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Do método tópico de interpretação constitucional

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01/09/2000 às 00:00
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1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho colima demonstrar a necessidade da interpretação constitucional, e particularmente do método tópico de interpretação da Constituição.

Para isto, o estudo pressupõe o conhecimento de dois conceitos: Constituição e Interpretação. Apenas sabendo o que seja uma Constituição e em que consiste uma interpretação jurídica é que podemos falar em interpretação constitucional.

Ao tratarmos da definição do vocábulo "Constituição", sentimos a necessidade de esclarecer as principais acepções utilizadas pela doutrina, isto é, o sentido sociológico, político e jurídico.

Em seguida, buscamos esclarecer a necessidade da interpretação no direito. Feito isto, partimos para a interpretação constitucional, analisando sua definição, os fatores justificantes de uma interpretação específica, os postulados hermenêuticos (imprescindíveis quando da atividade interpretativa) bem como quem são os intérpretes da Constituição.

Por fim, tentamos trabalhar estes conceitos em um novo método de interpretação constitucional, qual seja o método tópico-problemático.


2. CONSTITUIÇÃO. DEFINIÇÃO

Como quase todos os vocábulos componentes da língua portuguesa, o termo "Constituição" também é polissêmico, é dizer, comporta mais de um significado.

Constituição, em sentido amplo, significa a real ou concreta maneira de ser de alguma coisa. Nesta acepção, qualquer objeto ou ser possui uma constituição. Desta forma, podemos afirmar sem medo de equivocar-se que Constituição, em sentido amplo, pode ser entendida como a concreta maneira de ser do Estado.

Usualmente, costuma a doutrina do Direito Constitucional apontar as acepções sociológica, política e jurídica da Constituição.

          a) sentido sociológico

Formulada por Ferdinand Lassale, a acepção sociológica da Constituição objetiva esclarecer os fundamentos sociológicos das Constituições. Neste sentido a Constituição pode ser entendida como a soma dos fatores reais e efetivos do poder que regem uma determinada comunidade. São fatores reais e efetivos do poder as forças ativas e eficazes que informa todas as leis e instituições jurídicas da sociedade, determinando que não possam ser, em substância, a não ser tal como efetivamente são.(1) No dizer de Nelson Saldanha, as Constituições são obras reflexas. Diz ainda o filósofo pernambucano que a "Constituição corresponderá, como expressão e como molde, à realidade e à necessidade sociais de uma comunidade..." (2)

Para Lassale, a Constituição jurídica é resultante da positivação dos fatores reais do poder. São palavras do autor:

"Reúnem-se os fatores reais do poder, dá-se-lhe expressão escrita e, a partir desse momento, não são simples fatores reais do poder, mas verdadeiro direito. Quem contra eles atentar viola a lei e, por conseguinte, é punido." (3)

Por fim, adverte Lassale que uma Constituição escrita só é boa e duradoura quando corresponder à Constituição real, ou seja, quando refletir os fatores reais e efetivos do poder.

          b) sentido político

O conceito político, de autoria de Carl Schmitt, em obra intitulada "Teoría de la Constitución" (título original: Verfassungslehre) muito se assemelha ao conceito material de constituição.

Segundo este autor, Constituição é o conjunto das decisões políticas fundamentais sobre o modo e forma de existência da unidade política.

Uma Constituição é válida enquanto emana de um poder constituinte e se estabelece por sua vontade, sua decisão. Nos Estados democráticos o titular do poder constituinte é o povo, assim, o povo decide pela forma federativa de Estado; decide pelo sistema republicano de governo, etc.

A Constituição, em sentido positivo, surge mediante um ato do poder constituinte. Este ato não contém, como tal, quaisquer normas, senão, e precisamente por um único momento de decisão, a totalidade da unidade política considerada em sua particular forma de existência; constitui ele a forma e o modo da unidade política, cuja existência é anterior. A Constituição é uma decisão consciente que a unidade política, através do titular do poder constituinte, adota por si própria e se dá a si própria. Deste modo, a essência da constituição reside na decisão política do titular do poder constituinte. (4)

A partir deste conceito, Schmitt distingue constituição de lei constitucional. É a Constituição o conjunto das decisões políticas fundamentais sobre o modo e forma de existência da unidade política. Em outras palavras, só é matéria constitucional tudo aquilo que diga respeito à forma de Estado, à de governo, aos órgãos do poder e aos direitos e garantias individuais. O que não for materialmente constitucional, ou seja, o que não disser respeito ao modo e forma de ser da unidade política é lei constitucional, embora esteja escrita na Constituição.

          c) sentido jurídico

Juridicamente falando, a Constituição é norma. Segundo a teoria escalonada da ordem jurídica, formulada por Hans Kelsen, a Constituição é a norma positiva que fundamenta a validade das demais normas do ordenamento jurídico. É a Constituição que estabelece o modo e a forma de produção das demais normas do sistema jurídico.

