Capa da publicação Aval prestado sem a autorização conjugal: aspectos polêmicos na jurisprudência
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Aspectos polêmicos a respeito do aval prestado sem a autorização conjugal, na visão dos tribunais

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24/10/2010 às 07:24
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Qual é o melhor entendimento da jurisprudência quanto à figura do aval prestado em títulos cambiários por cônjuges casados em regime que não seja o de separação de bens, sem a devida autorização conjugal?

O novo Código Civil de 2002, em vigor há mais de sete anos, apresentou muitas novidades ao ordenamento jurídico brasileiro. Uma delas ficou por conta da nova redação conferida ao art. 235, pelo atual art. 1.647 do novo Codex. Vejamos a seguir, no quadro comparativo, as alterações que ocorreram:

Redação CC 1916

Lei 3.071 de 1º de janeiro de 1916.

Redação CC 2002

Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002.

Art. 235. O marido não pode, sem consentimento da mulher, qualquer que seja o regime de bens:

I – alienar, hipotecar ou gravar de ônus real os bens imóveis, ou direitos reais sobre imóveis alheios (arts. 178, § 9º, I, a, 237, 276 e 293);

II – pleitear, com o autor ou réu, acerca desses bens e direitos;

III – prestar fiança (arts. 178, § 9º, I, b, e 263, X);

IV – fazer doação, não sendo remuneratória ou de pequeno valor, com os bens ou rendimentos comuns (art. 178, § 9º, I, b).

Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:

I – alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;

II – pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos;

III – prestar fiança ou aval;

IV – fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação.

[grifo nosso]

Como percebemos, foram várias as alterações (exclusões/inserções) suportadas. Dentre elas, merece destaque a alteração do caput, colocando os cônjuges em posição de igualdade: "nenhum dos cônjuges pode", acabando com o preconceito convivido pelas mulheres. A Constituição Federal de 1988 adotou em seu art. 5º, I [01], o princípio da igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres. Até então, estas eram tratadas como criaturas submissas aos seus maridos.

Prova disto é o que se extrai das anotações do Mestre Orlando Gomes, em sua clássica obra, editada em 1957:

Apesar dos generosos esforços para firmar uma situação de paridade na sociedade conjugal, o marido continua a ocupar uma posição jurídica de ascendência. [...] Na sociedade conjugal, a mulher ocupa, com efeito, uma posição inferior. Alguns códigos, como o nosso, incluem-na entre as pessoas relativamente incapazes. A inferioridade traduz-se numa série de limitações no exercício de direitos, o qual fica na dependência de autorização marital. Contudo, a tendência é no sentido de eliminar a desigualdade, pelo menos nesse ponto". [02]

Com a promulgação da nova Carta Magna, quebraram-se vários paradigmas em relação a elas, que deixaram a posição subordinada para ganhar status de sócias na relação conjugal.

Amparado neste princípio constitucional, o Código Civil de 2002 alterou substancialmente a redação do art. 235, da legislação anterior.


I.A INCLUSÃO DO INSTITUTO AVAL NO INCISO III DO ART. 1.647

Além da novidade apresentada no caput, a inclusão que está a causar maior controvérsia no meio jurídico, até os dias atuais, é a novidade apresentada pelo inciso III. A inclusão do instituto aval ao lado da fiança, ou seja, a obrigatoriedade de autorização conjugal para se prestar tanto um como outro, sob pena de nulidade. E, na hipótese do cônjuge que não concedeu a autorização, sofrer algum prejuízo advindo do ato deliberado de seu consorte, poderá demandar a rescisão do contrato de fiança ou a invalidade do aval, conforme disposto no art. 1.642, IV, do Código Civil [03].

Este é o principal ponto do estudo que se segue, sobretudo na visão dos Tribunais: qual é o melhor entendimento da jurisprudência ao disposto no art. 1.647, III, do CC/2002, notadamente quanto à figura do aval prestado em títulos cambiários por cônjuges casados em regime que não seja o de separação de bens, sem a devida autorização conjugal.

Atualmente, os Tribunais vêm adotando um posicionamento mais flexível, interpretando que a melhor exegese para o dispositivo em comento é aquela que dispõe que o aval prestado sem a autorização conjugal não invalida o instituto e que, na hipótese de ocorrer constrição sobre os bens comuns, ficará preservada a meação do cônjuge que não anuiu com a garantia.

