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Consequências da pré-morte da herdeira testamentária

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10/03/2011 às 15:36

Resumo:


  • A pré-morte da herdeira testamentária S.R.O.N.L. antes da testadora M.F.R.O. causa a caducidade das disposições testamentárias a ela relacionadas, mantendo-se válidas as demais disposições.

  • As filhas da herdeira pré-morta não recebem por direito de representação o quinhão testamentário da mãe, pois na sucessão testamentária não há direito de representação.

  • A divisão testamentária de metade dos bens para um herdeiro e outra metade para outros três refere-se exclusivamente à parte disponível do patrimônio da testadora, preservando-se a legítima dos herdeiros necessários conforme a lei.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Se a herdeira testamentária morrer antes do testador, permanece válido o testamento? Em caso afirmativo, como fica a distribuição dos bens para seus herdeiros?

Assunto: SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA – TESTAMENTO PÚBLICO - PRÉ-MORTE - HERDEIRA TESTAMENTÁRIA FALECIDA ANTES DA TESTADORA – EXISTÊNCIA DE OUTROS HERDEIROS TESTAMENTÁRIOS – CADUCIDADE DAS DISPOSIÇOES RELACIONADAS À HERDEIRA PRÉ-FALECIDA – PERDA DA CAPACIDADE TESTAMENTÁRIA PASSIVA - PREVALÊNCIA DAS DEMAIS DISPOISÇÒES TESTAMENTÁRIAS – INEXISTÊNCIA DE DIREITO DE REPRESENTAÇÃO DOS SUCESSORES LEGÍTIMOS DA PRÉ-FALECIDA – TESTAMENTO – INTERPRETAÇÃO – EXISTÊNCIA DE HERDEIROS NECESSÁRIOS – AINDA QUE DA CEDÚLA TESTAMENTÁRIA CONSTE QUE A TESTADORA DEIXA "METADE DE SEUS BENS" A UM DOS HERDEIROS TESTAMENTÁRIOS E A "OUTRA METADE" AOS OUTROS, ISSO NÃO SIGNFICA QUE A DEIXA ABARCA TODO O PATRIMÔNIO – INTANGIBILIDADE DA LEGÍTIMA – INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 1.846 E 1.857, § 1º, DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO.

Nosso colega e amigo, o advogado Dr. Alessandro Prado Rodrigues de Oliveira, nos distingue formulando consulta sobre o testamento público firmado por M.F.R.O., em 08 de novembro de 2005, no qual foram instituídos como herdeiros testamentários a filha da testadora, S.R.P.O.N.L., e três de seus netos, A.R.O.N., A.P.R.O. e A.P.R.O., estes três, filhos do outro filho da testadora, H.A.R.O., falecido antes da liberalidade testamentária.

O respectivo testamento público seguiu todas as formalidades legais (CC, arts. 1.864 a 1.867), e conforme nele está escrito a testadora dispôs que por abertura de sua sucessão "os BENS que possue, sejam atribuídos METADE, a sua filha S.R.O.N.L.; e, a outra METADE, em partes iguais aos seus NETOS:- A.R.O.N., casado; A.P.R.O., separado judicialmente; e A.P.R.O., solteiro-maior" (sic; itálico de agora). Consta ainda no testamento que a testamentaria será desincumbida por S.R.O.N.L. ou, na sua falta, por A.P.R.O., ambos, vale dizer, também instituídos como herdeiros testamentários.

Por fim, a última das disposições testamentárias foi a expressa e total REVOGAÇÃO de um outro testamento público que havia sido lavrado em 14 de novembro de 1973.

Juntamente com os quesitos, o consulente nos ofereceu uma cópia do testamento público sob exame, bem como nos informou que a herdeira testamentária S.R.O.N.L. faleceu em dezembro de 2005, pré-morrendo à testadora. Eis os quesitos:

1) Ante a pré-morte de S.R.O.N.L, o testamento continua a ter validade? Em caso positivo, quais as disposições que permaneceriam válidas?

2) As herdeiras de S.R.O.N.L, suas duas filhas, receberiam por direito de representação o quinhão testamentário da pré-falecida?

3) Em prevalecendo o testamento mesmo com a pré-morte de um dos herdeiros testamentários, as disposições em que a testadora atribui METADE dos bens para um herdeiro e a outra METADE para outros três, seriam referentes a todo o acervo hereditário?

