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A legitimidade do Poder Judiciário e a função de corte constitucional do Supremo Tribunal Federal

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23/02/2006 às 00:00
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SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Conceito de legitimidade. 3. Legitimidade do Poder Judiciário. 3.1. Acesso e composição do Poder Judiciário. 3.2 Exercício da função jurisdicional. 3.3. Legitimidade das decisões judiciais. 4. O Supremo Tribunal Federal como Corte Constitucional. 5. Conclusões. 6. Referências bibliográficas.


RESUMO

            Investiga-se se a atuação do Poder Judiciário é legítima, assim como se o STF é autêntica Corte Constitucional diante da Constituição Federal de 1988.


1. Introdução.

            Em momentos de crescente descrédito nas instituições públicas, fruto de constantes desvios de finalidade por parte de muitos agentes públicos, deflagra-se no seio do povo o sentimento de insatisfação profunda com os rumos políticos adotados pelo Governo. A coletividade sente-se vítima de verdadeiro estelionato político imposto pela alta casta que atua e representa o Estado.

            Interesses estranhos ao pacto fundamental são impostos de forma dissimulada, ou mesmo de forma clara, sem qualquer cerimônia, deixando o povo à margem de qualquer participação no processo político.

            A Constituição, decisão política fundamental, fruto de um consenso da coletividade, tem sido reformada freneticamente sem qualquer pudor, sendo evidente a tentativa de adaptação dos valores e interesses nela consagrados ao programa político do dirigente de plantão, numa funesta inversão principiológica.

            Surge, aqui, pois, o derradeiro pedido de socorro do povo. A última esperança de ver resguardada a essência e a efetividade do texto constitucional. Busca-se, enfim, a espada da justiça. Clama-se pela última barreira ou salvaguarda da Constituição, o Poder Judiciário.

            Contudo, mesmo o Poder Judiciário tem sido alvo de duras críticas, ora perpetuadas pelo próprio Governo, ora pelos próprios jurisdicionados, o que culminou em recente Reforma Constitucional, a Reforma do Poder Judiciário (EC 45/04).

            Oportuna, se faz a indagação acerca da real utilidade e mesmo legitimidade do Poder Judiciário, notadamente do órgão de sua cúpula, o Supremo Tribunal Federal.

            O presente estudo tem, pois, o escopo de responder a duas salutares indagações referentes ao Poder Judiciário Brasileiro, as quais vão ao âmago da instituição e da problemática atual: Como se encara a legitimidade do Judiciário brasileiro, especialmente quanto ao Supremo Tribunal Federal? O STF pode ser considerado Tribunal Constitucional nos moldes daqueles existentes na Europa?

            Busca-se, através das respostas às indagações, preservar e fiscalizar a efetividade das normas constitucionais.

            A pesquisa tomou como impulso inicial o momento político atual, o qual se apresentou vertido em críticas sociais, adotando-se predominantemente a doutrina como substrato, em especial, a obra do Professor Gérson Marques de Lima que trata sobre o tema (STF), conforme mencionado nas referências bibliográficas.

            Em razão dos limites intrínsecos ao presente estudo (artigo científico), há necessidade de se buscar uma certa objetividade nas explanações, tarefa esta que se dificulta haja vista a amplitude do tema proposto. Buscar-se-á, pois, responder a cada indagação, apenas permeando o tópico jurídico afim, sem a pretensão de um maior aprofundamento.


2. Conceito de legitimidade.

            O conceito de legitimidade é por muitos entendido como aquilo que é legal, ou que está de acordo com a lei.

            Contudo, a legitimidade aqui buscada merece uma ampliação na concepção [01]. A idéia de legitimidade não se restringe à legalidade. [02]

            A idéia de legitimação aqui pretendida decorre da noção de validade ou adequação do exercício do poder político o qual, por sua vez, pode ser entendido como a capacidade de alteração de condutas ou de provocação de efeitos em uma dada coletividade.

            O poder político, portanto, volta-se à coletividade (político vem de polis grega), sendo certo que ao longo dos tempos a titularidade do poder político foi atribuída a Deus (ou algo que o valha), sendo exercido pelo homem (um só homem ou pequeno e seleto grupo de homens) que atuava como mandatário daquele. Posteriormente, a titularidade e exercício do poder político já se concentravam em um homem, ou em pequeno grupo de homens (tido por verdadeira divindade). Por sua vez, a titularidade do poder político também foi reconhecida à nação, notadamente com o advento do constitucionalismo.

