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Modalidades de arranjos familiares na atualidade

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09/05/2013 às 16:58
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1.6.Das famílias reconstituídas

As uniões reconstituídas também são família e são chamadas de recompostas (mosaico ou “ensambladas)”.

Esta união reconstituída é aquela entre uma pessoa, que já tem uma família e leva os seus filhos, oriundos desta família, para conviverem com a sua nova relação, que também já tem prole de núcleo antecedente.

O código civil trata timidamente deste tipo de família. O único efeito jurídico que decorre de uma família recomposta é o parentesco por afinidade (artigo 1595). O parente por afinidade não tem direito a alimentos, nem à herança, ou melhor, não tem direito a quase nada. Este parentesco por afinidade da família recomposta só serve para fins de impedimento matrimonial, que ocorrerá para sempre no parentesco por linha reta.

Outro efeito jurídico que pode decorrer de uma família reconstituída é a aquisição de sobrenome de padrasto ou madrasta (“Lei Clodovil”) – dispõe que deve haver consentimento expresso do padrasto ou madrasta, por ordem judicial e deve ser ouvido o MP. Cabe ressaltar, que o pai e a mãe não precisam consentir para esta aquisição, pois nome é direito da personalidade. Porém, tratando-se de menor de idade, o pai ou mãe devem ser citados. O artigo 1105 do CPC estabelece que, no procedimento de jurisdição voluntária, precisam ser citados todos os interessados, bem como o Ministério Público.

A lei 11.294/09, também chamada por muitos de "Lei Clodovil", encontra-se inserida nos novos rumos do direito de família, que reconhece (e até mesmo privilegia) a paternidade e a maternidade sócio-afetiva no intenso processo de constitucionalização do direito civil. Para a inclusão do patronímico do padrasto ou madrasta, a lei exige, em linhas gerais, apenas a concordância expressa deste, bem como o "motivo ponderável", após decorrido um prazo de cinco anos[29]

O acréscimo de sobrenome do padrasto não produz efeitos alimentícios, nem sucessórios. Contudo, pode produzir efeitos em relação:

a) Aos servidores públicos federais, pois a lei 8112, em seu artigo 217, prevê os enteados como beneficiários das pensões.

b)Aos enteados ou à sogra. Há o direito de retomada de imóvel alugado (STJ Resp 36365/MG). É possível retomar imóvel alugado para sogra ou para enteado morar.[30]


1.7. Família anaparental

A família anaparental é aquela que traz a noção de que a família não abrange apenas o marido, esposa e filhos. Pessoas agregadas também podem compor o vínculo de família (vínculo de afetividade / afeição). Passou-se a admitir que o núcleo familiar possa ser integrado por pessoas que não guardem vínculo parental estrito ou consanguíneo. É o caso do julgado que transcrevemos a seguir, de uma adoção póstuma, em que dois irmãos de sexos opostos, ao agirem como família, constituindo um núcleo familiar formado pelo afeto, puderam adotar um menor, que consideravam como um filho.

Jurisprudência do STJ - Adoção Póstuma - Família Anaparental

Adoção Póstuma. Família Anaparental.

