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A participação de cooperativas em licitações

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02/03/2004 às 00:00
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A monografia tem como escopo a discussão acerca da participação das sociedades cooperativas em procedimentos licitatórios realizados pelo Poder Público, tendo em vista que a matéria ainda carece de posicionamentos mais definidos.

1 - INTRODUÇÃO

A presente monografia tem como escopo a discussão acerca da participação das sociedades cooperativas em procedimentos licitatórios realizados pelo Poder Público, tendo em vista que a matéria ainda carece de posicionamentos mais definidos, sem, contudo, ter a pretensão de esgotar o tema.

Em primeira análise, cumpre observar a presença das sociedades cooperativas em nossa Constituição, porquanto constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I); são direitos e deveres individuais e coletivos a igualdade de todos perante a lei, garantindo-se (...) a criação de associações e cooperativas, vedada a interferência estatal no seu funcionamento (art. 5º, caput, c/c XVIII); compete à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária sobre o adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas (art. 146, III, "c") e, por fim, são princípios gerais da ordem econômica o apoio e estímulo ao cooperativismo e outras formas de associativismo (art. 174, § 2º).

No âmbito constitucional, surgem como questões da maior relevância e basilares para o desenvolvimento do trabalho, a abordagem dos princípios da isonomia e da legalidade; a uma porque aqueles que defendem a impossibilidade jurídica das cooperativas participarem de licitações sustentam, em suma, que na medida em que a cooperativa tem regime próprio de isenção tributária, evidentemente seria uma deslealdade que pudesse competir com empresas privadas em contratação de serviço público; a duas porque essa corrente doutrinária alega a violação ao princípio da legalidade, uma vez que as cooperativas estariam impedidas legalmente de executar ou mesmo prestar um serviço à Administração Pública, seja por meio de seus associados ou empregados.

Em contrapartida, aqueles que defendem a participação de sociedades cooperativas em procedimentos licitatórios, aduzem, em síntese, que o princípio da isonomia consiste em dar tratamento uniforme a situações uniformes, distinguindo-se, porém, na medida em que existam diferenças. O importante é que as pessoas jurídicas participantes do certame cumpram as exigências legais próprias de seus respectivos regimes jurídicos, nos termos previstos no edital, uma vez que em determinadas hipóteses, as sociedades comerciais também são privilegiadas.

Alegam, também, que é legítimo o tratamento jurídico diferenciado dispensado às sociedades cooperativas, haja vista a proteção constitucional e infraconstitucional dada à matéria, bem como o atendimento ao magistério do Mestre CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO que dispõe sobre os elementos necessários para um discrímen legal convivente com o princípio da isonomia.

No âmbito infraconstitucional, encontra-se a Lei Federal nº 5.764/71, que define a política nacional do cooperativismo e institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, fornecendo os subsídios necessários para a demonstração de validade da participação das cooperativas em licitações. Será realizada, então, uma abordagem sobre as sociedades cooperativas, seus aspectos sociais e econômicos, principalmente após a promulgação da Constituição da República de 1988, bem como uma análise sobre o regime jurídico cooperativista, abrangendo os objetivos, características e classificação das cooperativas; abordar-se-á, ainda, a previsão de constituição de fundos destinados ao atendimento de suas necessidades operacionais, bem como de assistência aos seus associados e familiares; e, por fim, a regulamentação referente às Assembléias Gerais, órgão supremo da sociedade; o ato cooperativo; a distribuição de despesas; as operações da cooperativa, bem como o sistema trabalhista pelo qual a mesma se submete.

Desta feita, diante do contexto acima definido, surgem controvérsias acerca da possibilidade das sociedades cooperativas prestarem serviços a terceiros ou somente aos seus associados e, também, no que tange especificamente às cooperativas de trabalho, discussões sobre possíveis fraudes aos direitos dos trabalhadores, tendo em vista que as cooperativas não possuem encargos trabalhistas com os seus cooperados, consoante a norma do parágrafo único do art. 442 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, a preceituar que não existe relação empregatícia entre a cooperativa e seus cooperados. Nesse diapasão, há correntes doutrinárias que argumentam que a contratação do cooperado como prestador autônomo não elide a subordinação hierárquica entre o cooperado e a cooperativa, o que caracteriza a relação contratual e dela decorrendo direitos e obrigações de natureza social e previdenciária.

Importante salientar que para a elucidação dos problemas relacionados à matéria, normas de natureza previdenciária, trabalhista e fiscal serão essenciais para a conclusão da presente monografia, uma vez que se inserem no contexto das licitações e execução dos contratos administrativos, mormente naqueles que têm como objeto a contratação para prestação de serviços.

Considerar-se-á, ainda, a Lei Federal n.º 8.666/93, que regula os procedimentos licitatórios e contratos administrativos. Quanto à Lei de Licitações far-se-á uma análise sistêmica dos dispositivos concernentes ao tema, especialmente sobre a previsão de seus princípios setoriais, a possibilidade de contratação de serviços de terceiros pela Administração Pública, as pessoas proibidas de licitar e a possibilidade ou não de equalização das propostas das sociedades cooperativas, na forma prevista para as licitações internacionais.

Para verificar o posicionamento doutrinário acerca do tema, será reservado um capítulo separado para expor o pensamento daqueles que lidam com a matéria, e que, em síntese, divide-se em três correntes: a que refuta plenamente a participação das cooperativas em licitações públicas; a que admite tal participação, mediante a adoção de cláusulas de equalização, tendentes a compensar os benefícios fiscais outorgados àquela categoria de sociedade; e aquela que defende a possibilidade livre da mencionada participação, independentemente da adoção de qualquer medida equalizadora.

