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Prazo de reflexão do consumidor nos contratos eletrônicos de consumo

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13/09/2014 às 15:54
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O prazo de reflexão, também chamado de direito de arrependimento, previsto no artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor, aplica-se também aos contratos eletrônicos?

Resumo: O presente trabalho tem por finalidade analisar de forma geral alguns aspectos sobre a possibilidade de aplicação do Código de Defesa do Consumidor às negociações feitas pela internet e, especialmente, terá como objetivo específico analisar a possibilidade de aplicação do prazo de reflexão, também chamado de direito de arrependimento, previsto no artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor aos contratos eletrônicos. Dessa forma, o trabalho irá enfocar a garantia ao direito de arrependimento às contratações realizadas fora do estabelecimento comercial, pois, desde a abertura e acesso da rede mundial de computadores (a internet) aos cidadãos civis, as atividades comerciais assumem papel fundamental e dinâmico e um caráter extraterritorial, aspectos que trazem dificuldade de abarcar tal complexidade das novas relações travadas no meio eletrônico, ao regime jurídico vigente no contexto brasileiro.

Palavras-chave: Comércio eletrônico, Código de Defesa do Consumidor, Direito de arrependimento, prazo de reflexão.


1 .  CONTRATO

Não está presente em nosso Código Civil (BRASIL, 2002) uma definição de contrato, mas apenas uma ideia, que é o acordo de duas ou mais vontades para um fim qualquer. Resulta, portanto, da contratação, reunião ou ajuntamento de vontades. Juridicamente, os contratos têm a função de criar ou estabelecer obrigações pelas pessoas que contratam, segundo as condições fixadas.

Para compreender o conceito de contrato faz-se necessário conceituar negócio jurídico, que é o ato jurídico lícito que decorre de uma ou mais vontades, criando, modificando, transferindo ou extinguindo direitos. Quando a manifestação de vontade emana apenas de uma das partes, diz-se que o negócio jurídico é unilateral. Quando se trata da vontade de mais de uma parte, trata-se de negócio jurídico bilateral ou plurilateral, onde estão incluídos os contratos (DINIZ, 2003, p. 394).

Os contratos são negócios jurídicos bilaterais ou plurilaterais. Serão bilaterais quando a atuação das partes for antagônica, como se verifica no contrato de compra e venda, onde existe uma parte querendo comprar e outra querendo vender. Serão plurilaterais, se a atuação das partes não for antagônicas, como no contrato de sociedade, onde as partes possuem os mesmos interesses, no caso, realizar o objeto da sociedade (FIUZA, 2009, p. 391/392).

Ensina Clóvis Beviláqua:

Pode-se considerar o contrato como um conciliador dos interesses, colidentes, como um pacificador dos egoísmos em luta. É certamente esta a primeira e mais elevada função social do contrato. E, para avaliar-se de sua importância, basta dizer que debaixo deste ponto de vista, o contrato corresponde ao direito, substitui a lei no campo restrito do negócio por ele regulado (BEVILÁQUA, 1931, p. 194).

Para César Fiuza:

Contrato é ato jurídico lícito, de repercussão pessoal e socioeconômica, que cria, modifica ou extingue relações convencionais dinâmicas, de caráter patrimonial, entre duas ou mais pessoas, que, em regime de cooperação, visam atender desejos ou necessidades individuais ou coletivas, em busca da satisfação pessoal, assim promovendo a dignidade humana (FIUZA, 2009, p. 392).

Utilizando-se termos jurídicos, contrato pode ser definido como uma espécie de negócio jurídico, de natureza bilateral ou plurilateral, dependente, para sua formação, do encontro da vontade de pelo menos duas partes, que criam, entre si, uma norma jurídica individual reguladora de interesses privados (GOMES, 2002. p. 4).

Para Caio Mário da Silva Pereira (2009, p. 2), contrato é o "acordo de vontades, na conformidade com a lei, e com a finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conservar ou extinguir direitos".

Logo, conforme os doutrinadores, pode-se dizer que contrato é um negócio jurídico firmado entre duas ou mais pessoas, que acordam sobre determinado objeto, estabelecendo entre elas direitos e obrigações não proibidas pelo nosso ordenamento jurídico, passando a produzir uma norma individual que vincula as partes.

Segundo César Fiuza (2009, p. 398), são três as funções primordiais dos contratos: econômica, pedagógica e social.