Para as adoções post mortem, vigem, como comprovação da inequívoca vontade do de cujus em adotar, as mesmas regras que comprovam a filiação socioafetiva, quais sejam, o tratamento do menor como se filho fosse e o conhecimento público dessa condição. Ademais, o § 6º do art. 42 do ECA (incluído pela Lei n. 12.010/2009) abriga a possibilidade de adoção póstuma na hipótese de óbito do adotante no curso do respectivo procedimento, com a constatação de que ele manifestou, em vida, de forma inequívoca, seu desejo de adotar.(...) Consignou-se, ademais, que, na chamada família anaparental – sem a presença de um ascendente –, quando constatados os vínculos subjetivos que remetem à família, merece o reconhecimento e igual status daqueles grupos familiares descritos no art. 42, § 2º, do ECA. Esses elementos subjetivos são extraídos da existência de laços afetivos – de quaisquer gêneros –, da congruência de interesses, do compartilhamento de ideias e ideais, da solidariedade psicológica, social e financeira e de outros fatores que, somados, demonstram o animus de viver como família e dão condições para se associar ao grupo assim construído a estabilidade reclamada pelo texto da lei. Dessa forma, os fins colimados pela norma são a existência de núcleo familiar estável e a consequente rede de proteção social que pode gerar para o adotando. Nesse tocante, o que informa e define um núcleo familiar estável são os elementos subjetivos, que podem ou não existir, independentemente do estado civil das partes. Sob esse prisma, ressaltou-se que o conceito de núcleo familiar estável não pode ficar restrito às fórmulas clássicas de família, mas pode, e deve, ser ampliado para abarcar a noção plena apreendida nas suas bases sociológicas. Na espécie, embora os adotantes fossem dois irmãos de sexos opostos, o fim expressamente assentado pelo texto legal – colocação do adotando em família estável – foi plenamente cumprido, pois os irmãos, que viveram sob o mesmo teto até o óbito de um deles, agiam como família que eram, tanto entre si como para o infante, e naquele grupo familiar o adotando se deparou com relações de afeto, construiu – nos limites de suas possibilidades – seus valores sociais, teve amparo nas horas de necessidade físicas e emocionais, encontrando naqueles que o adotaram a referência necessária para crescer, desenvolver-se e inserir-se no grupo social de que hoje faz parte. Dessarte, enfatizou-se que, se a lei tem como linha motivadora o princípio do melhor interesse do adotando, nada mais justo que a sua interpretação também se revista desse viés. REsp 1.217.415-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 19/6/2012.

Maria Berenice Dias, em sua obra “Manual das Sucessões”, discorre sobre a família parental, trazendo a diferença entre a família monoparental e a família pluriparental. Segundo esta autora, esta segunda espécie de família é aquela formada da convivência familiar dos parentes colaterais, não importando a igualdade ou diferença do grau de parentesco entre eles. Como exemplo de família pluriparental, esta exímia autora, cita os tios e sobrinhos que vivem em família.[31]

Já a família monoparental, segundo a autora, é aquela em que há somente a presença de somente um ascendente e seus descendentes.

Descreve, ainda, como modelo clássico de família, com a presença de ambos os genitores, a estrutura vivencial entre parentes em linha reta.

Transcreveremos o trecho de seu livro acerca da família parental.

A convivência familiar dos parentes colaterais recebe o nome de família pluriparental. (...)

Assim, tios e sobrinhos que vivem em família constituem uma família pluriparental. Igualmente, irmãos e até primos que mantém convivência familiar são outros exemplos.

 Por não existir verticalidade dos vínculos parentais em dois planos, é conhecida como família anaparental. Assim, é possível identificar duas espécies de entidades familiares parentais, que se diferenciam pelo elo de parentesco de seus integrantes: a monoparental é a formada por um ascendente e seus descendentes e pluriparental, entre parentes de linha colateral. [32]


1.8.Da multiparentalidade

 A visão tradicional sobre filiação é no sentido de que o seu reconhecimento resultaria em uma perspectiva dual: o filho tem um pai e uma mãe. Este é o recorte normal.

A multiparentalidade, diferentemente do modelo tradicional, permite ao juiz, na perspectiva do princípio da socioafetividade, reconhecer em situações excepcionais, a possibilidade de um filho ter mais de um pai ou mais de uma mãe.[33]

Hoje este modelo tradicional de família começou a ser revisto, por não ser consentâneo com a nossa realidade fática e com os valores insculpidos na Constituição de 1988. Começamos a rever o gênero, como por exemplo, diante da possibilidade de casais com o mesmo sexo adotando filhos. O direito começou a se preocupar com a multiparentalidade.