A Constituição é o conjunto de normas jurídicas que estabelece limitações ao poder estatal mediante a outorga de direitos e garantias individuais. Nesta acepção, a Constituição pode ser compreendida sob o aspecto formal ou material.

Em sentido formal, a Constituição "seria um conjunto de normas legislativas que se distinguem das não-constitucionais em razão de serem produzidas por um processo legislativo mais dificultoso, vale dizer, um processo formativo mais árduo e mais solene." (5)

Por sua vez, em sentido material a Constituição é o conjunto de normas que diz respeito sobre a forma de Estado e de governo, separação de poderes, e definição dos direitos e garantias individuais. Em síntese, a Constituição em sentido material é definida levando-se em conta o conteúdo de suas normas.

Há ainda vários outros conceitos de Constituição formulados pela melhor doutrina do Direito Constitucional pátrio e alienígena. Entretanto, as definições que procuramos esclarecer são suficientes para o fim aqui colimado.


3. INTERPRETAÇÃO JURÍDICA

O vocábulo "interpretar" deriva do latim interpretare que, segundo o Novo Dicionário Aurélio, significa "explicar, explanar ou aclarar o sentido de (palavra, texto, lei, etc.)".

A interpretação aplica-se apenas aos objetos culturais. Cultura, no nosso entender, é toda realidade transformada pelo ser humano. Todo bem cultural possui uma significação, haja vista que comporta valores, requerendo portanto, uma integração do homem com o bem interpretado. Entretanto, o mesmo não acontece com os fenômenos da natureza, regidos pela lei da causalidade, não portando em si nenhum conteúdo, nenhum valor.

O objeto da interpretação é sempre uma manifestação objetiva do pensamento, é dizer, uma vontade que assume uma forma representativa no mundo fenomênico. Dito de outro modo, o que se interpreta são objetivações do espírito.

Para Emilio Betti, o processo interpretativo em geral, corresponde ao problema epistemológico do entender, pois, partindo da distinção entre ação e evento, pode-se provisoriamente caracterizar a interpretação como a ação na qual o resultado ou evento útil é entender. (6)

O processo interpretativo exige sempre a presença de dois elementos, quais sejam: o objeto a conhecer e o sujeito cognoscente. Urge trazer à colação as preciosas palavras de Betti, verbis:

"Estes dois termos do processo, sujeito e objeto, são os mesmos dois termos encontrados em todo processo cognoscitivo, embora venham caracterizados por particulares qualificações derivadas de que não se trata de um objeto qualquer, senão precisamente de uma objetivação do espírito e que a finalidade do sujeito está voltada a conhecer, a reconhecer naquela objetivação o pensamento animado, em repensar a concepção, ou em reconstruir a intuição que ali se revela." (tradução livre do autor) (7)

Desta forma, o trabalho do exegeta consiste em buscar e descobrir o sentido das manifestações objetivas do pensamento.

Assim, o direito, conjunto de normas válidas em um determinado local e em um dado momento histórico, apresenta-se tanto como fenômeno cultural quanto como manifestação objetiva do pensamento, necessitando portanto, de interpretação.

Visto sob o aspecto da linguagem, chegaremos também à conclusão de que o direito suscita interpretação. O direito não é linguagem, mas se expressa através da linguagem. Esta, por sua vez, é "a capacidade do ser humano para comunicar-se por intermédio de signos cujo conjunto sistematizado é a língua." (8) Os signos são as unidades de um sistema linguístico, dotados de significado e significação, que permitem a comunicação interhumana.

Deste modo, as palavras são espécies do gênero "signos linguísticos", possuidoras portanto, de significado e significação. Entretanto, estas palavras que compõem a norma jurídica comportam mais de um significado, é dizer, são polissêmicas.

Por outro lado, o modo como as palavras estão relacionadas umas com as outras, muitas vezes obscurecem o sentido do texto normativo. Os vocábulos que integram a norma jurídica devem estar dispostos de acordo com as regras sintáticas para que possam ser bem compreendidas.