No que tange ao posicionamento dos Tribunais, ainda não houve uma pacificação de entendimento, podendo-se dizer, apenas, que a corrente que tem prevalecido é aquela que admite a participação de cooperativas em licitações realizadas pelo Poder Público, independentemente da adoção de cláusulas de equalização. No âmbito federal, o Tribunal de Contas da União, já se manifestou favorável pela admissão de sociedade cooperativa em licitação, bem como a maioria dos Tribunais de Contas dos Estados. Maior polêmica há no Estado de Minas Gerais, onde o Tribunal de Contas e o Tribunal de Justiça manifestaram-se contrariamente à inserção das cooperativas nas licitações, sem, contudo, haver unanimidade nos julgamentos.

Conforme será visto, impende deixar registrado que a despeito das normas constitucionais, de sua importância social e de toda a legislação infraconstitucional, o tema ainda é muito polêmico, vez que propicia diversas discussões e atinge diretamente os interesses das sociedades comerciais que participam de licitações, tendo em vista a rentabilidade dos contratos celebrados com o Poder Público, especialmente àqueles referentes à prestação de serviços. Com efeito, tais sociedades se negam a curvar-se ao direito das cooperativas de participarem das licitações, mobilizando todo o seu aparato jurídico para excluí-las do certame.


2 - AS COOPERATIVAS

2.1 - AS COOPERATIVAS NA ORDEM CONSTITUCIONAL

Com o advento da Constituição da República de 1988 [1], as sociedades cooperativas passaram a ter presença marcante na ordem constitucional vigente, porquanto tenha o Texto Magno dispensado uma proteção especial para esses tipos de sociedades, que visam, prima facie, a cooperação entre os cidadãos.

No que se refere às cooperativas, fazendo uma abordagem sistemática da Constituição, já no título Dos Princípios Fundamentais, inciso I, do art. 3º, encontramos como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. O termo solidariedade está contido no próprio sentido etimológico do vocábulo cooperativa, prescrito no Vocabulário Jurídico de DE PLÁCIDO E SILVA [2], verbis:

Derivada do latim cooperativus, de cooperari (cooperar, colaborar, trabalhar com outros); é aplicada na terminologia jurídica para designar a organização ou sociedade, constituída por várias pessoas, visando melhorar as condições econômicas de seus associados.

Em seguida, no capítulo Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, a Constituição dispõe no art. 5º, caput, c/c inc. XVIII, que são direitos e deveres individuais e coletivos a igualdade de todos perante a lei, garantindo-se (...) a criação de associações e cooperativas, vedada a interferência estatal no seu funcionamento. Como é sabido, a referida norma constitucional consagra um dos princípios mais importantes do Estado Democrático de Direito que é o princípio da isonomia, o qual, segundo a interpretação de RUI BARBOSA [3], dispõe que "a regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade".

Ainda sobre o princípio da isonomia, desde já, é importante frisar que é da essência da lei estabelecer desigualdades. Toda lei desiguala, na medida em que, ao estabelecer uma hipótese, estará, necessariamente, dando um tratamento diferenciado a quem nela se enquadrar, em relação a quem não se encaixe na situação hipoteticamente descrita. Devido a importância desse princípio para a análise do tema, o mesmo será abordado adiante, em separado, no Capítulo 4.

Quanto ao tratamento tributário das sociedades cooperativas, a Constituição consagra na alínea "c", inc. III, do art. 146, que compete à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária sobre o adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas, legitimando, portanto, uma desequiparação tributária em relação às demais sociedades comerciais. No capítulo Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica, § 2º do art. 174, a Constituição assegurou o apoio e estímulo ao cooperativismo e outras formas de associativismo, ratificando a orientação definida pelos princípios fundamentais da República de construir uma sociedade livre, justa e solidária.

No que se refere à política agrícola, dispõe o art. 187, inc. VI da Constituição que a mesma "será planejada e executada na forma da lei, com a participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como de setores de comercialização, de armazenamento e de transportes, levando em conta, especialmente: (...) o cooperativismo" (g.n.)

Por fim, ratificando a intenção do legislador Constituinte em primar pelo apoio e estímulo ao cooperativismo, a Constituição de 1988, denominada pelo saudoso Deputado Ulysses Guimarães de "Constituição Cidadã", estatui o incentivo ao cooperativismo de crédito. É o que se vê do preceptivo a seguir transcrito:

Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, será regulado em lei complementar, que disporá, inclusive, sobre:

(...)

VIII – o funcionamento das cooperativas de crédito e os requisitos para que possam ter condições de operacionalidade e estruturação próprias das instituições financeiras (g.n.)

No âmbito do Estado de Minas Gerais, outro não foi o posicionamento adotado pela Constituição Mineira [4], que no inciso VI, do art. 233, dispôs que o Estado adotará instrumentos para apoio ao associativismo e estímulo à organização da atividade econômica em cooperativas, mediante tratamento jurídico diferenciado. Em obediência ao princípio da isonomia, a Constituição Mineira consignou expressamente que o tratamento jurídico dado às sociedades cooperativas não poderá ser o mesmo dos outros tipos de sociedade, haja vista a sua condição sui generis, que privilegia a integração social, ao invés do lucro. Portanto, é legítima a preocupação do legislador constituinte em dispensar tratamento especial às cooperativas.

Do mesmo modo, a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul [5] consagrou regra especial na hipótese de privatizações, prevendo a hipótese de assunção das empresas públicas e das sociedades de economia mista, pelos seus empregados, sob a forma de cooperativas, conforme as normas abaixo expendidas:

Art. 163. Incumbe ao Estado a prestação de serviços públicos diretamente, ou, através de licitação, sob o regime de concessão ou permissão, devendo garantir-lhe a qualidade.

§1° Na hipótese de privatização das empresas públicas e sociedade de economia mista, os empregados terão preferência em assumi-las, sob a forma de cooperativas.(g.n.)

Como visto, as sociedades cooperativas têm amplo fundamento principiológico na Constituição da República de 1988, bem como nas Constituições dos Estados de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul. JOEL DE MENEZES NIEBUHR [6] ensina proficientemente que:

Os princípios jurídicos são o ápice do ordenamento, vinculando todo o aparato jurídico e político de uma determinada Sociedade. E assim o são porque traduzem axiologicamente os valores sociais no âmbito deontológico do Direito. Portanto é condição sine qua non à sua plena normatividade corresponder aos valores sociais que os inspiram. (g.n.)

