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A positivação do direito à busca da felicidade na Constituição brasileira.

A felicidade como direito fundamental

14/04/2011 às 15:22
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Felicidade é a "qualidade ou estado de feliz, ventura, contentamento; bom êxito, êxito, sucesso" [01]. Aristóteles, na obra Ética a Nicômaco, diz que a felicidade é a finalidade da natureza humana.

"Para Aristóteles, o bem soberano é a felicidade, para onde todas as coisas tendem. Ela é caracterizada como um bem supremo por ser um bem em si. Portanto, é em busca da felicidade que se justifica a boa ação humana. Todos os outros bens são meios para atingir o bem maior que é a felicidade" [02].

Observa-se, a partir dessas considerações, que a felicidade é um bem inato ao homem e essencial para sua vida. É, portanto, um direito e garantia fundamental e "os direitos e garantias fundamentais, em sentido material, são, pois, pretensões que, em cada momento histórico, se descobrem a partir da perspectiva do valor da dignidade humana" [03].

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, não trouxe expressamente, em seu texto, o direito à busca da felicidade, apesar de garantir um mínimo existencial (parcela mínima que cada pessoa precisa para sobreviver) para a proteção da dignidade da pessoa humana.

Visto isso, recente Projeto de Emenda à Constituição (PEC) sobre o assunto, de iniciativa do senador Cristovam Buarque, tramita no Congresso Nacional. Apelidado de "PEC da Felicidade" e já aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado, o projeto pretende incluir a "busca da felicidade" entre os direitos fundamentais do cidadão brasileiro. Pela proposta, o artigo 6º da Carta Republicana de 88 passaria a vigorar da seguinte forma: "Art. 6º. São direitos sociais, essenciais à busca da felicidade, a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição". (grifos nossos)

É perceptível, a partir da análise do promitente texto do artigo 6º de nossa Constituição, que a "PEC da Felicidade" enfatiza a importância dos direitos sociais como forma de promover a busca da felicidade. Os direitos sociais são os meios mínimos para se atingir o fim maior, que é a felicidade.

É certo que "os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte" [04]. Observa-se, assim, a lição do professor Luiz Alberto David Araújo, in verbis:

"Não se concebe a idéia de que o Estado Moderno deva buscar um caminho diferente daquele que pressupõe a felicidade de seus componentes. O homem se organiza para obter felicidade. Submete-se ao regramento do Estado, aceita suas regras, paga os impostos, limita-se, sabendo, no entanto, que os fins dessa associação só podem levar à busca da felicidade. (...) / Ao arrolar e assegurar princípios como o do Estado Democrático, o da dignidade da pessoa humana e o da necessidade de promoção do bem de todos, sem qualquer preconceito, o constituinte garantiu o direito à felicidade. Não o escreveu de forma expressa, mas deixou claro que o Estado, dentro do sistema nacional, tem a função de promover a felicidade, pois a dignidade, o bem de todos, pressupõe o direito de ser feliz. Ninguém pode conceber um Estado que tenha como objetivo a promoção do bem de todos possa colaborar para a infelicidade do indivíduo. Portanto, a interpretação constitucional leva à busca da felicidade do indivíduo, não de sua infelicidade" [05].(grifos nossos)

Poder-se-ia, então, dizer que não se precisa emendar nosso texto constitucional, pois o direito fundamental à felicidade já se encontra reconhecido em nosso sistema, posto que abrange os princípios já adotados na atual Constituição. No entanto, tornar explícito o direito à busca da felicidade é importante para o resgate da garantia dos direitos sociais, principalmente diante do fenômeno da reserva do possível (insuficiência de recursos públicos, impossibilitando a garantia dos direitos previstos na Constituição), utilizado, muitas vezes, como "desculpa" pelo Estado para a não implementação da efetividade dos direitos sociais.

Sabe-se, também, que a felicidade pressupõe certo subjetivismo, presente em cada indivíduo, acarretando a existência de diversos tipos de felicidade. Assim, é impossível o Estado, por si só, trazer felicidade plena às pessoas. Para alguns ser feliz é viver no agito da cidade, para outros, no silêncio do campo; alguns só se contentam com riquezas materiais, outros se satisfazem com a simplicidade. No entanto, o Estado pode oferecer condições mínimas para que, a partir daí, cada pessoa esteja possibilitada de buscar a felicidade da melhor maneira que lhe convém.

