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A proteção jurídica do e-mail, enquanto meio de comunicação privada, no Direito Penal espanhol

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01/11/2001 às 01:00
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Sumario

:

1) Introdução. 2) Delitos informáticos. 3) A intimidade como um direito fundamental e sua proteção no ordenamento jurídico espanhol. 4) O direito ao segredo nas telecomunicações e sua proteção no ordenamento jurídico espanhol. 5) A proteção jurídico-penal do correio eletrônico no Direito Penal espanhol. 5.1) Considerações iniciais. 5.2) Apropriação de e-mail. 5.3) Interceptação de e-mail. 5.4) O tipo agravado de difusão, revelação ou cessão do conteúdo do e-mail. 5.5) O tipo agravado em razão da esfera de domínio profissional do autor do delito. 5.6) Tipo agravado em razão do caráter de privacy do conteúdo do e-mail ou se o delito for praticado contra menores de idade ou incapazes. 5.7) O tipo agravado pelo ânimo de lucro. 6) Exceções à ilegitimidade das condutas descritas no artigo 197 do Código Penal espanhol. 7) Conclusão.


1) Introdução

O crescente e espetacular desenvolvimento das novas tecnologias, principalmente a informática e a telemática, trás, junto às constantes inovações, o surgimento de uma nova classe de delinqüência.

É inquestionável a expressiva utilização do correio eletrônico (e-mail) nos dias atuais. Mister que o Direito Penal ofereça proteção jurídica a este meio de comunicação, assim como o faz para as correspondências postais convencionais.

O Direito Penal espanhol, no desempenho de sua tarefa de adaptação às novas formas de delinqüência, abrange a proteção jurídica ao e-mail enquanto meio de comunicação privada.

Nosso objetivo no presente trabalho é, justamente, realizar uma breve análise acerca da proteção jurídico-penal dispensada pelo Direito espanhol ao correio eletrônico, o que passamos a fazer em seguida.


2) Delitos informáticos

Existem realmente delitos informáticos? Eis um tema o qual foi, e ainda é, objeto de muita discussão em seara doutrinária.

Não vamos aqui examinar a fundo esta problemática, uma vez que este não é nosso escopo. Todavia, entendemos ser de muita importância deixar mencionado que a doutrina se encontra dividida acerca do tema.

As opiniões são as mais variadas. Vejamos, primeiramente, o conceito de delito informático elaborado por Luis Camacho Losa. Para este autor:

" En una primera aproximación podríamos definir el delito informático como toda acción dolosa que provoca un perjuicio a personas o entidades, sin que necesariamente conlleve un beneficio material para su autor, o que, por el contrario, produce un beneficio ilícito a su autor aun cuando no perjudique de forma directa o inmediata a la víctima, y en cuya comisión intervienen necesariamente de forma activa dispositivos habitualmente utilizados en las actividades informáticas[1] ".

Devemos ressaltar que o citado autor não considera como delitos informáticos os crimes que já se encontram tipificados em um Código Penal e que possuem somente uma relação ocasional com a informática, como, por exemplo, o furto de um hardware[2].

Outros, como Antonio-Henrique Pérez Luño, preferem a denominação criminalidad informática, sustentando que a heterogeneidade de situações que se podem incluir na expressão "delito informático" aconselha que se utilize a primeira denominação[3].

Independentemente da denominação que se adote, seja delito informático, criminalidad informática, computer crime (Estados Unidos), computerkriminalität (Alemanha) etc., o que deve ficar claro é que na chamada "era da informática", onde poucos aspectos de nossas vidas não se vêm afetados pelas novas tecnologias, máxime a informática e a telemática, crimes podem e estão sendo praticados com o uso destas novas tecnologias, o que demanda uma adaptação das características permanentes e intangíveis do Direito.


3) A intimidade como um direito fundamental e sua proteção no

ordenamento jurídico espanhol

Um conceito de intimidade é de difícil elaboração. Refere-se ao âmbito de reserva de determinados aspectos os quais constituem a parcela privada da vida de determinada pessoa. Nos Estados democráticos de Direito, a intimidade é um direito fundamental, reconhecido e respeitado, fundamentalmente, por este status.

Seguindo os passos da Constituição portuguesa (1976), primeiro Texto Fundamental a consagrar o direito à intimidade a nível constitucional na Europa, Espanha reconheceu, em sua Constituição (1978), o direito à intimidade[4].