A função econômica refere-se a circulação de riqueza, pois é através dos contratos que os produtos circulam pelas várias etapas de produção: da mina à fábrica; desta à loja, chegando às mãos do consumidor. Os contratos, além de auxiliar em circulação de riquezas, também ajudam a distribuir renda e gerar empregos. Quanto à função pedagógica, o contrato aproxima os homens e abate suas diferenças, sendo o meio de educação do povo para a vida em sociedade. É através dos contratos que as pessoas adquirem noção do Direito como um todo, uma vez que as partes estipulam direitos e deveres, através de cláusulas que passam a vigorar entre elas. A função social, por sua vez, refere-se à promoção do bem-estar e a dignidade dos homens, pelas razões econômicas e pedagógicas citadas anteriormente (FIUZA, 2009, p. 398).

Existem inúmeros outros autores conceituando a seu modo contrato. Entretanto, apesar de maneiras diferentes de exposição, as definições de contratos dadas pelos autores mencionados convergem para o mesmo ponto em que se trata de um consenso comum com mais de uma pessoa sobre o mesmo objeto.

1.1         Requisitos de Existência e Validade do Contrato

Como nos outros tipos de contrato, é necessária a verificação dos requisitos de validade nos contratos eletrônicos. Portanto, para que tenham validade jurídica e gere os efeitos pretendidos pelas partes, os contratos eletrônicos precisam ter presentes os requisitos de validade, quais sejam, capacidade e legitimação das partes, objeto idôneo e licitude do objeto, forma prescrita ou não defesa em lei e consentimento.

Tais requisitos podem ser classificados como subjetivos, objetivos e formais, e têm como ponto de partida o art. 104 do Código Civil (BRASIL, 2002):

Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:

I – agente capaz;

II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável;

III – forma prescrita ou não defesa em lei.

A classificação e os requisitos serão explicados a seguir.

1.1.1        Requisitos Subjetivos

São a própria natureza do contrato, quais sejam: capacidade, consentimento e pluralidade.

A capacidade está prevista nos artigos 3° e 4° do Código Civil (BRASIL, 2002). As partes contratuais devem ser emancipadas ou possuir mais de 18 anos, podendo a capacidade em relação aos contratos ser genérica ou específica.

Capacidade genérica diz respeito aquela atribuída de forma geral a todos para realizar os atos da vida civil. Em relação a capacidade específica, ocorre quando a legislação impõe limitações à liberdade de contratar, como por exemplo, na proibição de ascendentes e descendentes de realizarem contratos de compra e venda entre si, ex vi artigo 496 do Código Civil (BRASIL, 2002). 

Os absolutamente incapazes somente poderão contratar se representados por seus pais, tutor ou curador, dentro dos limites de poderes impostos aos representantes legais. Os relativamente incapazes podem contratar livremente, desde que assistidos por seus pais, tutor ou curador, que devem consentir quando da realização do contrato (FIUZA, 2009, p. 399).

Consentimento é a livre expressão do agir. Ninguém pode ser obrigado a contratar, senão em virtude de lei. Portanto, trata-se da liberdade que uma pessoa tem de contratar apenas quando possuir interesse (FIUZA, 2009).

O artigo 107 do Código Civil (BRASIL, 2002) diz que "a validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir". Dessa forma, a lei não exige, em geral, forma especial para declaração de vontade, sendo que qualquer que seja a forma, ela irá gerar obrigações para as partes que a emitiram ou manifestaram.

Porém, em alguns casos é exigida forma específica para manifestação de vontade, que deve ser respeitada, como no exemplo trazido por Washington de Barros Monteiro:

Há casos, efetivamente, em que o legislador impõe determinada forma à manifestação da vontade. Por exemplo, atualmente, em face da lei de locação urbana, a cessão da locação, a sublocação (total ou parcial) e o empréstimo do prédio locado dependem de consentimento, por escrito, do locador (Lei nº 8.245, de 18-10-1991, art. 13). Salvo estipulação em contrário, o empreiteiro não tem direito a exigir acréscimo de preço nas obras feitas por empreitada, ainda que sejam introduzidas modificações no projeto, a não ser que estas resultem de instruções escritas do outro contratante, embora tenha havido alteração do plano primitivo (Cód. Civil de 2002, art. 619). Assim também, de acordo com o art. 578 do Código Civil de 2002, não é lícito ao locatário reter a coisa alugada, exceto no caso de benfeitorias necessárias, ou no de benfeitorias úteis, se estas houverem sido feitas com expresso consentimento do locador. (MONTEIRO, 2003).

