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Direito Internacional Privado.

Parte Geral

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Assim:

relativamente ao processo ― não se concebe aqui a aplicação da lei estrangeira, devendo o juiz aplicar apenas a sua própria lei; e

relativamente ao fundo ― apenas quanto a este se concebe a aplicação da lei estrangeira.

Segundo BÁRTOLO, deve distinguir-se os estatutos que dispõem relativamente às pessoas daqueles que dispõem relativamente às coisas:

- os estatutos que dispõem relativamente às pessoas dirigir-se-iam tão só aos súbditos, onde quer que estes se encontrassem ― são extraterritoriais; e

- os estatutos relativos às coisas, diferentemente, apenas se aplicam às coisas situadas no território ― são territoriais.

Relativamente às solenidades dos contratos, aplicar-se-ia o estatuto do lugar do celebração.

No que diz respeito à substância e aos efeitos das obrigações, devemos também fazer uma distinção:

- tratando-se dos efeitos imediatos do contrato, ou seja, dos direitos que nascem no momento da formação do acordo, é aplicável o direito do lugar da celebração;

- tratando-se das consequências que se produzem em momento posterior, em virtude de negligência ou mora, é aplicável o direito do lugar da execução (no caso de as partes terem escolhido um) ou o direito do lugar onde o processo corre (no caso de falta de estipulação de um lugar para a execução).

A forma do processo depende da lei do lugar onde o processo corre (aplica-se, assim, a «lex fori»).

Quanto ao testamento há que pôr o problema relativamente às formalidades e ao conteúdo do acto testamentário. A forma do testamento é determinada pelo estatuto do lugar onde o testamento é feito, na dependência do mesmo estatuto se encontrando a interpretação da vontade do «de cujus».

BÁRTOLO, assim como vimos, desenvolveu a distinção entre costumes reais e pessoais, não se aplicando os costumes pessoais senão aos súbditos ou cidadãos, de harmonia com o critério do domicílio. No que diz respeito ao seu efeito extraterritorial, ele introduziu uma distinção entre estatutos permissivos e proibitivos, sendo os primeiros extraterritoriais. Quanto aos estatutos proibitivos há ainda que distinguir entre estatutos proibitivos favoráveis (igualmente extraterritoriais) e estatutos proibitivos odiosos (que seriam territoriais).

Assim:


Estatutos pessoais

Permissivos (extraterritoriais)

Proibitivos

Favoráveis (extraterritoriais)

Odiosos (territoriais)

1.14.2.1.2) Escola estatutária francesa (séculos XVI a XVIII):

As principais contribuições para esta escola estatutária foram a de DUMOULIN e de D’ARGENTRÉ.

1.14.2.1.2.1) A teoria de DUMOULIN:

A contribuição mais importante de DUMOULIN foi a elaboração do princípio da autonomia da vontade, princípio este que, embora com grandes modificações, se manteve ao longo de toda a evolução jurídica do DIP até aos nossos dias.

Há um domínio do DIP em que as partes podem escolher livremente o regime jurídico da relação: o das matérias reguladas por normas supletivas. Podem fazê-lo, desde logo, no interior de uma dada ordem jurídica, mas podem também escolher a própria ordem jurídica da qual adoptarão o regime jurídico que lhes convier. Esta ideia aplica-se aos contratos e aos regimes matrimoniais.

1.14.2.1.2.1) A teoria de D’ARGENTRÉ:

Lema e directiva capital desta nova corrente doutrinária francesa ― que teve em D’ARGGENTRÉ seu precursor ― é o princípio da territorialidade.

O feudalismo, com sua ideia de soberania territorial, conduzia naturalmente ao princípio da territorialidade das leis. Segundo este princípio, a lei só obriga dentro do território onde se exerce a soberania de quem a formula, mas aí obriga a todos, quer nacionais quer estrangeiros.

D’ARGENTRÉ, porém, retoma e desenvolve a classificação dos estatutos em reais e pessoais:

a)costumes reais: são territoriais;

b)costumes pessoais: são extraterritoriais; pessoais são apenas os estatutos que dizem respeito, directamente, à pessoa (direitos de personalidade, capacidade e estado, relações de família, sucessões «mortis causa»), e aplicam-se a todos aqueles que têm o seu domicílio no território onde o estatuto se encontra em vigor e seguem-nos nas suas deslocações.