Como bem salientou o Ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e membro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Ives Gandra Martins Filho:

"Na teoria clássica, a finalidade do Estado é promover o bem comum da sociedade, considerado como o conjunto de condições que permite aos indivíduos atingirem o seu bem particular. Se o Estado propicia segurança, educação, saúde, trabalho, previdência, moradia e transporte, o indivíduo tem as condições mínimas para atingir a felicidade, a que todos os homens tendem. No entanto, é preciso fazer a distinção entre fins e meios. O bem comum é a finalidade e os direitos sociais, os meios para promovê-lo. Nesse diapasão, não se pode colocar a felicidade como direito a ser garantido pelo Estado. O que é dever do Estado é assegurar os meios para que cada um possa chegar à felicidade. Com efeito, ninguém pode dizer a outro seja feliz, quando esse sentimento não brota de dentro. Pode-se ter tudo e não ser feliz, pois a felicidade é um sentimento de plenitude, que, como dizia Aristóteles, ao dedicar o Livro I de sua Ética a Nicômaco à questão da felicidade, apenas se alcança pela posse do bem adequado à natureza humana" [06].

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O Estado e o Direito, então, devem contribuir para a diminuição do sofrimento das pessoas, garantirem os direitos básicos para se viver e ajudarem na concretização da felicidade.

Importante salientar que o direito à busca da felicidade, positivado, não deve ser mais uma "letra morta" presente na Constituição, precisamos aplicar esse direito no "mundo da vida" e dá total eficácia a essa norma constitucional. Esse é o papel do constitucionalismo democrático contemporâneo, a "utopia que nos restou" [07].

"Com relação às grandes aspirações dos homens de boa vontade, já estamos demasiadamente atrasados. Busquemos não aumentar esse atraso com nossa incredulidade, com nossa indolência, com nosso ceticismo. Não temos muito tempo a perder" [08]. Sendo, por isso, um direito fundamental, universal, absoluto e que se alinha ao princípio-mor de dignidade da pessoa humana, o direito à busca da felicidade deve ser tratado de forma expressa em nossa Constituição.Ademais, "o Estado, a sociedade e o Direito devem funcionar de modo a permitir que cada um seja o melhor que possa ser" [09].


REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Luiz Alberto David. A Proteção Constitucional do Transexual, 1. ed. – São Paulo: Editora Saraiva, 2000.

BRASIL. Constituição da República Federativa.

BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo / Luís Roberto Barroso. – São Paulo: Saraiva, 2009.

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho, apresentação de Celso Lafer. – Nova ed. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. – 7ª reimpressão.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da língua portuguesa. – 3. ed. – Curitiba: Positivo, 2004.

FILHO, Ives Gandra Martins. Trecho de artigo publicado no jornal Correio Brasiliense. Disponível em: <

http://blog.maisfeliz.org/?p=81.> Acesso em 03/10/2010.

MALINOSKI, Jocemar; DA SILVA, Sinicley. FELICIDADE: O BEM SUPREMO, NO LIVRO I DA OBRA: ÉTICA A NICÔMACO DE ARISTÓTELES. Disponível em: <

http://www.ufsm.br/gpforma/2senafe/PDF/069e4.pdf.> Acesso em 03/12/2010.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. – 4. ed. rev. e atual. - São Paulo: Saraiva, 2009.

MONTEIRO, Juliano Ralo. PEC da felicidade positivará direito na CF. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2010-mai-29/pec-felicidade-positivacao-direito-reconhecido-resto-mundo.> Acesso em 03/12/2010.


Notas

1. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da língua portuguesa. – 3. ed. – Curitiba: Positivo, 2004.

2. MALINOSKI, Jocemar; DA SILVA, Sinicley. FELICIDADE: O BEM SUPREMO, NO LIVRO I DA OBRA: ÉTICA A NICÔMACO DE ARISTÓTELES. Disponível em: <

http://www.ufsm.br/gpforma/2senafe/PDF/069e4.pdf.> Acesso em 03/12/2010.

3. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. – 4. ed. rev. e atual. - São Paulo: Saraiva, 2009, p. 271.

4. BRASIL. Constituição da República Federativa, artigo 5°, § 2.

5. ARAÚJO, Luiz Alberto David. A Proteção Constitucional do Transexual, 1. ed. – São Paulo: Editora Saraiva, 2000, p. 74.

6. FILHO, Ives Gandra Martins. Trecho de artigo publicado no jornal Correio Brasiliense. Disponível em: <

http://blog.maisfeliz.org/?p=81.> Acesso em 03/10/2010.

7. BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. – São Paulo: Saraiva, 2009, p.400.

8. BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho, apresentação de Celso Lafer. – Nova ed. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. – 7ª reimpressão, p. 61.

9. BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. – São Paulo: Saraiva, 2009, p. XX.

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Sobre o autor
João Pedro da Silva Rio Lima

Advogado / Graduado em Direito pela Universidade Federal do Piauí - UFPI

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, João Pedro Silva Rio. A positivação do direito à busca da felicidade na Constituição brasileira.: A felicidade como direito fundamental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2843, 14 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18903. Acesso em: 25 abr. 2024.

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