Assim, a manifestação de vontade expressa deve constar em algo escrito, pela palavra oral ou até de simples gesto. Por outro lado, também pode ser tácita, onde mesmo não havendo declaração expressa, em alguns casos as circunstâncias levam a entender a manifestação de vontade do agente (MONTEIRO, 2003).

Como exemplo tem-se a sublocação, que necessita de autorização escrita do locador. Entretanto, se o locador não se manifesta em contrário e concorda em receber os aluguéis diretamente do sublocatário, passando recibo em seu nome, anui, com esse procedimento à transferência da locação.

Contudo, vale lembrar que mesmo quando não é exigida forma especial, a vontade deve estar clara, precisa e ser reconhecida por aqueles aos quais se dirigirem caracterizando a proposta, a aceitação ou a contra-proposta.

Cumpre ressaltar que não se deve confundir a bilateralidade da manifestação de vontade com a bilateralidade das consequências produzidas pelo contrato. O contrato unilateral cria obrigação para apenas um dos contratantes, mas continua sendo negócio jurídico bilateral. Já nos contratos bilaterais ou plurilaterais, são geradas obrigações para todas as partes.

Por fim, o requisito da pluralidade das partes, onde para que ocorra a formação dos contratos é necessário duas declarações de vontade concordando em gerar uma norma convencional entre as partes (FIUZA, 2009).

1.1.2        Requisitos Objetivos

Os requisitos objetivos são: possibilidade, determinação e economicidade.

Referem-se ao objeto do contrato. Enquanto negócio jurídico, o contrato deve ser lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei, conforme interpretação do art. 104 do Código Civil (BRASIL, 2002).

O requisito da possibilidade pode ser entendido em duas óticas: a legal e a física. Segundo Washington de Barros Monteiro, na possibilidade legal, o objeto não pode ser proscrito ou condenado pelo direito. Já na possibilidade física, o objeto torna-se impossível sempre que a prestação jamais poderá ser obtida ou realizada (MONTEIRO, 2003, p. 6).

Quanto a determinação, o objeto dos contratos deve ser determinado ou determinável. Como exemplo, a aquisição de produto de caça, legal, por um caçador que busca por certo animal.

O requisito da economicidade versa sobre a necessidade dos contratos em possuírem valor econômico. Como bem lembra César Fiuza (2009, p. 403), “é desse tipo de deveres, ou seja, deveres jurídicos patrimoniais, que cuida o Direito das Obrigações, no qual se inserem os contratos, enquanto fonte de obrigações”. A ausência desse requisito torna o contrato negócio jurídico inexistente. Não é o contrato a combinação entre duas pessoas de se abraçarem todas as manhãs.

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1.1.3        Requisitos Formais

A regra para formação dos contratos é a liberdade de forma, bastando a simples manifestação de vontade para originar uma relação obrigacional entre as partes. Caso a lei entenda ser necessária uma forma específica, é preciso respeitá-la sob pena de invalidade do contrato (FIUZA, 2009, p. 403/404).

O Código Civil (BRASIL, 2002), em seu art. 107, consagra, ressalvados os casos especiais previstos em lei, a regra da liberdade de forma para se celebrar um contrato, que pode ocorrer de diversas formas, tais como por escrito, eletronicamente, verbalmente, tacitamente etc.

Como exemplo que foge a regra da liberdade de contratar e necessita de forma especial, tem-se a exigência de escrituração pública para a validade de negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país, conforme se verifica no art. 108 do Código Civil (BRASIL, 2002).

Cumpre ressaltar que se não for observada a forma adequada para certo tipo de contrato, pode-se acarretar defeito grave ou tornar o negócio inexistente. Como exemplos, a doação de valor expressivo feita verbalmente, onde pela lei deve ser feita de forma escrita. O defeito aqui é grave, podendo a doação ser anulada. Já no caso de se prestar fiança verbalmente, o contrato nem chega a existir (FIUZA, 2009).

1.2         Princípios do Direito Contratual

Inicialmente, passa-se a uma breve análise do conceito de princípio.

Princípio, numa acepção comum, significa começar. No termo jurídico, a palavra princípio tem o mesmo significado de seu entendimento comum, ou seja, começar. Contudo, quando utiliza-se a palavra princípio no plural, seu significado modifica-se, passando a dar a ideia de regras ou preceitos que antecedem a própria norma ou podem influenciar a criação desta, exercendo, assim, aplicação a toda espécie de movimento jurídico (Dicionário de Português Online. Disponível em <http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=principio>, Consulta realizada em 20/03/2014).