A proteção penal ao direito à intimidade, no âmbito do ordenamento jurídico espanhol, não correspondia aos anseios de sua Carta Magna, uma vez que até 1995 o nível de proteção dispensado pelo Código Penal espanhol a este direito era modesto, por não dizer inexistente.

Neste sentido a doutrina de José Luis Manzanares e Javier Cremares:

" La intimidad, en cuanto bien jurídico independiente, no había sido objeto de tutela jurídica por parte de los anteriores Códigos Penales. Esta es, pues, una de las más destacadas novedades del actual Código Penal que se hace eco, de esta forma, de la importancia y dimensión autónoma que ha ido adquiriendo progresivamente el derecho a la intimidad[5] ".

Com a reforma do aludido Codex (Lei Orgânica 10/1995, de 23 de novembro de 1995) este panorama foi modificado. O "novo" Código Penal da Espanha reservou um Título específico para os "delitos contra la intimidad, el derecho a la propia imagen y la inviolabilidad del domicilio". Para nós interessa, no presente estudo, o Capítulo primeiro deste citado Título, em especial o artigo 197 do Código Penal espanhol, pelo que a este limitaremos nossa análise.


4) O direito ao segredo nas telecomunicações e sua proteção no

ordenamento jurídico espanhol

Como já tivemos oportunidade de mencionar, o direito ao segredo nas telecomunicações está garantido, no Direito espanhol, pela Constituição daquele país. De conformidade com o artigo 18.3 do Texto Maior espanhol: " Se garantiza el secreto de las comunicaciones y, en especial, de las postales, telegráficas y telefónicas, salvo resolución judicial ". Alertamos para a ressalva estabelecida por este preceito constitucional, é dizer, havendo ordem judicial rompe-se dita garantia. Devemos entender por "comunicaciones", termo utilizado pela Constituição espanhola, como "telecomunicações" para os fins deste trabalho.

O segredo nas telecomunicações consiste em uma garantia da vida privada, no sentido de que preserva ao indivíduo um âmbito de atuação livre de ingerências de terceiros e, em especial, do Estado. Trata-se, pois, de uma garantia que pressupõe a liberdade das comunicações (entenda-se telecomunicações), ainda que a Constituição espanhola não tenha previsto expressamente desta maneira.

Seguindo esta linha de raciocínio, a liberdade e o segredo nas telecomunicações afeta a todo e qualquer procedimento de intercomunicação privada praticado nos dias atuais, com todos os meios técnicos disponíveis em uso.

Se bem observamos o Texto Fundamental espanhol, encontraremos referência (expressa) tão-somente às comunicações postais, telegráficas e telefônicas. Todavia, não esta fora da proteção constitucional qualquer forma de comunicação (desde que privada) que dispomos atualmente, verbi gratia, fax, correio eletrônico, vídeo conferência etc.

Em suma, o direito ao segredo nas telecomunicações possui caráter constitucional e constitui um dos pilares que compõe e sustentam o direito à intimidade. Protege, em tese, qualquer comunicação privada, independentemente dos meios utilizados para a realização desta.

Passamos agora à análise da proteção jurídico-penal dispensada ao correio eletrônico (enquanto uma forma de comunicação privada) pelo Direito Penal espanhol.


5) A proteção jurídico-penal do correio eletrônico no Direito Penal espanhol

5.1) Considerações iniciais

Não é nosso objetivo tratar de conceitos básicos os quais, dado o nível de influência das novas tecnologias no cotidiano de qualquer pessoa, já são de conhecimento geral. Como nosso estudo se centra na proteção penal dispensada ao correio eletrônico (daqui para frente e-mail), cremos ser necessário apresentarmos, ao menos, uma breve noção sobre o mesmo. Em poucas palavras, e-mail, simplificação do vocábulo inglês electronic mail, é a expressão utilizada para se referir a todo o relacionado com a gestão, envio e recebimento de mensagens por meios eletrônicos[6].

As referências, diretas e indiretas, ao e-mail no Código Penal espanhol são em número razoável. Neste sentido, o e-mail pode ser utilizado, por exemplo, como meio para causar dano a um determinado sistema informático (art. 264.2 Código Penal espanhol), para difundir ou exibir material pornográfico a menores (art. 186 Código Penal espanhol), para cometer o crime de publicidade enganosa (art. 282 Código Penal espanhol) etc.