Por óbvio, também existe entendimento no sentido contrário, levando o disposto no art. 1.647 ao pé da letra, deixando de fazer o devido cotejo analítico das normas que regulam a situação ao caso concreto, e assim, concluem equivocadamente que, tanto a fiança como o aval prestados sem a autorização conjugal seriam completamente nulos, tornando ineficaz a garantia prestada unilateralmente pelo seu consorte.


II.TRATAMENTO CONFERIDO AO AVAL NA LEI 2.044/1908, PELA LEI UNIFORME – DECRETO 57.663/66

A Lei 2.044/1908, que regula as operações cambiárias, dispôs na parte final do art. 14 que: "para validade do aval, é suficiente a simples assinatura do próprio punho do avalista". O art. 42 e 43 do mesmo diploma ainda estabelecem que: "pode obrigar-se por letra de câmbio, quem tem a capacidade civil" e "as obrigações cambiais são autônomas, ficando o signatário por ela vinculado e solidariamente pelo seu pagamento, sem embargo de nulidade". Portanto, da leitura dos dispositivos acima, vê-se que o único requisito para validade do aval é a capacidade civil e nada mais.

Não destoando do que já disciplinado pela legislação brasileira, a Lei Uniforme de Genebra (Decreto 57.663/66) veio complementar a legislação vigente e regular os conflitos nacionais e internacionais, em matéria de letra de câmbio e títulos cambiários. Nos artigos 30 a 32, que disciplinam o instituto, também não é exigida a autorização conjugal para validade da garantia, que é in rem e não in personam como ocorre na fiança.

Em que pese ambas sejam garantias pessoais, a garantia in rem é uma garantia objetiva de pagamento, vinculada ao título cambiário. Uma garantia voltada ao valor consubstanciado na cártula. Ao prestá-la, o avalista assume solidariamente com o avalizado uma obrigação principal, garantindo que a importância subscrita na cártula terá sua adequada liquidação.

Sobre o tema, José Maria Whitaker: "considera o aval como garantia a um valor, in rem, e não a uma pessoa, in personam – o aval não é fiança" [04]. No mesmo sentido, Lauro Muniz Barreto destaca que: "A fiança é uma garantia in personam e o aval é uma garantia objetiva, in rem" [05], e complementando, Ulderico Pires dos Santos:

Por ser o aval uma obrigação abstrata, à qual o avalista se vincula sem explicar a causa, ele é uma figura totalmente estranha à exceção causal existente entre o sacador e o sacado. E tal se dá porque, com o aval o que o avalista garante é o pagamento do título cambeiforme e não o aceite do mesmo pelo sacador ou pelo emitente. Tratando-se, como se trata, de obrigação autônoma, que atua independentemente da obrigação assumida pelo avalizado, é válido ainda que a obrigação avalizada seja substancialmente anormal. Como garantia objetiva in rem, autônoma como se disse, é estranho ao negócio jurídico subjacente que houver motivado a emissão do título cujo pagamento garante, daí ser despicienda a ausência de causa para o seu lançamento em circulação [06]. [grifo nosso]

Já a garantia in personam é uma garantia subjetiva, onde o que se garante é a pessoa do afiançado, responsável principal pela obrigação. Esta garantia tem caráter subsidiário, como ocorre no contrato de fiança, por exemplo, em que o fiador se compromete apenas de forma subsidiária e acessória com o credor principal.

Portanto, não se confundem estas espécies de garantia. O Ilustre Prof. Carvalho de Mendonça, no seu Tratado de Direito Comercial, leciona que:

O aval é garantia especialíssima, peculiar ao direito cambial, podendo colocar-se ao lado das outras garantias que o direito comum consagra, a fiança, o penhor, a hipoteca, a anticrese, o del-credere, etc. Por maior que seja a analogia ou afinidade que mantenha com qualquer desses institutos, o aval distingue-se substancialmente de todos. Ao invés de constituir garantia subsidiária, ele dá vida a uma obrigação principal. [...] O avalista não assume obrigação alheia, ainda que indique a pessoa que garante; mas, responde solidàriamente pelo pagamento da letra de câmbio. Ao credor é indiferente que a garantia fosse prestada a um ou a outro devedor, e, ainda, que a intervenção do avalista se desse a respeito de obrigação nula. A garantia é puramente objetiva; O aval é in rem não in personam [07].