Os princípios são fontes não escritas do direito, que orientarão na elaboração das leis.  Trata-se de normas que traduzem conceitos fundamentais de direito e justiça, às quais qualquer ordem jurídica está obrigada.

Os princípios jurídicos se fundamentam no direito natural, pois sua vigência independe da existência de qualquer documento ou preceito escrito. Como exemplo, tem-se a ampla defesa, que é invocada diariamente, por pessoas leigas e pelos operadores do direito, sempre que presente uma situação em que se acuse alguém e não se conceda a oportunidade de ouvi-la. O leigo do direito invoca tal princípio por intuição, enquanto o operador do direito o faz pelo conhecimento que possui do alcance desse princípio na vida do indivíduo e do ordenamento jurídico.

De acordo com BONATTO (2003, 24), “Os princípios seriam como pilares e um edifício, os quais servem como bases de qualquer sistema, atuando, neste mister, como diretrizes orientadoras para a consecução dos objetivos maiores deste mesmo sistema”.

Existem várias classificações para os princípios norteadores dos contratos. Entretanto, o presente trabalho limitou-se a adotar os principais princípios trazidos por Cézar Fiuza (2009): princípio da autonomia da vontade, princípio da obrigatoriedade contratual, princípio da boa-fé e princípio do consensualismo.

1.2.1        Princípio da Autonomia da Vontade

Segundo César Fiuza (2009, p. 406) é o mais importante princípio, pois faculta às partes total liberdade para concluir seus contratos. Tem fundamento na liberdade de contratar.

Exerce-se a autonomia da vontade em quatro planos:

  1. Contratar ou não contratar. Ninguém pode ser obrigado a contratar, apesar de ser impossível uma pessoa viver sem celebrar contratos.
  2. Com quem e o que contratar. As pessoas devem ser livres para escolher seu parceiro contratual e o objeto do contrato.
  3. Estabelecer as cláusulas contratuais, respeitados os limites da Lei.
  4. Mobilizar ou não o Poder Judiciário para fazer respeitar o contrato, que, uma vez celebrado, torna-se fonte formal de Direito (FIUZA, 2009, p. 406).

 Para o professor Washington de Barros Monteiro, o princípio da autonomia da vontade consiste, para os contratantes, “na ampla liberdade para estipular o que lhes convenha, fazendo assim do contrato verdadeira norma jurídica, já que o mesmo faz lei entre as partes" (MONTEIRO, 2003, p. 09). Ressalta que esta ampla liberdade de contratar não é absoluta, limitada pelo princípio da supremacia da ordem pública, "que proíbe estipulações contrárias à moral, à ordem pública e aos bons costumes, que não podem ser derrogados pelas partes" (MONTEIRO, 2003, p.09).

Contudo, tal princípio possui algumas exceções, como nos casos em que a Lei impõe a certas pessoas o dever de contratar, como no caso da obrigação dos comerciantes de não sonegar mercadorias. Também, nos contratos de adesão que, em suma, são aqueles em que não é possível discutir as cláusulas contratuais (FIUZA, 2009, p.406).

Importante esclarecer a diferença entre os princípios da autonomia da vontade e autonomia privada, visto que como explicado por César Fiuza (2009, p. 412), “os contratos são um fenômeno da autonomia privada, em que as partes se impõem normas de conduta”.

A autonomia privada diz respeito a esfera de liberdade dada às pessoas para estabelecer normas jurídicas para controlar seu próprio comportamento.

César Fiuza esclarece a diferença entre os dois princípios da seguinte forma:

Difere o princípio da autonomia privada do princípio da autonomia da vontade, em que o contrato viria de dentro para fora. Seria fenômeno meramente volitivo. Na autonomia privada, o contrato não vem, exclusivamente, de dentro; não é fenômeno meramente volitivo. As pessoas não contratam apenas porque desejam. A vontade é condicionada por fatores externos, por necessidades, que dizem respeito aos motivos contratuais (FIUZA, 2009, p. 412).

Entende o citado doutrinador que a simples vontade não gera nada, pois a vontade seria o motor que impulsiona a realização de uma necessidade. Portanto, quando alguém celebra um contrato, não o faz simplesmente porque deseja, mas porque tem uma necessidade. Como exemplo, cita a compra de um livro por necessidade, mesmo não querendo (FIUZA, 2009, p. 412).

Conforme verifica-se nos conceitos dados pelos doutrinadores acima, o princípio da autonomia da vontade nada mais é do que o exercício dentro da esfera de liberdade de cada indivíduo em decidir, dentro dos limites legais, sobre qualquer interesse, o qual venha a ter consequências na órbita jurídica. Este princípio se desdobra em dois outros princípios: da obrigatoriedade contratual e do consensualismo.