Como dito anteriormente, nosso estudo está voltado à proteção dispensada ao e-mail pelo ordenamento jurídico-penal espanhol, sempre levando em consideração o seu caráter de meio de comunicação. Centraremos nossa análise às condutas típicas de interceptação e apropriação de mensagens eletrônicas. Para tanto, estudaremos artigo 197 do Código Penal espanhol o qual prevê estas figuras típicas sempre as relacionando com a proteção à intimidade e a garantia de segredo nas telecomunicações. Trata-se, segundo a terminologia castelhana, do delito de descubrimiento y revelación de secretos[7].

5.2) Apropriação de e-mail [8]

Estabelece o artigo 197.1 do Código Penal espanhol em sua primeira parte que: " El que, para descubrir los secretos o vulnerar la intimidad de outro, sin su consentimiento, se apodere de sus papeles, cartas, mensajes de correo electrónico o cualesquiera otros documentos o efectos personales (...) será castigado con las penas de prisión de uno a cuatro años y multa de doce a veinticuatro meses ".

Devemos partir da idéia de que a violação de e-mail está equiparada, na legislação espanhola, à violação de correspondência postal convencional.

Nos interessa aqui, insistimos, a conduta típica de apropriação de mensagem eletrônica, em especial de e-mail.

Primeiramente devemos ressaltar que os segredos e documentos a que se refere o dispositivo legal acima transcrito são de caráter privado, pois o Código Penal espanhol prevê em artigos próprios (arts. 413 a 418) o tratamento dispensado aos documentos e segredos públicos.

O conceito de intimidade já foi visto. Por segredo deve-se entender, segundo a doutrina de Carlos Vazquez Iruzubieta, como: " (...) algo reservado al conocimiento de un número determinado de personas y oculto a otras; debe recaer sobre el contenido y no sobre el objeto, porque las cosas no son el secreto sino el objeto del secreto[9] ".

A princípio podemos pensar que as condutas de descobrir segredos e vulnerar a intimidade são idênticas. Não é bem assim. Por exemplo, se alguém se apropria de um e-mail, o qual não contem nenhum segredo, estará somente vulnerando a intimidade de determinada pessoa, sem descobrir segredo algum.

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A conduta delituosa consiste, nesta primeira parte do artigo 197.1 do Código Penal espanhol, em apropriar-se de e-mail com o dolo específico de descobrir segredos ou vulnerar a intimidade. Obviamente que esta apropriação deve realizar-se sem o consentimento do titular da mensagem eletrônica. Assim, em nossa opinião, não era imprescindível a referência à falta de consentimento, uma vez que a presença deste causaria a atipicidade da conduta. Todavia, assim entendeu e o fez o legislador espanhol.

Basta, para a consumação do delito em tela, que o agente se aproprie de um e-mail, não sendo necessário que haja um resultado lesivo para o titular da mensagem eletrônica, vale dizer, não é prescindível que o agente tome conhecimento do conteúdo do e-mail para que se consume o tipo delituoso. Pese a esta opinião, há os que sustentam que para a consumação do delito é necessário que o agente tome conhecimento do conteúdo da mensagem eletrônica. E mais, sustentam que dito conteúdo deve estar relacionado com o titular do e-mail, pois não havendo esta relação o fato é atípico. Neste sentido a opinião de Carlos Vazquez Iruzubieta: "El simple echo material de apoderamiento documental no es bastante si no va acompañado del conocimiento de su contenido, que debe referirse al proprietario de los documentos, pues si el secreto es de outra persona, la acción es atípica[10] ".

Não compartimos este entendimento. Em nossa opinião, maior razão se deve dar à posição de Fermin Morales Prats, para quem:

" (...) se acude así a la presencia de un elemento subjetivo del injusto para adelantar el momento de la consumación al acto de ‘apoderamiento intencional’ sin que sea precisa la efectiva toma de conocimiento de lo que contiene el documento para la perfección típica. El efectivo descubrimiento de la intimidad documental de otro, tan sólo juega un papel de engarce de este tipo básico con el tipo agravado de difusión o revelación tipificado en el núm. 3 del art. 197; pero, debe subrayarse que ese efectivo conocimiento es un elemento que se sitúa extramuros de la perfección del tipo básico expresado en el art. 197.1.[11] "

Estamos de acordo com a opinião deste autor uma vez que se trata de um delito mutilado de dos actos (na terminologia castelhana), onde o ato é realizado pelo agente como meio subjetivo de uma atuação posterior deste mesmo sujeito. São condutas instrumentais que funcionam como meio para uma possível realização do fim proposto, sem que seja necessária a verificação da posterior atuação lesiva.

