlos Cezar Barbosa, [10] "no processo de consolidação dos direitos humanos, a educação recebeu status de direito, passando a integrar o rol de direitos sociais, umbilicalmente ligados aos direitos civis e políticos". Nesse sentido A. Reis Monteiro [11] diz que "antes de meados do século XX, falar de ‘direito à educação’ é um anacronismo. O que havia era um ‘direito de educação’".

Na visão do autor o conceito inicial de educação era de um instrumento de Estado para a construção de sociedades. Assim sendo, era do Estado o direito de educar os filhos dos cidadãos segundo seus interesses e prioridades. Tal percepção produziu uma série de legislações denominadas coletivamente pelo autor como "direito de educação".

O mesmo autor relata que "John Adams, segundo presidente dos EUA (de 1797 a 1801), considerava a educação um direito que decorre da natureza humana e sustenta a liberdade: ‘A liberdade não pode ser preservada sem que os conhecimentos se espalhem entre o povo, que tem, por natureza, um direito ao conhecimento’.". O conceito moderno de direito à educação é decorrente do direito à liberdade de pensamento, que é um direito mais fundamental que o da própria educação e que leva o homem à plenitude ao exercício da própria liberdade.

A transição do "direito de educação" para o "direito à educação" representa uma mudança no eixo dos deveres e direitos. O indivíduo deixa de ter a obrigação de ser educado pelo Estado e passa a ter o direito de receber educação. O Estado deixa de ter o poder de impor a educação que lhe convém e passa à condição de garantidor do direito do cidadão a uma educação para a liberdade.

O ensino é um serviço público mesmo que delegado a particulares que se submetem ao mesmo regramento jurídico de direito público que disciplina a matéria.

"A defesa judicial do direito ao ensino e seus sucedâneos pode se operar no plano individual, coletivo ou difuso, por meio de instrumentos constitucionalmente disponibilizados ao cidadão, como o mandado de segurança, o mandado de injunção e a ação civil pública." [12]

O ensino é o instrumento para que o processo educacional se realize. Não há como se falar em exercício de cidadania sem a educação, a qual tem o condão de assegurar o desenvolvimento ético e moral a cada cidadão.

Carlos Cezar Barbosa [13] observa que "o ensino traduz atividade-meio para se levar a efeito um determinado processo educacional. Com isso, à evidência, educação possui significado mais amplo e abrangente que ensino.".

Segundo A. Reis Monteiro [14], "o primeiro tratado a incluir o conteúdo do Artigo 26 da Declaração Universal de 1948 foi a ‘Convenção sobre a luta contra a discriminação no domínio do ensino’, adotada pela Conferência Geral da UNESCO (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura) em 1960, que continua a ser o principal instrumento jurídico internacional específico sobre o direito à educação".

O artigo 26 da Declaração Universal de 1948 estabelece que "1.Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional deve ser generalizado; o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito. 2. A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos do homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das atividades das Nações Unidas para a manutenção da paz."