1.2.2        Princípio da Obrigatoriedade Contratual

Este princípio, também conhecido em latim como pacta sunt servanda, trata da liberdade de contratar e que, uma vez celebrado um contrato entre as partes, de forma livre e autônoma, os contratos não podem mais ser modificados senão por mútuo acordo. Porém, tal princípio somente se aplica aos contratos realizados em conformidade com a Lei, sendo que  as cláusulas contratuais contrárias ao Direito são ilegítimas, saindo da esfera deste princípio. (FIUZA, p.406).

No mesmo sentido, explica Caio Mário da Silva Pereira:

O contrato obriga os contratantes. Lícito não lhes é arrependerem-se; lícito não é revogá-lo senão por consentimento mútuo; lícito não é ao juiz alterá-lo ainda que a pretexto de tornar as condições mais humanas para os contratantes. Com a ressalva de uma amenização ou relatividade de regra [...], o princípio da força obrigatória do contrato significa, em essência, a irreversibilidade da palavra empenhada. A ordem jurídica oferece a cada um a possibilidade de contratar, e dá-lhe a liberdade de escolher os termos da avença, segundo as suas preferências. Concluída a convenção, recebe da ordem jurídica o condão de sujeitar, em definitivo, os agentes. Uma vez celebrado o contrato, com observância dos requisitos de validade, tem plena eficácia, no sentido de que se impõe a cada um dos participantes, que não têm mais liberdade de se forrarem às suas consequencias, a não ser com a cooperação anuente do outro. Foram as partes que escolheram os termos de sua vinculação, e assumiram todos os riscos, a elas não cabe reclamar, e ao juiz não é dado preocupar-se com a severidade das cláusulas aceitas, que não podem ser atacadas sob a invocaçao de princípios de equidade, salvo a intercorrência de causa adiante minudenciada (PEREIRA, 2009, p. 14/15).

Se há liberdade para contratar e, uma vez celebrado o contrato e observados seus pressupostos e requisitos de validade, este deverá ser cumprido, para que seja preservada a segurança nas relações contratuais. A obrigatoriedade contratual é mediada pela função social do contrato, art. 421 do Código Civil (BRASIL, 2002).

1.2.3        Princípio da Boa-Fé

Trata-se do princípio onde as partes devem agir corretamente antes, durante e depois do contrato, pois mesmo após o cumprimento e fim do contrato, podem restar efeitos residuais (VENOSA, 2005, p. 408).

O princípio da boa-fé objetiva está previsto no Código Civil (BRASIL, 2002) arts. 421 e 422 e no CDC (BRASIL, 1990) em seu art. 4°, inciso III, e 51, inciso IV.

Segundo Sílvio de Salvo Venosa (2005, p. 410), estão presentes de forma nítida no Código Civil (BRASIL, 2002) três funções no conceito de boa-fé objetiva: função interpretativa (art. 113); função de controle dos limites do exercício de um direito (art. 187); e função de integração do negócio jurídico (art. 421).

As previsões do Código Civil (BRASIL, 2002) sobre boa-fé objetiva são úteis ao Direito do Consumidor, haja vista o diálogo das fontes.

A “Teoria do Diálogo das Fontes”, criada pelo Alemão Erik Jayme e trazida ao Brasil por Cláudia Lima Marques significa, em síntese, que as normas gerais mais benéficas supervenientes à norma especial, a qual surge para tratar de forma mais privilegiada certa categoria, deve se dar preferência a esta, visto à coerência do sistema. Portanto, quando duas normas tratam o mesmo fato, o judiciário poderia então buscar em cada norma a melhor opção para fazer justiça ao caso concreto. “Se a relação é de consumo, aplica-se prioritariamente o CDC, e só subsidiariamente, no que couber e for completamente necessário, o CC/2002” (MARQUES, 2009, p. 89/90/91).