4) Em prevalecendo o testamento, como ficaria a repartição da herança, considerando-se que há 3 (três) herdeiros testamentários e mais 5 (cinco) herdeiros necessários?


P A R E C E R

SUMÁRIO: 1. O caso e suas circunstâncias; 2. Aspectos gerais da sucessão hereditária no Brasil: sucessão legítima e sucessão testamentária; 3. Herdeiros necessário (ou legítimos) e herdeiros testamentários; 4. Possibilidade da instituição de herdeiro necessário também como herdeiro testamentário (CC, art. 1.849); 5. A parcela dos bens do testador que pode integrar a deixa testamentária: enfoque à luz do caso examinado; 6. Conceito de legítima e sua intangibilidade na sucessão testamentária; 7. A chamada capacidade testamentária passiva: enfoque à luz do caso examinado; 8. Ineficácia total ou parcial do testamento: nulidade, anulabilidade, revogação, rompimento, caducidade; 8.1 Conclusão parcial: possibilidade de prevalência das disposições testamentárias hígidas; 9. Rigidez na interpretação das disposições testamentárias; 10. À guisa de conclusão: atual situação jurídica do caso sob exame; 11. Respostas aos quesitos.


1. O caso e suas circunstâncias

Trata-se de testamento público regularmente elaborado no qual a testadora instituiu como seus herdeiros testamentários sua filha e três de seus netos; estes últimos, filhos de outro filho já falecido da autora da declaração de última vontade. Nas disposições testamentárias constou que METADE de seus bens ficaria para sua filha e herdeira testamentária, e a outra METADE para seus netos e também herdeiros testamentários. A herdeira testamentária, conforme já noticiado neste parecer, pré-morreu à testadora.

Segundo informação que nos foi dada pelo consulente, a família da testadora está "interpretando" [01] o respectivo testamento de forma a considerar que a disposição testamentária efetivamente estivesse outorgando METADE de "todo o patrimônio" para a herdeira testamentária e a outra METADE aos três netos também contemplados. Desde já afirmo peremptoriamente que a imaginada celeuma "interpretativa" não existe, uma vez que o Código Civil Brasileiro é categórico em afirmar que metade dos bens da herança pertence aos herdeiros necessários [02], conforme explicarei com mais vagar no decorrer deste parecer.

Em miúdos: conste o que constar nas declarações testamentárias, juridicamente o testador só pode dispor de metade dos bens que lhe pertencem, já que outra metade pertencerá aos herdeiros necessários, tal como o são, por exemplo, os descendentes na linha reta (filhos, netos, bisnetos etc.).

A outra dúvida que está à base da consulta diz respeito à validade do testamento, vale dizer, se ainda teria alguma eficácia diante da pré-morte de uma das herdeiras testamentárias.

A herdeira testamentária pré-morta – frisa-se: filha da testadora – tem duas filhas, netas e herdeiras necessárias da autora da declaração de última vontade. Os outros três herdeiros testamentários também o são herdeiros necessários, eis que netos da testadora.

Deve ser observado que a testadora já não tem mais seus filhos. Um deles, já falecido, era o pai dos três herdeiros testamentários; a outra, também falecida, é a herdeira testamentária pré-morta. Na linha reta descendente, resta à testadora unicamente cinco netos e todos eles herdeiros necessários: os três filhos de seu filho H.A.R.O., e as duas filhas de sua filha S.R.O.N.L.

Portanto, firmarei duas premissas básicas que deverão ser desde já compreendidas para que bem se reflita a respeito deste parecer. Vamos a elas:

I) Ante a pré-morte da herdeira testamentária S.R.O.N.L., e tendo vista a prevalência do testamento em relação às outras disposições, a testadora tem 3 (três) herdeiros testamentários e 5 (cinco) herdeiros necessários;

II) O testamento só abarca METADE do patrimônio da testadora (parte disponível), já que a outra METADE compõe a legítima pertencente aos herdeiros necessários (CC, art. 1.846), e isso independentemente da literalidade do testamento.

Ou seja, não sendo revogado o testamento, os três netos instituídos como herdeiros testamentários receberão entre si 25% (vinte e cinco por cento) do patrimônio da testadora, referente ao quinhão testamentário que lhes foi disposto. Os outros 75% (setenta e cinco por cento) da herança serão divididos entre todos os 5 (cinco) netos e herdeiros necessários de M.F.R.O., em cinco partes iguais.