Com efeito, as cooperativas foram objetos de muita atenção e preocupação nas Assembléias Constituintes, sendo que todo o arcabouço jurídico cooperativista é fruto de um pensamento voltado para o desenvolvimento social, econômico e cultural da sociedade, bem como dos princípios cooperativos, os quais apresentam-se como linhas orientadoras por meio das quais as cooperativas levam os seus valores à prática.

2.2 - PRINCÍPIOS COOPERATIVISTAS

O regime cooperativista tem sua fundamentação jurídica baseada em alguns princípios, os quais se apresentam como o pilar de todo o sistema. E, não poderia se de outra forma, conquanto o Direito, visto como ciência, tem seus postulados e valores traduzidos em proposições que estão acima de todo o conjunto normativo, sendo que este deve estar em consonância com tais princípios, que, não obstante o seu caráter abstrato e genérico, também possui força normativa e deve ser obedecido como as demais regras jurídicas.

Quanto aos princípios cooperativos [7], pode-se citar os seguintes:

1 - Adesão Voluntária e Livre: as cooperativas são organizações voluntárias, abertas a todas as pessoas aptas a utilizar os seus serviços e assumir as responsabilidades como membros, sem discriminações de sexo, ou de natureza social, racial, política e religiosa.

2 - Gestão Democrática e Livre: as cooperativas são organizações democráticas, controladas pelos seus membros, que participam ativamente na formulação das suas políticas e na tomada de decisões. Os homens e as mulheres, eleitos como representantes dos demais membros, são responsáveis perante estes. Nas cooperativas de primeiro grau os membros têm igual direito de voto (um membro, um voto); as cooperativas de grau superior são também organizadas de maneira democrática.

3 - Participação Econômica dos Membros: os membros contribuem eqüitativamente para o capital das suas cooperativas e controlam-no democraticamente. Parte desse capital é, normalmente, propriedade comum da cooperativa. Os membros recebem, habitualmente, se houver, uma remuneração limitada ao capital integralizado, como condição de sua adesão. Os membros destinam os excedentes a uma ou mais das seguintes finalidades:

- Desenvolvimento das suas cooperativas, eventualmente através da criação de reservas, parte das quais, pelo menos será, indivisível.

- Benefícios aos membros na proporção das suas transações com a cooperativa.

- Apoio a outras atividades aprovadas pelos membros.

4 - Autonomia e Independência: as cooperativas são organizações autônomas, de ajuda mútua, controladas pelos seus membros. Se firmarem acordos com outras organizações, incluindo instituições públicas, ou recorrerem a capital externo, devem fazê-lo em condições que assegurem o controle democrático pelos seus membros e mantenham a autonomia da cooperativa.

5 - Educação, Formação e Informação: as cooperativas promovem a educação e a formação dos seus membros, dos representantes eleitos e dos trabalhadores, de forma que estes possam contribuir, eficazmente, para o desenvolvimento das suas associações. Informam o público em geral, particularmente os jovens e os líderes de opinião, sobre a natureza e as vantagens da cooperação.

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6 - Intercooperação: as cooperativas servem de forma mais eficaz aos seus membros e dão mais força ao movimento cooperativo, trabalhando em conjunto, através das estruturas locais, regionais, nacionais e internacionais.

7 - Interesse Pela Comunidade: as cooperativas trabalham para o desenvolvimento sustentado das suas comunidades através de políticas aprovadas pelos membros.

Ratificando a inteligência da corrente adotada pela Constituição de 1988, que prioriza o apoio e estímulo ao sistema cooperativista, para melhor compreensão do tema, cumpre, ainda, definir o vocábulo cooperativismo, que na lição de DE PLÁCIDO E SILVA [8] consiste em:

Derivado do mesmo modo que a cooperativa, do latim cooperare, é aplicado para designar o sistema econômico que se funda nas cooperativas, em virtude do qual se estabelecem os princípios coordenadores, disciplinadores e promotores da maior amplitude das organizações, que se propõem, pela cooperação, a dar mais satisfatórios resultados aos objetivos das mesmas cooperativas.

Destarte, a interpretação do conjunto normativo constitucional, juntamente com os princípios cooperativos são fundamentais para a compreensão da legislação infraconstitucional, naquilo que toca as cooperativas, mormente no que diz respeito à Lei Federal nº 5.764/71, que define a política nacional do cooperativismo e institui o seu regime jurídico, bem como a Lei nº 8.666/93, que institui normas para licitações e contratos da Administração Pública.

2.3 - IMPORTÂNCIA SOCIAL

As sociedades cooperativas, além de incentivarem a solidariedade entre as pessoas em busca de um mesmo fim, são criadas para buscar a integração social e uma melhor qualidade de produtos e serviços a preços melhores para os seus cooperados. Algumas modalidades de cooperativas têm a finalidade específica de promover a colocação, no mercado, de mão-de-obra dos próprios cooperados com a prestação de serviços a terceiros, propiciando melhores salários e se apresentando como forte alternativa ao desemprego, dispensando a intervenção do empregador. São essas cooperativas, denominadas Cooperativas de Trabalho, que geram as mais polêmicas discussões acerca do objeto do presente estudo, uma vez que no âmbito licitatório a legislação pátria confere a elas algumas prerrogativas não atinentes às sociedades comerciais.

Quanto às Cooperativas de Trabalho, VALENTIM CARRION [9] assevera:

Cooperativa de Trabalho ou de serviços nasce da vontade de seus membros, todos autônomos e que assim continuam. As tarefas são distribuídas com igualdade de oportunidades; repartem-se os ganhos proporcionalmente ao esforço de cada um. Pode haver até direção de algum deles, mas não existe patrão nem alguém que se assemelhe; a clientela é diversificada; a fixação de um operário em um dos clientes, pela continuidade ou subordinação, e a perda da diversidade da clientela descaracterizam as cooperativas (...)