Cláudia Lima Marques traz o diálogo entre o Código Civil (BRASIL, 2002) e o Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 1990), que são as principais fontes do direito contratual. Explica que são três os tipos de diálogos, listados a seguir:

1) na aplicação simultânea das duas leis, uma lei pode servir de base conceitual para a outra (diálogo sistemático de coerência), especialmente se uma lei é geral e a outra especial, se uma lei é central do sistema e a outra um microssistema específico, não completo materialmente, apenas com completude subjetiva de tutela de um grupo da sociedade; 2) na aplicação coordenada das duas leis, uma lei pode complementar a aplicação da outra, a depender de seu campo de aplicação no caso concreto (diálogo sistemático de complementaridade e subsidiariedade em antinomias aparentes ou reais), a indicar a aplicação complementar tanto de suas normas, quanto de seus princípios, no que couber, no que for necessário ou subsidiariamente; 3) ainda há o diálogo das influências recíprocas sistemáticas, como no caso de uma possível redefinição do campo de aplicação de uma lei (assim, por exemplo, as definições de consumidor stricto sensu e de consumidor equiparado podem sofrer influências finalísticas do Código Civil, uma vez que esta lei vem justamente para regular as relações entre iguais, dois iguais-consumidores ou dois iguais-fornecedores entre si – no caso de dois fornecedores, trata-se de relações empresarias típicas, em que o destinatário final fático da coisa ou do fazer comercial é um outro empresário ou comerciante -, ou, como no caso da possível transposição das conquistas do Richterrecht (direito dos juízes), alçadas de uma lei para a outra. É a influência do sistema especial no geral e do geral no especial, um diálogo de double sens (diálogo de coordenação e adaptação sistemática) (MARQUES, 2009, p. 93/94).

Para exemplificar a aplicação da Teoria do Diálogo das Fontes, seria o caso do consumidor em uma ação indenizatória por danos morais. Aqui, em relação ao prazo prescricional e segundo a Teoria do Diálogo das Fontes, mesmo se tratando de relação de consumo e, a primeira vista devendo ser considerados os prazos estabelecidos pelo CDC (BRASIL, 1990), o consumidor poderia optar pelo prazo prescricional existente no Código Civil (BRASIL, 2002), por ser mais longo.

Retornando à boa-fé objetiva, Cláudia Lima Marques explica:

Boa-fé objetiva significa, portanto, uma atuação "refletida", uma atuação refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando seus interesses legítimos, suas expectativas razoáveis, seus direitos, agindo com lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, cooperando para atingir o bom fim das obrigações: cumprimento do objetivo contratual e realização dos interesses das partes (MARQUES, 2005, p. 79).

Percebe-se então, que o CDC (BRASIL, 1990) tornou lei um princípio essencial a ordem jurídica e ao bom senso, afastando a má-fé e trazendo a boa-fé para os contratos.

Verifica-se a presença de tal princípio no CDC (BRASIL, 1990) pela obrigação do fornecedor em prestar informações claras e precisas do produto ou serviço disponibilizado no mercado ao consumidor. Espera-se honestidade dos contratantes. Assim explica Sílvio Venosa:

A boa-fé objetiva, por outro lado, tem compreensão diversa. O intérprete parte de um padrão de conduta comum, do homem médio, naquele caso concreto, levando em consideração os aspectos sociais envolvidos. Desse modo, a boa-fé objetiva se traduz de forma mais perceptível como uma regra de conduta, um dever de agir de acordo com determinados padrões sociais estabelecidos e reconhecidos (VENOSA, 2003, p. 379).

Os contratos em geral, na constante preocupação com a funcionalidade dos contratos, devem observar padrões de conduta, ou jamais poderão se realizar em caso de ausência da boa-fé objetiva. Assim, este princípio deve estar presente em todos os contratos da área civil, observado um comportamento honesto das partes contratantes no momento da realização do contrato. A vontade de um dos contratantes não pode ultrapassar os limites da boa-fé.

1.2.4        Princípio do Consensualismo

O consentimento é o elemento formador do contrato. Como regra geral, a partir do momento que as partes chegam a um consenso, na conformidade da lei, e com a dispensa de qualquer formalidade adicional, é que se considera como celebrado um contrato (FIUZA, 2009, p. 408).

É o caso, por exemplo, do contrato de compra e venda, quando as partes acordam no preço e no objeto. Aqui, o contrato estará perfeito e acabado, independente da entrega da coisa, desde o momento que o vendedor aceitar o preço oferecido. O pagamento e a entrega do objeto constituem uma outra fase, qual seja, a de cumprimento das obrigações assumidas pelos contratantes.

Contudo, cumpre lembrar que existem exceções que limitam a aplicação desse princípio, onde a lei exige formalidades extras para certos tipos de contratos. Como exemplo, um contrato que só se consolida com entrega da coisa ou objeto, logo após o acordo de vontades. Neste caso, apenas o consenso, embora necessário, não é suficiente. São os casos dos contratos de mútuo, comodato e de depósito.

