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Direito Internacional Privado.

Parte Geral

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DIFERENTE

As normas sobre o problema do conflito de leis propõem-se a resolver a questão de qual a lei que os tribunais locais devem aplicar para solucionar um determinado caso. A sua actuação resulta da delimitação da esfera de competência dos diversos sistemas de direito privado.

Também pode ocorrer um conflito de jurisdição positiva (ou seja, vários tribunais se dizem competentes para conhecer de uma lide). Nessas situações pode acontecer que as partes escolham a ordem jurídica que será competente para julgar um eventual conflito emergente daquela relação («forum shopping»). Quando houver várias jurisdições competentes para julgar o litígio, as partes vão averiguar quais as regras de conflitos de cada uma delas e, depois, vão escolher o tribunal em que vão colocar a questão, e escolherão a jurisdição que melhor acautele seus direitos.

As pessoas «manipulam» a competência internacional para fazer funcionar a regra de conflitos que chama a aplicar as regras materiais que lhes sejam mais favoráveis. Daí que, para evitar que pessoa possa promover a competência internacional de um Estado que nada tenha a ver com aquele litígio, também aqui se exige que o litígio se encontre ligado àquele Estado por uma qualquer conexão relevante. Assim, não se pode colocar uma questão de DIP em qualquer tribunal.


Tanto o DIP como a Competência Internacional têm regras de conexão

1.13.6.1. Regras de conexão da competência internacional

1. O foro do domicílio do réu (artigo 65º, alínea a) do CPC): é uma regra de conexão quase universal nos países de tradição romanística.

Mas há outros elementos de conexão

2. Princípio do coincidência entre a competência interna e internacional (artigo 65º, alínea b) do CPC).

3. Princípio da causalidade (artigo 65º, alínea c) do CPC): faz coincidir a sede do processo com a sede do litígio.

FERRER CORREIA critica esta norma. Segundo ele, pode ser que esta conexão seja meramente ocasional, que não deveria retirar a possibilidade de o nosso país ter competência internacional, assim sendo, sugere uma ressalva a este preceito legal: «a menos que esta conexão da situação controvertida com a ordem jurídica nacional não seja suficiente num critério de razoabilidade».

4. Princípio da necessidade (artigo 65º, alínea d) do CPC): elemento ponderoso.

Visa evitar a denegação de justiça: cada litígio deve ter uma sede própria de conflito. Para evitar a denegação de justiça vamos admitir que os nossos tribunais sejam competentes para solucionar esta questão (mas deve haver um elemento de conexão ponderoso).

No caso de haver uma impossibilidade fáctica e jurídica de tornar efectivo um direito, far-se-á valer o princípio da autonomia da vontade, podendo as partes convencionar qual a jurisdição competente, excepto no que se refere à situação de competência exclusiva (situações que se retiram da regra geral da competência internacional).

Convenção de Bruxelas de 1968


Em vigor desde 1º de Julho de 1992

Convenção de Lugano

Entre as duas convenções prevalece a de Bruxelas

__Artigo 2º, n.º 1 ― estabelece a mesma regra de competência referida ao foro do domicílio do réu. FERRER CORREIA entende que deve ser ainda mais assim no DIP devido ao princípio da igualdade de tratamento (não discriminação em função da nacionalidade).

__Artigos 5º e 6º ― competência alternativa e facultativa

- nos contratos: lugar onde a obrigação deve ser cumprida; e

- responsabilidade delitual: lugar onde o facto danoso ocorreu.

__Artigo 3º ― ininvocabilidade das competências exorbitantes (ou seja, daquelas competências baseadas numa conexão não razoável... não suficiente).

__Artigo 4º ― competências exclusivas (v.g.: direitos reais sobre imóveis).

__Artigo 19º ― se esta competência exclusiva for violada, o próprio juiz terá de declarar-se oficiosamente incompetente.

1.13.7) Reconhecimento e execução de sentenças estrangeiras:

Trata-se de um problema diferente relativamente ao do reconhecimento de direitos adquiridos, pois aqui a questão já foi objecto de apreciação jurisdicional bastando, assim, que haja sido apreciada por um órgão que tenha poderes jurisdicionais (v.g.: por um consulado ― não é necessário um tribunal).