O cooperativismo atua, ainda, no setor agropecuário, consumo, crédito, transporte, educação, bancos, seguros, habitação, etc.

Nesse contexto, as sociedades cooperativas surgem como fontes alternativas de produção de renda, bem como de circulação de mercadorias e serviços, competindo com as tradicionais sociedades comerciais, sejam elas nacionais ou multinacionais, dando uma enorme contribuição ao desenvolvimento econômico do País e possibilitando maiores oportunidades aos seus cooperados, uma vez que todos se obrigam a contribuir com seus bens e serviços para o exercício de uma atividade econômica de proveito comum, sem objetivo de lucro, conforme determina o art. 3º da Lei nº 5.764/71.

Releva notar que, nas cooperativas, as decisões não estão concentradas nas mãos de uma ou poucas pessoas, porquanto somente a Assembléia Geral tem poderes para decidir os negócios relativos ao objeto da sociedade e tomar as resoluções convenientes ao desenvolvimento e defesa desta, e suas deliberações vinculam a todos, ainda que ausentes ou discordantes.

Tal forma de organização assume grande relevo nos dias de hoje, uma vez que a sociedade vive uma grave crise social, tendo em vista as altas taxas de desemprego e analfabetismo, baixos níveis de escolaridade e a grande disparidade de renda entre as pessoas. Nesse sentido, afirma CELSO RIBEIRO BASTOS [10] a respeito do cooperativismo:

Surge com enorme importância no mundo de hoje, como modelo de associativismo direcionado à superação das dificuldades econômicas que isoladamente, os produtores rurais seriam incapazes de enfrentar. Não se trata, contudo, de uma forma empresarial.

E, ainda, segue lecionando o referido autor:

Têm as cooperativas um compromisso muito grande com a justiça social, na medida em que não há a exploração alheia; pelo contrário, por meio delas pode-se dispensar a intermediação de um empresário, que, este sim, auferiria, como é normal na sua qualidade, lucros.

A importância do cooperativismo e, em especial, das Cooperativas de Trabalho, consta da Recomendação nº 127, da Conferência Internacional do Trabalho (Organização Internacional do Trabalho – OIT), datada de 21 de junho de 1966 [11]. Ao enunciar o campo de aplicação, o documento cita vários setores de cooperativas, entre as quais as cooperativas de serviços, de artesãos, de operários de produção e de trabalho. Ao definir os objetivos de uma política referente a cooperativas, informa ser importante "melhorar a situação econômica, social e cultural das pessoas". Pela proposta nº 11, constante das Disposições Especiais relativas ao papel das Cooperativas na solução de problemas particulares, traça a seguinte recomendação:

Com a finalidade de melhorar as oportunidades de emprego, as condições de trabalho e as receitas dos trabalhadores agrícolas sem terras, deveriam ser ajudados, quando for conveniente, a organizarem-se, voluntariamente em Cooperativas de Trabalho.

2.4 - ESPÉCIES

As cooperativas se organizam conforme os objetivos sociais a que se dispõem a buscar. Nos temos do art. 6º da Lei nº 5.764/71, as sociedades cooperativas podem se constituir sob três formas.

As cooperativas singulares são aquelas constituídas pelo número mínimo de 20 (vinte) pessoas físicas, sendo excepcionalmente permitida a admissão de pessoas jurídicas que tenham por objeto as mesmas ou correlatas atividades econômicas das pessoas físicas ou, ainda, aquelas sem fins lucrativos.

As cooperativas centrais ou federações de cooperativas, são constituídas de, no mínimo, 3 (três) singulares, podendo, excepcionalmente, admitir associados individuais. Por outro lado, confederação de cooperativas são aquelas constituídas de, pelo menos, 3 (três) federações de cooperativas ou cooperativas centrais, da mesma ou de diferentes modalidades.

Com fundamento na norma do art. 6º da Lei nº 5.764/71, várias são as modalidades de cooperativas encontradas no Vocabulário Jurídico DE PLÁCIDO E SILVA, dentre as quais se considera importante trazer à cola as seguintes:

1 - Cooperativa de Abastecimento [12]: no sentido legal, diz-se cooperativa de abastecimento a que se funda para, em conjunção com as cooperativas de produção, de vendas em comum e outras, fornecer às cooperativas de consumo a matéria-prima com que se bastem, e prover ou fundar pequenos mercados ou feiras-livres no sentido de colocar as mercadorias produzidas pelas cooperativas de produção a ela associadas.

2 - Cooperativa de Compras em Comum [13]: segundo sua própria denominação indica, esta cooperativa possui a finalidade de, com os recursos adquiridos por sua organização, comprar material de que necessitam seus associados, sejam utensílios ou matéria-prima, para uso dos mesmos, com intuito protetor de uma aquisição, pelo volume, com melhores preços em vantagem dos associados.

(...)

Neste particular as cooperativas de compras comuns dizem-se rurais ou urbanas.

As rurais se constituem entre agricultores ou criadores e o material e artigos adquiridos, úteis à lavoura ou criação, são distribuídos entre os associados, ou dados por empréstimos para seu uso, sem qualquer idéia de revenda ou lucro para a cooperativa.

As urbanas, que se compõem por operários da indústria ou comércio, podem fazer tais compras em comum, como as podem fazer com recursos da sociedade para a própria revenda aos associados.

3 - Cooperativas de Trabalho [14]: sua finalidade primordial é a de melhorar os salários de seus associados e as condições do trabalho pessoal, seja intervindo junto aos patrões, estabelecendo com eles convenções coletivas, seja por outros meios ao seu alcance.

Constitui-se entre operários, artífices ou pessoas da mesma profissão ou ofícios ou de ofícios vários de uma mesma classe.