1.14.2.1.3) Escola estatutária holandesa (século XVII):

Foi na Holanda que a doutrina territorialista de D’ARGENTRÉ alcançou sua maior projecção, mas os autores holandeses, dentre os quais HUBER, PAULO e VOET, modificaram-na profundamente pela adjunção do conceito de soberania.

1.14.2.1.3.1) A teoria de HUBER:

-As leis de cada Estado operam dentro das respectivas fronteiras e obrigam todos os súbditos desse Estado, mas não para além desses limites;

-os súbditos de um Estado são todos aqueles que se encontram no seu território (residentes ou não);

-por cortesia («comitas»), os soberanos dos Estados conduzem-se de modo a tornar possível que as leis de cada país, depois de terem sido aplicadas dentro das fronteiras desse país, conservem a sua força e eficácia em toda a parte, contando que daí não advenha prejuízo para os direitos de um outro soberano ou dos seus cidadãos.

A ideia fundamental de HUBER é, portanto, a da territorialidade, mas assegura-se à lei um efeito extraterritorial apelando-se para a «comitas gentium».

Note-se ainda que os autores holandeses aceitam a distinção, derivada de D’ARGENTRÉ, entre estatutos pessoais, territoriais e mistos.

Em síntese, a concepção da escola holandesa acerca do DIP foi a seguinte:

-os Estados gozam da máxima liberdade na fixação das regras de conflitos de leis não havendo normas do «direito das gentes» que a restrinjam;

-o Estado pode ordenar aos seus juízes que apliquem, ocasionalmente, leis estrangeiras, mas não porque a isso esteja obrigado para com o Estado estrangeiro, senão «ex comitate», ou seja, por uma espécie de conveniência recíproca, na esperança de que o Estado estrangeiro proceda de igual modo.

Nesta escola o mais importante é, justamente, esta sua concepção do DIP., concepção esta que chegou até a actualidade e teve grande aceitação por parte da doutrina inglesa e americana.

Do exposto resulta que a teoria dos estatutos não foi propriamente uma teoria do DIP., pois lhe faltou a unidade do conteúdo e dos pressupostos ou fundamentos. O traço comum que confere unidade a este pensamento científico é, antes de mais, sua posição metodológica: todos os estatutários partem da regra geral considerada em si mesma, procurando dela deduzir se é de aplicação restrita ao território do Estado que a formulou (estatuto real) ou de aplicação extraterritorial (estatuto pessoal). Por outro lado, todos estes autores visaram estabelecer princípios universalmente válidos.

1.14.2.2) O século XIX e a ciência do DIP.:

Até ao século XIX, o DIP fora de formação jurisprudencial e científica. As regras de resolução de conflitos de estatutos e de leis, que os juízes aplicavam em cada caso, não eram regras postas por um legislador interno ou internacional, mas princípios de autoridade exclusivamente científica que, portanto, não podiam aspirar a uma obrigatoriedade coercivamente imposta.

A partir do século XIX o panorama muda por completo, inaugurando-se a chamada fase do DIP legal ou positivo (foi o período das grandes codificações do direito privado). Todos os códigos civis que então apareceram contêm, em maior ou menor abundância, normas de conflitos de leis. Mas não são estas as únicas transformações sofridas pelo DIP., mas também assistimos a sensíveis progressos na teoria do conflito de leis.

A ideia fundamental da escola estatutária francesa era a da territorialidade: em princípio as leis são territoriais, o que leva ao predomínio da «lex fori» como lei aplicável às relações jurídicas. Esta ideia foi levada ao extremo pela escola holandesa, onde se admitia a aplicação, pelo juiz local, de direito estrangeiro fundada numa espécie de cortesia («comitas gentium»).

A orientação fundamental das teorias oitocentistas foi esta: «todo o problema de conflitos de leis deve resolver-se sem olhar à nacionalidade das leis que se encontram em contacto».

Esta nova concepção assenta na ideia da existência de uma comunidade de direito entre os Estados.

É esta a concepção fundamental das doutrinas que, no decurso do século XIX, são elaboradas, destacando-se as de:

-SAVIGNY;

-MANCINI; e

-PIILLET.

1.14.2.2.1) O sistema de SAVIGNY:

A primeira novidade deste sistema consiste no método a que SAVIGNY recorreu para resolver o problema do conflito de leis. Ao invés de partir da regra de direito e perguntar a que situações é que ela se aplicava, assim como faziam os estatutários, ele parte da própria relação jurídica.