Explica Celso Ribeiro Bastos que a "linguagem normativa não tem significações unívocas. Os seus vocábulos comportam mais de um conceito, o que, por si só, já seria bastante para justificar a necessidade da interpretação." (9)

Interpretar, portanto, significa atribuir significado e alcance às normas jurídicas. Dito de outro modo, a interpretação consiste em atribuir um significado aos símbolos linguísticos que integram o texto normativo.

Antes de finalizar este tópico, urge advertir do não uso do vocábulo "extrair" (10) que integra muitas vezes as definições dadas à interpretação jurídica. Para isto, iremos utilizar das preciosas palavras do professor Celso Ribeiro Bastos, verbis:

"O emprego do verbo ‘atribuir’ é significativo neste contexto. Por meio dele se denota a característica integrativa da atividade interpretativa. Comumente se conceitua a interpretação como um processo por meio do qual se ‘extrai’ um significado da norma, o que desde logo está a identificar uma ideologia subjacente aos que assim se pronunciam, pois o extrair algo pressupõe que este algo (que seria a solução de um caso concreto) já exista na própria norma. Nesse sentido, poder-se-iam empregar igualmente verbos como ‘imprimir’, ‘fornecer’, ‘imputar’ ou ‘conferir’, todos capazes de fornecer a exata noção do que será desenvolvido ao longo da obra, no sentido de que a atividade interpretativa é, sem sobra de dúvida, uma atividade volitiva, vale dizer, que envolve a vontade do agente interpretativo. Não se trata, pois, de operação objetivamente determinada, mas antes, subjetivamente desenvolvida." (11)

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4. INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

Transportando a definição de interpretação jurídica realizada no tópico anterior para o presente, podemos afirmar que a interpretação constitucional consiste em atribuir um significado aos símbolos linguísticos que integram o texto da norma constitucional. Mais simplificadamente, interpretação constitucional é a definição de interpretação jurídica aplicada à Constituição.

Segundo Canotilho, interpretar "uma norma constitucional consiste em atribuir um significado a um ou vários símbolos linguísticos escritos na constituição com o fim de se obter uma decisão de problemas paráticos normativo-constitucionalmente fundada." (12)

A natureza jurídica da Constituição e a hierarquia institucional que a ela corresponde como lei fundamental e suprema impõem características específicas à interpretação constitucional, singularizando-a dentro da teoria geral da interpretação. Ou seja, a interpretação da Constituição difere da interpretação das demais normas do ordenamento em razão de alguns fatores que lhe são específicos, quais sejam: a supremacia constitucional; ser o estatuto jurídico do fenômeno político; o caráter aberto das normas constitucionais bem como sua inicialidade fundante. Acrescente-se a isto a linguagem constitucional e o fato da Constituição ser permeada por normas-principiológicas.

Um fator que justifica uma interpretação especificamente constitucional, segundo Canotilho, é o fato de a constituição ser um estatuto jurídico do político. É legítimo, na atividade interpretativa, recorrer aos valores políticos apenas quando estes encontrarem-se positivados nas normas constitucionais. Ilegítima, pois, a invocação destes valores baseada no fato de corresponderem às diretivas das forças hegemônicas ou das forças que detêm o poder em determinado momento histórico. (13)

Há na interpretação constitucional alguns postulados que o exegeta deve observar, é dizer, a interpretação da Constituição pressupõe a observância de algumas regras das quais o intérprete não pode prescindir. Aduz Celso Ribeiro Bastos que a interpretação da Constituição deverá, para se considerar como atividade válida, respeitar os mencionados postulados no seu todo, não podendo proceder à escolha de um ou outro. (14) São três os postulados enumerados pelo professor Bastos de observância obrigatória quando da interpretação das normas constitucionais: a) supremacia da Constituição; b) unidade da Constituição e; maior efetividade possível.

O postulado da supremacia da Constituição determina que não se deve interpretar as normas constitucionais a partir das leis. A interpretação deve vir sempre de cima para baixo, e não o contrário.

O princípio da unidade da constituição determina que a constituição deve ser interpretada de maneira sistemática, de modo a evitar contradições entre suas normas. Não é aconselhável interpretar um dispositivo constitucional isoladamente, mas sim integrado com outras normas que compõem o sistema interno da constituição. Explica Canotilho que "o princípio da unidade obriga o intérprete a considerar a constituição na sua globalidade e a procurar harmonizar os espaços de tensão existentes entre as normas constitucionais a concretizar." (15)

O princípio da máxima efetividade ou princípio da eficiência significa que a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê.