4 - Cooperativa de Crédito [15]: não diverge o conceito de cooperativa de crédito, sob o ponto de vista econômico ou jurídico.

Em quaisquer dos aspectos, entende-se a que tem por fim a organização de um fundo, formado pelo capital dos sócios destinado a empréstimos pecuniários a seus associados ou a outras cooperativas.

5 - Cooperativa de Produção [16]: há duas classes: a de produção agrícola e a de produção industrial.

Ambas se organizam com o espírito de cooperação entre produtores agrícolas ou criadores, auxiliando-os por todos os meios ao alcance dos recursos obtidos pela organização. Quando a proteção se orienta no sentido de aproveitar os produtos agrícolas para transformá-los em novos produtos, pela industrialização, dá-se-lhe denominação particular de industrial.

Mas se fica, exclusivamente, na proteção à agricultura ou à criação, sem tendências industriais, será meramente agrícola.

A cooperativa industrial poderá ser organizada fora dos domínios agrícolas, mas na sua constituição somente podem ser admitidos profissionais ou operários interessados diretamente na respectiva indústria, que vai ser objeto da sociedade.

Dissertando sobre a participação de cooperativas em licitações, GERALDO LUÍS SPAGNO [17], a fim de distinguir as cooperativas por suas atuações perante os interesses dos cooperados, denomina-as como cooperativas internas, externas e mistas, senão veja-se:

Ao nosso ver, existem então cooperativas internas, aquelas que existem em função de si mesmas, criadas apenas para servir aos cooperados, alcançando para estes, de forma exclusiva, vantagens como empréstimos, financiamentos menos onerosos, aquisições e serviços compartilhados ou benefícios gerais, como proteção à saúde e prevenção, tudo girando no âmbito exclusivo dos cooperados. Outras têm como objeto a prestação de serviços ou o fornecimento de bens a terceiros, obtidas tais prestações dos esforços ou produção dos cooperados exatamente para fornecimento a terceiros interessados. A estas chamamos cooperativas externas ou de finalidades externas. Àquelas que têm por objeto as duas situações, chamamos, para fins de estudo, cooperativas mistas (esta nomenclatura é adotada também para definir algumas espécies de cooperativas agropecuárias), as quais, por também terem finalidades externas, enquadram-se em nossa tese, tanto quanto as primeiras. (g.n.)

Conforme mencionado anteriormente, o rol de cooperativas apresentado é meramente exemplificativo, haja vista os diversos setores nos quais atuam essa forma de sociedade, bem como a distinção feita por SPAGNO GUIMARÃES não deve ser analisada de forma absoluta, a despeito da proficiência com que o referido autor tratou a matéria, servindo como mais um subsídio para árdua tarefa de definir a possibilidade jurídica de participação das sociedades cooperativas em licitações.

2.5 - REGIME JURÍDICO

O regime jurídico das sociedades cooperativas foi instituído pela Lei Federal nº 5.764/71 [18], que estabeleceu, como já asseverado, a política nacional do cooperativismo a ser implementada pelo Poder Público. Como um de seus pontos fundamentais, a Lei nº 5.764/71 dispõe sobre os objetivos, características e classificação das cooperativas; a previsão de constituição de fundos destinados ao atendimento de suas necessidades operacionais, bem como de assistência aos seus associados e familiares; regulamenta, ainda, as Assembléias Gerais, órgão supremo da sociedade; o ato cooperativo; a distribuição de despesas; as operações da cooperativa, bem como o sistema trabalhista pelo qual a mesma se submete.

2.5.1 - CONCEITOS

Doutrinariamente, encontramos vários conceitos de sociedades cooperativas, sob diferentes enfoques, ora privilegiando a pessoa do sócio, ora o objeto das cooperativas e ora a variabilidade do seu capital. Desta feita, importante anotar a lição de três dos principais juristas brasileiros, como se segue:

PONTES DE MIRANDA [19]:

A sociedade cooperativa é sociedade em que a pessoa do sócio passa à frente do elemento econômico e as conseqüências da pessoalidade são profundas, a ponto de torná-la espécie de sociedade. (g.n.)

J. X. CARVALHO DE MENDONÇA [20]:

Aquelas que, sem capital fixo, se propõem a exercer a indústria, seu objeto, a serviço direto dos sócios, por outra a suprir as necessidades dos que as constituem. (g.n.)

VALDEMAR FERREIRA [21]:

É a sociedade de capital variável com o fluxo e o refluxo de quantos se lhe associam para a obtenção das vantagens que puder ministrar. (g.n.)

Entretanto, também se encontra a definição legal das sociedades cooperativas no art. 4º da Lei nº 5.764/71, conforme transcrito a seguir:

As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas à falência, constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais sociedades pelas seguintes características: (g.n.)

Como sociedade de pessoas, distinguem-se basicamente das associações, por serem constituídas com intenção de auferir um benefício e distribuí-lo. Apresentam como elemento preponderante a chamada affcetio societatis, ou seja, a manifesta intenção de os associados se reunirem para auferir proveitos em comum, e são contratados intuitu personae, ou seja, considerando a pessoa do associado, suas qualidades pessoais e sua livre adesão, diferentemente das sociedades de capitais, que são constituídas intuitu pecuniae, isto é, visando exclusivamente o retorno do capital e os lucros do empreendimento, pouco importando o liame que une as pessoas dos sócios, seu relacionamento e sua vontade de compartilhar trabalho em prol dos demais.

Dissertando sobre a natureza peculiar das cooperativas, CELSO RIBEIRO BASTOS [22], prescreve:

As cooperativas são sociedades de pessoas constituídas para prestarem serviços aos associados ou cooperativados, distinguindo-se das demais sociedades ou empresas que atuam no setor econômico, em razão de apresentarem características específicas que as distanciam totalmente do modelo de empresa capitalista comum, assumindo grande relevo, neste contexto, o fato de não distribuírem lucros aos associados. Trata-se de uma espécie de gerenciamento, de assessoramento dos cooperados. Assim, seus membros constituem-na com o objetivo de desempenhar, em benefício comum, determinada atividade. (g.n.)