A que direito local deve a relação jurídica estar sujeita?

a)Cada relação jurídica deve ser regulada pela lei mais conforme à sua natureza;

b)a lei mais adequada à natureza da relação jurídica é a lei da sua sede.

Assim, para SAVIGNY, o problema do conflito de leis consiste em determinar, para cada relação jurídica, a lei da sua sede. Entendia SAVIGNY que, assim como as pessoas têm um domicílio, as relações jurídicas têm uma sede. A sede é para as relações jurídicas o que o domicílio é para as pessoas.

Para as relações jurídicas há que levar a cabo uma investigação tendente a estabelecer qual o espaço territorial a que pertencem pela sua natureza, ou em que se localizam. O sistema de direito em vigor nesse território será aquele ao qual a relação jurídica deverá considerar-se submetida.

Deste modo, é necessário atribuir a cada classe de relações jurídicas uma sede, sendo que, os elementos que podem determiná-la são:

- o domicílio dos sujeitos;

- o lugar da situação da coisa;

- o lugar da celebração do acto ou facto jurídico;

- o lugar do cumprimento da obrigação; e

- o lugar do tribunal chamado a conhecer do litígio.

Trata-se de optar, em cada caso, por um destes elementos.

Como quase todos estes elementos se encontram na dependência da vontade dos interessados, o direito local aplicável às relações jurídicas encontra-se sob a influência da mesma vontade. Há, portanto, uma submissão voluntária dos sujeitos da relação jurídica ao direito local; isto significa que podemos dizer que o contacto de uma relação jurídica com certo domínio de direito (contacto este que lhe determina a sede) tem na sua base a submissão voluntária dos sujeitos da relação a esse domínio de direito.

Todavia, isto não significa que para SAVIGNY a determinação da lei competente esteja sempre na dependência directa da vontade dos interessados. Na dependência directa da vontade dos interessados apenas se encontra a determinação da lei competente para regular materialmente as relações situadas no domínio das leis supletivas, pois é neste domínio e apenas nele que a lei se não impõe à vontade.

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1.14.2.2.1.1) Aplicações práticas da doutrina de SAVIGNY:

a)Lei reguladora do estado das pessoas em si mesmas: sendo o domicílio como que a sede legal da pessoa, é pela lei do domicílio que se regula o estado da pessoa.

b)Lei reguladora dos direitos reais: tendo o direito real por objecto uma coisa que é perceptível aos sentidos e localizável no espaço, é pela lei do lugar da situação da coisa que se regula a respectiva situação jurídica.

c)Lei reguladora das obrigações: a obrigação, sendo uma coisa incorpórea e não ocupando um lugar no espaço, não tem, em si mesma, uma sede que possamos considerar decisiva da competência da lei. Contudo, toda relação jurídica resulta de factos concretos que se passaram em certo lugar e realiza-se por factos concretos que se hão-de passar em determinado lugar.

Sendo assim, há que fazer-se a escolha entre o lugar da constituição e o da execução das obrigações.. O primeiro (lugar da constituição) é um facto acidental e estranho à essência da obrigação; o segundo (lugar da execução), pelo contrário, é da essência da relação jurídica, visto que a obrigação tem valor pela sua realização ou cumprimento.

Assim, é conforme à natureza das coisas que o lugar do cumprimento seja considerado como a sede da relação obrigacional.

d)Lei reguladora do direito das sucessões: operando o fenómeno sucessório a transmissão do património de uma pessoa falecida para outras (herdeiros ou legatários); e representando isto uma extensão do poder e da vontade do homem para além do termo da sua vida, logo, esta relação liga-se imediatamente à pessoa do «de cujus», devendo a lei aplicável ser a do último domicílio deste. Assim, a sede da sucessão é a do último domicílio do autor da sucessão.

e)Lei reguladora do Direito da Família:

- Casamento: a lei reguladora do casamento é a lei do domicílio do marido (o chefe da família), visto ser aí a sede do vínculo conjugal.

- Poder paternal: regula-se pela lei do lugar onde o pai tinha o seu domicílio no momento do nascimento do filho. Quanto às relações patrimoniais entre pais e filhos, seu regime é determinado pela lei do actual domicílio do pai, pois é esta a sede natural das relações jurídicas do pai com os filhos.

- Tutela: tendo a tutela por fim a protecção do pupilo, deve ser a lei pessoal deste a decidir se se torna necessário instituí-la. Assim sendo, quanto à sua constituição, a tutela está subordinada à lei do domicílio do pupilo.