No caso deste acórdão, que transcreveremos parcialmente, a mãe biológica de um menino morreu no parto e foi feito o registro dele, constando o nome de sua mãe biológica que morreu. Ocorre que esta criança a vida inteira foi criada por outra mulher (sua madrasta). Este julgado permitiu que fosse mantido o nome da mãe (genitora) no registro, sendo acrescido o nome de sua madrasta no mesmo.

Esta criança, de acordo com o julgado que colacionamos a seguir, ficou com duas mães no registro e um pai.

TJ-SP – Decisão autoriza registro de nascimento com dupla maternidade com base na maternidade socioafetiva.

O Tribunal de Justiça de São Paulo autorizou a um rapaz a inclusão do nome de sua madrasta em sua certidão de nascimento. Desse ele forma, ele passará ter duas mães e um pai no documento. As informações são da Folha de S.Paulo.

Para especialistas consultados pelo jornal, a decisão é histórica, já que esta é a primeira vez que um tribunal tem esse entendimento. O ineditismo está no fato de o nome da mãe biológica, morta três dias após o parto, ter sido mantido, diz o jornal. [34]

Podemos constatar, com este julgado, e com vários outros que mencionaremos a seguir, que direito de família atual, é um direito de família que se reconstrói na perspectiva da dignidade da pessoa humana. Esse dever de proteção da dignidade da pessoa humana, expressamente previsto na Constituição de 1988, por vias transversas, acaba por tutelar a busca à felicidade, integrante do mínimo existencial assegurado pela Constituição de 1988. Com isso, a busca da felicidade, alicerçada na proteção da dignidade humana, traz um alargamento no conceito de família, justificado, inclusive, pela constitucionalização do direito privado.

Diante deste cenário revolucionário que estamos vivenciando, em virtude da constitucionalização do direito privado, torna-se imperioso que a sociedade, assim como os juristas e o legislativo, passe a direcionar as suas atitudes de modo a respeitar a dignidade da pessoa humana de cada indivíduo e, por conseguinte as suas opções, sejam estas em sua maneira de pensar ou de sentir. Em outras palavras, ter a dignidade assegurada é ter a sua individualidade respeitada, pois nem todos pensam ou sente de maneira igual.

O direito à felicidade é um direito fundamental implicitamente previsto na Constituição.[35]A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, não trouxe expressamente em seu texto o direito à busca da felicidade, porém, ao garantir o mínimo existencial para a proteção da dignidade da pessoa humana, acabou por tutelar este valioso direito. O direito a busca da felicidade é um dos fundamentos para a tutela das diferenças.

Todos os tipos de vínculos merecem a proteção do Estado quando baseados em afeto, dedicação e auxílio na formação de um indivíduo completo, melhor e feliz.

A estrutura psicológica dos seres humanos deve ser respeitada e, com isto, não podemos nos esquecer de que cada indivíduo é um ser único, com vontades, sentimentos e pensamentos próprios, que devem ser respeitados.

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Com o devido respeito à tutela da dignidade da pessoa humana de cada indivíduo, não há espaço para as discriminações infundadas e para o tratamento desigual em relação a qualquer vínculo baseado em afeto, assim como não se justifica qualquer diferenciação de tratamento entre filhos advindos de origens distintas.

Não há diferença entre os casais heterossexuais e os homossexuais, assim como também não há, em relação aos filhos de origem biológica ou não. O que importa é a preservação do afeto, do melhor interesse da criança e da busca à felicidade de cada indivíduo.

O direito e o respeito à felicidade de cada individuo traz benefícios, não só a ele próprio, como também à sociedade, que será mais amorosa e com indivíduos melhores.

Quanto vale o amor? Será que o amor entre pais e filhos não biológicos vale menos? Será que o amor entre pessoas do mesmo sexo vale menos? A resposta a estas perguntas estão sendo discutidas em nossa jurisprudência pátria com grandes avanços.

Proteger o amor e o afeto é proteger o próprio ser humano, sua família e, por fim a sociedade, pois o amor é um sentimento que, quando repartido, se multiplica.


