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Apontamentos acerca da nova estrutura do processo de execução de obrigação de fazer e não fazer de título judicial.

Alterações introduzidas pelas Leis nº 8.952/1994 e 10.444/2002

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20/01/2005 às 00:00
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6. A questão da multa diária (periódica)

6.1. Considerações gerais

A multa diária funciona como meio coercitivo para a concretização do mandado executivo. Não tem caráter reparatório [5], mas sim sancionatório. É exemplo daquilo que se denomina execução indireta: uso de mecanismos destinados a pressionar psicologicamente o devedor, a fim de que ele mesmo satisfaça a obrigação.É típico mecanismo de preservação da autoridade do juiz. É medida processual, de caráter público. Tal afirmação ficou ainda mais clara com as alterações introduzidas no CPC pelas Leis 8.952 e 8.953/94.

A ordem emitida pelo juiz far-se-á acompanhar de mecanismos coercitivos. Assim, o § 4º do art. 461 do CPC autoriza expressamente a imposição de multa diária, até de oficio, para o caso de descumprimento do comando judicial, inclusive na hipótese de antecipação.

A cumulabilidade entre a multa e a obrigação principal é conseqüência lógica e natural das razões que levam o legislador a instituir aquelas e o juiz, a impô-las em concreto. Elas existem para pressionar a cumprir, não para substituir o adimplemento. Conseqüência obvia: o pagamento das multas periódicas não extingue a obrigação descumprida nem dispensa o obrigado de cumpri-la.

A execução da multa seguirá o previsto no Livro II (processo de execução pr quantia certa).

6.2. O valor da multa

A lei faz referência à suficiência e compatibilidade da multa com a obrigação (art. 461, § 4º). Não se trata de pura e simples limitação do valor da multa ao obrigado – o que só faria sentido se aquela tivesse caráter indenizatório. Haverá de estabelecer-se montante tal que concretamente influa no comportamento do demandado – o que, diante das circunstâncias do caso (situação econômica do réu, outros valores não patrimoniais eventualmente envolvidos etc.) pode resultar em quantum que supere aquele que se atribui ao bem jurídico visado.

Calmon de Passos, discorrendo sobre a definição do valor da multa, afirma ser:

"Suficiente para induzir o devedor a adimplir, pelo que variará em função da capacidade econômica do devedor, mais do que em função da natureza da obrigação, mas essa correlação não pode alcançar o excesso, devendo cingir-se ao compatível. Assim. Dois são os critérios a ponderar: condição financeira do devedor e expressão econômica da obrigação ou algo de caráter não-econômico que importe também valor". (Apud Wambier, 2002, p. 297).

A determinação do valor da multa pelo juiz não é ato discricionário, impassível de controle. O julgador há de estabelecê-lo levando em consideração os parâmetros da suficiência e compatibilidade. Será revisável pelo grau de jurisdição superior a multa fixada em valor tanto insuficiente para induzir o réu quanto excessivo (caso em que será incompatível e ofensiva ao principio do menor sacrifício). Quando fixada na decisão interlocutória que antecipa tutela caberá agravo (CPC, art. 522). Quando estabelecida na sentença, deverá ser impugnada por apelação (art. 513).

Parcela significativa da doutrina e jurisprudência entende que a multa não pode ultrapassar o valor da causa porque isto poderia implicar enriquecimento injusto do credor.

Acrescenta-se que o valor da multa inicialmente estabelecido poderá ser alterado para mais ou para menos, em decisão motivada, conforme variem as circunstâncias concretas. Antes da Lei 10.444/2002, o art. 461 não continha expressa regra acerca disso (diferentemente do que já ocorria no processo executivo – art. 645).

Assim, como sua imposição independe do pleito do autor, igualmente a revisão de seu valor poderá ser procedida de oficio, sempre para adequá-la aos parâmetros da suficiência e compatibilidade. A lei 10.444/2002 veio confirmar esse entendimento (que já estava assente na doutrina e jurisprudência) ao acrescentar um sexto parágrafo ao art. 461.