No tocante à alegação de que é necessária a relação de titularidade do conteúdo do e-mail com seu titular, basta que pensemos na situação em que um amigo envia uma mensagem eletrônica a outro comentando um segredo, mensagem esta que vêm a ser apropriada quando está imprimida ou na tela do computador deste amigo que a recebeu. O segredo refere-se ao amigo que enviou, e não ao que teve seu e-mail apropriado. Houve apropriação de um e-mail o qual possui como conteúdo um segredo de terceiro. Não houve descobrimento de segredo ou vulneração da intimidade? Quem é o sujeito passivo do delito? Cremos, respeitadas as opiniões em contrário, que o mens legis é a proteção do segredo e da intimidade, pertençam ou não ao titular do e-mail. Todavia a posição da doutrina predominante não é neste sentido. Entendem que a expressão " se apodere de sus papeles, cartas, mensajes de correo electrónico (...) ", leva a que a proteção penal se refira somente à intimidade do titular da mensagem eletrônica, e não à proteção da intimidade de "terceiros".

Registrada a existência de opiniões discrepantes acerca do momento de consumação do delito, mister que chamemos atenção para um ponto importante desta primeira parte do artigo 197.1 do Código Penal espanhol.

A apropriação do e-mail não pode se dar, para efeitos de caracterização típica, via sua interceptação, pois esta conduta está tipificada na segunda parte do artigo 197.1 do Código Penal espanhol.

Neste sentido, a conduta ilícita prevista na primeira parte do artigo acima mencionado se limita à apropriação de e-mail que não esteja, digamos assim, "circulando" pela Rede (Internet), pois o caso seria, insistimos, de interceptação de mensagem eletrônica, fato que está previsto na segunda parte do artigo em questão.

Assim, a conduta punível na primeira parte do artigo 197.1 do Código Penal espanhol é a de apropriação de e-mails que se encontram, por exemplo, imprimidos e guardados pelo titular das mensagens eletrônicas[12].

Também se encontra na esfera da conduta típica da primeira parte do artigo 197.1 do Código Penal espanhol a apropriação intelectual do e-mail, é dizer, quando o agente se apropria do conteúdo de uma mensagem eletrônica que se encontra, por exemplo, exibida na tela do computador[13].

Sobre o tema vejamos o entendimento de A. Calderón Cerezo e J. A. Choclán Montalvo. Para estes autores:

" Existe apoderamiento aunque no haya desposesión del titular, esto es, tanto por el simple hecho de obtención de copias, permaneciendo el soporte en poder de su titular, como el apoderamiento en su sentido estricto con desposesión del titular. Se trata de un delito de peligro que se realiza completamente con el mero apoderamiento del soporte que contiene la información, sin necesidad de que se produzca el efectivo conocimiento antijurídico de lo comunicado (apertura de la correspondencia guardada por su destinatário, por ejemplo)[14] ".

O que deve ficar claro é que a apropriação a que se refere a primeira parte do artigo 197.1 do Código Penal espanhol é a apropriação de e-mails, em regra geral, que não estão "circulando" pela Rede (Internet). E porque dizemos em regra geral? Pelo fato de que, como veremos no próximo item, a apropriação pode dar-se sobre e-mails que não estão "circulando", como, verbi gratia, que se encontram na caixa de entrada (in box), mas que já estão disponíveis para o titular da conta de e-mail.

O sujeito ativo do delito é, em tese, qualquer pessoa. Se for o delito praticado por um empregado (de uma empresa privada) responsável por banco de dados, suportes informáticos, eletrônicos ou telemáticos, ou ainda, de arquivos e registros, a conduta está prevista no artigo 197.4 do Código Penal espanhol. Tratando-se de funcionário público, o delito está tipificado no artigo 198 do Código Penal espanhol.

O sujeito passivo, como mencionado anteriormente, deve ser o titular do segredo ou do documento, sendo necessariamente obrigatório que a dupla titularidade (segredo e documento) recaia sobre uma única pessoa. Esta é a posição que prevalece na doutrina penal espanhola. Manifestamos, novamente, que esta não é nossa opinião.