2.5.2 - CARACTERÍSTICAS

No que se refere às características das cooperativas, estas vêm definidas no art. 4º da Lei nº 5.764/71, permitindo distingui-las das demais formas de sociedade conforme suas peculiaridades:

- Livre adesão: significa a adesão voluntária, com número ilimitado de associados, salvo impossibilidade técnica de prestação de serviços. As cooperativas devem estar abertas a tantos quantos, integrando determinada categoria profissional, desejar partilhar objetivos comuns; (g.n.)

- Singularidade de votos: significa que, independente do número de cotas que possui, cada cooperado tem direito a um voto, podendo as cooperativas centrais, federações e confederações, com exceção das que exerçam atividades de crédito, optar pelo critério da proporcionalidade; (g.n.)

- Controle democrático: significa que as decisões devem ser tomadas respeitando a vontade da maioria, tal como exigido pelo inciso VI, do art. 4º, da Lei nº 5.764/7, no tocante ao quorum, para funcionamento e deliberação da Assembléia Geral, baseado no número de associados e não no capital; (g.n.)

- Neutralidade política e indiscriminação religiosa, racial e social: significa dizer que as sociedades cooperativas não se prestam à atividade política-partidária e, também, é vedada atividades discriminatórias por motivos de religião, raça ou classe social;

- Retorno das sobras líquidas do exercício: deve ser proporcional às operações realizadas pelo associado. A cooperativa não visa ao lucro, pois seu objetivo é o compartilhamento dos benefícios do trabalho comum entre associados; (g.n.)

- Incessibilidade das cotas: significa que as cotas dos sócios são intransferíveis a terceiros estranhos a sociedade. E, mesmo causa mortis, as cotas não passam aos herdeiros do sócio falecido, desde que estranho à sociedade. Em tal caso, a sociedade amortizará a cota correspondente; (g.n.)

- Área de ação: não deve a cooperativa, na execução de seus objetivos, procurar estender a sua ação, isto é, o seu campo de operações, além dos limites em que, naturalmente, possa exercer seu controle ou tenha possibilidades de reunir seus associados. Assim, não pode criar agências ou filiais fora de sua área de ação.

- Condição de associado: pode ser instituída nos estatutos que somente quem tenha certa qualidade profissional possam ser admitidas como sócios da cooperativa.

Se faltar alguma das características supramencionadas, a existência da sociedade cooperativa ficará comprometida. Vejamos o caso de aplicação do inciso I, do art. 4º da Lei 5.764/71, pelo qual se exige, como caracterização de cooperativa, a livre adesão. O pedido de ingresso e a matrícula na cooperativa se constituem atos de livre aceitação, não de imposição. No caso das cooperativas de trabalho, se estas obrigarem trabalhadores ao ingresso na sociedade significa que tais cooperativas perdem uma das principais características que a definem. Logo, são cooperativas irregulares, falsas, e jamais podem ser abrangidas pelo disposto na legislação trabalhista que regula a matéria. Essa circunstância afasta a extensão das regras trabalhistas sobre as cooperativas de trabalho, popularmente denominadas "cooperativas de gatos", pois estas são oriundas da vontade dos patrões e não da vontade política e livre decisão dos cooperados.

A Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002 [23], denominada de Novo Código Civil, que entrará em vigor a partir de 11/01/2003, em consonância com a Lei nº 5.764/71 dispôs no art. 1.094 sobre as características das sociedades cooperativas, conforme se segue:

Art. 1094. São características da sociedade cooperativa:

I – variabilidade, ou dispensa do capital social;

II – concurso de sócios em número mínimo necessário a compor a administração da sociedade, sem limitação de número máximo;

III – limitação do valor da soma de quotas do capital social que cada sócio poderá tomar;

IV – instransferibilidade das quotas do capital a terceiros estranhos à sociedade, ainda que por herança;

V – quorum, para a assembléia geral funcionar e deliberar, fundado no número de sócios presentes à reunião, e não no capital social representado;

VI – direito de cada sócio a um só voto nas deliberações, tenha ou não capital a sociedade, e qualquer que seja o valor de sua participação;

VII – distribuição dos resultados, proporcionalmente ao valor das operações efetuadas pelo sócio com a sociedade, podendo ser atribuído juro fixo ao capital realizado;

VIII – indivisibilidade do fundo de reserva entre os sócios, ainda que em caso de dissolução da sociedade.

Nesse diapasão, também devem ser repudiadas as cooperativas de trabalho múltiplas, pois essas comportam pessoas de diversas atividades, profissões e funções, ferindo a essência do trabalho cooperado, o qual deve se fundar no exercício da mesma atividade e especialização. O recrutamento aleatório e indiscriminado de cooperados, a manipulação de mão-de-obra realizada pelos dirigentes e a inexistência da própria consciência cooperativista revela prática fraudatória das atividades da sociedade cooperativa.

2.5.3 - OBJETIVOS

As finalidades das sociedades cooperativas são múltiplas, podendo ser de ordem econômica ou com intuito meramente de assistência ou de cooperação. O art. 5º da Lei nº 5.764/71 dispõe que as sociedades cooperativas poderão adotar por objeto qualquer gênero de serviço, operação ou atividade, assegurando-se-lhes o direito exclusivo e exigindo-se-lhes a obrigação do uso da expressão "cooperativa" em sua denominação. A referida norma traduz a vasta atuação do cooperativismo nos dias de hoje, dando amparo legal para as várias modalidades de cooperativas existentes.

Outro dispositivo legal de suma importância para o estudo do regime jurídico das cooperativas e para a consolidação do entendimento de suas finalidades está consignado no art. 7º da "Lei das Cooperativas", verbis:

Art. 7º. As cooperativas singulares se caracterizam pela prestação direta de serviços aos associados (g.n.).

