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A conciliação na fase judicial em defesa do consumidor

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31/08/2014 às 10:10
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É plenamente possível e recomendável acordo em face de direitos transindividuais. Neste contexto, o Termo de Ajustamento de Conduta torna-se um instrumento muito poderoso e eficaz.

SUMÁRIO: 1. O Termo de Ajustamento de Conduta na fase judicial; 2.A atuação do poder judiciário; 3. Consequências da conciliação. 4. “Acordo coletivo adequado”. 5. Considerações finais. 6. Bibliografia.

RESUMO: O presente trabalho visa abordar o tema da conciliação dos interesses conflitantes dentro da órbita dos direitos dos consumidores. Para tanto, inicia-se a discussão demonstrando as peculiaridades do termo de ajustamento de conduta na fase judicial. Observadas as diferenças, enfrenta-se o tema da atuação do poder judiciário e as consequências desta modalidade de acordo. E, por fim, expõe-se a figura do “acordo coletivo adequado” dentro da perspectiva brasileira.

PALAVRAS-CHAVE: Conciliação; Tutela Coletiva; Termo de Ajustamento de Conduta na fase judicial; Atuação do poder judiciário; Acordo coletivo adequado.


1. Introdução

O presente trabalho acadêmico busca realizar um estudo do termo de ajustamento de conduta na fase judicial como um instrumento destinado à desburocratização da solução de conflitos em prol dos consumidores. Neste sentido, o compromisso de ajustamento de conduta revela-se de extrema importância, colaborando para a rapidez e praticidade quanto à reparação ou prevenção de danos e conciliando interesses heterogêneos em prol de um dever que se impõe a todos os membros da sociedade, de assistência mútua, na medida em que compõem um único todo social.


2. Desenvolvimento

2.1. O Termo de Ajustamento de Conduta na fase judicial

De modo geral, os processos instaurados nos Estados Unidos são concluídos por meio de acordo entre as partes[1]. Segundo os mais otimistas, isto representa um percentual de 90% das causas ajuizadas que são encerradas por composição. No que tange às ações coletivas americanas, a pressão pelo alcance de acordo (dismissal ou settlement) é ainda maior, por representar uma ameaça de milhões de dólares[2].

Nas “class actions”, fonte de inspiração das ações coletivas brasileiras, em geral, o problema já se inicia com uma das mais áridas batalhas: evitar a certificação da ação coletiva. Busca-se evitar que o litígio mude de patamar deixando de ter repercussão limitada ao autor e ao réu, para dizer respeito a um grande número de pessoas, ampliando, por conseguinte, o valor e a dimensão política dos interesses postos em juízo e fortalecendo o poder de barganha do grupo em face do transgressor[3]. Ultrapassada esta etapa, sendo a ação coletiva certificada, “o réu passa a estar mais disponível para as negociações de acordo e procura usar a ação coletiva em seu favor, para obter um acordo que vincule todos os membros do grupo e encerre a questão definitivamente”[4]. Acrescenta Antonio Gidi que:

A pressão sobre o réu (leia-se, o administrador da empresa-ré) é de tal forma intensa que ele se sentirá compelido a aceitar um acordo desfavorável e injusto, ainda que considere a pretensão do representante abusiva ou destituída de mérito[5]

No Brasil, embora o comando do parágrafo 6° do art. 5° da lei que disciplina a ação civil pública (lei n° 7347/85) tenha previsto o termo de compromisso de ajustamento com eficácia de título executivo extrajudicial, não há motivos para negar esta possibilidade de composição em juízo. Nesta esteira, diversos âmbitos do Ministério Público preveem esta hipótese, como ocorre no art. 20 e em seu parágrafo único da Resolução n° 87/06 do Conselho Superior do Ministério Público Federal[6]; e no enunciado da Súmula 25 do Conselho Superior do Ministério Público de São Paulo[7].

 Embora não seja objetivo deste trabalho discorrer acerca da ação civil pública, apenas com a intenção de situar o tema, “acordo realizado na fase judicial”, abordar-se-á o assunto de forma perfunctória. Eis que, este veículo é o mais utilizado na prática forense que envolve direitos coletivos do consumidor.