Notas

[1] http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7559

[2] http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7559

[3]  FIUZA, Cezar, Novo Direito Civil Curso Completo, 6 edição, Editora Del Rey

[4]http://jus.com.br/revista/texto/9704/o-casamento-inexistente

[5] STOZE Pablo, PAMPLONA Rodolfo, Novo Curso de Direito Civil. Direito de Família VI, Editora Saraiva, 2011

[6] http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7559

[8] http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7559

[9]http://jus.com.br/revista/texto/12232/uniao-estavel-e-entidades-familiares-concomitantes

[10]http://jus.com.br/revista/texto/12232/uniao-estavel-e-entidades-familiares-concomitantes

[11]http://jus.com.br/revista/texto/12232/uniao-estavel-e-entidades-familiares-concomitantes

[12] http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=448&tmp.texto=105225&tmp.area_anterior=44&tmp.argumento_pesquisa=concubina

[13] STOLZE Pablo, PAMPLONA Rodolfo, Novo Curso de Direito Civil Direito de Família, vol VI, 2011, pág 462

[14]http://jus.com.br/revista/texto/9243/meacao-em-razao-da-extincao-de-uniao-estavel-adulterina

[15] STOLZE Pablo, PAMPLONA Rodolfo, Novo Curso de Direito Civil Direito de Família, vol VI, 2011, pág 462 e 463

[16] STOLZE Pablo, PAMPLONA Rodolfo, Novo Curso de Direito Civil Direito de Família, vol VI, 2011, pág 465

[17] Apelação Cível Nº 70027512763, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 14/05/2009

[18] STOLZE Pablo, PAMPLONA Rodolfo, Novo Curso de Direito Civil Direito de Família, vol VI, 2011, pág103

[19] STOLZE Pablo, PAMPLONA Rodolfo, Novo Curso de Direito Civil Direito de Família, vol VI, 2011, pág 459.

[20] STOLZE Pablo, PAMPLONA Rodolfo, Novo Curso de Direito Civil Direito de Família, vol VI, 2011, pág 461

[21] http://s.conjur.com.br/dl/sentenca_poliamorismo.pdf

[22] Sentença, proferida pelo magistrado Adolfo Theodoro Naujork, na 4ª Vara de Família da Comarca de Porto Velho/RO, (processo 001.2008.005553-1).

[23] Carlos Roberto Gonçalves- Direito Civil Brasileiro.Editora Saraiva. 4 edição, página552 e 553

[24] Pablo Stolze, página 428- volume VI- 1 edição / 2008 (página 428)

[25] Clipping do DJ /10 a 14 de outubro de 2011 /ADI n. 4.277- DF

[26] RESP 1.183.378/RS

[27] (REsp 1183378 RS 2010/0036663-8): Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

[28] REsp 1183378 RS 2010/0036663-8): Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

[29] http://www.webartigos.com/artigos/lei-11-294-09-a-possibilidade-de-inclusao-do-nome-do-padrasto-ou-madrasta/31009/#ixzz2Kvql3dzC

[30] RESP

[31]  DIAS Berenice, Manual das Sucessões, Editora dos Tribunais, 2008, pág 90 e 91

[32] DIAS Berenice, Manual das Sucessões, Editora dos Tribunais, 2008, pág 90 e 91

[33] TJ/ SP na apelação civel AC 0006422-26.2011

[34] http://www.arpensp.org.br/principal/index.cfm?tipo_layout=SISTEMA&url=noticia_mostrar.cfm&id=16700

[35]http://jus.com.br/revista/texto/18903/a-positivacao-do-direito-a-busca-da-felicidade-na-constituicao-brasileira#ixzz2Kho91qMM

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Sobre a autora
Paula Sampaio Vianna Rangel

Advogada. Terminando Pós Graduação em Direito Civil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RANGEL, Paula Sampaio Vianna. Modalidades de arranjos familiares na atualidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3599, 9 mai. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24393. Acesso em: 28 mar. 2024.

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