Assim, concluímos pelos diplomas que regem as relações cambiárias, e amparados na mais clássica Doutrina, que o tratamento jurídico conferido ao aval é distinto daquele conferido a fiança, tanto pelos requisitos, como pela forma e efeitos que os distinguem.


III.AVAL E FIANÇA - DIFERENÇAS E EFEITOS DOS INSTITUTOS

Quando falamos em aval, é inevitável que muitos, desconhecendo o tratamento jurídico conferido ao instituto, comparem-no à fiança. Apesar de semelhantes, as garantias, possuem peculiaridades bem distintas, a começar pela natureza jurídica que os regulam. O primeiro é garantia cambiária regulada pelo direito comercial e o segundo, garantia contratual amparado no direito civil.

Por ambos garantirem uma determinada obrigação pessoal, é comum, porém lamentável, nos depararmos com decisões aplicando por analogia os efeitos de um ao outro.

O aval é uma obrigação de natureza autônoma, formal, lançada na própria cártula, e regida por lei especial. Decorre da simples assinatura do avalista no título, tornando-o devedor solidário, podendo inclusive ser compelido antes mesmo do avalizado, a adimplir o valor. O avalista, não pode invocar como defesa, causas relativas à origem do título, em face dos princípios que o regem, a saber, princípios da cartularidade, da literalidade e da autonomia, bem explicados a seguir pelo Prof. Fabio Ulhoa Coelho:

[...] O princípio da cartularidade é a garantia de que o sujeito que postula a satisfação do direito é mesmo o seu titular. [...] Pelo princípio da cartularidade, o credor do título de crédito deve provar que se encontra na posse do documento para exercer o direito nele mencionado.

[...] Princípio da literalidade, segundo o qual somente produzem efeitos jurídico-cambiais os atos lançados no próprio título de crédito. Atos documentados em instrumentos apartados, ainda que válidos e eficazes entre os sujeitos diretamente envolvidos, não produzirão efeitos perante o portador do título.

[...] Pelo princípio da autonomia das obrigações cambiais, os vícios que comprometem a validade de uma relação jurídica, documentada em título de crédito, não se estendem às demais relações abrangidas no mesmo documento. [08]

Ainda sobre a distinção dos institutos, trago à baila o posicionamento do Mestre Carvalho de Mendonça: "Aval é obrigação cambial, independente, direta e pessoal daquele que, na condição de avalista, lança firma em cambial. A fiança é garantia subsidiária que se distingue do aval na forma e nos efeitos." [09]

A fiança é um contrato acessório, onde o fiador, salvo estipulação em contrário, responde de forma subsidiaria pela obrigação. Ao contrário do avalista, este pode exigir em caso de descumprimento da obrigação pelo afiançado, que primeiro sejam executados os bens do devedor principal - benefício de ordem previsto no art. 827 [10], e também invocar as exceções, previstas no art. 837 [11], ambos do Código Civil.

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Nesse sentido, assim dispôs o renomado Prof. Rubens Requião:

O prestador do aval pode ser acionado para pagar antes do avalizado, o que não ocorre na fiança, em que se estabelece, em princípio, o benefício de ordem. No aval, o avalista não pode alegar, perante terceiros de boa fé, exceções pessoais que teria contra o avalizado. O contrário, todavia, opera-se na fiança, em que é dado ao fiador alegar defesas pessoais contra o credor. Sem falar ainda que a fiança é uma obrigação essencialmente acessória, que não subsiste sem a obrigação principal, sendo que o aval é uma obrigação autônoma, cuja validade não é afetada por nenhuma outra obrigação cambiária, nem mesmo por aquela à qual é equiparada. [12]

E para finalizar, não poderia deixar de citar o saudoso mestre Pontes de Miranda, que, ao discorrer sobre o assunto, foi imperativo, asseverando que "aval não é fiança". Ponderou ainda que o fiador garante o cumprimento da obrigação de outrem; já o avalista promete esse cumprimento:

[...] aval não é fiança. O aval é declaração unilateral de vontade; a fiança é contrato. Quem avaliza assume dever independente, razão porque a invalidade da declaração unilateral de vontade a que se refere não se lhe contagia. É gerador de dívida abstrata. Não se pode falar de aval oneroso ou gratuito. O negócio jurídico subjacente, simultâneo ou sobrejacente é que pode ser oneroso ou gratuito. [13]

O aval distingue-se da fiança substancialmente na sua criação, na sua forma e nos seus efeitos. A Lei 2.044/1908, não o admite como obrigação acessória ou subsidiária. Não garante o devedor: garante o pagamento do valor nele subscrito, e ao mesmo tempo protege o portador da cártula contra os vícios da obrigação avalizada.