6.3. Multa contratual e multa processual

Eventualmente a obrigação de fazer ou não fazer tem por base contrato em que já a previsão de multa diária para o caso de descumprimento. É perfeitamente possível que o juiz, diante da insuficiência da multa contratual, acresça outra de natureza processual. O que não é propriamente majoração da multa contratual, e sim acréscimo de outra de índole processual.

6.4. Momento de incidência e de exigibilidade da multa

Concedida a antecipação de tutela, na ordem que encaminha ao demandado o juiz estabelece "prazo razoável para cumprimento do preceito" (art. 461, § 4º). Decorrido o prazo supra, passa a incidir a multa diária. Logo, a decisão de aplicar a multa deve ser incluída na sentença que condena o réu por uma obrigação de fazer ou de não fazer, ou na decisão interlocutória que lhe impõe provisoriamente uma dessas obrigações. Isso não significa que, omitindo-se o juiz naqueles momentos ou negando de modo expresso a cominação, fique excluída a possibilidade de cominar multa depois. A mera omissão pode ser suprida mediante oposição de embargos declaratórios à sentença ou à decisão interlocutória, especialmente nos casos em que haja sido feito um pedido expresso esse respeito (CPC, art. 535, II).

Pelo disposto no art. 461, § 4º, em principio é na sentença ou na concessão de tutela antecipada que o juiz fixará prazo razoável para cumprimento do preceito, incidindo as multas a partir do escoamento desse prazo sem o adimplemento pelo obrigado. È natural que só então elas se apliquem, porque antes inexiste a resistência ou desobediência ao preceito mandamental, que é a razão de ser daquelas penalidades.

Havendo o juiz fixado multa processual, quando já havia multa contratual, os termos iniciais de ambas serão distintos em virtude de suas diferentes naturezas: (a) multa contratual incide desde o descumprimento da obrigação; (b) a multa processual incide só a partir do decurso do prazo estabelecido para cumprir a ordem judicial.

Sendo diminuída a multa judicial em virtude de alteração das circunstâncias concretas, o novo valor incidirá a partir desses fatos que ensejam a mudança. Já se houver aumento do montante originalmente fixado, esse incidirá a partir da sua cominação ao demandado.

Tornando-se impossível a obtenção do resultado especifico, a multa deixará de incidir daí para frente. O crédito decorrente da multa diária que incidiu antes de tal termo, entretanto, será cumulável com a indenização pelas perdas e danos (art. 461, § 1º). O mesmo vale para a hipótese de o autor optar pela conversão por perdas e danos.

Questão outra é saber a partir de que momento a multa se torna. Alguns autores têm sustentado que a multa se tornará exigível com a preclusão da decisão que a estabeleceu (com a não interposição de agravo ou com a decisão final em grau de recurso que pode chegar ao extraordinário, no caso da antecipação de tutela; ou com a não interposição de apelação ou até a decisão final desta, em caso de sentença). Por outro lado, há quem entenda como o jurista Wambier, alegando que a multa é exigível assim que eficaz a decisão que a impôs, ou seja, quando não mais sujeita a recurso com efeito suspensivo. Contundo enquanto pendente recurso sobre a decisão que a fixou, sua execução será igualmente provisória (CPC, art, 588).

Pondera Cândido Rangel Dinamarco, que:

"A cumulabilidade entre multa e perdas e danos é consequência lógica e natural das diferentes naturezas e finalidades dos dois institutos: a primeira visa a motivar o adimplemento e a segunda define o objeto da obrigação do obrigado inadimplente. (...) O novo art. 644, reproduzindo o que vinha antes, estabeleceu que o juiz fixará a data a partir da qual a multa será devida. Não distingue entre multa fixada em sentença, em decisão antecipatória de tutela ou na execução – e, portanto, essa determinação legal tem valia geral. Inexiste qualquer disposição sobre o momento da exigibilidade das multas aplicadas, mas elas só podem ser coradas a partir da preclusão da sentença ou decisão interlocutória que as concede: antes é sempre possível a supressão das ‘astreintes’ ou do próprio preceito pelos órgãos superiores". (Apud Wambier, 2002, p. 296). (destacamos)