A Lei n° 7.347/85, que regula a ação civil pública (LACP), foi, sem dúvida, um marco na implementação da tutela dos direitos coletivos lato sensu, “figurando como um dos expoentes na constelação do instrumentalismo substancial, mais avançado modo de pensar a ciência processual”[8]. Com a entrada em vigor do CDC, surge uma nova fase da LACP, atuando como verdadeiro “agente unificador e harmonizador, empregando e adequando à sistemática processual vigente do Código de Processo Civil e da LACP para a defesa de direitos difusos, coletivos e individuais”[9] homogêneos. Sendo assim, cria-se um verdadeiro microssistema processual para as ações coletivas. Isto significa dizer que, naquilo em que for compatível, aplica-se o Título III do CDC à ação popular, ação civil pública, ação de improbidade administrativa e mesmo ao mandado de segurança coletivo[10].

Com efeito, a ação civil pública tornou-se o principal meio de defesa em juízo dos direitos coletivos dos consumidores. Em linhas gerais, a pretensão deduzida pretende obrigar o transgressor a reverter a lesão causada em face de interesses transindividuais na forma de obrigação de fazer (tutela específica). Caso isso não seja possível, a reparação se converterá em indenização. Ademais, deve constar na ACP pena de multa diária para os casos de negativa de cumprimento da ordem[11].

No âmbito judicial, a conciliação por meio do compromisso de ajustamento possui as mesmas limitações do TAC extrajudicial, podendo ser tomado a qualquer tempo, inclusive no momento da execução da sentença da ação civil pública[12] ou na fase recursal[13]. Ademais, não pode o legitimado dispor do direito material objeto da lide, devendo ser acordadas as condições de modo, tempo e lugar do cumprimento das obrigações destinadas a reparar os danos causados ou evitá-los. Busca-se, desde logo, a integral proteção, preservação e/ou reparação do interesse transindividual, interrompendo a continuidade do processo. “Afinal, se o próprio causador do dano se propõe espontaneamente a repará-lo e assume essa obrigação por termo, deixa de existir interesse processual em prosseguir com a ação de conhecimento, por falta de necessidade da tutela jurisdicional”[14].

Neste sentido, insta frisar que, não obstante a grande maioria da doutrina pátria não admita concessões entre as partes e sim apenas o ajustamento de conduta às exigências legais, há precedente no Superior Tribunal de Justiça[15], permitindo a verdadeira transação em matéria de direitos difusos ambientais que importem obrigação de fazer ou não fazer, sendo esta uma exceção à regra[16]. A Ministra Eliana Calmon relatora do mencionado acórdão assim conclui: 

Deixo de acolher a tese da impossibilidade da transação do direito difuso, na certeza de que a melhor composição é a efetivada e não aquela que não virá nunca, ou demorará mais de dez anos, caso seja anulada a sentença, para então começar-se tudo novamente[17].

Por ser concebida em juízo, a conciliação que vier a ser homologada constitui título executivo judicial. Com efeito, algumas peculiaridades merecem um estudo mais atento deste novo caminho que se abre em busca da efetividade, solidariedade e equilíbrio nas lides coletivas consumeristas.

Como visto, o objeto é o mesmo do compromisso firmado extrajudicialmente, devendo ser acrescentado as custas processuais e os honorários advocatícios vez que o processo já foi instaurado. Quanto à forma, pode ser este apresentado em juízo por petição ou celebrado em audiência com sua redução a termo[18].

Outro ponto fundamental concernente à forma diz respeito à ampla publicidade que deve ser conferida ao ajuste. Luiz Manoel Gomes Júnior pondera que “havendo transação, deverá ser adotado meio apto a torná-la pública, de modo a permitir a impugnação pelos demais entes legitimados, sob pena de evidente cerceamento de uma prerrogativa legalmente estatuída”[19]. Este mesmo entendimento é seguido pelo professor mexicano Alberto Benítez ao criticar o Código Modelo de Processo Coletivo que adota em seu art. 11, a sistemática da audiência preliminar presente no direito positivo brasileiro, onde se podem propor formas de soluções do conflito[20]:

Ahora, dado el problema de consentimiento en las acciones colectivas, sería de vital importância el dar una adecuada publicidad a los términos del convenio, y facilitar a cualquier miembro de la colectividad la posibilidad de aceder a los documentos base de la transacción, ello a efecto de que los miembros de la colectividad estén en posibilidades de decidir o no en la colectividad respectiva. Por ello considero debería incluir en el Código una previsión expresa al respecto[21][22].