Em relação à fiança, o STJ recentemente editou a súmula nº 332, dispondo que: "A fiança prestada sem autorização de um dos cônjuges implica a ineficácia total da garantia". Importante frisar desde logo que a súmula em questão não fez alusão ao aval, devendo ser veementemente afastada sua aplicação por analogia.

A ausência de dispositivos na legislação cambiária vigente, quanto à obrigatoriedade ou não da autorização conjugal, e as malfadadas teses recursais de algumas partes acabam influenciando alguns julgadores a aplicar analogicamente os mesmos efeitos da fiança ao aval.

Situação semelhante já ocorreu no passado e, na oportunidade, Pontes de Miranda foi impetuoso, criticando esses julgados que erroneamente embaraçavam os institutos:

É pena que alguns julgados, por tendência ao corte liminar das questões, em fórmulas simplistas, afirmem que o aval é nulo

se a mulher não concordou, o que constitui não só solução errada, como solução que borra todas as questões e como que desconhece todos os argumentos a favor e contra cada um dos problemas suscitados. São exemplos de tão lamentável expediente os acórdãos da 5ª Câmara, de 5 de julho de 1934, e das 5ª e 6ª Câmaras Conjuntas da Corte de Apelação do Distrito Federal, de 12 de novembro do mesmo ano. [14][grifo nosso]

E ainda quanto aos efeitos, ensina:

Se o marido avalizou sem o consentimento da mulher; sem ocultar o seu estado civil e sem se dizer com aquele consentimento, obrigou-se; porém não obrigou a mulher, de modo nenhum. Os bens que obrigou são os seus. [15]

O direito cambiário, que tudo tem a dizer sobre o aval, nada tem a dizer sobre a comunicação ou a não-comunicação da dívida. Não há direito de família no direito cambiário, nem direito cambiário no direito de família. Foi por se não atender a isso que muitas injustiças já se cometeram em matéria de aval de homem casado. [16]

Creio que novamente estas estratégias serão rechaçadas pelos Tribunais Superiores, pois, em que pese ambos sejam institutos de garantias pessoais, não se confundem, como já vimos.


IV.DOS EFEITOS DO AVAL SEM AUTORIZAÇÃO CONJUGAL, DE ACORDO COM A ESPÉCIE DE REGIME DE BENS.

O regime de bens, regulado pelo direito de família, traz normas aplicáveis às relações de interesse econômico resultantes do casamento.

De acordo com o regime de bens escolhido pelo casal, e considerando a atual redação do art. 1.647 do Código Civil, o aval prestado sem autorização conjugal pode gerar efeitos bem distintos. Em regra, a meação do cônjuge ficará preservada; porém, se o regime for o de separação de bens, não há que se falar em proteção, pois não existem bens comuns, apenas bens individualizados, que não se comunicarão em momento algum.

Já em relação ao regime de comunhão universal, existe outra particularidade. Todos os bens podem responder pela garantia prestada, até mesmo aqueles adquiridos antes da constância do casamento, visto que todo o patrimônio, presente e futuro do casal, formam uma só massa.

Os regimes de bens previstos no Código Civil são quatro, a saber:

1.COMUNHÃO PARCIAL – regulada pelos arts. 1.658 a 1.666: Aqui, somente os bens que sobrevirem ao casamento poderão ser atingidos. Os bens adquiridos individualmente por cada um, antes do casamento, não se comunicam, ficando excluídos da comunhão. Este regime é identificado por três tipos de patrimônios: o comum, o pessoal do marido e o pessoal da mulher. Somente o patrimônio comum e o daquele que prestou a garantia poderão vir a ser atingidos, em decorrência da ausência de autorização conjugal. A meação daquele que não anuiu à cártula, em regra, ficará intacta.

Aqueles bens recebidos isoladamente por doação ou sucessão, assim como aqueles sub-rogados em seu lugar, mesmo adquiridos na vigência do casamento, também não se comunicam, mas podem ser penhorados em sua totalidade, na hipótese de pertencerem exclusivamente ao consorte que prestou o aval, ou ainda, melhor sorte, não sofrerá nenhum embaraço, se pertencer àquele que não autorizou a garantia.