Tratando-se de menores de idade e incapazes, aplica-se o disposto no artigo 197.5 do Código Penal espanhol, forma agravada do delito de descobrimento e revelação de segredo.

Por fim, conforme prevê o artigo 200 do Código Penal espanhol, as pessoas jurídicas podem ser sujeito passivo do delito, sejam pessoas jurídicas públicas ou privadas[15].

5.3) Interceptação de e-mail

O artigo 197.1 do Código Penal espanhol, em sua segunda parte, prevê que: " El que, para descubrir los secretos o vulnerar la intimidad de otro, sin su consentimiento, (...) intercepte sus telecomunicaciones o utilice artificios técnicos de escucha, transmisión, grabación o reproducción del sonido o de la imagen, o de cualquier otra señal de comunicación, será castigado con las penas de prisión de uno a cuatro años y multa de doce a veinticuatro meses ".

Claramente percebemos a intenção do legislador espanhol em incluir na expressão "o de cualquier otra señal de comunicación" o e-mail e outros possíveis meios de comunicação existentes ou a serem criados.

Neste sentido o entendimento de Esther Morón Lerma: " El tipo abarca, pues, la incriminación de conductas de interceptación de cualquier medio de comunicación, entre los que se hallan las comunicaciones a través de las redes de información, por ejemplo, por correspondencia informática[16]".

A doutrina especializada na área de informática e telemática afirma, quase de forma unânime, que não existe privacidade no e-mail, salvo o caso de mensagens eletrônicas criptografadas[17] (com o sistema conhecido como chave pública ou assimétrica). Neste sentido trazemos à colação a opinião de Mary Ann Pike, para a qual:

" El derecho a la privacidad no está asegurado con el correo electrónico (...). En muchos casos no se establecen criterios para la privacidad del correo electrónico; por lo tanto asuma que todo su correo electrónico está sujeto a examen. Incluso en las redes, cualquier persona con una pasarela puede leer los mensajes que pasen por ahí[18] ". (Grifo nosso)

O que devemos ter em mente é que um e-mail, ao ser enviado por um indivíduo a outro, percorre um longo caminho. Neste percurso pode ser interceptado ilicitamente. Não queremos aqui adentrar em aspectos técnico-informáticos, uma vez que este estudo não vai dirigido a leitores com formação nesta área, e sim a pessoas do mundo jurídico. Entretanto cremos ser necessário, com base na doutrina especializada, que demonstremos o caminho percorrido por uma mensagem eletrônica desde sua saída do computador do remetente até sua chegada ao computador do destinatário. Assim se poderá ter claramente uma idéia da possibilidade de que um e-mail seja interceptado enquanto perfaz dito caminho.

Neste sentido os ensinamentos de Ana Martos:

" Cuando envías un mensaje, tu ordenador lo transmite a un ordenador de tu proveedor, llamado servidor de correo saliente (SMTP server), que está activo permanentemente y cuya misión es distribuir el correo enviado por los usuarios.

El servidor de correo recibe tu mensaje, decide cuál es la mejor ruta para que llegue a su destino, que es otro servidor en el que se encuentra el buzón o cuenta del destinatario. Si no puede enviarlo por alguna razón, lo almacena para reenviarlo más tarde. Si no consigue enviar el mensaje, te enviará una notificación indicando que no ha sido posible entregar tu mensaje porque tal servidor no ha funcionado o no lo ha admitido.

El destinatario del mensaje debe conectarse desde su ordenador a su servidor de correo entrante (POP server), en donde se halla alojado su buzón, para que éste transmita los mensajes nuevos al ordenador local en donde el destinatário podrá leerlos.

El destino final del mensaje es, por lo tanto, un ordenador que aloja varias cuentas de correo o buzones, entre las que se halla la del destinatario del mensaje[19] ".

Como ocorre com a primeira parte do artigo 197.1 do Código Penal espanhol, não é necessário para a consumação do delito que se conheça o conteúdo do e-mail. Também ressaltamos que a interceptação deve, necessariamente, ser realizada com o fim de descobrir segredos ou vulnerar a intimidade (dolo específico).

Aqui voltamos à discussão sobre o momento da consumação do delito. E o fazemos porque, dependendo da corrente doutrinária seguida, as conseqüências penais podem ser diversas.