            A noção de legitimidade aflora quando são separados em mãos distintas: a titularidade e o exercício do poder político. A legitimidade se apresenta quando o exercício do poder político é implementado de forma tida por adequada ou autorizada pelo titular do referido poder.

            Em nosso ordenamento jurídico, o titular do poder político é o povo (parágrafo único do art.1º da CF/88), e este atribui ao Estado mediante seus órgãos, entidades e agentes a capacidade de criar e impor condutas. Será, portanto, legítimo o exercício deste poder pelo Estado se realizado de forma a ser considerada válida pelo titular do poder político, o povo.

            Importa frisar que a idéia de legitimidade não deixa de estar ligada à noção de legalidade (em sentido amplo, aqui inserida a própria constitucionalidade), pois há uma presunção de que o povo já autorizou o Estado a fazer leis e as impor ao grupo social. Há uma presunção ou, pelo menos uma tendência de legitimidade nos atos praticados conforme a lei.

            Tal presunção se faz presente nas leis criadas pelo Estado que são tidas por constitucionais e nos atos administrativos que são tidos por válidos e, portanto, legítimos, desde que praticados de acordo com a lei [03].

            Porém, aqui a legitimidade supera a simples noção de legalidade, pois o exercício do poder político através das funções legislativa, executiva e jurisdicional deve se dar de forma a ser acatada como válida pelo povo. Legitimidade tem relação não com a legalidade em si, mas com a aceitação popular.

            A vontade do povo está formalmente consubstanciada na Constituição, sendo esta inicialmente a pauta de validade ou de legitimidade do exercício do poder político pelo Estado. Nela estão forjados os anseios e os valores de uma dada coletividade. Todos os atos praticados pelo Estado devem guardar conformidade com a Constituição (legalidade), sob pena de não serem válidos, pois em tese se afastariam da vontade do povo (legitimidade).

            A Constituição comporta, pois, uma tendência grande de legitimidade. Os atos do Estado praticados de acordo com a Constituição guardam uma forte tendência de serem legítimos. Porém, é certo que mesmo a norma constitucional deve guardar sintonia com a vontade consensual do povo sob pena de se tornar ilegítima. Imperiosa, portanto, a atividade interpretativa a fim de garantir a harmonia entre a norma constitucional e a aceitação pelo povo (legitimidade), sendo o fenômeno da mutação constitucional salutar neste sentido.

            Quando a Constituição deixar de ser aceita pelo povo pode-se deflagrar um processo revolucionário no sentido à nova Constituição, e por sua vez rumo a outro Estado.

            A atuação do Estado, conforme o ordenamento jurídico, respeitando a hierarquia das normas, garante a noção de legalidade (em sentido amplo), e, conforme visto, a atuação conforme a lei (notadamente a Constituição) insinua a legitimidade. Porém, ainda que um ato seja legal, pode ocorrer do mesmo não mais ser aceito pelo povo, o que implicaria em o ato ser legal, mas não ser legítimo. Destarte, pode-se dizer que a legalidade é um bom indicativo da legitimidade, mas não se confunde ou equivale à legitimidade. [04]

            Em outras palavras, o Estado, para efeito de atuar com legitimidade, deve praticar atos que de forma a serem aceitos como válidos pelo povo. Os atos praticados em consonância com a legalidade sugerem a legitimidade, ainda que não de forma absoluta, já os atos do Estado praticados em descompasso com a legalidade serão um forte indicativo de ilegitimidade. Daí a eterna confusão entre legalidade e legitimidade.

            Outrossim, legitimidade relaciona-se à aceitação ou à aprovação por parte do povo (titular do poder) do exercício do poder político através do Estado, e não exatamente com a prática de atos de acordo com o ordenamento jurídico. [05]

            Um bom exemplo de Governo legal, mas completamente ilegítimo se deu com o nazismo.

            Insta salientar que quanto maior a participação ou a fiscalização do povo no exercício do poder político, maior será a legitimidade. A maior participação do povo no processo de atuação do poder implicará certamente em maior aceitação do ato ou da decisão fim, sendo este, pois, mais legítimo.

            Destarte, pretende-se aqui verificar se o Poder Judiciário Brasileiro, em especial seu órgão de cúpula (STF), tem atuado suas funções de maneira apta a ser tida como válida pelos jurisdicionados.


3. Legitimidade do Poder Judiciário.

            Conforme visto, será legítima a atuação do Poder Judiciário na medida em que este atue em conformidade com a vontade do titular do poder político, o povo. [06]

            Importante aqui para efeito de melhor identificar a questão da legitimidade mencionar a idéia de ciclo do poder, ou seja, o poder político, cuja titularidade pertence ao povo, é repassado ao Estado (competência), sendo por ele exercitado (atividade política) e recebido através de atos pelo povo (leis, atos administrativos, decisões judiciais, etc). Há um ciclo político, onde o poder sai das mãos do titular (povo) para o mandatário (o Estado) exercitá-lo sobre o próprio titular [07].