Linares Quintana, com base nas conclusões da doutrina e da jurisprudência, formula sete regras que devem ser aplicadas quando do momento da interpretação de normas constitucionais, são elas: a) na interpretação constitucional deve sempre prevalecer o conteúdo teleológico ou finalista da Constituição, que se é instrumento de governo, também e principalmente é restrição de poderes em defesa da liberdade individual; b) a Constituição deve ser interpretada com um critério amplo, liberal e prático; nunca estreito, limitado e técnico, de modo que na aplicação de suas disposições se cumpram cabalmente os fins que a orientam e informam; c) as palavras que emprega a Constituição devem ser entendidas em seu sentido geral e comum, a menos que resulte claramente de seu texto que o constituinte quis referir-se a seu sentido técnico, e em nenhum caso há de supor-se que um termo constitucional é supérfluo ou está demais, senão que sua utilização obedeceu a um desígnio preconcebido dos autores da lei suprema; d) a Constituição deve ser interpretada como um conjunto harmônico, no qual o significado de cada parte deve determinar-se em harmonia com o das partes restantes; nenhuma disposição deve ser interpretada isoladamente, e sempre deve preferir-se a interpretação que harmoniza e não a que coloque em confronto as distintas cláusulas da lei suprema; e) a Constituição, enquanto instrumento de governo permanente, cuja flexibilidade e generalidade lhe permite adaptar-se a todos os tempos e circunstâncias, deve ser interpretada tendo em conta não somente as condições e necessidades existentes ao momento de sua sanção, senão também as condições sociais, econômicas e políticas que existem ao tempo de sua interpretação e aplicação, de modo que nem sempre seja possível o cabal cumprimento dos grandes fins e propósitos que informam e orientam a lei fundamental do país; f) as exceções e os privilégios devem ser interpretados restritivamente; g) os atos públicos se presumem constitucionais entanto mediante uma interpretação razoável da Constituição possam ser harmonizados com esta. (grifo e tradução do autor) (16)

Para encerrar o presente tópico, devemos contudo, tecer algumas considerações acerca do intérprete da Constituição.

Na obra "Hermenêutica Constitucional - A Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: Contribuição para a Interpretação Pluralista e ‘Procedimental’ da Constituição", defende Peter Häberle que a Constituição deve ser interpretada por uma pluralidade de intérpretes, ou seja, todos os homens que vivem a constituição devem interpretá-la. Com isto, defende uma interpretação constitucional democrática. A democratização da interpretação não aceita o fato dos intérpretes jurídicos monopolizarem a interpretação da constituição, isto é, da interpretação constitucional ser realizada apenas por uma sociedade fechada de intérpretes. Entretanto, afirma que o tribunal constitucional é quem dá a ultima palavra sobre a interpretação da norma constitucional (Constituição)

Desta forma propõe Haberle a seguinte tese: "no processo de interpretação constitucional estão potencialmente vinculados todos os órgãos estatais, todas as potências públicas, todos os cidadãos e grupos, não sendo possível estabelecer-se um elenco cerrado ou fixado com numerus clausus de intérpretes da Constituição." (17)

Aduz Häberle que a ampliação do círculo de intérpretes é apenas uma consequência da necessidade de integração da realidade no processo de interpretação. Para este autor a interpretação (sentido amplo) compreende todo o processo de atualização da constituição. Quanto maior for o círculo de intérpretes da constituição, mais livre e aberta será a sociedade, ou seja, a sociedade será livre e aberta na medida em que se aumenta o número de intérpretes da constituição. (18)

De fato, a Constituição como norma conformadora e norma conformada pela realidade (sociedade), diz respeito a todos os que estiverem sob o seu âmbito de atuação. Isto posto, toda a sociedade aberta deve ser seu intérprete, de modo que possa mantê-la em constante atualização (realização/concretização). A pluralidade de intérpretes não pressupõe que cada cidadão (individualmente considerado) realize sua interpretação da constituição, posto que de nada adiantaria para obter a sua atualização. Hoje, como a sociedade encontra-se dividida em grupos sociais, nada obsta que estes grupos, defendendo os interesses dos cidadãos que a eles pertencem, ofereça a sua interpretação da constituição. Assim por exemplo: os sindicatos da classe dos trabalhadores, os sindicatos patronais, a imprensa, a classe artística, e até o cidadão individualmente considerado realiza interpretação da constituição quando da interposição de Ação Popular art. 5º, LXXIII.

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Sobre o autor
George Salomão Leite

advogado em João Pessoa (PB), mestrando em Direito Constitucional pela PUC/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEITE, George Salomão. Do método tópico de interpretação constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 45, 1 set. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34. Acesso em: 15 nov. 2024.

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