A publicidade do ajuste judicial se revela ainda mais importante do que no TAC extraprocessual, tendo em vista que as implicações de sua celebração possuem uma maior gravidade. A decisão homologando o ajuste em juízo é de mérito, sendo, portanto, acobertada pelo manto da coisa julgada material. Desse modo, a publicidade do ajuste deve proporcionar informações necessárias para que os demais co-legitimados eventualmente realizem impugnações[23].  Neste sentido, impende ressaltar que o título judicial obtido com a conciliação, não tem o condão de restringir o direito individual de terceiros que possuam pretensão mais ampla e não agasalhada pelo acordo[24].

É importante também alertar que, não obstante a audiência preliminar de conciliação seja um instituto concebido originariamente para as ações que tutelam direitos disponíveis, este pode ser uma grande oportunidade para promover a composição dos litígios coletivos. Mesmo nos casos em que o juiz concede liminar em favor do autor da ação civil pública, é recomendável que convoque as partes para que avaliem a possibilidade de acordo para pôr fim à demanda judicial. Nesta hipótese, a composição é o melhor caminho para o transgressor, haja vista a mensagem enviada pelo juízo com a concessão da liminar pleiteada[25]

Outra peculiaridade consiste no fato do autor poder firmar acordo judicial, embora não lhe seja autorizado firmar compromisso de ajustamento de conduta extraprocessualmente. Eis que o rol de legitimados para a propositura de ação civil pública é maior do que aqueles autorizados pelo §6° do art. 5° da LACP para o TAC, restringindo-se a “órgãos públicos”. Todavia, não há motivo para negar tal possibilidade ao autor da ACP, pois o acordo estará submetido a fiscalização tanto do magistrado que possui uma posição mais ativa nesta modalidade de acordo, conforme será analisado no ponto seguinte; quanto do Ministério Público que atuará, obrigatoriamente, como fiscal da lei, quando não figurar no polo ativo do processo, por força do parágrafo 1° do art. 5° da LACP.

2.2. A atuação do poder judiciário

Embora não haja previsão expressa de compromisso de ajustamento de conduta no curso da ação civil pública, “haverá casos em que a não celebração do acordo laboraria contra a tutela do interesse metaindividual objetivado”[26].  Neste sentido, o acordo judicial deve ser incentivado, pois o TAC estará sobre a fiscalização de eventuais litisconsórcios ativos, do Ministério Público (cuja presença é obrigatória nas ações civis públicas) e do próprio magistrado[27]. Explica Rodolfo de Camargo Mancuso:

Quanto ao risco de que um acordo nesse tipo de ação possa porventura mascarar eventual colusão entre as partes, ou aninhar algum interesse subalterno, basta rearguir que o juiz dispõe de meios para pôr cobro a tais ardis maquinações (CPC, art. 125, III, 129); e, ademais, o Ministério Público, se já não for parte, será sempre fiscal da lei, e por certo buscará impedir tais manobras (Lei n° 7347/85, art. 5°, §1°)[28].

Com efeito, a posição do juiz diante do litígio revela-se ativa comparada com um acordo tradicional, pelos mesmos motivos que justificam a ampla publicidade do possível TAC: a decisão homologando o ajuste firmado será uma decisão de mérito envolvendo direitos coletivos lato sensu, e, portanto, passível de imutabilidade da coisa julgada. Ademais, a lide envolve direitos indisponíveis, requerendo um maior cuidado do magistrado.

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Mesmo nos países que não reservam um poder ativo do juiz na condução do processo, como acontece nos Estados Unidos, os direitos objeto das “class action” requerem uma maior participação do juiz no controle dos termos da negociação[29].  Inclusive, essa atividade vai de encontro à própria filosofia liberal do “adversary system” americano, “em que as partes detêm total controle sobre o processo, desempenhando (o juiz) apenas um papel passivo de árbitro e agindo somente mediante provocação”[30]. Entretanto, nem por isso é afastada a possibilidade de participação ativa do magistrado. “(…) The class action does stand apart, however, in its requirement of judicial approval for any class settlement. Settlements of ordinary civil lawsuits generally need not be approved by the court”[31] [32].

No Brasil, conforme dito, não existe previsão expressa no que diz respeito a posição mais ativa do juiz nas ações coletivas, sendo sua atuação com base em lei restrita aos art. 125, III e 129, ambos do CPC. Trata-se de uma situação delicada na medida em que pode trazer prejuízos para o réu, uma vez que as negociações trazem um risco inerente de comprometimento da imparcialidade do juiz, diminuindo sua capacidade para avaliar a justiça dos termos do acordo[33].