1.3         Contrato Eletrônico

Conforme já explicado, contrato pode ser definido como um negócio jurídico bilateral ou plurilateral que depende da vontade das partes para sua formação, acarretando normas jurídicas individuais que irão regular interesses privados.

No caso dos contratos eletrônicos, o conceito é o mesmo, com a diferença de que serão formados eletronicamente, e não por documento escrito, papel. A validade dos contratos eletrônicos será apurada com base nos elementos essenciais de qualquer negócio jurídico, presentes no Código Civil Brasileiro (BRASIL, 2002, art. 104), quais sejam: agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei.

Para que o contrato eletrônico tenha a mesma validade do contrato tradicional, ele deve estar revestido de todos os requisitos do tradicional.

Transações efetuadas na internet concretizam-se em virtude de um contrato e, sendo assim, nada de novo haveria em relação aos contratos eletrônicos, ressalvadas as peculiaridades do meio eletrônico.

Para Venosa (2003, p. 433), "o contrato constitui um ponto de encontro de vontades” e quando tal encontro se realiza por meio eletrônico é que denomina-se o contrato eletrônico.

Erica Barbagalo conceitua contrato eletrônico da seguinte forma:

(...) definimos como contratos eletrônicos os acordos entre duas ou mais pessoas para, entre si, constituírem, modificarem ou extinguirem um vínculo jurídico, de natureza patrimonial, expressando suas respectivas declarações de vontade por computadores interligados entre si (BARBAGALO, 2001, p. 37).

Assim, tem-se que o conceito de contrato eletrônico é o mesmo do contrato tradicional e que portanto não se trata de uma nova modalidade de contratação, divergindo apenas em sua forma.

1.3.1        Contratos Eletrônicos Intersistêmicos, Interpessoais e Interativos

Como demonstrado, os contratos eletrônicos não são uma nova espécie de contratação e divergem-se dos demais por serem realizados através de meios eletrônicos, especialmente a internet. Segundo Erica Barbagalo (2001, p. 48/58), os contratos eletrônicos podem ser divididos em três categorias de acordo com a forma a se utilizar o aparelho eletrônico para a formação do contrato, quais sejam os intersistêmicos, os interpessoais e os interativos.

Os contratos eletrônicos intersistêmicos são aqueles em que os computadores são utilizados apenas para aproximar as vontades das partes já existentes, atuando como instrumento para auxiliar na formação e manifestação de vontade. Aqui, o computador não está ligado a internet, sendo apenas um meio de comunicação, como um telefone ou fax, funcionando como instrumento de comunicação de uma vontade já antes aperfeiçoada, sendo o contrato celebrado por meios tradicionais e o computador utilizado apenas para a transmissão das vontades já manifestadas (BARBAGALO, 2001, p. 50).

Aqueles contratos eletrônicos em que o computador deixa de ser apenas um meio de comunicação entre os contratantes e passa a interferir na formação da vontade são chamados de interpessoais, transformando-se no local de encontro das vontades aperfeiçoadas (SANTOLIM, 1995, p. 25). Os contratos eletrônicos interpessoais podem ser simultâneos, quando as partes estiverem conectadas à internet ao mesmo tempo e no mesmo momento manifestarem suas vontades. Também podem ser não simultâneos, quando existir um lapso temporal entre a declaração e a recepção da manifestação de vontade (BARBAGALO, 2001, p. 54). Como exemplos de contratos eletrônicos interpessoais simultâneos, tem-se os contratos realizados através de chats online. Quanto aos não simultâneos, tem-se os contratos realizados através de e-mail (Dicionário de Português online. Disponível em <http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=email>. Acesso em 12/02/2014).

Os contratos eletrônicos realizados entre uma pessoa e um sistema eletrônico de informações, onde o interessado na oferta demonstra sua vontade a um sistema de processamento eletrônico disponibilizado pela outra parte, sem que esta esteja conectada ao mesmo tempo ou tenha ciência imediata da formação do contrato, são os contratos eletrônicos interativos (BARBAGALO, 2001, p. 55). Aqui, o computador age diretamente na formação da vontade das partes. Como exemplo tem-se a compra de produtos através de websites, como <http://www.saraiva.com.br>. Nestes casos há prévia manifestação de vontade.

1.3.2        Formação

Como já explicado, para que se forme um contrato tradicional, é necessária a vontade e sua manifestação pela parte, que pode ser tácita ou expressa. Pela proposta e aceitação é que um contrato se forma.

A proposta nada mais é que a oferta do negócio, convidando a outra parte a aceitá-lo. Caso o oblato aceite a proposta, estará formado o vínculo contratual. Porém, para que a aceitação seja válida, é necessário que o proponente tenha conhecimento desta dentro do prazo concedido na proposta.