7. Efetivação da sentença final

A sentença final será efetivada no próprio processo já instaurado. Antes da Lei 10.444/02, parte da doutrina não compartilhava desse entendimento – reputando que a efetivação da sentença proferida com base no art. 461 dar-se-ia através do processo de execução das obrigações de fazer e de não fazer, do Livro II.

O provimento final do processo amparado no art. 461 apenas ensejará subsequente e autônomo processo executivo (por quantia certa): (a) quando tiver havido conversão em perdas e danos (caso em qeu a sentença será apenas condenatória); (b) para a cobrança das verbas de sucumbência (honorários e custas judiciais); (c) para a cobrança do credito decorrente da incidência da multa diária; (d) para o ressarcimento das despesas adiantadas pelo autor, de custeio da produção do "resultado pratico equivalente", quando não tiver sido possível a concreta adoção de nenhuma técnica simplificada e atípica de obtenção do numerário. Porém, em todos esses casos, ter-se-á execução por quanto a certa – e não a execução do art. 632 e ss.

Na medida em que a sentença é efetivada na própria relação processual em que proferida e não em subseqüente processo de execução, não há oportunidade para a interposição de embargos do executado, mas uma simples petição nos autos, impugnando algo, após a sentença. (Adiante se verá mais profundamente a discussão doutrinária acerca deste ponto).


8. Âmbito de incidência do processo de execução de obrigação de fazer e não fazer

Depois das reformas do CPC, apenas deixou de formar processo executivo autônomo, o titulo judicial decorrente de sentença condenatória em processo civil (art, 584, I) que tenha por objeto obrigações de fazer e não fazer.

Continua, porém, havendo hipóteses de execução de obrigações de fazer e não fazer amparadas em titulo judicial. Considerem-se os seguintes casos: transação realizada extrajudicialmente e penas levadas a homologação judicial; sentença estrangeira homologada pelo STF; sentença arbitral, quando o compromisso arbitral não houver previsto que a sentença teria a força do art. 461 (CPC, art. 584, III, IV e VI). Em todos esses casos tais títulos executivos judiciais podem ser representativos de obrigações de fazer e não fazer e, continuarão ensejando o processo do art. 632 e ss. É que nessa hipótese a questão é trazida a Juízo depois que já está formado o titulo. Se a parte pretende apenas a efetivação concreta do comando contido no titulo, recorrerá ao processo do Livro II e não ao processo para a aplicação do art. 461 que é (também) processo de conhecimento – destinado em principio a casos em que ainda não há titulo executivo.


9. Procedimento informal – poucas regras especificas

O art. 461 do CPC é completamente omisso quanto às formas a serem observadas na aplicação das medidas que institui, mas isso não significa uma total e absoluta liberdade formal, que dispensasse o juiz de qualquer limitação em suas atividades; como é natural a todo sistema processual de liberdade quanto às formas, impõem-se sempre as exigências ordinariamente impostas pela lei com referência aos atos processuais em geral, além das restrições inerentes à clausula due process. As decisões judiciárias serão sempre fundamentadas e lançadas por escrito nos autos ou ali documentadas quando forem proferidas verbalmente, os prazos serão os que o juiz fixar em cada caso concreto ou de cinco dias quando ele nada dispuser a respeito (art. 185), o contraditório será assegurado sempre, mas sem que isso impeça a imposição e efetividade de medidas urgentes etc.

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Vige, portanto, o principio da adaptabilidade, que é um culto à liberdade das formas e consiste em outorgar ao juiz amplas margens de manobra, cabendo a este escolha dos meios que reputar melhores, com o objetivo de produzir os resultados esperados da atividade jurisdicional.