A esse resultado se chega tendo em vista a pré-morte da herdeira testamentária S.R.O.N.L., já que a cláusula do testamento que lhe beneficiava não mais prevalece em razão de seu falecimento.


2. Aspectos gerais da sucessão hereditária no Brasil: sucessão legítima e sucessão testamentária

O atual Código Civil brasileiro manteve, em suas linhas gerais, o mesmo sistema do direito das sucessões que a muito vigora no país, cuja divisão se dá em sucessão legítima e sucessão testamentária. Para que o patrimônio de uma pessoa não fique sem um titular após sua morte, o direito regula a forma do recebimento e do repartimento de seus bens entre seus herdeiros, daí a função jurídica do direito das sucessões, que conforme Caio Mário trata do "modo de adquirir, a título universal ou singular, bens e direitos que passam de um sujeito que morre, aos que lhe sucedem, isto é, passa a ocupar a sua situação jurídica". [03]

Pois bem. Os bens da pessoa falecida serão adquiridos por seus herdeiros – também chamados de sucessores – , sendo que essa aquisição poderá ocorrer por dois caminhos jurídicos distintos que são a sucessão legítima e a sucessão testamentária. A primeira delas, a sucessão legítima, é forma de aquisição que decorre da lei (do Código Civil), e independe de qualquer ajuste ou declaração de vontade por parte do autor da herança [04]. A outra modalidade sucessória, a sucessão testamentária, muito embora também seja rigorosamente regulada pelo Código Civil, depende da declaração de vontade daquele que tem bens e pretende regular sua distribuição pós-morte. É nesse sentido a disposição do art. 1.786 do Código Civil brasileiro, que categoricamente afirma que "A sucessão dá-se por lei ou por disposição de última vontade"; por "lei", deve ser entendida a sucessão legítima; por "disposição de última vontade", deve ser entendida a sucessão testamentária.

A sucessão legítima tem esse nome exatamente pelo fato de que ela sempre ocorrerá, bastando que o autor da herança efetivamente tenha deixado bens a suceder e obviamente tenha herdeiro(s) para recebe-los. Tamanha a importância que o Direito confere à sucessão legítima, que a própria Constituição da República garante o direito de herança como direito fundamental da pessoa humana (CR, art. 5º, XXX). Os herdeiros que recebem por sucessão legítima são chamados de herdeiros necessários, e são assim considerados tendo em vista que se tais herdeiros existirem quando da abertura da sucessão – fato que se dá com a morte do autor da herança – necessariamente receberão, se não tudo, ao menos a METADE [05] dos bens deixados pelo defunto. Herdeiros necessários são: os descendentes, os ascendentes e o cônjuge (CC, art. 1.864).

Mas ainda há outra forma de suceder. O Direito prevê a possibilidade de que parte da herança seja direcionada pela pessoa que a deixará, o que será feito por "disposições de última vontade" que sempre virão consignadas num testamento. Essa forma de encaminhamento e conseqüente recebimento da herança é o que se chama de sucessão testamentária.

Contudo, essa liberdade que o Direito confere para as pessoas disporem de seu patrimônio para após a sua morte, encontra certos obstáculos legais. É bem verdade que o Código Civil prevê que a pessoa "pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois de sua morte" (CC, art. 1.857, caput). Mas é o mesmo Código que garante que METADE da herança deve ser encaminhada aos herdeiros necessários, já que "a legítima dos herdeiros necessários não poderá ser incluída no testamento" (CC, art. 1.857, § 1º).

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Que fique bem entendido: caso existam herdeiros necessários – tal como acontece no caso objeto deste parecer – a legítima NÃO PODERÁ ser incluída no testamento, ainda que a respectiva cédula testamentária possa dar a entender que o testador deixa METADE de seus bens para um herdeiro testamentário e a outra METADE para outro(s) – mais uma vez, tal acontece no caso objeto deste parecer –. Em miúdos: a legítima dos herdeiros necessários não faz parte do testamento (CC, art. 1.857, § 1º). Quanto a esse aspecto, o sistema do direito das sucessões não dá margem à dúvida.


3. Herdeiros necessários (ou legítimos) e herdeiros testamentários

Os herdeiros necessários, como já foi afirmado, são os descendentes, os ascendentes e o cônjuge (CC, art. 1.845), e sempre receberão a herança através do sistema da sucessão legítima, conforme previsto nos arts. 1.829 a 1.856 do Código Civil.