2. COMUNHÃO UNIVERSAL – regulada pelos arts. 1.667 a 1.671: Esta espécie de regime implica na formação de uma única massa de bens indivisíveis. Tantos os bens presentes como os futuros se comunicam, ficando todos eles sujeitos a responder pela obrigação contraída unilateralmente pelo parceiro, salvo as exceções previstas no art. 1.668 do CC [17], que têm efeitos personalíssimos.

3. PARTICIPAÇÃO FINAL DOS AQUESTOS – regulada pelos arts. 1.672 a 1.686: Regime quase não utilizado e muito semelhante à comunhão parcial. Cada cônjuge possui um patrimônio próprio, e mesmo aqueles bens adquiridos no alento do casamento, continuarão sob seu domínio e administração. Só haverá comunicação destes no momento da dissolução conjugal. Consequentemente, os cônjuges sujeitos a este regime, prestando o aval sem a autorização do companheiro, podem ter seu patrimônio penhorado totalmente. Porém, ocorrendo a dissolução da sociedade, e ficando comprovado que aquele bem constrito pertencia à massa comum do casal, o cônjuge prejudicado poderá pedir reparação de danos, decorrente do ato deliberado de seu companheiro que lhe causou prejuízo.

4. SEPARAÇÃO DE BENS – regulada pelos arts. 1.687 a 1.688: Neste regime, cada um responde e administra seu patrimônio livremente. Não existe um patrimônio comum, salvo estipulação contrária em pacto antenupcial. Assim, em regra, o aval prestado por qualquer um dos nubentes não prescinde de autorização. Também não há que se falar em preservar a meação daquele que não prestou a garantia.

Conclui-se, portanto, que a proteção conferida à meação depende necessariamente da espécie de regime de bens adotada pelos nubentes. Deve-se tomar como base que o aval prestado unilateralmente não torna o outro nubente devedor; portanto, não tem este obrigação de saldar com sua meação os credores daquele. Logicamente, isto tudo é regra geral que admite exceções; assim, devemos ficar atentos as diversas particularidades de cada caso concreto, observando qual regra melhor se aplica ao litígio.

Sob o mesmo prisma, os bens comuns indivisíveis, seja pela condição de co-proprietário ou condômino necessário, terão a mesma proteção patrimonial. Os Tribunais têm decidido, de forma pacífica nestas situações, por preservar a fração correspondente a terceiros, que não fizeram parte da relação cambiária, inclusive podendo exercer seus direitos de preferência. Nesse sentido:

[...] Em sede de execução, a fração ideal de bem indivisível pertencente a terceiro não pode ser levada à hasta pública, de modo que se submete à constrição judicial apenas as frações ideais de propriedade dos respectivos executados. (REsp 596.434/RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJU 23.11.07). [grifo nosso]

[...] Pode opor embargos de terceiros o condômino que vê a totalidade do condomínio posta à venda em edital de praça relativo a execução contra outro condômino. No caso, os embargos limitam-se ao resguardo da fração ideal pertencente ao condômino não executado (Código Beviláqua, Art. 623). [...] (REsp 706.380/PR, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/10/2005, DJ 07/11/2005 p. 278). [grifo nosso]

[...] Tratando-se de arrematação de imóvel em regime de condomínio, que se encontra em estado de indivisão, deve-se intimar o co-proprietário para que se manifeste a respeito do eventual exercício de seu direito de preferência. [...] (REsp 899.092/RS, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/02/2007, DJ 22/03/2007 p. 320). [grifo nosso]

Portanto, idêntica proteção conferida ao cônjuge que não prestou a garantia têm os condôminos e co-proprietários de bens indivisíveis. Todos eles são legitimados a defender sua parte, mediante a competente ação de Embargos de Terceiro, prevista no art. 1.046 do CPC [18].

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Sobre a autora
Silvane Boschini Lopes

Advogada em Curitiba (PR). Coordenadora jurídica da Carrilho & Cafareli Advogados Associados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOPES, Silvane Boschini. Aspectos polêmicos a respeito do aval prestado sem a autorização conjugal, na visão dos tribunais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2671, 24 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17688. Acesso em: 26 abr. 2024.

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