Essa norma é objeto de muitas interpretações distorcidas, principalmente por aqueles que não admitem a possibilidade jurídica de participação de cooperativas em licitações. Prestação direta de serviços aos associados significa dizer que as cooperativas têm como objetivo o atendimento das necessidades dos cooperados que se associam para a consecução de uma atividade de proveito comum, conforme preceitua o art. 3º da Lei nº 5.764/71, seja relacionando-se com os próprios associados ou com terceiros.

No âmbito das cooperativas de trabalho, que têm a finalidade de melhorar as oportunidades e as condições de trabalho dos seus associados, a prestação direta de serviços aos associados refere-se à intermediação realizada por essas cooperativas em busca de trabalho para os associados, sendo estes os prestadores de serviços. Quando as cooperativas de trabalho celebram contratos, sejam públicos ou privados, agem em nome dos cooperados, de modo que estes possam prestar os serviços, autonomamente e sem subordinação jurídica, ressalvado a subordinação técnica que pode ficar evidenciada com o tomador de serviços. Mesmo quando as cooperativas efetuam algum pagamento de cunho administrativo, este pagamento é feito em nome de seus cooperados, não em nome da sociedade. As cooperativas atuam como uma longa manus de seus cooperados.

Assim, vale ressaltar que não é a cooperativa que presta os serviços às empresas com as quais contratam, por isso não há acerto em se dizer que quando as cooperativas de trabalho celebram contratos com terceiros, estariam elas burlando a norma do art. 7º da Lei nº 5.764/71. Elas não interferem, porém, no objeto da contratação, que é o trabalho dos sócios, e nem na sua execução, uma vez que estes são de responsabilidade dos cooperados.

2.5.4 - OS FUNDOS, A ASSEMBLÉIA GERAL E OS ATOS COOPERATIVOS

Outra questão importante para a consecução dos objetivos das sociedades cooperativas é verificar que não obstante o inc. VII, do art. 4º, da "Lei das Cooperativas", determinar o retorno das sobras líquidas do exercício, proporcionalmente às operações realizadas pelos associados, o art. 28, incisos I e II, conforme transcrito a seguir, prevê a constituição de fundos para o atendimento das finalidades das cooperativas, que deverá ser feito antes da destinação das sobras apuradas:

Art. 28. As cooperativas são obrigadas a constituir:

I – Fundo de Reserva destinado a reparar perdas e atender ao desenvolvimento de suas atividades, constituído com 10% (dez por cento), pelo menos, das sobras líquidas do exercício.

II – Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social, destinado à prestação de assistência aos associados, seus familiares e, quando previsto nos estatutos, aos empregados da cooperativa, constituído de 5% (cinco por cento), pelo menos, das sobras líquidas apuradas no exercício.(g.n.)

Tais fundos têm objetivos declarados expressamente no texto legal, sendo importantes para os fins cooperativistas, a fim de poder suportar as perdas e atender ao desenvolvimento das atividades das cooperativas, e, também, atender aos anseios sociais dos associados. Vale reafirmar que as parcelas referentes aos fundos obrigatórios devem se deduzidas antes da destinação das sobras apuradas ou rateio das perdas decorrentes da insuficiência das contribuições para cobertura das despesas da sociedade, nos termos do inciso II, do artigo 44 da Lei n.º 5.764/71.

No que se refere aos prejuízos verificados no decorrer do exercício, o art. 89 da Lei n.º 5.764/71 prevê que serão cobertos com recursos provenientes do Fundo de Reserva.

Quanto ao órgão diretivo das sociedades cooperativas, este é exercido pela Assembléia Geral, que, consoante a norma do art. 38 da Lei nº 5.764/71, "(...) é o órgão supremo das sociedades, dentro dos limites legais e estatutários". (g.n.)

Têm legitimidade para convocar a Assembléia Geral, o Presidente, ou por qualquer dos órgãos de administração, pelo Conselho Fiscal, ou após solicitação não atendida, por 1/5 (um quinto) dos associados em pleno gozo dos seus direitos, sendo que as decisões devem ser tomadas respeitando a vontade da maioria, tal como exigido pelo inciso VI, art. 4º da Lei nº 5.764/71, no tocante ao quorum para funcionamento e deliberação da Assembléia Geral, baseado no número de associados e não no capital.

O capítulo XII da "Lei Cooperativista", que dispõe sobre o sistema operacional das cooperativas, traz disposições de suma importância para o entrelaçamento das normas atinentes ao regime jurídico das cooperativas e que serão necessários para a elucidação dos argumentos favoráveis e contrários à participação das cooperativas nas licitações.

Primeiramente, importa transcrever as normas do art. 79 da Lei n.º 5.764/71 que versam acerca do ato cooperativo, verbis:

Art. 79. Denominam-se atos cooperativos os praticados entre as cooperativas e seus associados, entre estes e aquelas e pelas cooperativas entre si quando associados, para a consecução dos objetivos sociais. (g.n.)

Parágrafo único. O ato cooperativo não implica operação de mercado, nem contrato de compra e venda de produto ou mercadoria.

A verificação dos denominados atos cooperativos acima descritos ganha relevo, principalmente, no que tange à disposição constitucional prevista na alínea "c", inc. III do art. 146, que determina o "adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas."

Uma vez que as cooperativas agem como se mandatárias fossem de seus filiados, praticando atos no interesse exclusivo destes, tais atos não implicam operações de mercado e nem têm natureza de compra e venda, mas, sim, de atos cooperativos. Todas as operações realizadas pelas cooperativas como longa manus dos cooperados, inerentes ao objeto social, estão inseridas no conceito de ato cooperativo para fins de tributação.

Quanto aos cooperados, pela sua associação, estes são considerados autônomos, contribuindo individual e pessoalmente com os tributos que incidem sobre a sua atividade econômica.