Aqui temos uma sentença proferida por um tribunal «a quo» que se pretende ver reconhecida num outro tribunal de outro Estado «ad quem».


Qual o fundamento desse instituto?

-Razão prática ― pretende prosseguir os mesmos fins do DIP (segurança jurídica, confiança, etc.).

-Razão lógica ― se se reconhece competência internacional a um dado tribunal, seria incongruente negar que as suas decisões tenham eficácia noutras ordens jurídicas.

1.13.7.1. Sistemas de reconhecimento
1.13.7.1.1. Sistema de reconhecimento de pleno direito

Como acontece na Alemanha e na França quanto à matéria do estado e capacidade das pessoas e das Convenções de Bruxelas e de Lugano.

Por este sistema, dispensa-se uma verificação prévia da conformidade da decisão a reconhecer com os requisitos legais (não há necessidade de haver um processo autónomo). Não há um processo destinado a apreciar aquela sentença, só se vai aplicá-la em concreto («Exequatur» ― Convenção de Bruxelas, artigo 26º, n.os 2 e 3).

1.13.7.1.2. Sistema da verificação prévia da regularidade da sentença:

Neste caso, há um processo autónomo onde se controla a regularidade da sentença. Pode ser desempenhado de duas formas distintas:

1. sendo admissível a revisão do mérito da causa: e

2. sendo inadmissível a revisão de mérito, bastando uma revisão formal (sistema da revisão formal ou deliberação). É este último o sistema adoptado em Portugal, salvo nos casos em que se deva aplicar a convenção de Bruxelas ou de Lugano ou, ainda, a Concordata com a Santa Sé (cfr. o artigo 7º, n.º 3 do Código do Registo Civil; e os artigos 1094º e ss. do CPC.)

1.13.7.1.2.1. Sistema da verificação prévia da regularidade da sentença com admissão da revisão de mérito

a)É uma concepção em declínio, pois tem-se afirmado o princípio da não revisão de mérito, entendendo-se ser um contra-senso, pois fala-se de reconhecimento da eficácia e não de reavaliação.

O nosso Código de Processo Civil, porém, abre uma excepção em seu artigo 771º, por remissão do artigo 1100º.

b)É o sistema francês, com excepção das sentenças que digam respeito ao estado e capacidade das pessoas. Segundo este sistema o juiz deve controlar, à face das regras de conflito francesas, a competência da lei aplicada pelo tribunal de origem ao fundo da causa.

Na revisão de mérito pura (hipótese a) na nossa sistematização), vamos apreciar se aquela sentença foi convenientemente formulada de acordo com a lei designada pela nossa regra de conflitos. Por sua vez, no sistema francês (hipótese b)), eles só vão averiguar se o Estado aplicou a mesma regra de conflitos que eles aplicariam se a questão tivesse sido suscitada nos seus tribunais. Acaba, assim, por ser mais restrita e não há uma revisão de mérito. Há uma consagração deste modelo no artigo 1100º, n.º 2 do nosso CPC.

1.13.7.1.2.2. Sistema da verificação prévia da regularidade da sentença sem revisão de mérito (sistema da revisão formal)

As decisões sobre direitos privados proferidos por tribunais estrangeiros necessitam, para gozarem de eficácia em Portugal, de serem revistas e confirmadas.

Antes de haver lugar a este processo autónomo, a sentença não pode produzir efeitos em Portugal, sendo que a pessoa tem unicamente o direito de propor esta acção em um tribunal português.

Trata-se aqui de um sistema de revisão formal ou de deliberação imperfeito, pois ainda se admite uma revisão de mérito:

- Artigo 1096º, alínea e) do CPC ― fraude à lei.

- Artigo 1906º, alínea j) do CPC ― sentença manifestamente contrária à nossa ordem pública (v.g.: bigamia).