Imaginemos a situação de um e-mail interceptado por um terceiro, por exemplo, quando a mensagem eletrônica esteja armazenada no computador do provedor do titular de dita mensagem (SMTP server). Após dita apropriação, a qual como dito antes deve haver sido realizada com a finalidade de descobrir segredos ou vulnerar a intimidade, constata o agente que esta mensagem eletrônica está criptografada, impossibilitando, assim, que este possa tomar conhecimento do conteúdo do e-mail.

Para os que adotam a opinião de que o delito se consuma com a simples apropriação (nos termos expostos no item 5.2) ou interceptação do e-mail, este fato não influenciaria na consumação do delito. Esta é, enfatizamos, nossa opinião.

Já para os que sustentam que o delito necessita, para sua consumação, do efetivo conhecimento do conteúdo da mensagem eletrônica, a situação não se apresenta tão simples, uma vez que o agente não obteve dito conhecimento. Nos parece que o caso seria de tentativa. Não aprofundaremos nosso estudo acerca desta questão[20], mas ressaltamos que as conseqüências, segundo a orientação que se adote, serão diversas, notadamente em matéria de cálculo da pena, tendo em vista que seguindo a primeira posição estaríamos frente a um delito consumado, e, em se adotando a segunda opinião, a hipótese seria de delito tentado com significativa alteração na quantidade da pena a ser imposta.

Por fim, devemos analisar a situação do agente que intercepta um e-mail vulnerando a senha (password) de determinada pessoa. Como dito anteriormente, esta conduta deve enquadrar-se na segunda parte do artigo 197.1 do Código Penal espanhol. Assim, aquele que obtêm a senha (password) de outrem e com ela intercepta uma mensagem eletrônica que se encontra na caixa de entrada (in box) pratica o delito descrito neste item, pois impediu que o e-mail chegasse ao seu titular[21]. Em nosso entendimento, o fator que diferencia uma conduta de outra é o fato de o titular haver tido acesso à mensagem eletrônica ou não, pois se já tiver conhecimento do conteúdo da mesma, o delito praticado será de apropriação de e-mail (primeira parte do artigo 197.1 do Código Penal espanhol). Por sua vez, não tendo o titular conhecimento do conteúdo do e-mail, por exemplo por não ter acessado sua conta de correio eletrônico antes do agente interceptador, o delito será de interceptação de e-mail (segunda parte do artigo 197.1 do Código Penal espanhol). Não devemos esquecer que em todas as condutas acima descritas a finalidade norteadora das mesmas deve ser o descobrimento de segredos ou a vulneração da intimidade.

No tocante aos sujeitos ativo e passivo do delito em questão, remetemos o leitor às considerações realizadas acerca da primeira parte do artigo 197.1 do Código Penal espanhol (item 5.2), as quais são de inteira aplicação, mutatis mutandis, à segunda parte do mencionado dispositivo legal.

De igual forma o consentimento do titular do e-mail produz a atipicidade da conduta. Trata-se, também, de um delito mutilado de dos actos, segundo a terminologia castelhana.

Passamos agora a uma breve referência aos tipos agravados do delito de descobrimento e revelação de segredos (art. 197 do Código Penal espanhol).

5.4) O tipo agravado de difusão, revelação ou cessão do conteúdo do e-mail

Para o estudo deste tipo agravado faz-se necessário que dividamos o artigo 197.3 do Codex espanhol em duas partes.

A primeira parte deste preceito nos diz que: " Se impondrá la pena de prisión de dos a cinco años si se difunden, revelan o ceden a terceros los datos o hechos descubiertos o las imágenes captadas a que se refieren los números anteriores ".

Assim, aquele que, após se apropriar ou interceptar um e-mail, sempre com a intenção de descobrir segredos ou vulnerar a intimidade, difunde, revela ou cede o conteúdo do mesmo pratica, em sua forma agravada, o delito de descobrimento e revelação de segredos.

Já a segunda parte do dispositivo legal que ora analisamos prevê que: " Será castigado con las penas de prisión de uno a tres años y multa de doce a veinticuatro meses, el que, con conocimiento de su origen ilícito y sin haber tomado parte en su descubrimiento, realizare la conducta descrita en el párrafo anterior ".

A conduta típica, nesta parte, consiste em difundir, revelar ou ceder o conteúdo de uma mensagem eletrônica pertencente a terceiro sem haver praticado a apropriação ou interceptação de dita mensagem, e com a consciência da ilicitude na obtenção da mesma.