            Deve-se, pois, analisar cada etapa do ciclo do poder para verificar com certo êxito o âmbito de legitimidade do Poder Judiciário, sendo importante verificar em cada etapa a possibilidade de participação popular, a qual traduzirá uma maior ou menor legitimidade.

            3.1. Acesso e composição do Poder Judiciário.

            Importa verificar como se dá o repasse do exercício do poder político do povo para o Estado, e para quem foi repassada parcela do exercício do poder.

            Oportuno relembrar que o poder político é uno, decorrente da soberania popular, sendo que é repassado ao Estado o exercício daquele mediante três formas distintas de atuar: legislação, administração e jurisdição, funções essenciais as quais são atribuídas de forma prioritária e predominante, respectivamente, a órgãos distintos (Poderes): Legislativo, Executivo e Judiciário.

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            Os membros do Poderes Legislativo e Executivo chegam aos respectivos cargos mediante eleição direta [08], recebendo de forma temporária (mandato) o exercício das funções legislativa e administrativa, funções estas que tradicionalmente têm maior âmbito livre de decisão (discricionariedade). Importante ressaltar que dada a forma republicana adotada pelo nosso Estado, há temporariedade no exercício de tais misteres pelos agentes eleitos pelo povo, sendo que de tempos em tempos o povo renova e escolhe novos representantes, o que em si, é um mecanismo de controle político.

            Vê-se que para cargos no Legislativo e Executivo o acesso se dá por indicação direta do titular do poder político, o povo, situação esta consagrada pela constituinte de 1988 após duras lutas sociais.

            Contudo, em relação ao Poder Judiciário não há indicação direta ou participação popular no acesso aos cargos de juízes e ministros dos tribunais, o que indica uma menor legitimidade na forma de acesso. O critério de acesso foi opção do constituinte, sendo certo que em outros ordenamentos jurídicos há juízes eleitos pelo povo [09].

            Ressalte-se, porém, que a forma de acesso aos cargos do Poder Judiciário, apesar de não haver participação popular, não deixa de guardar um indício de legitimidade, pois se apresenta assim definida no texto constitucional (há uma vontade presumida do povo), sendo, porém, bem menos representativa que a forma de acesso dos membros dos demais poderes.

            O acesso ao Poder Judiciário nos cargos de primeiro grau se dá mediante concurso público, sendo evidente a opção do constituinte pelo critério do mérito no acesso (art.93, I, da CF/88), em vez do critério representação popular, talvez em virtude do predomínio técnico-jurídico da função.

            Contudo, o acesso aos Tribunais Judiciários se dá mediante escolha de integrantes por pequenas castas sociais, na forma prevista na Constituição, restando aqui afastados a participação popular e o critério de mérito. A forma de acesso e a composição dos tribunais estão definidas na Constituição, sendo relevante aqui registrar tais aspectos referentes ao Supremo Tribunal Federal (art.101 da CF/88).

            Conforme se verá posteriormente, o STF cumula funções extremamente relevantes na ordem constitucional sendo ao mesmo tempo cúpula do Poder Judiciário (Tribunal de Apelação) e Corte Constitucional.

            Por força do modelo de freios e contrapesos, inerente à separação dos poderes, tem-se que a escolha dos membros do STF se dá por interferência do Executivo e do Legislativo.

            Os ministros do STF são indicados e nomeados com ampla liberdade pelo Presidente da República, tendo apenas alguns limites prévios definidos na CF/88 para efeito de escolha, tais como, o critério da idade (maior de 35 e menor de 65 anos) e o critério extremamente subjetivo de notável saber jurídico e reputação ilibada. Há previsão de aprovação da escolha presidencial pela maioria absoluta do Senado Federal, o que tem implicado historicamente em verdadeiro ato de chancela, mera homologação.

            O acesso e a composição do Poder Judiciário resulta, pois, de critérios que fogem à participação popular, sendo certo que nos tribunais, quanto mais alta for a hierarquia da corte, mais fluido e aberto é o critério de acesso, restando muita liberdade ao Executivo na escolha de tais membros, o que implica em menor legitimidade.

            Ademais, os membros do Poder Judiciário, diferentemente daqueles mandatários do Executivo e do Legislativo têm vitaliciedade [10], ou seja, exercitam o poder político de forma mais permanente.