Diz ainda o autor que este artigo foi desenvolvido pelo artigo 13 do "Pacto internacional sobre os direitos econômicos, sociais e culturais" (1966), que estabelece que "1. Os estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa à educação. Concordam em que a educação deverá visar ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade e a fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais. Concordam ainda que a educação deverá capacitar todas as pessoas a participar efetivamente de uma sociedade livre, favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e entre todos os grupos raciais, étnicos ou religiosos e promover as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.... ", bem como "constitui a norma central do Direito Internacional da Educação. A Declaração de 1948 e os dois Pactos de 1966 (Pacto Internacional sobre os direitos econômicos, sociais e culturais e o Pacto Internacional sobre os direitos civis e políticos), com seus protocolos, formam a ‘Carta Internacional dos Direitos do Homem’ decidida pela Comissão dos direitos do homem em novembro de 1947. O conteúdo normativo do direito à educação foi enriquecido com a ‘Convenção sobre os direitos da criança’ (1989), ratificada pelo Brasil em 1990, que dedica ao direito à educação os artigos 28 e 29 que estabelecem,... Artigo 28, ‘1. Os Estados-partes reconhecem o direito da criança à educação e, a fim de que ela possa exercer progressivamente e em igualdade de condições esse direito, deverão especialmente: tornar o ensino primário obrigatório e disponível gratuitamente a todos; estimular o desenvolvimento do ensino secundário em suas diferentes formas, inclusive o ensino geral e profissionalizante, tornando-o disponível e acessível a todas as crianças, e adotar medidas apropriadas tais como a implantação do ensino gratuito e a concessão de assistência financeira em caso de necessidade; tornar o ensino superior acessível a todos, com base na capacidade e por todos os meios adequados; tornar a informação e a orientação educacionais e profissionais disponíveis e acessíveis a todas as crianças; adotar medidas para estimular a freqüência regular às escolas e a redução do índice de evasão escolar. 2. Os Estados-partes adotarão todas as medidas necessárias para assegurar que a disciplina escolar seja ministrada de maneira compatível com a dignidade humana da criança e em conformidade com a presente Convenção. 3. Os Estados-partes promoverão e estimularão a cooperação internacional em questões relativas à educação, especialmente visando a contribuir para eliminação da ignorância e do analfabetismo no mundo e facilitar o acesso aos conhecimentos científicos e técnicos e aos métodos modernos de ensino. A esse respeito, será dada atenção especial às necessidades dos países em desenvolvimento’. Artigo 29, ‘Os Estados-partes reconhecem que a educação da criança deverá estar orientada no sentido de: a) desenvolver a personalidade, as aptidões e a capacidade mental e física da criança e todo o seu potencial; b) imbuir na criança o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais, bem como aos princípios consagrados na Carta das Nações Unidas; c) imbuir na criança o respeito aos seus pais, à sua própria identidade cultural, ao seu idioma e seus valores, aos valores nacionais do país em que reside, aos do eventual país de origem e aos das civilizações diferentes da sua; d) preparar a criança para assumir uma vida responsável em uma sociedade livre, com espírito de compressão, paz, tolerância, igualdade de sexos e amizade entre todos os povos, grupos étnicos, nacionais e religiosos e pessoas de origem indígena; e) imbuir na criança o respeito ao meio ambiente... ’. ".

Na obra de A. Reis Monteiro [15] podemos verificar a preocupação universal com o tema educação através dos mais diversos tratados. Conclui dizendo que "a História da Educação pode ser interpretada como um processo de lento reconhecimento do educando como ser humano de pleno direito, culminando na proclamação dos "direitos da criança", entre os quais o "direito à educação"; contudo foi mais além resumindo a Pedagogia de Paulo Freire cujos princípios entre outros destacamos que o "Direito à educação é direito a uma educação para a libertação e a liberdade. É direito de aprender a autonomia para o exercício da cidadania" e "A educação é um direito universal do ser humano, sem discriminação nem exclusão. É direito de ser sujeito e ser diferente". "A educação é um direito das crianças, antes de mais nada, mas é também um direito dos adultos, principalmente dos analfabetos."

A. Reis Monteiro citando Paulo Freire [16] nos ensina que "Ninguém é analfabeto por eleição, mas em conseqüência das condições objetivas em que se encontra".

"Quando se fala de uma escola em que as crianças são respeitadas como seres humanos dotados de inteligência, aptidões, sentimentos e limites, logo pensamos em concepções modernas de ensino. Também acreditamos que o direito de todas as pessoas — absolutamente todas — à educação é um princípio que só surgiu há algumas dezenas de anos. De fato, essas idéias se consagraram apenas no século XX, e assim mesmo não em todos os lugares do mundo. Mas elas já eram defendidas em pleno século XVII por Coménio (1592-1670), o pensador tcheco que é considerado o primeiro grande nome da moderna história da educação." [17]

Como vimos anteriormente John Adams, final do século XVIII e início do século XIX, já apregoava a educação como um direito que decorre da natureza humana e que decorre do direito de liberdade. Segundo Monteiro, que citou John Adams, transcreve o que Hegel escreveu na sua obra, Princípios da Filosofia do Direito (1821): "São as crianças em si seres livres e a sua existência é só a existência dessa liberdade. Não pertencem, portanto, a outrem, nem aos pais, como as coisas pertencem ao seu proprietário. A exigência de ser educada existe na criança na forma daquele sentimento, que lhe é própria, de não estar satisfeita em ser aquilo que é. É a tendência para pertencer ao mundo das pessoas adultas, que ela advinha superior, o desejo de ser grande.".