Neste sentido, deve ser observada a vasta experiência norte americana sobre o assunto. Nas “class action”, o objetivo do acordo coletivo é regular a pretensão do grupo. Por conseguinte, “se aprovado, a ação coletiva será extinta com julgamento do mérito da pretensão coletiva e não poderá ser reproposta (dismissal with prejudice), nem em forma coletiva, nem em forma individual”[34]. A versão original de 1966 da Rule 23 apenas exigia a prévia aprovação do acordo pelo magistrado[35], sem fornecê-lo qualquer parâmetro norteando o julgamento[36]. Apenas em 2003, as emendas ao referido dispositivo consagraram o que era “already common practice”[37], determinando que na aprovação da proposta, o juiz deve observar se o acordo é “justo, adequado e razoável”. Assim dispõe a nova versão: “If the proposal will bind class members, the court may aprove it only after a hearing and on finding that it is fair, reasonable, and adequate”[38] [39].

Todavia, os critérios apontados dependem dos fatos e das circunstâncias do caso concreto, deixando amplo poder discricionário ao juiz de primeiro grau. Neste panorama, a jurisprudência americana criou um arsenal de elementos que devem ser analisados pelo juiz ao aprovar uma composição. Vale ressaltar que o acordo nos EUA se diferencia TAC na medida em que é possível realizar concessões mútuas, como uma verdadeira transação. Entretanto, os critérios a seguir expostos podem ser aplicados dentro do possível ao compromisso de ajustamento de conduta:

a) a complexidade, o custo e a duração do processo coletivo; b) a impossibilidade de a parte contrária oferecer uma melhor proposta sem comprometer a sua higidez financeira; c) a reação do grupo à proposta de acordo, incluindo o número de membros que se opuseram ao acordo ou se excluíram do grupo; d) a forma e o conteúdo da notificação dada; e) o critério ou a forma de distribuição do fundo aos membros do grupo; f) a definição do grupo constante do acordo, se diversa da definição dada originalmente pelo juiz; g) o valor dos honorários do advogado do grupo e a quem incumbe pagá-los (ao grupo, ao réu ou à companhia seguradora do réu); h) o número de membros contrários à proposta e os motivos dessas objeções; i) os benefícios e as vantagens oferecidas para o grupo; j) a competência e a experiência do advogado do grupo; k) a igualdade de armas e boa-fé do processo de negociação; l) a eventual renúncia de direitos de alguns membros ausentes ou futuros; m) a existência de conflitos e a forma como eles foram enfrentados no acordo; n) a existência de indevidos benefícios para os representantes ou para alguns subgrupos em detrimentos de outros; o) a importância, para o grupo, de uma rápida solução para a controvérsia; p) se os advogados tinham poderes para negociar em nome do grupo; q) a opinião dos advogados e dos representantes do grupo; r) a ausência de colusão ou fraude; s) a probabilidade de vitória do grupo; t) eventual previsão de um right to opt out, para os membros insatisfeitos pelo acordo; u) se há prejuízo para terceiros; v) a maturidade do litígio, refletida, entre outras coisas, na quantidade de provas obtidas através da investigação (Discovery) já efetuada, permitindo às partes uma negociação racional e bem informada; x) a dificuldade de estabelecer a responsabilidade do réu ou de provar os danos sofridos[40].

Nos EUA, com o escolpo de preservar a imparcialidade do juiz, além de ser possível demonstrar o grande envolvimento do magistrado com a causa, sendo necessário redirecionar a avaliação dos termos do acordo para outro julgador, é comum o uso de assessores especiais do juízo (guardian, experts, masters, magistrates) para monitorar as negociações do acordo entre as partes. Por meio desta técnica, obtém-se diversas vantagens:

[...] preserva-se o distanciamento do juiz da causa, uma vez que ele não se envolve diretamente com as negociações e ao mesmo tempo se mantém suficientemente informado (através do assessor) para poder avaliar a adequação do acordo. Além disso, a sua ausência pode mesmo facilitar a obtenção do acordo, uma vez que, fora do alcance do julgador, as partes se sentem mais à vontade para discutir mais abertamente sobre o caso[41].

Outrossim, tais assessores especiais também podem ser nomeados pelo juiz após o acordo ser atingido, visando “analisar retrospectivamente a boa-fé nas negociações, avaliar os termos da proposta e informar o magistrado sobre a sua adequação”[42].

