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O testamento, enquanto instrumento materializador das disposições de última vontade, deve ser interpretado restritivamente, dada a rigidez que orienta as normas da sucessão testamentária. Daí a regra do art. 1.899 do Código Civil: "Quando a cláusula testamentária for suscetível de interpretações diferentes, prevalecerá a que melhor assegure a observância da vontade do testador".
Isso não quer dizer que tudo aquilo que constar na cédula testamentária deverá ser interpretado tal como lá está. Em absoluto! No tocante ao testamento – como, aliás, todo aquilo que diz respeito ao sistema jurídico –, toda e qualquer interpretação deve ser feita levando-se em consideração todas as demais normas que eventualmente incidam sobre uma determinada hipótese. Deve-se, sim, interpretar o testamento de modo a que melhor assegure a vontade do testador. Contudo, isso não significa que a vontade do testador possa se sobrepor ao que está determinado na lei. Poderá se adequar; sobrepor-se, jamais!
Neste momento chamo a atenção em torno da cláusula testamentária na qual a testadora dispôs que "os BENS que possui, sejam atribuídos METADE, a sua filha S.R.O.N.L.; e, a outra METADE, em partes iguais aos sues NETOS:- A.R.O.N., casado; A.P.R.O., separado judicialmente; e A.P.R.O., solteiro-maior".
É claro que está escrito que em relação aos bens "metade" será atribuída a uma herdeira testamentária, e a outra "metade" será atribuída em três partes iguais aos outros três herdeiros testamentários. Mas isso, em hipótese alguma, significa que a testadora fez menção a TODO o seu patrimônio. A metade-metade a que se refere a disposição testamentária diz respeito exclusivamente a parte disponível da testadora, já que a legítima dos herdeiros necessários – e a testadora os têm – é preservada por lei! É o princípio da intangibilidade da legítima a que me referi no item "6", supra, deste parecer.
Tendo em vista o falecimento da S.R.O.N.L. antes da abertura da sucessão de M.F.R.O., a cláusula do testamento público que a instituiu herdeira testamentária "caducou", ou seja, tornou-se ineficaz.
No mais, as disposições de última vontade da autora do testamento permanecem absolutamente eficazes, restando como herdeiros testamentários apenas A.R.O.N., A.P.R.O. e A.P.R.O, que receberão, caso o testamento não seja modificado, apenas METADE da parte disponível de M.F.R.O. A outra METADE da parte disponível, originariamente direcionada à herdeira testamentária pré-falecida, será objeto de sucessão legítima, e será repartida juntamente com o resto do patrimônio entre os herdeiros necessários da testadora, no caso, seus cinco netos.
Em miúdos: são três herdeiros testamentários e cinco herdeiros necessários, sendo que a caducidade atingiu apenas a cláusula da deixa testamentária em favor da herdeira pré-falecida.
Passo a responder os quesitos formulados pelo consulente, com base nas premissas deste parecer.
1) Ante a pré-morte de S.R.O.N.L, o testamento continua a ter validade? Em caso positivo, quais as disposições que permaneceriam válidas?
R: Sim, o testamento público analisado continua a ter validade mesmo com a morte da herdeira testamentária S.R.O.N.L.
Todas as demais disposições de última vontade lançadas no testamento permanecem válidas, tendo "caducado" – leia-se: perdido a eficácia – apenas a cláusula que contemplou a herdeira testamentária pré-morta.
2) As herdeiras de S.R.O.N.L, suas duas filhas, receberiam por direito de representação o quinhão testamentário da pré-falecida?
R: Não. Pela simples razão de que na sucessão testamentária não há direito de representação.
Dessa forma, as filhas da herdeira testamentária já falecida não receberão o quinhão testamentário de S.R.O.N.L, tendo em vista a caducidade da cláusula que a beneficiou.
3) Em prevalecendo o testamento mesmo ante a pré-morte de um dos herdeiros testamentários, as disposições em que a testadora atribui METADE dos bens para um herdeiro e a outra METADE para outros três, seriam referentes a todo o acervo hereditário?
R: Não. As disposições do testamento quanto a divisão de METADE dos bens da testadora para uma herdeira testamentária, e a outra METADE para outros três herdeiros testamentárias, referem-se única e exclusivamente à "parte disponível" do patrimônio da testadora, tendo em vista a existência de herdeiros necessários cuja "legítima" lhes é garantida por lei.
4) Em prevalecendo o testamento, como ficaria a repartição da herança, considerando-se que há 3 (três) herdeiros testamentários e mais 5 (cinco) herdeiros necessários?
R: A prevalência do testamento é inconteste, tendo caducado, apenas, a disposição que contemplou S.R.O.N.L, eis que faleceu antes da testadora.
Dessa forma, caso seja mantido o testamento tal como está, a repartição da herança será feita da seguinte maneira:
- 25% (vinte e cinco por cento) do patrimônio – parcela da "parte disponível" da testadora – será dividido, em partes iguais, entre os herdeiros testamentários A.R.O.N., A.P.R.O. e A.P.R.O, estes, vale lembrar, netos e também herdeiros necessários de M.F.R.O.;
- os outros 75% (setenta e cinco por cento) do patrimônio será dividido, em partes iguais, entre os cinco netos e herdeiros necessários de M.F.R.O., ou seja, os três filhos de seu já falecido filho H.A.R.O., e as duas filhas de sua também já falecida filha S.R.O.N.L.
É este o meu parecer, s.m.j.
Jundiaí, 30 de janeiro de 2006.
GLAUCO GUMERATO RAMOS
oabsp nº 159.123
Notas
Maria Helena Diniz, arribada no magistério de Silvio Rodrigues, nos oferece dois exemplos emblemáticos em relação ao recebimento da herança "por cabeça" e "por estirpe" (ou direito de representação). Vejamos o exemplo da Profa. Titular de Direito Civil da PUC/SP na sucessão do descendente por cabeça: "Se deixou dois filhos, a herança será dividida em duas partes iguais, ficando uma com cada filho; se tem apenas três netos, por haverem seus filhos anteriormente falecido, o acervo hereditário será dividido pelo número de netos, recebendo cada um quota idêntica, já que se encontram no mesmo grau." (Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro, vol. 6, Direito das Sucessões, São Paulo : Ed. Saraiva, 2002, 16ª ed., p. 97). Agora, o exemplo a respeito da sucessão por estirpe: "Se o finado tinha dois filhos vivos e três netos, filhos do filho pré-morto, a herança dividir-se-á em três partes. As duas primeiras partes cabem aos filhos vividos do de cujus, que herdam por cabeça, a terceira pertence aos três netos, que dividem o quinhão entre si e sucedem representando o pai falecido, dado que os filhos são parentes em primeiro grau e os netos, em segundo." (outra vez, DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro, vol. 6, Direito das Sucessões, São Paulo : Ed. Saraiva, 2002, 16ª ed., p. 98).