            Resta, portanto, concluir, que o titular do poder político não tem participação direta no processo de repasse da função jurisdicional aos membros do Poder Judiciário, o que torna o primeiro ciclo poder muito menos legítimo que o referente aos demais poderes do Estado.

            Além disso, os mecanismos de controle do acesso ao Poder Judiciário por parte do povo são reduzidos, haja vista a ampla liberdade na escolha dos membros dos tribunais, ficando o controle mais voltado à realização dos concursos públicos.

            Tendo em conta que o critério de acesso e composição são previstos na Constituição, sendo, pois, válidos, resta apenas a possibilidade de minorar ou mesmo otimizar o acesso em proveito do povo pelo menos quanto à qualificação dos integrantes, o que se daria notadamente mediante duas posturas básicas: a) otimização na seleção através dos concursos públicos para os cargos de juízes de primeiro grau, o que se daria por meio de provas mais coerentes com a realidade da judicatura e com a diminuição no subjetivismo dos critérios de aprovação no certame; b) aperfeiçoamento dos magistrados tanto em sua formação jurídica, como em disciplinas afins à realidade social; c) eleição com voto de juiz para escolha dos juízes dos tribunais.

            3.2. Exercício da função jurisdicional.

            Interessa aqui verificar se há participação do povo na atividade jurisdicional, para efeito de legitimação de mais uma etapa do ciclo do poder.

            A função jurisdicional implica em preservar e aplicar o ordenamento jurídico pátrio com definitividade, situação que normalmente é realizada mediante provocação de interessados (jurisdicionados), diante de caso concreto. O Estado assumiu para si a tarefa de solução dos conflitos sociais, concedendo aos litigantes o direito e poder de provocar e participar do exercício tal função, mediante o direito de ação (art.5º, XXXV, da CF/88), através de uma forma previamente estabelecida (devido processo legal – art.5º, LIV, da CF/88).

            Aqui, importa esclarecer que, quanto maior for a participação do jurisdicionado no processo de formulação da decisão jurisdicional, mais legítima esta será, daí serem inafastáveis o contraditório e a ampla defesa, com todos os recursos a ela inerentes (art.5º, LV, da CF/88).

            A função jurisdicional, porém, não se limita a resolver conflitos subjetivos (casos concretos), sendo incontestável a chamada jurisdição constitucional, ou seja, o mecanismo de solução de embates entre atos (normativos ou não) infraconstitucionais e a Constituição (jurisdição objetiva), tarefa essa que assume um maior relevo político, haja vista a finalidade de preservação da eficácia e supremacia constitucional.

            Destarte, o chamado controle de constitucionalidade é um instrumento garantidor da legitimidade do exercício do poder político, pois visa a tornar coerente o ato de Governo com a Constituição. Tal mecanismo decorre da rigidez e da supremacia constitucional.

            O controle de constitucionalidade é realizado por todos os Poderes do Estado, sendo, contudo, preponderante, o controle jurisdicional, o qual normalmente é repressivo.

            No que concerne ao controle jurisdicional de constitucionalidade tem-se que há participação popular apenas no controle difuso, pois o próprio jurisdicionado, no caso concreto, provoca e participa da atividade jurisdicional. No controle concentrado, perdeu o constituinte uma ótima oportunidade de conferir legitimidade ao povo de deflagrar a jurisdição, ficando a participação popular atrelada a certos entes representativos, tais como, o Ministério Público (Procurador Geral da República), Conselho Federal da OAB, Confederações sindicais e entidades de classe de âmbito nacional (art.103 da CF/88). Mais adiante, por ocasião da resposta à segunda indagação deste estudo, retornar-se-á ao controle de constitucionalidade.

            Historicamente, têm-se as funções legislativa e executiva como políticas, haja vista a grande margem de liberdade nos critérios de decisão, sendo assim, pois estariam associadas à definição dos rumos do Estado e programa de Governo. O Poder Judiciário não exercitaria função política, pois não fora instituído para dar rumos ao Estado, nem teria o condão de se imiscuir nos aspectos decisórios dos demais poderes quando concernentes a questões meramente políticas [11].

            Contudo, inevitável é a constatação que em essência todas as funções são manifestações do poder político, sendo, portanto, políticas.

            Apesar de ainda haver uma certa polêmica, já se admite que a função jurisdicional, notadamente por parte do STF, tem natureza política. [12] É notório que a função jurisdicional implica na contenção das demais funções políticas do Estado, em especial quando garante a validade da decisão política fundamental.