Segundo a experiência americana, a atuação do juiz não se restringe apenas à avaliação dos termos da proposta de acordo, como também o próprio processo de negociação. Neste sentido, o julgador deve analisar se foi conduzido com boa-fé e em igualdade de armas. Ademais, o juiz deve fundamentar adequadamente a homologação do acordo, indicando as circunstâncias fáticas que envolvem a controvérsia, abrangendo também as questões jurídicas. “Uma decisão bem fundamentada fortalece o acordo, na medida em que o deixa menos suscetível a ser desconstituído através de ataques futuros à sua adequação (colateral attack)”[43]. Por fim, deve também decidir quanto ao conteúdo e à forma de notificação, com base nas peculiaridades do caso concreto[44].

À seu turno, Geisa Rodrigues, analisando o tema sob a perspectiva brasileira, pondera que o juiz, atuando como um guardião do direito transindividual, deve levar em conta os seguintes fatores:

a) a possibilidade de reparação integral dos direitos transindividual violado; b) não sendo possível a reparação integral a adequação das medidas compensatórias, ou de ressarcimento, podendo, até se valer, para tanto, de perito judicial; c) a eventual existência de oposição aos termos do acordo por parte de outro co-legitimado, ou pela sociedade em geral, e o Ministério Público deve ser necessariamente ouvido sobre a proposta de ajuste; d) as probabilidades de sucesso do processo judicial; e) a complexidade das questões de fato e de direito do caso; f) a economia de custos processuais se o litígio for abreviado; g) a viabilidade do acordo, para que não haja pendenga futura sobre a possibilidade de seu cumprimento; h) a adoção de procedimentos que garantam a publicidade do ajuste, em especial quando a questão em juízo tiver repercussão social[45].

Outra problemática envolvendo o ajuste judicial diz respeito à necessidade do pacto celebrado pelo Parquet ser submetido, previamente, ao Conselho Superior do Ministério Público.  Geisa de Assis Rodrigues, Marco Antonio Marcondes Pereira e o STJ[46] defendem claramente a não submissão. O intitulado autor argui que da mesma forma que o representante do Ministério Público não está sujeito à autorização do órgão superior do Parquet para ajuizar ação civil pública, também não está obrigado a submeter à apreciação o acordo realizado no curso da ação[47]. Porém, “nada impende, ad instar do procedimento previsto no art. 9° e parágrafos dessa lei (LACP), que o promotor de justiça consulte previamente o Conselho da Instituição, quanto a aquiescência ou não ao acordo pretendido nos autos”[48]. Em sentido contrário, Hugo Mazzilli defende que “se o órgão do Ministério Público celebrar transação no curso de ação civil pública, sponte própria deve ter a cautela de ouvir previamente o Conselho Superior”[49].

Contudo, esse não é o entendimento encontrado na prática ministerial que se filia ao posicionamento dos primeiros doutrinadores, prevalecendo que a atuação do MP já está sob fiscalização do Poder Judiciário[50]. Desta forma, “sendo homologado o ajuste faz coisa julgada material erga omnes, o que independe de qualquer aval de órgão superior do Ministério Público”[51]. Este o entendimento seguido no enunciado da Súmula 25 do CSMP de São Paulo: “não há intervenção do Conselho Superior do Ministério Público quando a transação for promovida pelo Promotor de Justiça no curso da ação civil pública ou coletiva”[52]. Por sua vez, a Resolução n° 87/06 do Conselho Superior do Ministério Público Federal prevê apenas uma comunicação do membro do Ministério Público à Câmara de Coordenação e Revisão respectiva ou à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e ao representante, quando for o caso (art. 21, §5°)[53]. Já a Lei Orgânica do Ministério Público da Bahia é silente sobre o tema.

2.3. Consequências da conciliação

A conciliação judicial possui algumas consequências diversas do TAC extraprocessual. Primeiramente, cabe apontar que o compromisso de ajustamento refletirá na própria ação em curso, surtindo efeito apenas com sua homologação em juízo e formando título executivo judicial, por força do art. 475-N, inciso III do CPC.