No exercício dessa ampla liberdade formal, cumpre ao juiz na execução imediata, fazer as escolhas adequadas conforme a espécie de obrigação e os resultados a obter.

A única exigência de forma contida de modo explicito no art. 461, como foi visto anteriormente, é a da motivação das decisões relacionadas com as tutelas urgentes (art. 461, § 3º), mas essa explicitude sequer seria necessária porque a exigência é constitucional (art. 93, IX, CF).

Apenas subsidiariamente, e sempre que isso não seja incompatível com os objetivos da execução imediata, o juiz aplicará regras inerentes à disciplina do processo de execução por obrigação de fazer e de não-fazer, o que resulta de expressa determinação contida no art. 644 do CPC.

Não obstante o silêncio da lei, Dinamarco leciona que é indispensável a provocação do credor como requisito para que tenha inicio a execução imediata. Não se trata de instaurar um processo novo, mas ainda assim não seria legitimo munir o juiz do poder de dar inicio a essa execução porque se faz no interesse do credor (CPC, art. 612) e por isso este deve ser o árbitro exclusivo da conveniência e oportunidade de executar. Muitas razões podem levá-lo a preferir o adiamento do início dos atos executivos, como temporária impossibilidade de obter o resultado especifico de uma obrigação de conduta, carência de recursos para custear a execução etc. E pode ainda suceder que ele não queira executar porque perdoa ou até porque já foi satisfeito pelo obrigado; nessa última hipótese, quem executa pelo que já recebeu fica exposto a uma possível responsabilidade civil que obviamente só se legitimará quando a iniciativa da execução houver sido sua.

A provocação do credor não será um exercício de direito de ação, mas um mero conquanto indispensável ato de impulso processual; estamos em um processo que, para passar à segunda fase (da fase cognitiva à executiva), depende desse impulso que ao juiz não é licito dar. Prevalece, pois, a disponibilidade dos direitos e de algumas situações processuais, com restrição do campo reservado à oficialidade dos atos judiciários.

Todavia, deve haver um equilíbrio entre os princípios da disponilidade e o do impulso oficial (e não a prevalência daquele sobre este, como acentua Dinamarco), visto que, o art. 461 foi introduzido justamente para garantir uma execução imediata (auto-executoriedade) da sentença que reconhece uma obrigação de fazer ou de não fazer, pleiteada em sede de cognição, favorecendo desde logo o credor-exequente.

9.1. Atos a realizar

Diante da provocação a executar, o primeiro ato do juiz na execução imediata consistirá em mandar intimar pessoalmente o obrigado, para que cumpra em determinado prazo, ou seja, para que faça o que deve ou se abstenha do que não deve fazer. Também a respeito dessa intimação inicial a lei silencia, mas é obvia a necessidade de estimular o devedor a cumprir, seja porque esse estímulo é a primeira tentativa de faze-lo sair do estado de inadimplemento, seja porque as medidas enérgicas inerentes á execução especifica tem como pressuposto elementar a renitência de quem manifesta não querer adimplir. Intimado o devedor e permanecendo o devedor naquele estado, a partir daí se legitimam as medidas de coerção ou de sub-rogação oferecidas pelos §§ 4º e 5º do art. 461 do CPC.

Haja vista o total silêncio da lei, é imperioso que a intimação seja feita pessoalmente ao obrigado, por via postal e subsidiariamente por oficial de justiça (CPC, arts. 238-239); só os advogados, não as partes, são intimados pela imprensa.

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Sobre a autora
Janine Medeiros Santos

aluna bolsista do Programa de Recursos Humanos ANP-MCT/UFRN nº 36 (Especialização em Direito do Petróleo e Gás Natural), bacharelanda em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Janine Medeiros. Apontamentos acerca da nova estrutura do processo de execução de obrigação de fazer e não fazer de título judicial.: Alterações introduzidas pelas Leis nº 8.952/1994 e 10.444/2002. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 562, 20 jan. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6206. Acesso em: 30 abr. 2024.

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