            O controle de constitucionalidade, somado ao controle da legalidade, implica em exercício de função de natureza política, de contenção dos abusos das demais funções do Estado. O Poder Judiciário atua como legislador negativo, afastando o ato normativo contrário à Constituição.

            Algumas dificuldades afetam o exercício da jurisdição culminando em prestação deficiente da atividade, em descompasso com o objetivo constitucional, o que implica em perda de legitimidade do Poder Judiciário, pois a justificativa de sua própria existência está em bem realizar a função que lhe fora incumbida pela Constituição. Em não se prestando a contento a jurisdição, tem-se por não atingida a vontade constitucional, e, por sua vez, não será aceita ou não terá legitimidade pelo povo.

            As dificuldades atribuídas à má prestação jurisdicional são muitas, podendo se pinçar algumas: falta de prevenção dos conflitos pelo Estado, o que implica em uma demanda desumana; poucos juízes para muitos processos; legislação processual ainda caótica; demora na prestação jurisdicional, etc.

            Algumas soluções, por outro lado, já se apresentam no sentido a resgatar a efetividade, e por sua vez, a legitimidade da prestação jurisdicional: as demandas ou tutelas coletivas; a Emenda Constitucional 45/04 que instituiu, o direito fundamental ao prazo razoável para duração do processo; a descentralização dos tribunais e a justiça móvel; a proporcionalidade entre o número de processos e o de juízes; a súmula vinculante; etc.

            3.3. Legitimidade das decisões judiciais.

            A decisão judicial é o fruto da função jurisdicional, de forma que o Poder Judiciário deverá dar ao jurisdicionado aquilo que o ordenamento jurídico lhe proporciona, mas impede que consiga com as próprias forças (vedação da justiça privada). Nesse contexto, merece destaque também, a missão do Poder Judiciário, notadamente do STF, em assegurar a efetividade das normas constitucionais, fazendo valer a supremacia que lhes é inerente.

            A decisão judicial deverá ser pública e devidamente motivada, sob pena de ser reconhecida como nula de pleno direito (art.93, IX, da CF/88). É um dos poucos momentos em que o constituinte expressou hipótese de nulidade no texto constitucional, o que indica importante garantia de legitimidade.

            Cabe, ao jurisdicionado e à coletividade em geral, serem informados da decisão, assim como terem acesso às razões de fato e de direito que levaram o julgador a adotar uma dada decisão, tudo para efeito de maior aceitação e controle da atividade jurisdicional pelo povo. [13]

            Importante aqui destacar a missão constitucional do Poder Judiciário em implementar os direitos fundamentais, especialmente os de segunda dimensão (direitos econômicos, sociais e culturais), atuando nestes casos como agente transformador da realidade [14], forçando o Estado a agir como provedor das necessidades básicas e essenciais da coletividade.

            Outrossim, será legítima a decisão judicial e por sua vez a própria existência do Poder Judiciário, na medida em que sejam assegurados os direitos subjetivos e a eficácia constitucional.

            Tem-se verificado, porém, a fragilidade ou mesmo descaso do Poder Judiciário, notadamente do seu órgão de cúpula, em implementar tais misteres, o que implica em não se observar a vontade constitucional [15], e por sua vez, a do titular do poder político, sendo, pois, ilegítima tal postura. [16]

            Os tribunais têm decidido cada vez mais com base em parâmetros não jurídicos (metajurídicos), esquecendo-se de que está a princípio nas normas, principalmente na Constituição, a legitimidade de suas funções. Quando o STF julga com base em critérios escusos à Constituição deixa de atuar legitimamente, passando a invadir competência dos demais poderes. [17]

            Quando o STF passa a decidir mediante critérios puramente políticos termina por invadir a competência dos demais poderes do Estado, passando a gerir os rumos do Estado, e pior, ao fazê-lo, priva o povo de qualquer forma de controle, haja vista que não se submete à censura popular mediante o voto, pois seus membros são vitalícios, não detêm mandato. Em outras palavras, um mau político é expurgado do poder nas próximas eleições, mas um mau juiz não sofre tal tipo de controle, permanecendo indefinidamente no exercício indevido do poder político.

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Sobre o autor
Agapito Machado Júnior

procurador federal, especialista em Direito Público (UNIFOR), especialista MBA em Direito Constitucional (UCAM/RJ), mestrando em Direito (UFC)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACHADO JÚNIOR, Agapito. A legitimidade do Poder Judiciário e a função de corte constitucional do Supremo Tribunal Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 965, 23 fev. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7992. Acesso em: 5 mai. 2024.

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