Os herdeiros testamentários são aqueles que assim foram instituídos pelo autor da herança através de um testamento, podendo o herdeiro testamentário ser algum ou todos os herdeiros necessários do testador, ou mesmo qualquer outra pessoa física ou jurídica que tenha capacidade testamentária passiva, ou seja, que possa legalmente ser instituído como herdeiro testamentário (CC, arts. 1.798 e 1.799). Os herdeiros testamentários sempre receberão a herança através do sistema da sucessão testamentária, conforme previsão dos arts. 1.857 a 1.990 do Código Civil. Lembre-se: havendo herdeiro necessário, o testador só poderá dispor de METADE de seu patrimônio, já que a outra METADE jamais fará parte das disposições testamentárias, eis que pertencente aos herdeiros necessários; é a chamada legítima (CC, art. 1.857, § 1º).

Portanto, é perfeitamente possível que o testador institua como herdeiro testamentário algum ou todos os seus herdeiros necessários. Foi isso exatamente o que o ocorreu no caso objeto desta consulta. A partir do momento que M.F.R.O. firmou testamento público instituindo como seus herdeiros sua filha S.R.O.N.L. e seus três netos, filhos do falecido H.A.R.O., ela nada mais fez do que contemplar como herdeiros testamentários àqueles que já eram herdeiros necessários, sua filha e os filhos de seu filho falecido. E se bem pensadas as coisas, como a testadora só teve dois filhos – S.R.O.N.L. e H.A.R.O., este último, repita-se, já falecido – o testamento firmado, tal como foi estabelecido, importaria na repartição da herança igualitariamente entre todos os herdeiros testamentários e necessários.

Explico. O testamento só pode abranger METADE dos bens pertencentes ao testador; a outra METADE é a legítima dos herdeiros necessários. Partindo do princípio de que a testadora M.F.R.O. instituiu como seus herdeiros testamentários exatamente todos os seus herdeiros necessários, a repartição do acervo quando da abertura da sucessão – caso sua filha S.R.O.N.L. ainda fosse viva – seria da seguinte forma: METADE da deixa testamentária (parte disponível) seria dividida entre S.R.O.N.L. e seus três netos A.R.O.N, A.P.R.O. e A.P.R.O. (aqui, como herdeiros testamentários), e a outra METADE da herança (legítima) seria novamente dividida entre S.R.O.N.L. e seus três netos A.R.O.N, A.P.R.O. e A.P.R.O. (agora, como herdeiros necessários).

Contudo, diante da pré-morte de S.R.O.N.L., a liberalidade testamentária, tal como está, ganhou uma nova dimensão. Restaram apenas 3 (três) herdeiros testamentários: A.R.O.N, A.P.R.O. e A.P.R.O. (netos da testadora). Quanto aos herdeiros necessários, agora são 5 (cinco): R.R.O.N.L e T.R.O.N.L. (as duas filhas de S.R.O.N.L.); e A.R.O.N, A.P.R.O. e A.P.R.O. (os três filhos de H.A.R.O.). E diante do fato de que agora M.F.R.O. só tem 5 (cinco) netos como herdeiros necessários, a legítima será divida entre eles em 5 (cinco) partes iguais, já que receberão seu quinhão hereditário "por cabeça" [06] pelo fato de serem herdeiros necessários do mesmo grau (CC, art. 1.835). [07]


4. Possibilidade da instituição de herdeiro necessário também como herdeiro testamentário

O Código Civil brasileiro não deixa dúvida e é expresso em admitir que o herdeiro necessário seja instituído, também, como herdeiro testamentário, sem que isso afete seu direito à legítima como herdeiro necessário que é. Vejamos o art. 1.849 do Código Civil: "O herdeiro necessário, a quem o testador deixar a sua parte disponível, ou algum legado, não perderá o direito à legítima".

A lógica da sucessão testamentária segue essa sistemática exatamente porque o Direito confere certa margem de liberdade para que alguém disponha em declaração de última vontade acerca do direcionamento de parte de seu patrimônio quando de sua morte. E como herdeiro testamentário – vale lembrar – o testador poderá instituir, nos limites da parte disponível, qualquer pessoa física ou jurídica que tenha capacidade testamentária passiva, inclusive, conforme o já mencionado art. 1.849, o próprio herdeiro necessário, sem que isso lhe suprima o direito à parte que lhe cabe da legítima.