No que diz respeito à administração tutelar, ela deve considerar-se sujeita à lei do tribunal em cuja circunscrição é exercida.

Por último, a obrigação para o tutor de aceitar o encargo da tutela, bem como o direito de escusa, determinam-se pela lei do seu domicílio. Na dependência da lei do lugar onde a gestão tutelar é exercida encontram-se as obrigações do tutor resultantes da gestão.

f)Forma dos actos jurídicos: deveria ser regulada pela mesma lei competente para regular a relação jurídica em geral, mas sucede que no lugar onde se pratica o acto jurídico é, muitas vezes, de difícil conhecimento ou impossível observância das formalidades prescritas na lei reguladora da relação jurídica. Por isso admite SAVIGNY a suficiência da lei do lugar da celebração.

1.14.2.2.1.2) Limites da Comunidade de Direito:

As diferenças entre as legislações dos Estados no tocante à regulamentação de certas relações jurídicas podem traduzir diferenças essenciais nas suas condições de existência que interessam à sua conservação e desenvolvimento. Assim, torna-se, por vezes, perigosa a aplicação num Estado de leis de outro Estado.

Se a aplicação do direito estrangeiro se fundamenta na existência de uma comunidade de direito entre os povos, a não verificação do pressuposto deve trazer consigo o não funcionamento daquele princípio.

Se o juiz deve, em princípio, aplicar à relação jurídica o direito da sua sede, quer esse direito seja ou não o do seu próprio território, há diversas leis cuja especial natureza o força à aplicação do direito local mesmo nos casos em que se mostrasse competente um direito estrangeiro.

Há, assim, um certo número de excepções ao princípio da aplicação da lei estrangeira, excepções estas que SAVIGNY reduz a duas classes:

a)leis positivas rigorosamente obrigatórias que, por isso, não podem ceder na concorrência com leis estrangeiras: pertencem a esta categoria, não todas as leis imperativas, mas todas as que não existem apenas no interesse dos indivíduos e são, antes, inspiradas ou numa razão de ordem moral (como a lei que proíbe a poligamia), ou num motivo de interesse geral, bem como as que revestem um carácter político ou de polícia;

b)instituições de um Estado estrangeiro cuja existência não é reconhecida no Estado local e que, portanto, não podem obter aí a protecção dos tribunais. Como exemplos de instituições de um Estado estrangeiro que não podem ser reconhecidas pelos tribunais do Estado local, indica SAVIGNY a escravatura e a morte civil.

SAVIGNY, em suma, tenta recuperar, através dos referidos princípios universais do DIP., a concepção da harmonia de soluções e de unidade do direito que era inicialmente garantida pela posição do direito romano e seria prejudicada pela implantação da ideia do monopólio estadual do direito.

O sistema de SAVIGNY é bastante menos eficaz do que o que o antecede: os princípios em que se baseia, por muito universais que sejam, devem a sua legalidade efectiva a fontes estaduais (são institutos internos que não poderiam valer sem que os órgãos do (s) Estado (s) os tenham transformado em direito vigente).

Não é possível uma solução única, apenas é uma solução uniforme quando os vários Estados conectados com uma situação tivessem incorporado na sua ordem jurídica os mesmos princípios e os aplicassem de forma idêntica.

1.14.2.2.2) O sistema de MANCINI:

Seguindo na esteira de SAVIGNY, MANCINI nega aos Estados o poder absoluto de recusar inteiramente no seu território a aplicação de leis estrangeiras. É o abandono decisivo do princípio da territorialidade. Além disso, ensina MANCINI que a aplicação das leis estrangeiras, quando por elas devam regular-se as relações jurídicas, não representa um simples acto de cortesia («comitas gentium»), mas o cumprimento de um dever por parte do Estado.

Quais os princípios ou critérios de harmonia com os quais cada Estado deve ser obrigado a reconhecer e aplicar leis estrangeiras?

Segundo MANCINI, as relações jurídicas do direito privado são reguladas pela lei nacional dos seus sujeitos ou pela lei por eles escolhida, dentro dos limites que foram consentidos pela ordem pública do Estado local.

O princípio fundamental do sistema é o da nacionalidade (é em nome deste princípio que cada indivíduo pode reclamar, fora do seu país, o reconhecimento e o respeito do seu direito privado nacional). Entende MANCINI que é nas relações de direito privado que, sobretudo, se revela o espírito e o carácter de cada povo. O clima, a temperatura, a situação geográfica, a natureza do solo, a diversidade das necessidades e dos costumes de cada povo, assim como já ensinava MONTESQUIEU em «O Espírito das Leis», são condições que determinam em cada povo o sistema das relações jurídicas.