Alertamos que nenhuma das condutas (tanto da primeira quanto da segunda parte do art. 197.3 do Código Penal espanhol) de difundir, revelar ou ceder, principalmente esta, pode estar motivada pelo ânimo de lucro, pois, como veremos, esta conduta típica está prevista no artigo 197.6 do Código Penal espanhol.

5.5) O tipo agravado em razão da esfera de domínio profissional do autor do delito

Segundo o artigo 197.4 do Código Penal espanhol: " Si los hechos descritos en los apartados 1 y 2 de este artículo se realizan por las personas encargadas o responsables de los ficheros, soportes informáticos, electrónicos o telemáticos, archivos o registros, se impondrá la pena de prisión de tres a cinco años, y si se difunden o revelan los datos reservados, se impondrá la pena en su mitad superior ".

Neste sentido, e a título ilustrativo, se um empregado de um determinado provedor (de acesso ou de serviço à internet) pratica a conduta de apropriação ou interceptação de um e-mail pratica o delito, em forma agravada, de descobrimento e revelação de segredo. Também pratica o delito em sua forma agravada o empregado que, nas condições acima descritas, difunde, revela ou cede o conteúdo da mensagem eletrônica apropriada ou interceptada. Neste caso o conteúdo do e-mail deve revelar segredos ou aspectos relativos à intimidade do sujeito passivo. Alertamos também para o fato de que este empregado deve possuir a função de responsável pelo sigilo e inviolabilidade dos e-mails armazenados no computador do provedor.

Sobre a aplicação desta forma agravada ao âmbito das mensagens eletrônicas, trazemos à colação a doutrina de Fermin Morales Prats:

" (...) probablemente el legislador ha querido contemplar la posibilidad de que el tipo agravado, ahora comentado, opere también con respecto a determinadas modalidades típicas básicas presentes en al art. 197.1 CP. Me refiero, principalmente, a los actos de interceptación, grabación o reproducción ilícita de mensajes de correo electrónico-informático, en los que puede tener pleno fundamento la agravación con respecto a sujetos responsables o encargados de sistemas informáticos o redes de bancos de datos[22] ".

Salientamos que a empresa para a qual trabalha o sujeito ativo do delito em tela deve ser de caráter privado, pois em se tratando funcionário público a conduta está descrita no artigo 198 do Código Penal espanhol.

5.6) Tipo agravado em razão do caráter de privacy do conteúdo do e-mail ou se o delito for praticado contra menores de idade ou incapazes

Estabelece o artigo 197.5 do Codex Penal espanhol que: " Igualmente, cuando los hechos descritos en los apartados anteriores afecten a datos de carácter personal que revelen la ideología, religión, salud, origen racial o vida sexual, o la víctima fuere menor de edad o un incapaz, se impondrán las penas previstas en su mitad superior ".

O termo privacy, adotado do Direito norte americano, se refere a todos os dados e informações que tratem de algumas das matérias descritas no dispositivo legal acima mencionado (ideologia, religião etc).

Assim, uma vez que o e-mail apropriado ou interceptado contenha referência a alguns aspectos da privacy do sujeito passivo, a conduta típica será agravada. Da mesma forma que, sendo o sujeito passivo do delito de descobrimento e revelação de segredos um menor de idade ou um incapaz, o delito se configurará na sua forma agravada. As condutas de difundir, revelar ou ceder o conteúdo do e-mail apropriado ou interceptado também entram âmbito de proteção jurídica do artigo ora estudado.

5.7) O tipo agravado pelo ânimo de lucro

Prevê o artigo 197.6 do Código Penal espanhol que: "Si los hechos se realizan con fines lucrativos, se impondrán las penas respectivamente previstas en los apartados 1 al 4 de este artículo en su mitad superior. Si además afectan a datos mencionados en el apartado 5, la pena a imponer será la de prisión de cuatro a siete años ".

Com base neste dispositivo legal, se as condutas delitivas estudadas no presente trabalho forem praticadas com ânimo de lucro, o crime será agravado com as conseqüências penais ora descritas.

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Sobre o autor
Marcelo Cardoso Pereira

advogado especialista em Direito Tributário pelo Centro de Extensão Universitária de São Paulo - CEU, doutorando pela Universidade de Oviedo-Espanha

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Marcelo Cardoso. A proteção jurídica do e-mail, enquanto meio de comunicação privada, no Direito Penal espanhol. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2442. Acesso em: 7 mai. 2024.

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