1.13.7.1.3. Sistema inglês ou da «common law»

Neste sistema não se reconhece directamente a sentença estrangeira, mas à parte interessada é concedido o direito de intentar no Reino Unido uma nova acção com o mesmo objecto, consistindo o fundamento dessa acção na própria sentença estrangeira.

Considerando as coisas sob outro ponto de vista, todas as questões focadas (direito da nacionalidade, direito dos estrangeiros, competência internacional, reconhecimento e execução de sentenças estrangeiras) têm uma origem comum: nascem das relações do comércio jurídico internacional.

Há, muitas vezes, relações que obrigam a encarar e resolver, antes de tudo, o problema da nacionalidade um dos elementos de conexão), pois o estatuto de nacional e o de estrangeiro não têm o mesmo conteúdo e, frequentemente, a nacionalidade dos interessados comanda a determinação da lei aplicável.

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Depois, é forçoso conhecer também a condição jurídica concedida em determinado Estado aos cidadãos estrangeiros. E esta é uma questão prévia à do conflito de leis, pois o problema da lei aplicável a certa relação jurídica só se põe depois de averiguado que as partes tinham o gozo do direito que, através desse negócio, trataram de exercer.

Assim como os interessados têm a necessidade de conhecer a lei aplicável à sua relação, também precisam de saber que jurisdição ou jurisdições nacionais se julgarão competentes para dirimir os conflitos que entre eles venham, eventualmente, a suscitar-se.

Como as normas de conflitos variam de Estado para Estado, a determinação da lei aplicável só poderá fazer-se, em regra, em função da jurisdição competente.

1.14. Génese e história do DIP

1.14.1. Origens do DIP

O DIP dos nossos dias, ao contrário do que ocorre com grande parte dos outros ramos do direito privado, não nos foi legado pelos romanos, mas por juristas que viveram a partir do século XI.

Para que haja necessidade de um direito de conflitos é preciso, antes de mais, que exista ou haja a possibilidade de existir uma situação internacional, ou seja, uma situação que se encontre em contacto com mais do que um ordenamento jurídico. São pressupostos do DIP.:

- que existam vários ordenamentos jurídicos;

- que existam situações que exorbitem do âmbito interno, ou seja, que apresentem contacto com mais do que um ordenamento jurídico estadual; e

- é preciso que haja liberdade de movimento (ou de pessoas, ou de bens).

Faltando algum desses pressupostos, estaremos perante um sistema rigidamente fechado, sendo que, neste caso, as relações só poderão estabelecer-se no interior de um ordenamento jurídico.

Na antiguidade oriental, por exemplo, não existia qualquer contacto entre os vários sistemas (os estrangeiros eram considerados inimigos, não podendo, assim, haver quaisquer relações entre pessoas de Estados diferentes).

No que diz respeito ao direito romano, originariamente, o «jus civile» era exclusivo dos cidadão romanos ― o peregrino, portanto, não tinha acesso a ele. Assim sendo, tornou-se necessária a criação de um direito que regulasse as relações entre peregrinos e cidadãos romanos. Surgiu então o «jus gentium».

Contudo, como o «jus gentium» não era um sistema jurídico completo ― faltando-lhe, por exemplo, uma regulamentação do instituto sucessório ― as lei peregrinas tiveram de ser reconhecidas pelos juristas romanos, função que foi, sobretudo, deferida ao pretor peregrino, nomeadamente em sede de relações de família.

Daqui nasceu uma nova prática: a aplicação, por um mesmo juiz, de leis diferentes, segundo a origem das partes.

Deste sistema não poderiam deixar de resultar conflitos de leis, mas tal problema foi ignorado pelos juristas romanos.

O sistema feudal da Idade Média conduziu a que não houvesse relações entre pessoas dos vários feudos e dos vários domínios territoriais (não há relações internacionais)

As origens do moderno DIP remontam ao fim do século XIII.