Ainda que no resultado final da repartição do acervo hereditário, determinado herdeiro necessário tenha sido melhor aquinhoado pelo fato de também ter sido instituído com herdeiro testamentário, isso em nada prejudica os efeitos e a eficácia do respectivo testamento, já que essa possibilidade decorre da liberdade de testar que o sistema jurídico da sucessão testamentária confere ao declarante das disposições de última vontade (CC, art. 1.786).

Em relação ao testamento que deu ensejo a este parecer, e tendo em vista a pré-morte de S.R.O.N.L., os herdeiros testamentários remanescentes (A.R.O.N, A.P.R.O. e A.P.R.O.) – eis que também herdeiros necessários – serão aquinhoados com parcela mais expressiva após a repartição do acervo hereditário, já quem em nada lhes será afetada a parte que lhes cabe da legítima.


5. A parcela dos bens do testador que pode integrar a deixa testamentária: enfoque à luz do caso examinado

Já se afirmou no decorrer deste parecer que somente METADE daquilo que compõe o patrimônio do testador poderá ser objeto da declaração de última vontade. Essa METADE a que me refiro é a chamada parte disponível [08], sendo que sobre ela – e somente sobre ela! – é que poderão versar as disposições referentes à liberalidade testamentária. A outra METADE do patrimônio daquele que fez testamento compõe a legítima, que nos termos da lei deverá ser repartida entre os herdeiros necessários (CC, art. 1.857, § 1º).

Só há uma hipótese em que o testador poderá encaminhar a deixa testamentária com liberdade plena: – quando NÃO tenha ele herdeiros necessários. Isso ocorrerá quando não haja descendentes, ascendentes ou cônjuge sucessível, seja porque nunca existiram, seja porque foram excluídos da herança ou deserdados (CC, arts. 1.814 a 1.818; arts. 1.961 a 1.965).

A cédula testamentária que nos foi apresentada pelo consulente traz disposição de última vontade expressa no seguinte sentido: "os BENS que possue, sejam atribuídos METADE, a sua filha S.R.O.N.L.; e, a outra METADE, em partes iguais aos seus NETOS:- A.R.O.N., casado; A.P.R.O., separado judicialmente; e A.P.R.O., solteiro-maior" (sic; itálico de agora).

A partir daí, e tendo em vista a expressão representada por "os bens que possui", a família da testadora está emprestando ao testamento uma "interpretação" desguarnecida de qualquer amparo legal, já que, segundo nos foi informado pelo consulente, estariam entendendo que o testamento teria sido expresso em versar TODOS os bens – a integralidade do patrimônio, portanto – da testadora. A prevalecer a absolutamente leiga compreensão da família da testadora, estaríamos diante da violação do princípio da intangibilidade da legítima dos herdeiros necessários de M.F.R.O.

Insisto: apesar de no testamento constar, grosso modo, que METADE "dos bens que possui" ficará para fulano, e a outra METADE ficará para beltrano e sicrano, isso não significa, em nenhuma hipótese, que tal disposição testamentária é revestida da juridicidade que se lhe quer emprestar.

A leitura correta que se deve fazer do testamento é a seguinte: METADE "da parte disponível" ficará para "fulano", e a outra METADE ficará para "beltrano" e "sicrano". É essa a interpretação que juridicamente deve ser dada às disposições de última vontade de M.F.R.O., já que obrigatoriamente deverão lhe suceder seus herdeiros necessários, titulares que são da legítima, ou seja, da METADE de todo o patrimônio eventualmente deixado quando da abertura da sucessão.

Qualquer interpretação em sentido contrário não resiste ao sistema legal da sucessão testamentária.

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Sobre o autor
Glauco Gumerato Ramos

Mestrando em direito processual na Universidad Nacional de Rosario (UNR - Argentina). Mestrando em direito processual civil na PUC/SP Membro dos Institutos Brasileiro (IBDP), Iberoamericano (IIDP) e Panamericano (IPDP) de Direito Processual. Professor da Faculdade de Direito da Anhanguera Jundiaí (FAJ). Advogado em Jundiaí

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMOS, Glauco Gumerato. Consequências da pré-morte da herdeira testamentária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2808, 10 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/18629. Acesso em: 22 dez. 2024.

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