Vale explanar sobre o silêncio como manifestação de vontade. Não se confunde consentimento tácito com efeito de vinculação do silêncio, pois, não sendo negação ou afirmação, não pode ser considerado como manifestação tácita do querer. Assim, como explica César Fiuza (FIUZA, 2009, p. 446), a expressão popular “quem cala consente” nem sempre pode ser considerada como um “sim”, pois na maioria das vezes o silêncio representa um “não”. Como exemplo, se a noiva ficar calada ao ser indagada se deseja casar-se com certa pessoa. Aqui, entende o mencionado doutrinador que o silêncio da noiva não pode ser considerado como “sim”, devendo ser considerado “não”.

Nos contratos eletrônicos a declaração de vontade é feita através de um aparelho eletrônico interligado à internet, podendo tal manifestação de vontade ser realizada por escrito, pela fala ou pelo simples clicar de um mouse.

De acordo com o Código Civil (BRASIL, 2002), verifica-se que a manifestação de vontade pode ser realizada entre presentes ou entre ausentes.

São considerados contratos entre presentes aqueles que se formam instantaneamente. Os contratos entre ausentes (art. 434, CC, BRASIL, 2002) são aqueles em que existe um lapso temporal entre a proposta e o aceite. Para esta classificação, não se deve levar em conta não a distância física entre as partes contratantes, mas sim o espaço de tempo existente entre as manifestações de vontade.

Em regra, os contratos eletrônicos são considerados como entre ausentes, visto que a manifestação de vontade geralmente não se dá num mesmo instante. Neste sentido, explica Maurício de Souza Matte:

Os contratos eletrônicos de Business-to-Consumer, no que se refere às partes, devem ser considerados entre ausentes, pois como já mencionado, para serem considerados entre presentes, o requisito principal é que ambas as partes estivessem presentes no momento da aceitação da proposta e conseqüente concretização do contrato, o que não ocorre, pois, somente uma está (MATTE, 2001, p. 83).

Business-to-consumer, B2C, também business-to-customer, é o comércio efetuado diretamente entre a empresa produtora, vendedora ou prestadora de serviços e o consumidor final, através da Internet.

Porém, quando o sistema computacional apresentar capacidade para processar a oferta de forma imediata, resultando na aceitação automática, os contratos eletrônicos serão entre presentes. Trata-se da hipótese em que o computador estiver programado para aceitar certo tipo de proposta previamente definida pelo interessado. Como exemplo, os contratos para aquisição de um jogo de computador através de um download (BARBAGALO, 2001, p. 78/79).

Destarte, de acordo com o entendimento dos doutrinadores, para definir se o contrato eletrônico foi realizado entre ausentes ou entre presentes, deve-se estar atento a imediatidade da resposta, ou seja, se a resposta for imediata, o contrato é entre presentes, se existir um lapso temporal entre a proposta e o aceite, o contrato deve ser considerado entre ausentes.

Importante tratar sobre o local de formação do contrato eletrônico, pois tem enorme relevância para se definir o foro competente para resolução de questões referentes as cláusulas contratuais e também do conhecimento sobre qual a legislação aplicável quando envolver mais de um país na contratação.

Versa o art. 435 do Código Civil (BRASIL, 2002): “Art. 435 Reputar-se-á celebrado o contrato no lugar em que foi proposto”. Entretanto, tal dispositivo só é aplicável quando versar sobre contratantes do mesmo país. Para os contratos realizados entre partes de diferentes países, deve-se observar o art. 9º, §2º da LICC (BRASIL, 1942): “Art. 9º, §2º A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente”.

A dificuldade dos contratos eletrônicos é definir local de sua formação, visto que estes contratos não são realizados num espaço físico, mas sim em meio virtual. A doutrinadora Erica Barbagalo (2001, p. 67) acredita que “(...) o ideal seria que as partes estipulassem o lugar de formação do contrato ou, não sendo possível, que estivesse presente na proposta o local onde é manifestada”.

Contudo, aos contratos eletrônicos é aplicado a regra geral, existente no Código Civil (BRASIL, 2002) e na LICC (BRASIL, 1942), onde se considera o local de formação do contrato o lugar onde reside o proponente.

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Sobre a autora
Danielle Silva

Advogada

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Danielle. Prazo de reflexão do consumidor nos contratos eletrônicos de consumo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4091, 13 set. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29699. Acesso em: 19 abr. 2024.

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