O estado e a capacidade das pessoas, as relações de família, etc., têm nas diferentes legislações uma regulamentação distinta justamente em virtude da maneira de ser particular do povo de cada nação. Seria, por isso, injusto que ao estrangeiro não fosse respeitado o seu estado pessoal e a sua capacidade jurídica, tal como lhos definem as leis do seu país.

Assim como cada indivíduo pode reclamar do seu próprio Estado e dos seus concidadãos, em nome do princípio da liberdade, o respeito do seu património de direito privado, assim também ele pode reclamar das outras nações e dos outros Estados, em nome do princípio da nacionalidade estrangeira, idêntico respeito por esse seu património. E o dever de cada Estado de respeitar a esfera de liberdade dos cidadãos estrangeiros não resulta da «comitas gentium», mas, sim, de um dever de justiça.

A mais, havemos de distinguir no direito privado uma parte necessária e outra parte voluntária:

a)parte necessária: constituída pelas leis que regem o estado das pessoas, as relações de família e a ordem da sucessão. O direito privado necessário é aquele que não pode ser alterado pela vontade dos indivíduos;

b)parte voluntária: diz respeito aos bens e ao seu gozo, à formação dos contratos, às obrigações. Neste domínio o indivíduo não é obrigado a conformar-se com a sua lei nacional. Visto que as regras ditadas por esta lei serem, ao menos em parte, meramente supletivas, destinadas a suprir as lacunas da vontade dos interessados, podem estes submeterem-se a regras diferentes.

O estrangeiro deve ter, pois, a faculdade de se submeter ou não a esta parte do seu direito privado nacional. É que a liberdade individual deve ser respeitada enquanto é inofensiva e o Estado não tem interesse em impedir o seu exercício.

Em matéria de relações jurídicas sujeitas ao direito privado voluntário, MANCINI continua a considerar competente, em princípio, a lei nacional; mas os interessados devem poder submeter-se ao direito em vigor num país estrangeiro. É o princípio da autonomia da vontade (formulado por DUMOULIN, estatutário francês).

É esta a doutrina de MANCINI, mas há que ter em conta o limite do direito público (princípio da independência política). O direito público põe o indivíduo em contacto com a comunidade nacional em cujo seio quer viver. Esta comunidade estabelece as condições em que todos os que habitam no seu território devem obediência à soberania política desse Estado. Tais condições devem ser respeitadas por todos os habitantes do território, seja qual for a sua nacionalidade.

Em resumo, cada indivíduo pode reclamar, fora do seu país, em nome do princípio da nacionalidade, o reconhecimento e o respeito do seu direito privado nacional. Mas cada Estado, em nome do princípio da independência política, pode proibir, dentro do seu território, toda a infracção ao seu direito público... à sua ordem pública. Nesta medida, o Estado pode recusar-se a reconhecer e aplicar leis estrangeiras. Do mesmo modo, aos actos realizados em país estrangeiro pode o Estado negar todo o efeito, ainda que no país onde foram realizados sejam considerados legítimos, desde que lesem princípios essenciais da sua ordem pública.

O direito privado é pessoal e nacional, devendo acompanhar a pessoa mesmo fora da sua pátria. O direito público é territorial. O direito privado pode ser necessário ou voluntário, sendo este último (o voluntário) dominado pelo princípio da autonomia da vontade.

Direito público

territorial

Direito privado

Pessoal; e

nacional.

Necessário; ou

voluntário.

Em suma, o sistema de resolução de conflitos devido a MANCINI é este: os conflitos de leis de direito privado resolvem-se pela aplicação da lei nacional das pessoas, salvo a excepção derivada da autonomia da vontade e as limitações impostas pela ordem pública internacional. Há leis pessoais, de aplicação extraterritorial; leis de ordem pública, de aplicação territorial; e leis cuja a competência depende da vontade dos interessados.

Estão sujeitos à lei nacional

O estado e a capacidade das pessoas;

as relações de família; e

sucessões.

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Sobre o autor
José Eduardo Dias Ribeiro da Rocha Frota

licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Portugal)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FROTA, José Eduardo Dias Ribeiro Rocha. Direito Internacional Privado.: Parte Geral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 921, 8 jan. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7714. Acesso em: 9 mai. 2024.

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