Por outro lado, a Lei n.º 5.764/71 também prevê normas a respeito dos atos não cooperativos, os quais seriam aqueles praticados entre as cooperativas e não associados. Para fins do presente estudo, mais uma vez traz-se à cola dispositivos legais para facilitar a compreensão do tema, verbis:

Art. 86. As cooperativas poderão fornecer bens e serviços a não associados, desde que tal faculdade atenda aos objetivos sociais e estejam de conformidade com a presente lei. (g.n.)

Art. 87. Os resultados das operações das cooperativas com não associados, mencionados nos arts. 85 e 86, serão levados à conta do "Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social" e serão contabilizados em separado, de molde a permitir cálculo para incidência de tributos.

Retomando a discussão a respeito da possibilidade das cooperativas prestarem serviços a terceiros, o dispositivo legal acima transcrito não deixa dúvidas que é possível, desde que em observância aos objetivos sociais das mesmas.

2.5.5 - O SISTEMA TRABALHISTA E PREVIDENCIÁRIO

A fim de concluir este capítulo atinente ao regime jurídico das sociedades cooperativas, traz-se à baila o sistema trabalhista e previdenciário das mesmas. Quanto ao primeiro, qualquer que seja o tipo de cooperativa, não existe vínculo empregatício entre elas e seus associados. A referida afirmação é norma posta no art. 90 da Lei nº 5.764/71 e, de antemão, exclui o vínculo empregatício entre cooperativa e seus associados. Tal norma é de extrema relevância e tem aplicabilidade plena, principalmente nas cooperativas de trabalho, uma vez que afasta o vínculo de emprego entre os associados, que são prestadores de serviços, e as sociedades cooperativas.

Neste mesmo diapasão, encontra-se a legislação trabalhista, que, conforme a norma do parágrafo único, do art. 442 da Consolidação das Leis Trabalhistas [24], além de afastar o vínculo empregatício entre os cooperados e as cooperativas, exclui o vínculo entre aqueles e os tomadores de serviços destas. Veja-se, então:

Art. 442. Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso correspondente à relação de emprego.

Parágrafo único. Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela. (g.n.)

Não poderia ser de outra forma, o TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO [25] firmou entendimento sobre a matéria no Enunciado 331, cristalizando no âmbito da jurisprudência trabalhista uma orientação bem menos restritiva do que o Enunciado n° 256, que anteriormente disciplinava o tema.

Enunciado n° 331

Contrato de prestação de serviços – legalidade – revisão do enunciado n° 256.

I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei n° 6.019, de 31/7/74).

II – Contratação irregular de trabalhador através de empresa interposta não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional (Art. 37, II, da Constituição da República)

III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei n° 7102, de 20/6/83), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador desde que inexistentes a pessoalidade e a subordinação direta. (g.n.)

IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto à aquelas obrigações, desde que este tenha participado da relação processual e conste também do título executivo judicial."

Quanto ao regime previdenciário das sociedades cooperativas, o § 15º do art. 9º do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.408/99 [26], aduz ser segurado obrigatório da Previdência Social na qualidade de contribuinte individual, o trabalhador associado a cooperativa que, nessa qualidade, presta serviços a terceiros.

E, ainda, por força do inc. III, do art. 201, do Regulamento da Previdência Social aprovado pelo Decreto nº 3.408/99, na redação do Decreto nº 3.265/99, a empresa (estendido aos entes e órgãos públicos) que tomar serviço de uma cooperativa de trabalho estará sujeita a pagar contribuição destinada à Seguridade Social, de "quinze por cento sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, relativamente a serviços que lhe são prestados por cooperados por intermédio de cooperativas de trabalho". (g.n.)

Nesse sentido, SOLANGE AFONSO DE LIMA e RICARDO ALEXANDRE SAMPAIO [27] estabelecem a diferenciação existente nos contratos celebrados pela Administração Pública com empresas que não sejam cooperativas de trabalho em relação aos contratos firmados com cooperativas de trabalho. Veja, portanto, o que preceitua os referidos autores:

Tendo a Administração celebrado um contrato administrativo cuja contratada seja empresa que não cooperativa de trabalho, deverá reter 11% do valor bruto da nota fiscal, fatura ou recibo de prestação de serviços e recolher a importância retida em nome da empresa contratada para a Seguridade Social, nos termos do art. 219 do Decreto n° 3.048/99. Assim, grosso modo, a contratada recebe 11% a menos do constante em sua nota fiscal, fatura ou recibo, no entanto o valor desembolsado pela Administração é exatamente aquele firmado no contrato.

Possuindo a Administração outro contrato administrativo, em que a contratada seja cooperativa de trabalho, o procedimento a ser adotado será o seguinte: a cooperativa trará a nota fiscal ou fatura da prestação de serviços e a Administração, enquanto contratante, não adotará o caminho da retenção, como no exemplo supra, mas fará o cálculo de 15% sobre o valor bruto, devendo, ela própria, recolher esse valor à Seguridade Social. Portanto, quando do julgamento das propostas de preços, deverá a Administração considerar o valor cotado pela cooperativa agregando a esse valor o percentual de 15%.

Na hipótese acima, a Administração pagará à cooperativa o valor integral constante da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços e recolherá 15% sobre o valor bruto da nota ou fatura em seu próprio nome (Administração), por constituir uma obrigação que lhe pertence. (g.n.)

Na oportunidade, vale reafirmar que a legislação previdenciária admite expressamente a atividade das cooperativas de trabalho para prestação de serviços a terceiros, consoante o exposto nesta monografia, refutando as teses em contrário.

Com relação aos seus empregados, as sociedades cooperativas igualam-se às demais empresas para fins da legislação trabalhista e previdenciária, nos termos do art. 91 da Lei nº 5.764/71.

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Sobre o autor
Samuel Mota de Souza Reis

advogado em Belo Horizonte (MG), mestrando em Direito Administrativo pela UFMG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REIS, Samuel Mota Souza. A participação de cooperativas em licitações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 238, 2 mar. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4916. Acesso em: 2 mai. 2024.

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