Diante do processo em curso, dois caminhos podem ser seguidos, devendo a escolha ser realizada com base nas peculiaridades do caso concreto, conforme ensina Geisa de Assis Rodrigues. “Em alguns casos a celebração de ajuste apenas suspende o processo judicial, até o atendimento pleno das obrigações do compromisso, em outros enseja desde já a sua homologação e a extinção com julgamento do mérito”[54]. A primeira opção revela-se a mais prudente, já que na segunda a extinção do feito só é recomendada se as obrigações contidas no título forem líquidas e certas, ou seja, se inobservado o acordo, cujo cumprimento é realizado fora das vias judiciais, a possível execução não será problemática[55].

Já no que concerne à situação dos terceiros, verdadeiros titulares dos interesses individuais, a ausência de sua manifestação não será um obstáculo para a formalização do TAC. O acordo do compromisso apenas abrange interesses uniformes, não prejudicando os direitos individuais diferentes em cada caso. A parte pode ainda arguir em outro processo a exceptio male gesti processus, contestando o reflexo do acordo em face de seu caso concreto[56].

2.4. Acordo coletivo adequado

A figura do “acordo coletivo adequado” foi introduzida na doutrina brasileira por Antonio Gidi, sendo elaborada conforme os ensinamentos e avanços da conciliação coletiva americana. Este instrumento afasta-se do termo de ajustamento de conduta na medida em que exige a instauração de um processo, amadurecimento da controvérsia e o controle e aprovação judicial. Por outro lado, enquanto o “acordo coletivo adequado” tem forma de título judicial e vincula o grupo, o TAC tem eficácia de título executivo extrajudicial, em regra, e não vincula o grupo, conforme ensina o autor[57].

A proposta de Antonio Gidi é muito mais abrangente quando comparado com o compromisso de ajustamento, consistindo em verdadeira e tradicional transação, negócio jurídico bilateral, comportando concessões mútuas entre as partes, inclusive renúncia de direito[58]. Para isso, o representante deve ter poder para entrar em acordo com a parte contrária do grupo, sendo que para este ser válido e vincular o grupo e demais membros, ele deve tutelar adequadamente os interesses do grupo[59]. Por outro lado, é importante salientar que o conceito de adequação do acordo é relacional.

Como observado por Geoffrey C. Hazard Jr., a adequação deve ser avaliada em comparação com as alternativas disponíveis. Assim, uma proposta de acordo aparentemente inadequada pode se mostrar a melhor forma de tutelar os interesses do grupo em face da totalidade das circunstâncias envolvidas no caso concreto[60].

Com efeito, o intitulado doutrinador elaborou, em seu projeto de código modelo, artigo dedicado exclusivamente para o acordo coletivo adequado (art. 14), inspirando-se na experiência norte-americana. Nos EUA, os representantes das demandas coletivas negociam agressivamente, realizando concessões substanciais, inclusive com a renúncia total ou parcial dos direitos dos membros do grupo, visando concessões da parte contrária. Segundo o sistema americano, “tal poder está legitimado por um sofisticado controle de adequação do representante, do advogado, do processo e do acordo”[61].

Destarte, com base no direito americano, o anteprojeto estabelece um “sistema de controle judicial não somente da legalidade formal como da adequação substancial dos termos do acordo realizado entre o representante e o réu”[62]. Para tanto, tal raciocínio prevê:

A ampla notificação dos interessados sobre os termos da proposta de acordo, a realização de uma audiência pública na qual os interessados serão ouvidos e poderão impugnar a proposta e os fatos envolvidos devem ser revelados, além de um procedimento para a aprovação judicial do acordo. Mais que uma simples homologação, o juiz deverá aprovar os termos do acordo, dentro de um procedimento adequado, público e transparente, que permita aos interessados uma oportunidade adequada de participação[63].

Por fim, caso os termos do acordo forem adequados, este deve vincular todos os membros do grupo. Por outro lado, se o acordo não for adequado, o juiz não deve aprová-lo e, se aprovar, não haverá coisa julgada, vez que o representante não foi adequado, nos termos dos arts. 14, 18, I e 23, I do Anteprojeto[64].

Reconhece o supracitado autor que o direito positivo brasileiro atual não comporta a realização de acordos coletivos. Por este motivo o debate nacional acerca da conciliação nas ações coletivas restringe-se à análise do compromisso de ajustamento de conduta nos termos do art. 5°, §6° da LACP. Segundo as críticas formuladas por Antonio Gidi, os autores que se opõem à possibilidade de acordo coletivo utilizam cegamente conceitos tradicionais do direito processual civil individual para compreender a realidade processual coletiva, baseando tal negativa em basicamente dois motivos: a) o direito de grupo pode até ser disponível, mas o legitimado não tem o poder de disposição sobre ele ou b) o próprio direito é indisponível[65].