O artigo, [18] "Coménio o Reformador do Mundo", diz que:

"O homem tem necessidade de ser formado para que se torne homem", escreveu Coménio em Panpaedia; a educação universal deve ser um direito de todos os povos: "deve-se desejar que até as nações bárbaras possam ser iluminadas e arrancadas das trevas da sua barbárie e, desse modo, porque são parte do gênero humano, assemelhadas ao seu todo, pois, na verdade, o todo não é todo se lhe falta alguma de suas partes. Quem exclui alguém da educação, injuria toda a humanidade".

Ainda o mesmo artigo relata que:

"As palavras de Coménio alertam-nos para o egoísmo que, em todas as épocas, se mascara de tantas formas: se não quer ser acusado de espírito estulto e malévolo deve querer-se que todos estejam bem e não apenas nós próprios, ou alguns dos nossos próximos, ou somente o nosso povo.

Nas suas obras, Coménio repete insistentemente a trilogia: omnes, omnia, omnino – ‘educar todos, em todas as coisas, de uma forma total...’

‘Ensinar tudo a todos’. A verdadeira e profunda reforma da sociedade só será possível através da educação permanente e universal – a única via estável e segura para o crescimento individual e coletivo. A educação é a arte de fazer ‘germinar as sementes interiores as quais não se desenvolverão a não ser que sejam solicitadas por oportunas experiências’, explica Coménio em Panpaedia. Aliás, educar vem do termo educere, que significa «conduzir para fora». ‘É inata no homem a aptidão para saber, mas não o próprio saber’, esclarece em Didáctica Magna...

Propõe (em Didáctica Magna) ‘um método universal de ensinar tudo a todos. E de ensinar com tal certeza, que seja impossível não conseguir bons resultados. E de ensinar rapidamente, sem nenhum enfado e sem aborrecimento para os alunos e para os professores, mas antes com sumo prazer para uns e para outros. E de ensinar solidamente, não superficialmente e apenas com palavras, mas encaminhando os alunos para a verdadeira instrução, para os bons costumes e para a piedade sincera’.

Ensinar tudo, esclarece Coménio, ‘não quer dizer todavia que exijamos a todos o conhecimento de todas as ciências e de todas as artes (sobretudo se se trata de um conhecimento exato e profundo). Com efeito, isso nem de sua natureza é útil, nem pela brevidade da nossa vida é possível a qualquer homem’. O que se pretende é a sistematização e a organização unitária do saber humano, dando a conhecer os seus fundamentos e princípios gerais".

A instituição de ensino se torna um instrumento de suma importância à educação e sendo o "longa manus" do Estado deve assegurar a todos este direito, qual seja, o da educação conforme estabelece a Constituição Federal no seu Art. 205, "A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho".

Com este capítulo intencionamos mostrar a interdependência e a importância da instituição de ensino na formação de um sujeito ético e capaz de exercer a cidadania por completo. A instituição de ensino atua como um veículo à educação e como viabilizadora da garantia dos direitos fundamentais. Nesse sentido se faz necessário que ela se mantenha íntegra e sempre disposta a observar os direitos fundamentais a fim de que possamos presenciar uma sociedade digna a todos.

Vários são os elementos que interferem negativamente no desenvolvimento da personalidade. Na nossa hipótese o assédio moral é um deles e se faz presente nas relações interpessoais e, portanto o encontramos na relação educacional. O assédio moral é um elemento que agride os direitos da personalidade e precisa ser detectado o quanto antes para que se proteja o indivíduo. Agir preventivamente na direção de coibir o assédio moral nas instituições de ensino é também agir no sentido de garantir uma sociedade saudável onde o respeito dá o tom nas relações.

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Sobre a autora
Lidia Pereira Gallindo

Psicóloga, advogada, pós-graduada em psicologia jurídica, psicoterapeuta breve, atendimento familiar, psicodiagnóstico infantil e adolescente, MBA em gestão em gestão em direito educacional (em curso)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GALLINDO, Lidia Pereira. Assédio moral nas instituições de ensino. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2070, 2 mar. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12396. Acesso em: 18 abr. 2024.

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