A partir do século XI as cidades da Itália do Norte (que se tinham tornado centros comerciais de grande importância), no exercício da sua autonomia legislativa, começaram a reduzir a escrito o seu direito consuetudinário local e a compilar os seus estatutos. Os estatutos das cidades, que se ocupavam, principalmente, das relações jurídicas de carácter privado, diferenciavam-se muito entre si: as regulamentações que estabeleciam para estas relações estavam longe de ser uniformes.

Entregando-se em larga escala ao exercício do comércio, originavam, naturalmente, contactos cada vez mais frequentes entre habitantes de diferentes cidades. Bem cedo, como também é natural, acontece tornar-se frequente o caso de ser demandado, perante a justiça de uma cidade, um habitante de outra cidade. Surgia então a pergunta: qual o estatuto aplicável a estes casos?

A primeira solução a que se chegou determinava como aplicável o estatuto local, ou seja, a «lex fori». Mas, muito cedo, surgiram ideias novas.

Com a recepção do direito romano, começaram a surgir teses audaciosas. Começou a entender-se que a aplicação do direito local comporta limites, pois o direito local, que não se dirige senão aos súbditos do soberano local, só a estes poderia obrigar.


Contudo, se o direito local não é aplicável aos estrangeiros, que direitos se lhes havia de aplicar?

Nesta primeira fase (séculos XII e XIII) a pergunta não obteve uma resposta satisfatória. No início do século XIII, a «lex fori» era considerada a única aplicável, contudo, já cerca de 50 (cinquenta) anos antes, ALDRICUS ensinava que quando os litigantes pertenciam a diversos territórios com direito consuetudinário diferente, o juiz deveria julgar segundo o que lhe parecesse melhor.

1.14.2) Fases de desenvolvimento:

1.14.2.1) A teoria dos estatutos:

Chama-se de teoria dos estatutos ao conjunto de regras doutrinais elaboradas a partir do século XIII e que diziam respeito aos limites de aplicação dos diferentes estatutos e costumes locais. É esta a primeira tentativa de resolução dos conflitos de sistemas jurídicos baseada no princípio do reconhecimento e aplicabilidade do direito estrangeiro pelo juiz local.

Esta fase inicia-se com os post-glosadores, na última metade do século XIII e encontra seu termo no final do século XVIII.

Há uma característica comum a todos os juristas deste período que se ocuparam do problema dos conflitos: todos eles partiram do próprio texto dos estatutos e costumes ou, mais tarde, do próprio texto das leis nacionais, sem que tenham sentido a necessidade de prescrições especiais relativas à questão dos conflitos entre elas suscitados.

Neste período podemos distinguir três épocas distintas e, paralelamente, três escolas estatutárias:

- escola estatutária italiana (séculos XIV a XVI);

- escola francesa (séculos XVI a XVIII); e

- escola holandesa (século XVII).

Todos os estatutários partem da regra geral considerada em si mesma, procurando dela deduzir se é de aplicação restrita ao território do Estado que a formulou (estatuto real) ou de aplicação extraterritorial (estatuto pessoal).

1.14.2.1.1) Escola estatutária italiana (séculos XIV a XVI):

À maneira da época, as doutrinas da escola italiana revestiram sempre a forma de comentários aos textos do direito romano (glosas). Assim, da lei do Código de Justiniano e das Glosas de Acúrsio, partiram os jurisconsultos italianos para desenvolver a sua teoria.

A primeira distinção a que se chegou foi a distinção entre o processo e o fundo das causas. O juiz não aplica senão a sua própria lei (ou estatuto) em matéria de processo; não é senão quanto ao fundo dos litígios que se pode conceber a aplicação da lei estrangeira (BARTOLUS DE SAXOFERRATO).

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Sobre o autor
José Eduardo Dias Ribeiro da Rocha Frota

licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Portugal)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FROTA, José Eduardo Dias Ribeiro Rocha. Direito Internacional Privado.: Parte Geral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 921, 8 jan. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7714. Acesso em: 27 abr. 2024.

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