Para o mencionado autor, o legitimado coletivo, pelo menos para efeito de transação, se parece muito mais com um “representante”, transmitindo os anseios do grupo a juízo, do que um “substituto processual” do direito tradicional[66]. Já no que tange à indisponibilidade dos direitos, Antonio Gidi frisa que somente o direito material pode ser qualificado como sendo indisponível, sendo assim, é irrelevante classifica-lo como de caráter individual, individual homogêneo, coletivo ou difuso[67]. Em outras palavras, o direito não passa a ser indisponível simplesmente por ser enquadrado da citada classificação.

Outrossim, o doutrinador assevera que mesmo que os direitos difusos e coletivos fossem realmente indisponíveis, parece uma solução política equivocada proibir solução amigável e adequada para preservar os interesses do grupo, sob controle do juiz. “Trata-se de resposta formalista, que não satisfaz nem do ponto de vista dogmático nem pragmático e demonstra o grau de imaturidade de nosso direito”.

Acrescenta que há inúmeros exemplos de direitos indisponíveis que são acordados pelas partes, desde que submetidos a homologação judicial, dentre eles o direito a alimentos. Defende ainda que, no ordenamento nacional, existe uma gradação entre os direitos indisponíveis (“alguns direitos indisponíveis são mais indisponíveis que outros”[68]). Sendo assim, há alguns direitos que podem ser transacionados, desde que haja processo judicial e acordo seja homologado pelo juiz[69].

Em suma, o autor conclui que a doutrina equivoca-se em considerar aprioristicamente e na teoria os direitos difusos e coletivos como indisponíveis, motivo pelo qual não seria possível nenhum acordo. A resposta correta para tal impasse deveria ser: os mesmos são disponíveis, sendo este o procedimento para homologação de acordos, ou são indisponíveis, porém, diante do controle judicial, o acordo poderá ser autorizado[70].

Ainda que as mencionadas controvérsias fossem solucionadas, há ainda outro obstáculo no direito coletivo brasileiro a ser superado: a eficácia da sentença homologatória do acordo coletivo. Eis que, ao contrário das class actions que produzem coisa julgada erga omnes independentemente do resultado da demanda, nas ações coletivas brasileiras a sentença somente vinculará os membros do grupo se for favorável aos seus interesses (extensão secundum eventum litis e in utilibus). De acordo com a doutrina pátria, o acordo coletivo não vincula os membros que discordem de seus termos e a mesma ação coletiva pode ser proposta em proteção daqueles insatisfeitos[71].

Todavia, se a conciliação apenas vincular o transgressor, não haverá qualquer incentivo para que este realize o acordo. Ademais, pela própria essência da composição proposta pelo doutrinador no qual são realizadas concessões mútuas, não se pode afirmar que um acordo traz resultado inteiramente favorável. Portanto, “parece inevitável que a formação da coisa julgada erga omnes independentemente de seu resultado (pro et contra) é essencial para que o representante do grupo tenha poder de barganha para negociar com a parte contrária em nome do grupo”[72]. Neste contexto, Antonio Gidi ressalta que o efeito da coisa julgada obtida com o acordo não precisa ser necessariamente o mesmo daquela obtida com a sentença: pro et contra naquele e secundum eventum litis e in utilibus nesta.

Sua crítica encerra-se alertando que enquanto não houver norma criada pela lei ou jurisprudência regulando um procedimento de avaliação e aprovação de acordos coletivos adequados no Brasil, a conciliação somente será permitida e limitada ao âmbito do termo de ajustamento de conduta. “Sem controles adequados, dar efeito vinculante a qualquer acordo em um processo coletivo seria uma solução extremamente perigosa, com nefastas consequências”[73]. Conclui o autor que se basear em tecnicismos como “natureza jurídica da legitimidade coletiva” ou a “indisponibilidade do direito material” para dar soluções fáceis a um problema complexo não corresponde aos anseios sociais[74].

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Sobre a autora
Roberta Pires Alvim

Advogada. Graduada em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Pós-graduada em Direito do Estado pela JusPodivm.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVIM, Roberta Pires. A conciliação na fase judicial em defesa do consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4078, 31 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31330. Acesso em: 19 abr. 2024.

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